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26 de fevereiro de 2022

É juridicamente possível o pedido de exclusão do herdeiro em virtude da prática de ato infracional análogo ao homicídio, doloso e consumado, contra os pais, à luz da regra do art. 1.814, I, do CC/2002

Processo

REsp 1.938.984-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação declaratória de reconhecimento de indignidade com pedido de exclusão de herdeiro. Possibilidade jurídica do pedido. Condição da ação no CPC/1973. Questão de mérito no CPC/2015. Resolução do processo com mérito. Aptidão para formar coisa julgada material. Divergência sobre a natureza do rol do art. 1.814 do CC/2002 e sobre as técnicas hermenêuticas admissíveis para a sua interpretação. Pedido juridicamente possível. Vedado o julgamento de improcedência liminar.

 

DESTAQUE

É juridicamente possível o pedido de exclusão do herdeiro em virtude da prática de ato infracional análogo ao homicídio, doloso e consumado, contra os pais, à luz da regra do art. 1.814, I, do CC/2002.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O enquadramento da possibilidade jurídica do pedido, na vigência do CPC/1973, na categoria das condições da ação, sempre foi objeto de severas críticas da doutrina, que reconhecia o fenômeno como uma questão de mérito, tendo sido esse o entendimento adotado pelo CPC/2015, conforme se depreende de sua exposição de motivos e dos dispositivos legais que atualmente versam sobre os requisitos de admissibilidade da ação.

O fato de a possibilidade jurídica do pedido ter sido realocada como questão de mérito, conquanto provoque reflexos significativos na forma como o processo será resolvido, com mérito e aptidão para formar coisa julgada material, não acarreta modificação substancial em seu conceito e conteúdo, que continua sendo a ausência de vedação, pelo ordenamento jurídico, à pretensão deduzida pelo autor, sob pena de, após o CPC/2015, conduzir à improcedência liminar do pedido.

Para que haja o reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido, há que se ter uma repulsa do sistema jurídico à pretensão autoral, de tal maneira eloquente e contundente, que seria capaz de resultar, de imediato e sem grande debate, na improcedência liminar do pedido formulado, ainda que essa situação, em específico, não tenha sido expressamente contemplada pelo art. 332 do CPC/2015.

Na hipótese, a questão relativa à possibilidade de exclusão do herdeiro que atenta contra a vida dos pais é objeto de severas controvérsias doutrinárias, seja sob a perspectiva da taxatividade, ou não, do rol do art. 1.814 do CC/2002, seja sob o enfoque dos métodos admissíveis e apropriados para a interpretação das hipóteses listadas no rol, razão pela qual as múltiplas possibilidades hermenêuticas do referido dispositivo induzem à inviabilidade do julgamento de improcedência liminar do pedido.




17 de agosto de 2021

Aula Leonardo Greco - 07/03/08 - Legitimidade e Interesse como condições da ação

 

Legitimidade e Interesse de agir

A segunda condição da ação é a legitimidade. Legitimidade das partes. Também chamado de legitimatio ad  blábláblá ou também chamada de qualidade para agir.

Art 2° do CPC/73 diz que para propor uma ação é necessário interesse e legitimidade.

O que é a legitimidade? O professor Alfredo Buzaid dizia que é a legitimidade é a pertinência subjetiva da lide.

A quem pertence a causa? Quem são as partes no litígio? As partes do litígio é que serão as partes da ação. Normalmente, a legitimidade é a qualidade para assegurar tanto o autor como o réu de uma ação, que possuem as partes na relação jurídica de direito material.

Ação de despejo. Quem é que pode propor a ação? O locador. Contra quem?Contra o locatário. Legitimidade ativa, o locador. Legitimidade passiva o locatário. Quem é que tem direitos de credito no contrato de locação que possa exigir a desocupação do imóvel? È o locador. Da parte de quem ele pode exigir? Do locatário. São partes na ação, que normalmente, são as partes na lide, que são as partes na relação jurídica de direito material.

E por isso o art 6° do CPC/73 diz que ninguém pode vir a juízo em nome próprio defender interesse alheio, salvo nos casos expressos em lei. Porque essa legitimidade, que tem as partes da relação jurídica de direito material, de assegurar como partes na ação que é uma legitimidade atual, é uma legitimidade que nós chamamos de ordinária. Porque, afinal, todo aquele que alega ter o direito, deve ter o direito de postulá-lo em juízo contra aquele que ele entende que deve alguma coisa ou em parte do qual ele tem o direito.

 Entretanto, as vezes, a lei dá legitimidade a um sujeito postular em juízo um interesse que não é dele, mas de outro. Aí é preciso ter cuidado, porque este fenômeno que é a qualidade de ser parte na ação, sem ser parte na rel. jur. de direito material, ir a juízo em nome próprio para defender um interesse alheio, que nós chamamos de substituição processual não se confunde com a representação.

Na representação eu dou uma procuração a alguém. Para ir a juízo postular um direito meu, o mandatário, o meu representante ele ñ é parte processual, ele ñ age em nome próprio, mas sim no meu nome. Eu continuo sendo parte, embora representado por aquele a quem eu conferi o mandato.

Quando o pai do menor, em nome do menor, postula um direito em favor do menor, ele não é substituto processual. Porque a parte é o menor. È um representante. Aí nos não estamos no plano das condições da ação, mas da capacidade processual, do pressuposto processual. Será que o menor está bem ou mal representado? Vamos ver se é mesmo o pai dele, através da certidão de nascimento.

Na substituição processual a parte não é titular de direito material. É aquele que a lei permite que venha postular e defender o dir. material de outrem.

Art 1182 do CPC/73 ao tratar da interdição, diz que o interditando será defendido pelo MP. A lei usa mal a palavra “representado”, porque não é uma representação. A lei dá ao MP no dever de defender a capacidade do interditando, e portanto atuar nesse processo de interdição em defesa da capacidade do interditando, agir em nome próprio na defesa de interesses alheios.

Art. 9  II do CPC/73 ao falar do Curador especial do réu revel citado por edital ou com hora certa. O réu foi citado por edital, não se sabe se tomou conhecimento ou não. Há uma suspeita dele não ter tomado conhecimento, então a lei manda que o curador especial o defenda, que no caso do estado do Rio de Janeiro é o Defensor Público. O defensor não tem mandado do Réu para defende–lo, ele ñ age em nome do Réu, ele age em seu próprio nome na defesa de interesse alheio.

 Há casos de substituição processual exclusiva e há casos de substituição concorrente ou simultânea. Ou seja, há casos em que o substituto atua sozinho, como é o caso do curador especial, e há casos em que o substituto atua junto com o substituído, é o caso da interdição, o réu se defende, mas independentemente dele se defender o MP o defende.

Por exemplo, o Réu é revel vai ser defendido pelo curador especial porque ele não apareceu para se defender, de repente ele aparece, aí cessa a defesa pelo curador especial, o Réu fica sozinho, porque a parte na relação jur. de dir. material é ele, o Réu. Na interdição o MP vai defender o interditando até o fim, mesmo que com a presença dele.

A substituição processual é excepcional. Tem que ser excepcional, para ampliar as possibilidades de defesa de quem possa a ter alguma deficiência na sua defesa,como é o caso do interditando, que pode não ter discernimento para exercer bem a sua defesa ou no caso do réu revel citado por edital ou com hora certa, que pode não ter tomado conhecimento da ação.

Mas a lei estabelece outros casos de substituição processual, por exemplo, no regime dotal, uma das espécies do regime patrimonial, de bens do casamento, no regime do CC/16, não existe mais no CC/02, mas os casamentos anteriormente celebrados nesse regime continuam sujeitos a ele. Regime Dotal era usado principalmente pq a mulher ainda não tinha se emancipado.  O pai para desencalhar a filha, muitas vezes atraía candidatos dando a eles o dote. Esse dote era uma doação á filha, mas entregue a administração do marido. E se houvesse qualquer litígio a respeito desses bens dotais, quem tinha que defender em juízo os bens da mulher era o marido. A mulher era relativamente incapaz até 1962. Depois dessa data ele não é mais considerada incapaz, mas o regime dotal continua, quem vai defender os bens que o pai dela deu para ela é o seu marido. Eu acho que isso é inconstitucional para mulher, se a mulher quiser defender seus direitos, esta na CF o direito dela. Nenhuma ameaça de lesão ao direito pode ser subtraída da apreciação oficial, se o marido não defende o direito dela, ela não pode ser privada de pedir a tutela de seus direitos.

A substituição processual, diante da evolução do direito moderno, em favor da cidadania, em favor da dignidade humana, em favor dos dir. fundamentais, ainda é um instituto inchado de problemas.

 Porque, por exemplo, a doutrina tradicional costuma dizer que a sentença proferida na causa em que a parte foi defendida pelo substituto processual para fazer coisa julgada em relação a ele, substituto, também o faz em relação ao substituído. Ora, isso não pode acontecer sempre. Claro que no caso do substituído no caso de réu revel citado por edital foi chamado a se defender e não atendeu a citação, é razoável que a sentença faça coisa julgada em relação a ele. Mas se o substituído não se defendeu porque jamais foi chamado a se defender, como é que a sentença vai fazer coisa julgada?

E aí, outros tem defendido e eu mesmo, que em muitos casos de substituição processual, a sentença só faz coisa julgada quando for in utilibus, a favor do substituído, nunca contra. Porque ninguém pode perder o direito de uma sentença judicial pode por um processo de não se defendeu, que não teve possibilidade de se defender porque não foi chamado.

Na ação civil pública, que é aquela ação coletiva para a tutela de interesses difusos, coletivos strito sensu ou individuais homogêneos (regulada na lei 7347/85 do CDC, art. 81 e seguintes) a legitimidade do MP, das associações, para a defesa desses interesses coletivos ou difusos ou individuais homogêneos, a meu ver, é uma legitimidade extraordinária, como o substituto processual.

Mas esta matéria não esta pacificada, há autores como o prof. Paulo César Carneiro da UERJ, defendem que é uma legitimidade ordinária. Na verdade o MP não defende os interesses, por exemplo, dos cegos, numa ação coletiva ele não esta defendendo o interesse dele, nem esta defendendo o interesse geral de uma comunidade. Esta defendendo interesses de um grupo dentro da comunidade.

Ao meu ver, ele é um substituto processual e não um legitimado ordinário. É um legitimado extraordinário.

No Brasil a legitimação extraordinária ou substituição processual sempre depende de lei, porque ela esta expressa no art.6 do CPC/73. A regra é que a legitimidade é ordinária partes na rel. jur. de dir. material, partes na lide. Quem pode propor uma ação contra outrem? Quem alegar um dir. seu em face do qual ele está propondo a ação. Essa é a regra. Se eu alego meu dir. em relação contra A e proponho contra B eu sou carecedor da ação por falta de legitimidade passiva. Se eu alego um dir. que não é meu, eu sou carecedor da ação por falta de legitimidade ativa. A menos que a lei permita a minha legitimação extraordinária.

E a legitimação ordinária e a exigência que só a lei pode permitir a legitimação extraordinária nada mais é do que a proteção da liberdade de cada um. Se eu não quero propor ação nenhuma contra o meu vizinho de cima, ninguém pode ir a juízo reivindicar um dir. meu. Eu é que tenho que reivindicar se eu quiser. Ninguém pode me obrigar. As vezes eu tenho medo de brigar c meu vizinho de cima, eu sou mais fraco, eu não tenho condições de lutar com ele, então vem o MP ou uma associação e propõe uma ação em nome de todos do prédio contra o vizinho de cima, uma ação coletiva.

As ações coletivas dos sindicatos, das associações, do MP são uma muleta para dar condições de ingresso ao juízo, de acesso a justiça para pessoas que talvez até quisessem entrar na justiça, mas que não esta disposta a brigar c seu adversário ou ate para as pessoas para quem o litígio individual ia ser muito custoso.

Então, normalmente na legitimação ordinária, o autor tem que afirmar que ele é titular de um dir. material, e que esse dir. é contra o Réu.

 

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A 3° condição da ação é o interesse de agir. O conceito tradicional do interesse de agir é a necessidade de recorrer a jurisdição para alcançar o bem da vida. Por que eu preciso ir a juízo para alcançar o gozo de um determinado bem? Porque há uma pretensão resistida, há uma lide. È a resistência de alguém impedindo que eu me aposse de um bem que eu acho q é meu. Como a lei , a sociedade civilizada, regida pelo direito impede a auto tutela, fazer justiça com as próprias mãos, é até crime se justificar com as próprias razoes, então eu vou a justiça requerer este bem da vida. Aí é que nasce o interesse de agir. Ou nasce da lide ou nasce da própria lei.

Há certos direitos que mesmo sem lide,a lei não permite que o autor alcance seu gozo a não ser mediante uma ação judicial,mediante uma decisão judicial. É o que acontece na jurisdição voluntária, no que Carnellutti chamou de processos sem lide. Ex. Interdição. O réu não pode chegar no cartório e pedir: “anota aí, eu sou maluco”. Tem que ir a juízo, é a lei que impõe a quem quer obter a suspensão ou a supressão da capacidade civil . A mulher quer anular o casamento c seu marido, os dois querem anular o casamento, mas não podia sem ter uma sentença judicial. Não há lide entre elas, mas a lei diz que anulação de casamento só mediante a sentença judicial. O interesse de propor uma ação não decorre da resistência do outro, ocorre da imposição da lei.

Então o interesse de agir nasce lide ou da imposição da lei. Um determinado efeito jur. só pode ser alcançado através de uma decisão judicial.

O interesse de agir  suscita muitas controvérsias e nessa introdução a gente não pode tratar de todas as exceções. Mas hoje se fala no interesse- necessidade, utilidade e adequação.

Vejam que eu defini interesse como necessidade.

O interesse- utilidade se aplicaria à certas situações em que a lei permite que o efeito jurídico seja alcançado por provimento jurisdicional,mas ñ é estritamente necessário. Esse efeito jur. poderia ser alcançado por outras vias, mas ainda sim , a lei permite, ñ impõe. Ex. Separação consensual pode ser feita judicialmente ou extrajudicialmente. A escolha da via judicial pode ser justificada por fornecer mais segurança jurídica, pode haver alguma suspeita do outro. é uma garantia.

Esse interesse –utilidade também existe nas ações declaratórias. As ações meramente declaratórias. Eu peço ao juiz que declare a validade de um contrato. Ele existe. eu só quero que o juiz declare a validade do contrato. Eu tenho interesse de agir? As duas partes estão cumprindo o contrato. Qual a necessidade de ir ao juiz pedir que ele declare que ele seja valido? Ele já era válido com a presença judicial ou sem. Mas existe um dúvida, alguém esta questionando se o contrato é válido e isso pode me fazer sofrer riscos num momento futuro, então eu vou a justiça para que declare sua validade. Essa declaração não vai resultar em sentença, mas a medida vai ser útil para garantir a segurança jurídica. Então esse seria o interesse utilidade.

Na minha opinião, todo interesse utilidade é interesse necessidade. Necessidade de segurança jurídica, de obter o provimento jurídico.

Às vezes a gente também vê o interesse utilidade em certas ações que a parte não precisaria propor, mas propõe. Ex. A prefeitura pode, sem precisar ir a justiça, demolir qualquer prédio urbano ou rural que corre risco de desabamento. Isto esta na legislação urbanística de qualquer município. Ex Palace II, como havia muita polêmica, em relação ao desabamento e a prefeitura ñ queria sofrer desgaste de imagem, ela propôs uma ação judicial e pediu ao judiciário q autorizasse a demolição. Muitos dizem que a prefeitura não tinha interesse d agir , pq ela não tinha necessidade de ir a justiça, ela podia demolir. Ela foi a um órgão imparcial para que não fosse só ela que dissesse que aquele prédio deveria ser demolido. No momento em que ela entrou com a ação, ela renunciou ao poder de auto administração. E é bom que isso aconteça pq no estado democrático o estado deve justificar seus atos deve ser transparente.

Ex. O reitor Vilena tomou posse e os alunos acharam que ele era um interventor, um ditador. Então, os estudantes invadiram a reitoria. A UFRJ podia ter chamado a polícia para ter retirado os estudantes a força, mas já imaginaram se isso ocorre? Se algum estudante morre? A reitoria recorreu ao judiciário com uma ação de reintegração de posse. Aí é o oficial de justiça que estava acompanhado da policia que retira os estudantes. Se houver algum abuso de poder, não é pelo reitor. A Universidade não tinha interesse de agir para aqueles que acham que o poder de auto tutela da administraçao publica é irrenunciável, porque podia ela própria chamar a policia para retirar os estudantes. Mas ela por tolerância, para alimentar esse clima mais aberto e mais democrático ela buscou a justiça.

O interesse adequação, para mim não é condição da ação. É pressuposto processual. Este interesse é adequação do provimento ou do procedimento à obtenção do efeito jur. desejado, do bem da vida.

Se eu formulo um pedido que não é apto a alcançar aquele bem da vida, o provimento que eu estou pedindo é inadequado. E a minha petição inicial é inepta. Esta lá no art. 295.

Ex. inadequação de provimento - eu propus uma ação possessória alegando que o réu é esbulhador do meu imóvel ele invadiu meu imóvel, ai o juiz diz na sentença a partir das provas, da contestação do Réu, que não houve esbulho. O Réu era inquilino. a reintegração de posse é um procedimento inadequado. Para retirar um inquilino do imóvel é preciso rescindir o contrato de locação. O provimento para retirada do ocupante é inadequado.

O juizado especial, não segue essa regra. O Greco conta o caso da conta de telefone. Que o autor pega uma conta de telefone e pede R$ 6000,00 pq o vizinho dele conseguiu essa quantia. Ele nem sabe o que vai pedir. Mesmo assim o juiz percebe a ignorância do autor e orienta-o para conseguir esse direito, porque ele vê que a pessoa não possui nenhuma assistência jurídica. Há flexibilização do art. 264. Não desrespeita a autonomia de vontade do autor. Como disse Calamandrei a justiça não foi feita para fantoches, foi feita para seres humanos tal como eles são. Sobre a sobrecarga no judiciário devido a estas demandas Greco responde: O que é mais importante? O comodismo do Estado ou o cidadão ter seus direitos respeitados? O estado de dir. contemporâneo esta baseado em alicerces de respeito aos dir. fundamentais. O estado tem o dever de advertir, que os alemães chamam de blábláblá o juiz não vai impor sua visão à causa, ele só vai, como Sócrates, na maiêutica socrática, perguntar a parte se é isso ou aquilo que ela quer sem impor sua vontade. O juiz não pode impor o que o autor vai pedir, ele vai tentear conduzir a parte a esclarecer o que ela quer. ou então ele pede que a parte procure o defensor publico para que ele volte c a formulação de um pedido se ele conseguir ali mesmo o esclarecimento ele perceber q a parte tem condições de se defender ele deixa seguir assim.(art 9° & 2° da lei 9999)

Ex. Procedimento inadequado - Quando impetram um MS e o juiz na hora denega o pedido, pois não era caso de MS. Extinção do processo sem julgamento de mérito. Falta de dir. líquido e certo. Porque na verdade os fatos são controvertidos. O MS é um procedimento sumario, que não possibilita ação probatória, não possibilita realização de audiência, inquisição de testemunhas, estudos periciais. Ou os fatos são incontroversos ou são provados por prova documental. Fora disso não cabe MS.Os defensores do interesse adequação dizem que isso é falta de interesse de agir. Não. Esse autor que impetrou o MS errado, ele continua tendo interesse de agir para alcançar o bem da vida, só que ele deu o tiro errado. Ele usou o meio inadequado. Isso é falta de pressuposto processual. Pressuposto objetivo, subordinação do procedimento as normas legais, neste caso para se alcançar o dir. era necessário se adotar um outro procedimento.

O provimento ou procedimento inadequado para alcançar o bem da vida constitui o chamado interesse adequação, que ao meu ver, não soa falta de condição da ação, falta de dir. a jurisdição e sim falta de pressuposto de validade do processo. Pois o dir. a jurisdição existe, só que ele não é atingível por este provimento ou procedimento adotado.

Tem duas decisões da justiça italiana que se referem a estes casos em que o autor da o tiro errado. Foi decidido que seja aproveitado esse tiro errado e que ele se converta no procedimento adequado para que o autor não sofra um prejuízo maior da impossibilidade de tutela por aquela via, que muitas vezes ate impede que ela use outra via. E, portanto, vai privá-la da tutela do direito. No Brasil, essa idéia vai soar como absurda. Mas não é. É muito fácil para o judiciário lavar as mãos. Mas ele não deve fazer isto. Deve exercer a jurisdição na forma da lei, mas deve facilitar o julgamento do litígio, a tutela do dir. material. E não ficar com formalismos, só criando entraves.

Ex. carimbo ilegível - Centenas de recursos não foram reconhecidos porque o carimbo estava ilegível. Não dava para ver a data que o recurso foi pedido. Mas isso não é culpa do recorrente, a falta de tinta no carimbo do tribunal não é culpa do recorrente.  Batem a porta da justiça na cara do cidadão, porque o judiciário não foi capaz de ter tinta no carimbo. Essa é uma justiça egoísta que esta preocupada com o conforto do juiz.  É um justiça que é feita contra nós e não para nós.

Será que existem outras condições da ação? Pois o art 267 da a entender que não é uma enumeração exaustiva. Na minha opinião ñ há outras condições da ação.

O segundo problema é o do limite entre as condições da ação. Elas são questões processuais ou são questões de dir. material? Há sistemas processuais como o sistema alemão que só existem 2 tipos de questões: a processual e a de dir. material e não se fala de condições da ação. Nosso CPC/73 adotou a trilogia, 3 tipos de questões, pressupostos processuais, condições da ação e mérito.

Mas embora tenha adotado a trilogia de questões, o CPC/73 jogou as condições da ação junto com os pressupostos processuais nos motivos de extinção do processo sem a resolução de mérito. Então para nosso código, as condições da ação não são mérito. Mas aí vem a critica, mas como é que o juiz vai aferir se o pedido é licito, se a parte é legitima, se tem necessidade de tutela jurisdicional sem examinar qual é o dir material? É sob a luz do dir. material alegada pelas partes que o juiz afere se ela tem ou não as condições da ação. Como é que o dir. positivo diz que é uma questão processual? Quando na verdade elas são aferidas à luz do dir. material. Depois de longa discussão, de um longo processo, ele descobre que o autor não é titular de dir.material, ele deve julgar improcedente o mérito ou julgo carecedor da ação por falta de legitimidade.

A doutrina encontrou uma solução que é de que o exame de condições da ação realmente se dá olhando o juiz para o direito material tal qual alegado pelo autor, num juízo hipotético, in statu assertionis. Quando o juiz decide se o autor tem ou não condições da ação, ele não está julgando o mérito, definitivamente o dir. material, ele só está examinando em face da hipótese que o autor descreveu, se aquela hipótese se confirmar e ficar comprovada, se o pedido poderá ser acolhido.

O exame das condições da ação é um exame da procedência das alegações do dir. material do réu, da procedência hipotética das alegações do réu, se se confirmar a hipótese que o réu apresentou.

Ex. A mulher propõe uma ação de separação contra o marido. O marido vem e diz que a certidão de casamento é falsa. O juiz chega a conclusão que ele não é realmente o marido daquela mulher. Julga a autora carecedora de ação falta de blábláblá de causa ou julga o pedido improcedente? Julga improcedente. Porque em face da hipótese que a autora afirmou, ela era parte legitima, agora se essa hipótese for comprovada é julgamento de mérito.

Ex. A mulher afirmou que não era casada com o marido, mas que mesmo não sendo casada ela tem dir. a separação, com a partilhas dos bens, a guarda dos filhos, pensão. O juiz vai julgá-la carecedora da ação.

As condições da ação funcionam como filtro. Na verdade para limpar desde logo aquelas ações que são manifestamente inviáveis. Porque o pedido é ilícito ou a parte não tem legitimidade, que não tem interesse...Mas esse filtro pode ser desvirtuado. E esse é o perigo da teoria da asserção. Basta que o autor afirme que ele possui o dir material para colocar o réu na justiça. O réu não poderia ser molestado a não ser por uma ação viável. Essa é a justiça escancarada no Brasil. Ela deve estar de portas abertas, mas não escancarada. Não se pode transformar o acesso a justiça, dir a jurisdição, dir. de ação, num instrumento de perseguição do mais forte sobre o mais fraco, num instrumento de demandismo de quem, não tendo dir. algum, mente e fica bem. A justiça é tolerante com a ma fé e a mentira, permite que o inocente seja molestado.

 Para que as condições da ação não se transforme nesse instrumento de demandismo temerário, é preciso que a afirmação do dir pelo autor seja consistente. Que ele faça a afirmação de um dir. verossímil, ele tem que provar. É humilhante ter que submeter o réu a pagar adv., passar anos se defendendo, sair no jornal q ele é parte de processo, tudo isso por causa de um aventureiro que afirmou um fato completamente inverossímil. Mesmo se for verossímil , se o autor tem provas  ele tem que fornecê-las ao juiz. Conforme o art 293 do CPC/73, os documentos necessários a propositura da ação são os documentos que o autor deve ter em seu poder como prova pré constituída que demonstra a viabilidade da existência do dir material. A consistência da hipótese por ele formulada.

Às vezes o autor não tem documento nenhum. Não seria justo exclui-lo só porque ele não tem provas daquilo que ele afirmou,mas nesse caso o juiz deve exigir que ele explique de boa fé porque ele não tem documento nenhum e num 2° momento exigir outras provas.

15 de agosto de 2021

Aula Leonardo Greco - 03/08/2008: Condições da Ação

 03/03/08

CONDIÇÕES DA AÇÃO: O artigo 267 inciso VI do CPC/73 estabelece que o juiz extinguirá o processo sem resolução do mérito, sem examinar o direito material quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual (de agir). E o artigo 301 do CPC/73, ao tratar da contestação, estabelece que compete ao réu, na contestação, ou seja, na defesa, antes de discutir o mérito, antes de discutir o direito material, alegar, no inciso X, a carência da ação. O que é isso? É a falta de condições da ação. O autor não tem o direito de pedir do Estado o exercício da função jurisdicional sobre essa relação jurídica de direito material. Por quê? Ou porque o pedido é juridicamente impossível, ou por que ele não tem interesse de agir, ou porque ele não tem legitimidade. O réu deve alegar na contestação a falta de condições da ação, a carência da ação. O juiz também pode examinar de ofício, está expresso lá no artigo 267, § 3º. Mas se o réu não alegou e o processo foi adiante, o réu vai arcar com as custas a que deu casa por não ter alegado na contestação. Carência da ação é falta de alguma das condições da ação. E as condições da ação são questões que o juiz tem que apreciar antes de julgar o mérito do pedido, porque sem alguma delas o autor não tem direito a sentença de mérito, não tem direito a prestação jurisdicional sobre direito material. O que são as condições da ação? Qual é a natureza das condições da ação? Aqui também há uma divergência na doutrina, mas aqueles cinco significados que nós demos para o direito de ação ajudam a resolver essa divergência. Na minha opinião, nós podemos afirmar que as condições da ação são requisitos da existência do direito de ação. Sem alguma das condições da ação o autor não tem direito a jurisdição, não tem direito ao exercício da função jurisdicional sobre a demanda, e ele será julgado carecedor da ação e se extingue o processo sem resolução de mérito. No entanto, vocês vão encontrar em doutrina muito reputada, como José Carlos Barbosa Moreira, a noção de que as condições da ação são requisitos do regular exercício do direito de ação. Condições de existência ou condições de exercício? Condições de exercício significa que a ação existe, mas ela não pode ser exercida. Condições de existência significa que a ação não existe. Bom, aí na verdade, essa diferença decorre do uso em sentidos diversos da idéia do direito de ação. Como direito a jurisdição, as condições da ação são condições de existência. Agora como direito cívico, aqueles que falam que as condições da ação são condições para o regular exercício da ação estão admitindo que a ação exista sem as condições da ação. Na verdade é a ação como direito cívico que todo cidadão tem, mesmo que ele afirme uma hipótese absurda, que é o direito que ele tem de obter uma resposta. Mas não é ação como direito a qualquer resposta que nos interessa aqui no processo, e sim o direito a uma resposta sobre o direito material, reconhecendo ou não a existência do direito de ação e tutelando ou não esse mesmo direito. Portanto, me parece que as condições da ação são condições da existência do direito de ação como direito a jurisdição, como direito a prestação jurisdicional sobre a relação jurídica de direito. E quais são as condições da ação? O inciso VI do artigo 267 fala em possibilidade jurídica, interesse e legitimidade. Mas usa uma redação que gera a possibilidade de acreditar que possam existir outras condições da ação. E vocês vão encontrar em fecunda e relevante doutrina, até do professor Alfredo Buzaid que foi o autor do CPC/73. Alfredo Buzaid escreve um livro sobre ação renovatória e diz: olha os requisitos da ação renovatória, contrato e locação de cinco anos, que a locação seja comercial, etc, são condições existenciais da ação renovatória. Então, as condições da ação não são apenas três. Apesar da autoridade do professor Alfredo Buzaid, ele não tinha razão. As condições da ação são apenas três: possibilidade jurídica, interesse e legitimidade. As condições da ação renovatória são condições de procedência de acolhimento do pedido que o autor tem que afirmar na petição inicial, o autor tem que afirmar que a locação é de cinco anos, que era uma locação comercial, mas é o juiz que vai verificar se ficou comprovado ou não o que o autor confirmou. Se ele afirmou e não provou o seu pedido vai ser julgado improcedente, não vai ser extinto sem resolução de mérito, vai ser julgado, mas julgado contra ele. Isso é muito relevante porque normalmente quando o juiz extingue o processo sem julgamento de mérito a sua sentença não vai fazer coisa julgada. Lá está no artigo 268 que extinto o processo sem resolução do mérito, a demanda pode ser renovada, pode ser reiterada. Enquanto que quando o juiz extingue o processo com julgamento de mérito, de acordo com o artigo 467, a sentença vai atingir a imutabilidade da coisa julgada e aquele pedido não pode mais ser renovado. Então, vamos caminhar com cuidado nessa questão, não vamos cair na falácia em que caem alguns bons autores hoje.

O que é a possibilidade jurídica? Nós estamos caminhando num terreno movediço, porque aqui no artigo 267, inciso VI o código fala em possibilidade jurídica. Já lá no artigo 295, quando ele volta a mencionar as condições da ação, no seu parágrafo único, inciso III, a lei manda que o juiz indefira a petição inicial por inépcia quando o pedido for juridicamente impossível. Então, na verdade nós estamos com duas idéias, uma mais ampla e outra mais restrita, a de possibilidade jurídica ou a de possibilidade jurídica do pedido. Eu prefiro a delimitação dessa condição da ação como possibilidade jurídica do pedido e não como possibilidade jurídica que possa ser do pedido ou da causa de pedir. E é assim que eu vou tratar, em uma concepção mais restrita, menos extensa de possibilidade jurídica como condição da existência do direito de ação. A possibilidade jurídica ou possibilidade jurídica do pedido é a conformidade do pedido com a ordem jurídica vigente. Eu só posso pedir na justiça aquilo que a lei permite, eu não posso formular um pedido proibido pela lei. Quando não existia divórcio, que ingressou no Brasil em 1977 pela E.C. nº 09 e pela lei 6.515, dizia-se o pedido do divórcio é juridicamente impossível, porque era um pedido contrário a ordem jurídica, na constituição era escrito que o casamento era indissolúvel, então não podia haver divórcio. Hoje, há outros pedidos que podem ser considerados juridicamente impossíveis. Se eu pedir ao juiz que mande cortar a mão do meu vizinho porque ele coloca a vitrola muito alta e perturba o meu sossego noturno, ou pedir que ele seja preso por isso, será um pedido impossível juridicamente, pois o ordenamento jurídico brasileiro não permite a perda da liberdade de locomoção como sanção civil nem como sanção penal permite a mutilação do corpo humano. Se o meu vizinho me vendeu um rim e não quis me entregar e eu pedir na justiça que ele seja levado a força ao hospital pra extrair o rim pra poder fazer o transplante o pedido será juridicamente impossível, pois deve haver respeito ao corpo humano, não se deve admitir coações sobre o corpo humano. Ele poderia até ter ido voluntariamente ao hospital e ter tirado o rim. Houve um caso na França de uma mulher, uma bailarina que praticava sessões de strip-tease em um cabaré. Toda noite ela subia no palco e expunha seu corpo, voluntariamente. Um dia por uma razão qualquer ela não quis mais subir ao palco, mas ela tinha um contrato assinado que dizia que durante todo aquele mês ela iria subir todas as noites no palco. Aí o dono do cabaré entrou com uma ação na justiça contra ela para que ela fosse levada a força para se despir no palco. Pode? Fere a dignidade humana dela. Ela pode despir o corpo se ela quiser, mas ela não pode ser forçada a se despir nem com papel passado. Ela pode se arrepender do papel que ela assinou. Ela pode responder por perdas e danos pelo prejuízo que ela causou ao estabelecimento que deixou de faturar por causa de turistas que iriam lá para assistir o espetáculo. Foi assim que decidiu a justiça francesa. Então, hoje há muitos exemplos de pedidos juridicamente impossíveis, mas vocês vão encontra nos manuais muitos exemplos de impossibilidade jurídica que não é do pedido, mas é da causa de pedir. Por exemplo, a doutrina diz que não se pode cobrar na justiça dívida de jogo, se alguém cobrar na justiça dívida de jogo o seu pedido é juridicamente impossível? Na minha opinião, o pedido é possível sim, pois o pedido na cobrança de dívida de jogo é o pagamento de importância em dinheiro que é um pedido legalmente admitido. O que não é admitido é a causa de pedir, é o fundamento jurídico, é cobrar uma prestação de dinheiro decorrente de um jogo de azar. Para aqueles que têm uma concepção mais extensa de possibilidade jurídica, abrangendo a causa de pedir, toda vez que o fundamento for ilícito o autor é carecedor da ação. Mas eu acho que é um exagero, deve se limitar a inexistência de possibilidade jurídica como condição da ação apenas a ilicitude do pedido e não também da causa de pedir, por várias razões. A primeira é a de que se der uma extensão muito grande a impossibilidade jurídica o juiz, em muitos casos em que ele nega a existência do direito, ele poderá equivocadamente julgar o autor carecedor da ação por impossibilidade jurídica e a sentença não fará coisa julgada. Quando, na verdade, o interesse do Estado e também das partes é de que o juiz procure a sentença sobre a relação jurídica de direito material, sentença de mérito, que de fato sepulte definitivamente a questão. Então a possibilidade jurídica, ao meu ver, deve ser vista, hoje, como a ilicitude apenas do pedido. Além disso, se eu estendo muito a impossibilidade jurídica também para direitos que são alegados como fundamento do pedido, eu estou, de certo modo, frustrando a evolução da ordem jurídica. Há muitos direitos que só nasceram através da jurisprudência. Por exemplo, o direito da concubina a divisão dos bens adquiridos durante a união estável nasceu através da jurisprudência que a consagrou numa súmula do STF. Não foi a lei que criou. O direito evolui não apenas com a modificação da lei, mas também com as decisões que vão dando nova compreensão a lei. A hermenêutica moderna evolui muito através da jurisprudência. O que hoje pode parecer ser contrário ao ordenamento jurídico, amanhã pode não ser. Vejam aí a questão da mudança de nome ou até mesmo a mudança de sexo. Sem mudança de lei nenhuma nós começamos a observar uma evolução da jurisprudência. Primeiro ela era sempre negada e de repente começou a surgir um caso aqui outro acolá. Então, o direito evolui porque a sociedade evolui porque a compreensão da lei evolui e quem vai revelando essa evolução é a jurisprudência. Se nós dissermos que toda vez que a jurisprudência se deparar com um problema desses, ela deve simplesmente julgar o autor carecedor da ação, não vai haver julgamento de mérito, impedindo formação de coisa julgada, atrapalhando, dessa forma, a evolução do direito.

5 de maio de 2021

SOCIEDADE ANÔNIMA. AÇÃO REPARATÓRIA CONTRA EX-ADMINISTRADORES. AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLÉIA GERAL. ART. 159 DA LEI 6.404/76. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO AFASTADA. POSSIBILIDADE DE SANAÇÃO DA "LEGITIMATIO AD PROCESSUM". ART. 13 DO CPC/73. PRECEDENTE ESPECÍFICO

RECURSO ESPECIAL Nº 1.778.629 - RS (2017/0114145-2) 

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. SOCIEDADE ANÔNIMA. AÇÃO REPARATÓRIA CONTRA EX-ADMINISTRADORES. AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLÉIA GERAL. ART. 159 DA LEI 6.404/76. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO AFASTADA. POSSIBILIDADE DE SANAÇÃO DA "LEGITIMATIO AD PROCESSUM". ART. 13 DO CPC/73. PRECEDENTE ESPECÍFICO. 

1. A nulificação do acórdão recorrido por afronta ao art. 398 do CPC/73 depende da destacada influência do documento tardiamente acostado para a fundamentação da decisão que se pretende desconstituir. 

2. Plena a ciência da parte em relação ao teor do referido documento, pois a ata de assembleia fora por ela própria assinada. 

3. A ação social reparatória (ut universi) ajuizada pela sociedade empresária contra ex-administradores, na forma do art. 159 da Lei 6.404/76, depende de autorização da assembléia geral ordinária ou extraordinária, atendidos os requisitos legais. Precedente específico. 

4. Em se tratando de capacidade para estar em juízo (legitimatio ad processum), eventual irregularidade pode vir a ser sanada após o ajuizamento da ação, impondo-se que se oportunize a regularização na forma do art. 13 do CPC/73. 

5. Caso concreto em que a ata da assembleia, dando conta da autorização, foi acostada aos autos, demonstrando-se a capacidade para estar em juízo e, assim, permitindo-se o prosseguimento da ação reparatória. 

6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, divergindo do voto do Sr. Ministro Relator, dando provimento ao recurso especial, por maioria, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencidos os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 06 de agosto de 2019(data do julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por EUNICE ROTTA BERGESCH, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do inciso III do art. 105 da CF, contra o acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa está assim redigida: 

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA CONTRA EX- ADMINISTRADORA. Tratando-se de demanda ajuizada contra ex-administradora desnecessária a deliberação da assembleia, por ausência de previsão legal. Inaplicação do art. 159 da lei 6404/76. Caso de desconstituição da decisão prolatada para o retorno dos autos à origem e regular prosseguimento do feito. Apelo provido; sentença desconstituída. Prejudicado apelo da ré. 

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados. 

Em suas razões recursais, sustentou, além do dissídio, a afronta aos arts. 159 da LSA, 398 do CPC/73 (437, §1º, do CPC/15) e ao art. 5º, LV, da CF. Disse nulo o acórdão pois prolatado com base em documento novo juntado pela parte contrária sem que oportunidade de prévia manifestação fosse dada à recorrente no que lhe pertine. 

Referiu que a juntada do documento sem seus anexos (voto dissidente e parecer do Conselheiro Fiscal) e acaso cumprido o art. 398 do CPC/73 teria possibilitado à recorrente demonstrar à Câmara que houve protesto com relação à abusiva deliberação. Disse que o fato de ser secundária a relevância do documento não altera ter sido ele considerado e que, assim, fora violada a legislação disciplinante. 

Por outro lado, aduziu que para o ajuizamento da ação social uti singuli é necessária a deliberação assemblear, impondo-se manter a decisão do magistrado de primeiro grau que extinguiu a ação, já que inexistente referida deliberação. Destacou que a interpretação literal e simplista do art. 159 da lei 6.404/76 levada a efeito pelo acórdão recorrido não é corroborada pela doutrina ou jurisprudência, sendo irrelevante serem, os réus são, ex-administradores. Inexiste, assim, interesse processual, seja pelo que dispõe o art. 159, seja porque se desobedeceu decisão assemblear no sentido da oitiva dos ex-administradores antes que fosse tomada qualquer medida, estando os atuais administradores a abusar da personalidade jurídica da sociedade. Pediu o provimento do recurso. 

Houve contrarrazões, sustentando-se não ter sido imprescindível para o deslinde da controvérsia o documento acostado pelo ora recorrido, não havendo falar em nulidade a ser declarada e, por outro lado, afirmou que a ação de responsabilidade civil de uma companhia contra ex-administrador não exige delibração assemblear, mas, ainda assim, providenciou que o tema fosse deliberado em Assembleia Geral, tendo restado aprovado por ampla maioria, inclusive com a presença da ora Recorrente. Ademais, disse que deveria ser oportunizada, eventualmente, a regularização dessa situação, com fulcro no art. 13 do CPC (art. 76 do CPC/15). Pediu o desprovimento.

 O recurso especial não foi admitido na origem. 

Interposto agravo em recurso especial, a presidência desta Corte dele não conheceu. 

Opostos aclaratórios, foram rejeitados. 

Manejado agravo interno a mim distribuído, dele conheci para, em juízo de retratação, tornar sem efeito a decisão e dar provimento ao agravo, determinando a sua conversão. 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator): Eminentes Colegas. Duas são as questões devolvidas ao conhecimento desta Corte Superior no presente recurso especial: 

a) a existência de nulidade do acórdão recorrido tendo em vista a juntada de documento em sede recursal do qual não teria sido oportunizada vista ao ora recorrente; 

b) a necessidade ou não de autorização assemblear para o ajuizamento de ação de responsabilidade civil em nome da pessoa jurídica contra seus ex-administradores. 

Antes de tudo, a alegação de afronta a dispositivo constitucional (art. 5º da CF) é de todo imprópria em sede de recurso especial e, assim, não será conhecida, já que não se insere na competência atribuída a esta Corte pelo art. 105, inciso III, da CF. 

1. Alegação de nulidade do acórdão recorrido: 

Inicio com a alegada afronta ao disposto no art. 398 do CPC/73, a qual, entendo, deve ser superada. 

Para a declaração de nulidade da decisão judicial tendo em conta pretensa ausência de oportunidade de manifestação acerca de documento juntado por uma das partes em sede recursal, é de suma importância a relevância do referido dentro da fundamentação da decisão que se pretende ver anulada e, ainda, em conformidade com específico precedente desta Terceira Turma, é mister a inciência da parte que teria visto seu direito de manifestação cerceado acerca do conteúdo do documento tardiamente acostado. 

O documento aqui referido é a ata de assembleia geral em que se teria autorizado a sociedade empresária demandante a ajuizar a ação de responsabilização de ex-administrador, documento este que, pela sua falta, fundamentara a extinção da ação pelo juízo sentenciante, isso em 03/10/2013. 

Apesar de, em tese, consubstanciar documento de suma relevância tendo em conta a sentença prolatada, o que comanda a possibilidade de desconstituição do acórdão recorrido é, como já referido, a importância do documento na fundamentação desta decisão. 

A relevância, todavia, perde espaço, pois na interpretação da lei levada a efeito pelo órgão julgador, a ausência do documento desde o início da ação seria irrelevante, pois desnecessária a autorização assemblear para o ajuizamento de ação de responsabilização de ex-administradores no sentir dos julgadores do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (fl. 701 e-STJ). 

Desimportara, pois, para a Câmara julgadora a existência do documento, razão porque efetivamente não há falar em nulidade no aresto recorrido. 

Por outro lado, colhe-se precedente específico desta Terceira Turma, sob a relatoria da e. Min. Nancy Andrighi, que, resumindo o tratamento jurisprudencial e doutrinário dado à questão, estabelecera: 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. OFENSAS DE MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO (PROMOTOR DE JUSTIÇA) DIRIGIDAS À MEMBRO DO PODER JUDICIÁRIO (DESEMBARGADOR). ATO DOLOSO. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE PASSIVA. OCORRÊNCIA DE ATO ILÍCITO. DANO MORAL. ARTIGOS ANALISADOS: 20, § 3º, 85 e 398 DO CPC e 186 e 944 DO CC/02. (...) 5. No intuito de evitar declarações de nulidade sem a ocorrência de prejuízo efetivo, a construção pretoriana tem também delineado que, para se exigir o contraditório, i) o documento deve ser desconhecido da parte contrária; ii) precisa guardar relevância e pertinência com o deslinde da controvérsia, influindo de forma direta e determinante em sua solução; e iii) seu conteúdo não deve se limitar a mero reforço de argumentação (v.g., decisões ou acórdãos que julgaram situações semelhantes). Hipótese em que o documento juntado aos autos, não obstante a falta de contraditório imediato, era conhecido do recorrente e, ademais, não foi determinante para solução da controvérsia. (...) 10. Recurso especial provido em parte. (REsp 1435582/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 11/09/2014) 

Bem se vê que a ciência da ora recorrente acerca do teor do referido documento também é fundamento para o afastamento da alegação de afronta ao art. 398 do CPC/73. Aliás, referida ciência fora reconhecida no próprio acórdão recorrido, pontuando a Colenda Câmara julgadora que "foi juntada ao processo a ata de Assembléia geral ordinária e extraordinária de nº 104, realizada em 12.05.2014, também subscrita pela ré ratificando o ato da nova diretoria em promover esta ação e outras tantas que ainda estão em andamento igualmente propostas pela empresa (fls. 436/445)." 

Não há, assim, em face dos fatos destacados, falar em nulidade do processo/aresto por pretenso descumprimento ao art. 398 do CPC/73. 

2. Autorização assemblear e regularização da capacidade para estar em juízo: 

Remanesce, então, a alegação de afronta ao disposto no art. 159 da Lei 6.404/76. 

A parte recorrente sustenta que a interpretação do referido dispositivo permite concluir pela necessidade de autorização assemblear para o ajuizamento de ação indenizatória pela sociedade empresária em relação a administradores e ex-administradores. 

Esta Corte Superior já tivera a oportunidade de reconhecer que, apesar de a ação necessitar de autorização assemblear também em relação a ex-administradores, é plenamente possível a sanação da irregularidade na forma do art. 13 do CPC/73: 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SOCIEDADE ANÔNIMA. AÇÃO DA COMPANHIA CONTRA EX-ADMINISTRADORES E EX-GERENTES. NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLÉIA GERAL. ART. 159 DA LEI 6.404/76. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO AFASTADA. ART. 13 DO CPC. MULTA APLICADA AOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO AFASTADA. ENUNCIADO N. 98 DA SÚMULA DO STJ. A sociedade anônima tem legitimidade para o ajuizamento da ação de responsabilidade contra seus ex-administradores e ex-gerentes pelos eventuais desmandos por eles praticados. Todavia, para tanto, exige o art. 159 da Lei das S/A que a assembléia geral delibere acerca da propositura da ação. A extinção do processo sem julgamento do mérito, sem prévia oportunidade de regularização da capacidade processual, importa violação do art. 13 do CPC. Nos termos do enunciado n. 98 da Súmula do STJ, os "embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório". Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. (REsp 157.579/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 12/09/2006, DJ 19/03/2007, p. 353) 

A orientação fora traçada nos idos de 2006, razão porque estou a trazer a questão novamente a este Colegiado de modo a reafirmar-se o entendimento de outrora, até mesmo no que toca à sanabilidade da referida irregularidade (ausência de capacidade para estar em juízo). 

O art. 159 da Lei 6.404/76 estabelece requisito de procedibilidade para o ajuizamento de ação indenizatória pela sociedade empresária em face dos administradores, consistente na específica autorização assemblear. 

Este o inteiro teor da norma: 

Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio. § 1º A deliberação poderá ser tomada em assembléia-geral ordinária e, se prevista na ordem do dia, ou for conseqüência direta de assunto nela incluído, em assembléia-geral extraordinária. § 2º O administrador ou administradores contra os quais deva ser proposta ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembléia. § 3º Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembléia-geral. § 4º Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social. § 5° Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive correção monetária e juros dos dispêndios realizados. § 6° O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao interesse da companhia. § 7º A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador. 

Tem-se no referido dispositivo, pois, duas modalidades de ações de reparação: 

a) a ação social exercida pela pessoa jurídica (ut universi) ou, excepcionalmente, pelos acionistas (ut singuli); 

b) a ação individual (§7º), que é exclusiva dos acionistas diretamente prejudicados. 

As ações sociais variam, ainda, de acordo com a legitimidade extraordinária atribuída aos sócios para atuar em nome da pessoa jurídica, sendo ação social ut singuli derivada, quando autorizado o ajuizamento pela assembleia e inerte a pessoa jurídica pelo prazo de 3 meses; e ação social ut singuli originária quando não autorizado o ajuizamento pela aseembleia, mas os acionistas que reúnem 5% do capital social resolvem ajuizá-la. 

ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA lecionam acerca da presente questão (in A Lei das S.A., vol. II, Renovar, 1996, p. 408/409): 

"A redação do art. 159 da lei de sociedades por ações deixa evidente que o acionista da companhia não tem ação contra os administradores para obter reparação dos chamados 'prejuízos indiretos'. Se o patrimônio da companhia sofre prejuízo por efeito de ato ilícito de administrador ou de terceiro, a ação para haver indenização compete à companhia, como pessoa jurídica titular do patrimônio que sofreu o dano e deve receber a reparação. Somente negando a existência da personalidade distinta da companhia seria possível atribuir a cada acionista ação para haver, do administrador ou de terceiro, a sua quota-parte ideal no prejuízo causado ao patrimônio da companhia: a reparação do patrimônio social seria substituída pela reparação dos patrimônios dos acionistas que promovessem ações de indenização. No regime da lei somente existem, portanto, dois tipos de ação: a) a ação social, cujo fundamento é o prejuízo causado ao patrimônio da sociedade e que pode ser proposta pela companhia ou (observados os requisitos da lei) pelo acionista, como substituto processual da companhia; e b) a ação individual, cujo fundamento é o prejuízo causado diretamente ao patrimônio do acionista. 

Trata-se, no presente caso, de ação social (ut universi) de reparação de danos, ajuizada, pois, pela sociedade empresária contra ex-administradora, Sra. Eunice Rota Bergesch, visando ao ressarcimento de valor de R$ 350.576,17 em face do pagamento de serviço de vigilância da residência da ré pela sociedade empresária. 

Porque ajuizada em nome do ente coletivo para o ressarcimento dos seus prejuízos, a sociedade empresária depende de prévia autorização da assembleia geral (ou, excepcionalmente, assembleia extraordinária uma vez satisfeitos os requisitos do §1º do art. 159), para que possa demandar em juízo os seus administradores. 

Relembro antigo precedente desta Corte Superior a tratar da responsabilidade de ex-administradores de sociedade anômina em que se reconheceu aplicar, sem ressalvas, o art. 159 da Lei 6.404/76: 

PROCESSO CIVIL E COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. AÇÃO SOCIAL ORIGINÁRIA. ART. 159, LEI 6.404/76. RESPONSABILIDADE DOS EX-DIRETORES. DOUTRINA. APURAÇÃO FUNDADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE NA VIA DO RECURSO ESPECIAL. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL DE INCIDÊNCIA. ATOS ILÍCITOS. RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL. ENUNCIADO Nº 54 DA SÚMULA/STJ. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. CONDENAÇÃO DE TRÊS DOS RÉUS. APLICAÇÃO DO ART. 20, § 3º, CPC. PEDIDO IMPROCEDENTE EM RELAÇÃO A UM DOS RÉUS. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO. APRECIAÇÃO EQÜITATIVA. ART. 20, § 4º, CPC. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) II - A "ação social originária", segundo a boa doutrina, é ajuizada pela companhia contra seus (ex-)administradores, com o fim de obter o ressarcimento de prejuízo causado ao patrimônio social, seja por terem agido com culpa ou dolo, seja por terem violado a lei ou o estatuto. Em se tratando de responsabilidade extracontratual, portanto, como no caso, é de ser aplicado o enunciado sumular nº 54/STJ, para que os juros fluam desde a data dos atos ilícitos atribuídos a cada um dos diretores. (...) (REsp 279.019/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 13/03/2001, DJ 28/05/2001, p. 202) 

O relator, Min. Sálvio de Figueiredo, àquela assentada asseverou: "A "ação social originária", na expressão de Osmar Brina Corrêa Lima (Sociedade Anônima, v. 2, Belo Horizonte: Del Rey, 1994, cap. 10, nº 15, p. 135), é ajuizada pela companhia contra seus ex-administradores, com o fim de obter o ressarcimento de prejuízo causado ao patrimônio social, seja por terem agido com culpa ou dolo, seja por terem violado a lei ou o estatuto." 

Esta Terceira Turma, sob a relatoria da Min. Nancy Adrighi, no REsp 736.189/RS, julgado em 06/12/2007, analisou a razão de ser da referida autorização, impondo-se, pela precisão das conclusões, transcrever os fundamentos do voto da relatora: 

Luiz Gastão Paes de Barros Leães, tratando sobre o tema sob a ótica das sociedades anônimas, afirma que “a ação de responsabilidade civil contra o administrador de sociedade anônima compete à companhia. É natural; à sociedade, como pessoa jurídica com aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações, é que cabe prioritariamente defender a integridade do seu próprio patrimônio (Lei n. 6.404, de 1976, art. 159). A ação pertence à sociedade e, por isso, qualifica-se com propriedade, de ação social” (A prévia deliberação assemblear como condição de legitimatio ad causam na ação social. In Pareceres. São Paulo: Ed. Singular, v.I, p. 462). A exigência de tal formalidade é justificada nos seguintes termos pela doutrina: “Tratando-se de procedimento da sociedade contra membros da própria administração (que normalmente seria o órgão encarregado da representação processual da sociedade), a lei reserva à assembléia geral – órgão que expressa a vontade social – a competência para decidir sobre a propositura ou não da ação em questão” (Barros Leães, idem, p. 462-463). A formalidade é mais que razoável quando se trata de sociedade anônima, pois ordinariamente há ali uma razoável separação entre a administração da empresa e a titularidade de ações, cisão essa que só é mitigada no nível do conselho de administração. Submetendo-se os administradores exclusivamente ao crivo dos acionistas, confere-se estabilidade à gestão empresarial e resguarda-se o interesse social, de forma a assegurar que a ação de responsabilidade não será meio para a consecução de interesses individuais (no mesmo sentido, vide Nelson Eizirik. Temas de Direito Societário. São Paulo: Renovar, 2005, p. 117). 

Exigir-se também para o ajuizamento da ação contra ex-administradores da companhia a autorização assemblear estaria a resguardar, pois, o interesse social, evitando-se, ainda, a sua utilização como meio para a consecução de interesses individuais. 

No precedente inicialmente citado, da lavrado Min. Asfor Rocha, concluiu a Colenda 4ª Turma que "é a própria companhia que tem legitimidade para o ajuizamento da ação de responsabilidade contra seus ex-administradores e ex-gerentes pelos eventuais desmandos por eles praticados. Todavia, para tanto, exige o art. 159 da Lei das S/A que a assembléia geral delibere acerca da propositura da ação. Assim dispõe a mencionada norma: (...)" 

Arremata, ainda, o Min. Asfor Rocha: Assim, como se vê, é a empresa autora que tem legitimidade para figurar no polo ativo da ação de responsabilidade civil contra os administradores e gerentes. Porém, sua capacidade de postular em juízo está condicionada à autorização da assembléia geral. Também comungo do entendimento do nobre Relator no que tange à necessidade de o egrégio Tribunal de origem dar oportunidade à autora de comprovar a autorização da assembléia geral para o ajuizamento da demanda, antes do decreto de extinção do processo sem julgamento do mérito, conforme determina o art. 13 do CPC, que dispõe: 

O disposto no §2º do art. 159 poderia, é verdade, levar à conclusão diversa, ou seja, poderia fazer concluir que a norma está exclusivamente voltada a administradores e não ex-administradores, pois estabelece como efeito da autorização assemblear o impedimento e substituição dos administradores na mesma assembleia, o que não se poderia aplicar a ex-gestores. 

A propósito: "§2º. O administrador ou administradores contra os quais deva ser proposta ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembléia." No entanto, tenho que o dispositivo apenas quis deixar claro que, com a perda da confiança em relação ao administrador demandado, deverá ele ser substituído da administração da companhia, caso esteja na gestão da companhia. 

O parágrafo não diz com a razão de ser da formalidade estipulada no caput, senão erige efeito que "deverá" decorrer do voto de desconfiança em relação ao atual administrador demandado. 

A razão de ser da autorização assemblear, com efeito, é a necessidade de os acionistas reconhecerem, na causa de pedir e no pedido formulados na ação reparatória, interesse coletivo e, assim, coadjuvarem a pretensão de acionamento de administradores atuais ou antigos em nome da sociedade empresária. 

Esta Corte Superior, mais recentemente, aplicou analogicamente o art. 159 da LSA às ações de responsabilidade contra sócios controladores, deixando ver que os seus termos podem vir a alcançar hipóteses que desbordem da literalidade da norma. A propósito: 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE DEFESA (CPC, ART. 130). NÃO OCORRÊNCIA. SOCIEDADE ANÔNIMA. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA ADMINISTRADOR (LEI 6.404/76, ART. 159) OU ACIONISTAS CONTROLADORES (APLICAÇÃO ANALÓGICA): AÇÃO SOCIAL UT UNIVERSI E AÇÃO SOCIAL UT SINGULI (LEI 6.404/76, ART. 159, § 4º). DANOS CAUSADOS DIRETAMENTE À SOCIEDADE. AÇÃO INDIVIDUAL (LEI 6.404/76, ART. 159, § 7º). ILEGITIMIDADE ATIVA DE ACIONISTA. RECURSO PROVIDO. 1. O art. 130 do CPC trata de faculdade atribuída ao juiz da causa de poder determinar as provas necessárias à instrução do processo. O julgamento antecipado da lide, no entanto, por entender o magistrado encontrar-se maduro o processo, não configura cerceamento de defesa. 2. Não viola os arts. 459 e 460 do CPC a decisão que condena o réu ao pagamento de valor determinado, não obstante constar do pedido inicial a apuração do valor da condenação na execução da sentença. 3. Aplica-se, por analogia, a norma do art. 159 da Lei n. 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) à ação de responsabilidade civil contra os acionistas controladores da companhia por danos decorrentes de abuso de poder. 4. Sendo os danos causados diretamente à companhia, são cabíveis as ações sociais ut universi e ut singuli, esta obedecidos os requisitos exigidos pelos §§ 3º e 4º do mencionado dispositivo legal da Lei das S/A. 5. Por sua vez, a ação individual, prevista no § 7º do art. 159 da Lei 6.404/76, tem como finalidade reparar o dano experimentado não pela companhia, mas pelo próprio acionista ou terceiro prejudicado, isto é, o dano direto causado ao titular de ações societárias ou a terceiro por ato do administrador ou dos controladores. Não depende a ação individual de deliberação da assembleia geral para ser proposta. 6. É parte ilegítima para ajuizar a ação individual o acionista que sofre prejuízos apenas indiretos por atos praticados pelo administrador ou pelos acionistas controladores da sociedade anônima. 7. Recurso especial provido. (REsp 1214497/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 06/11/2014) 

Outrossim, não fosse o fato de que os atos da sociedade empresária deverem espelhar a vontade dos acionistas e, assim, ser mesmo natural exigir que o instrumento de manifestação desta vontade, a assembleia geral, fosse consultado acerca do ajuizamento da ação reparatória contra ex-administradores, não se deve desprezar o fato de que tenha havido a aprovação das contas dos antigos administradores com o fim de sua gestão. 

Torna-se, também por isso, relevante que a própria assembleia delibere acerca da possibilidade de ajuizar-se ação reparatória em face do administrador que teve as contas por ela aprovadas. 

Finalmente, tenho que não se pode desprezar a análise pragmática e econômica que possa advir do ajuizamento de ação de reparação civil contra administradores e ex-administradores da companhia. 

É que as sociedades anônimas em regra, tem as ações negociadas em bolsa, podendo sofrer algum decaimento na confiança que possuem no mercado em face do ajuizamento de ações reparatórias sociais contra sua administração, atual ou anterior, hipótese que poderia refletir diretamente no valor da companhia, já que a enunciar ao mercado que a sua administração fora falha a ponto de ter causado danos ao ente coletivo. 

Sobre esta possibilidade, Eduardo Secchi Munhoz, ao tratar dos percalços da ação social ut singuli originária ou derivada, destaca: 

A evidência empírica indica que o ajuizamento de ação judicial, em geral, resulta em queda do valor das ações da Companhia e, mais, que o eventual julgamento de sua procedência não resulta em proporcional valorização (Ferris, Prichtard, 2001). A percepção do mercado de que o controlador (ou administrador) age de forma abusiva pode gerar a perda de confiança dos investidores, com efeito negativo sobre a cotação das ações superior ao valor do dano concretamente causado ao seu patrimônio pelo ato lesivo por ele praticado." (in Lei das S.A. em seus 40 anos, Organização Alberto Venâncio Filho et alii, Ed. Forense, Rio de janeiro: 2016, p. 141) 

Convém lembrar, finalmente, lição de Norma Jonssen Parente que, concluindo pelo alcance do art. 159 da LSA a ex-administradores, ainda assim, faz interessante contra-ponto com base em parecer jurídico contrário da CVM sobre a questão (in Tratado de Direito Empresarial, V. 6, Ed. RT, 2018, item 3.1.1): 

Cabe ressaltar que a lei prevê ação contra administradores, o que levanta a questão de se é necessário o rito do art. 159 para autorizar a propositura de ação de indenização contra ex-administradores. (...) O próprio jurídico da CVM já se manifestou neste sentido no Parecer PJU/CVM 5/2002: Parecer CVM/PJU 5/2002 “1. Ação de responsabilidade civil prevista no art. 159 da Lei 6.404, de 1976, tem aplicação aos administradores ainda investidos de suas atribuições, sendo desnecessária a deliberação assemblear específica prevista no aludido dispositivo no caso de ação de igual natureza a ser promovida pela companhia em face de administradores já destituídos; 2. A decisão pela propositura de ação de responsabilidade civil em face de ex-administradores prescinde de autorização da assembleia por se tratar de ato de mera gestão; 3. Quando efetivamente configurada a hipótese do art. 159 da Lei Societária, e tratando-se de atos irregulares praticados pelos administradores em benefício do acionista controlador, fica este impedido de votar na assembleia que deliberar pela propositura da ação de responsabilidade civil, tendo em vista o evidente conflito de interesses (Lei 6.404, de 1976, art. 115, § l.º); 4. As hipóteses de exercício abusivo do poder de controle previstas em lei (Lei 6.404, de 1976) e em normas regulamentares (Instruc¸a~o CVM 323, de 2000) não têm relevância para o julgamento de ação de responsabilidade civil proposta exclusivamente em face dos administradores e sem a inclusão do controlador, sendo cabível a apuração administrativa dos fatos pela CVM, com vistas à eventual aplicação das penalidades previstas no art. 11 da Lei 6.385, de 1976, tanto em relação aos administradores quanto ao próprio controlador”. O parecer está correto ao afirmar que a propositura da ação é um ato de gestão da companhia. No entanto, a própria lei alçou tal ato à competência da assembleia. A necessidade da prévia aprovação da assembleia exclui o assunto da gestão dos administradores em sua própria proteção, por um lado, e em proteção dos acionistas e da companhia, por outro. Deixar a competência para deliberar sobre a propositura ou não da ação de responsabilidade com a diretoria seria esperar que esta agisse contra seus próprios membros, ou, pior, contra membros do Conselho de Administração, que elegem e destituem os diretores. Exatamente por envolver os gestores da companhia, o assunto foi tirado da alçada deles. Apesar de o art. 159 da Lei das S.A. mencionar administradores, o termo deve ser entendido no sentido de incluir também ex-administradores, já que se cuidará de reparação de danos por quem certamente não estará mais na companhia. Não só aqueles, cujos atos estão sendo discutidos no momento, que a lei determina que serão substituídos na mesma assembleia, como aqueles que saíram antes. Seria um contrassenso excluir do art. 159 o administrador que, pouco antes da assembleia, renunciou ao cargo e só incluir os que ainda estavam em exercício no momento da realização da assembleia. 

Os fatos que podem vir a ser atribuídos à gestão atual ou anterior da sociedade anônima, por sua gravidade, podem, de algum modo, combalir a própria sociedade, razão da pertinência da aplicação do art. 159 da LSA a administradores atuais ou antigos. 

Não deixo de registrar serem absolutamente razoáveis os argumentos em ambos os sentidos, todavia, tenho que bem se estará a preservar os interesses dos acionistas submetendo-se ao corpo social, mediante assembleia, a decisão acerca do ajuizamento de ação de reparação. 

Com isso e finalmente, não deixo de destacar que a eventual possibilidade de o acionista controlador direcionar a deliberação em assembleia, evitando, assim, o ajuizamento da ação existe seja para os administradores atuais, seja para administradores anteriores. 

A lei, no entanto, para contornar esta hipótese, previu que, mesmo em sendo deliberado pela assembleia contrariamente ao ajuizamento da ação, ainda assim, acionistas minoritários poderão, reunindo 5% do capital social, ajuizar a ação reparatória. 

Nesta perspectiva, não fosse a possibilidade de sanação da irregularidade de representação processual, o acórdão recorrido mereceria reforma. 

Analiso, então, a última questão objeto de controvérsia no recurso especial, ou seja, se a autorização assemblear poderá vir a ser realizada e comprovada após o ajuizamento da ação. 

A questão é de legitimidade processual, que, na teoria geral do processo consubstancia um dos pressupostos processuais, ou seja, a deliberação assemblear habilita a sociedade empresária para estar em juízo e pleitear a indenização pelos danos causados à sociedade por seus administradores, atuais e antigos. 

Arruda Alvim, acerca da legitimatio ad processum, relembra: 

Para a validade da relação jurídica processual, de modo a permitir que o juiz possa validamente entrar no mérito do processo, solucionando o conflito de interesses levado a juízo, exige a lei que sejam, as partes, capazes. Por pressuposto processual entende-se a capacidade de estar em juízo, também denominada comumente, pela doutrina tradicional, de legitimação formal (legitimatio ad processum) ou capacidade processual, conceitos que comportam distinção, todavia. Tem capacidade para estar em juízo toda a pessoa que se acha no exercício dos seus direitos (art. 70 do CPC/2015). Assim, aquele que, pelo Direito Civil, tem capacidade de gozo e de exercício de direitos, tem capacidade para estar em juízo. (...) Comumente, a legitimatio ad causam coincide com a legitimidade processual, que, a seu turno, pressupõe a capacidade de estar em juízo (= processual). A legitimação processual é a legitimidade para que as partes atuem em um processo em concreto. Na hipótese de coincidência da legitimação processual com a legitimação ad causam, ambas dirão respeito ao mesmo sujeito ou ente jurídico (= parte). (Manual de Direito processual, 2ª ed. e-book, Ed. RT, 2017, item 5.3) 

Em estando ligada à capacidade de estar em juízo, a autorização assemblear poderia ser sanada na forma do art. 13 do CPC/73 (art. 76 do CPC/15), cujos termos na memória reavivo: 

Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito. Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber: I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo; II - ao réu, reputar-se-á revel; III - ao terceiro, será excluído do processo. 

A doutrina processualista, uma vez mais, mais bem aclara essa possibilidade de sanação: 

Arruda Alvim: Ausente a capacidade de estar em juízo e, consequentemente, a legitimidade processual, o juiz deve ensejar sua regularização. No entanto, o prazo fixado pelo juiz, com fulcro no caput do art. 76, do CPC/2015, para regularização das partes, é preclusivo. Não suprida a falta no prazo marcado, incumbe ao juiz declarar extinto o processo sem resolução de mérito, por falta de pressuposto processual. 

Araken de Assis: A capacidade processual constitui requisito de validade da relação processual e sua ausência impede o julgamento do mérito. Não ocorrendo o suprimento de algum defeito, e respeitando ela ao autor, o juiz extinguirá o processo (art. 485, IV), ressalva feita à possibilidade de prover favoravelmente ao adversário (art. 488). (in Processo Civil Brasileiro, Ed. RT., 2015, item 111, subitem 510) 

Esta Corte, no precedente anteriormente citado da lavra do Min. Asfor Rocha, reconhecera a plena possibilidade de ser sanada irregularidade referente à capacidade processual da sociedade anônima que deixa de acostar, com o ajuizamento, a autorização assemblear. 

Na hipótese dos autos, a autorização restou concedida, mesmo que posteriormente ao ajuizamento da ação, e fora acostada em sede recursal, impondo-se, por isso, manter o acórdão recorrido que determinou dar-se continuidade à ação de reparação. Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso especial. 

É o voto. 

VOTO-VISTA VENCIDO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA: 

Trata-se, na origem, de ação de responsabilidade civil cumulada com pedido de reparação de danos ajuizada por IMPORTADORA E EXPORTADORA DE CEREAIS S.A. contra EUNICE ROTTA BERGESCH, pessoa física que, tendo exercido diversos cargos de direção no período de 2003 a 2012, com poderes de administração, teria contratado serviços de vigilância para a sua própria residência e alocado as respectivas despesas nas contas da empresa autora, sem a prévia deliberação do Conselho de Administração. 

A autora pede a condenação da parte ré à reparação dos danos que lhe teriam sido causados, equivalentes à quantia de R$ 350.576,17 (trezentos e cinquenta mil quinhentos e setenta e seis reais e dezessete centavos). 

Ante a falta do requisito de que trata o art. 159 da Lei nº 6.404/1976 – prévia deliberação da assembleia-geral – o magistrado de primeiro grau de jurisdição julgou extinto o processo, sem resolução de mérito (art. 267, VI, do Código de Processo Civil de 1973). 

Em grau de apelação, a ora recorrida defendeu que é inaplicável o dispositivo legal mencionado por se tratar de demanda ajuizada contra ex-administrador, e, alternativamente, com fundamento no art. 13 do CPC/1973, que lhe fosse concedida a oportunidade de regularizar a sua capacidade processual. 

Porém, antes do julgamento do recurso, a então apelante procedeu à juntada de cópia da Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária nº 104, realizada em 12/5/2014, na qual se teria deliberado pela ratificação dos atos praticados em nome da sociedade empresária – ajuizamento de ações de responsabilidade civil contra os ex-administradores. 

Na sequência, o Tribunal de origem deu provimento ao recurso de apelação e determinou o retorno dos autos à origem para que prosseguisse no julgamento do feito, ficando o respectivo acórdão assim ementado: 

"APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA CONTRA EX-ADMINISTRADORA. Tratando-se de demanda ajuizada contra ex-administradora desnecessária a deliberação da assembleia, por ausência de previsão legal. Inaplicação do art. 159 da lei 6404/76. Caso de desconstituição da decisão prolatada para o retorno dos autos à origem e regular prosseguimento do feito. Apelo provido; sentença desconstituída. Prejudicado apelo da ré" (e-STJ fl. 488). 

Nos embargos de declaração opostos na origem, a ora recorrente arguiu nulidade em decorrência de suposta inobservância da norma contida no art. 398 do CPC/1973, porque não lhe teria sido concedida oportunidade para se manifestar a respeito do documento novo apresentado pela parte contrária. 

Em virtude da rejeição dos embargos por fundamentação absolutamente genérica, esta Corte Superior, nos autos do ARESP nº 673.658/RS, determinou o retorno dos autos à origem para novo julgamento dos aclaratórios (e-STJ fls. 689-692). 

Nessa segunda oportunidade, a Corte local, após reconhecer que não se conferiu à parte contrária vista para se manifestar sobre o documento novo trazido pela autora, rejeitou novamente os embargos de declaração sob a seguinte fundamentação: 

"(...) De início, verifica-se que, de fato, não foi oportunizada vista à embargante do documento colacionado às fls. 436/455. Todavia, é preciso ressaltar que isso, por si só, não tem o condão de ensejar a nulidade do referido acórdão por cerceamento de defesa. Isso porque, apesar de ter sido feita expressa referência à Ata de Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária nº 104 no acórdão recorrido, essa circunstância revela-se tão somente secundária ao fundamento principal do julgado, que diz respeito à desnecessidade de autorização da Assembleia Geral para ajuizamento de ação contra ex-administrador por atos anteriores, pois limita-se a lei a exigir permissão em ação afora contra administrador. (...) Nesse contexto, mesmo que não houvesse sido juntada a citada Ata, a solução do conflito seria no sentido de se desconstituir a sentença prolatada à fl. 401, para determinar o regular prosseguimento do feito. Não há falar, portanto, em prejuízo à parte embargante no caso concreto" (e-STJ fls. 700-702). 

Na assentada de 25/6/2019 (14h), o Relator, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, negou provimento ao recurso especial. 

Para melhor compreensão da controvérsia, pedi vista dos autos. 

Inicialmente, anoto a minha plena concordância com a fundamentação trazida no voto do Relator quanto a não estar configurada a alegada negativa de prestação jurisdicional. Concordo igualmente com a tese de que a ação social reparatória (ut universi) ajuizada pela sociedade empresária contra ex-administrador, na forma do art. 159 da Lei das Sociedades Anônimas, depende de autorização da assembleia geral. 

Entendo, contudo, que assiste razão à recorrente quanto aos demais aspectos suscitados no recurso. Considerando a prejudicialidade da matéria, inicio o exame da irresignação pela alegada violação do art. 159 da Lei nº 6.404/1976, que assim dispõe: 

"Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da assembléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio." (grifou-se) 

O texto legal é absolutamente claro quanto à necessidade de deliberação da assembleia geral antes do ajuizamento da ação de responsabilidade civil contra o administrador, valendo conferir, a esse respeito, a lição de Nelson Eizirik: 

"(...) Constitui requisito legal, essencial e imprescindível para a propositura da ação de responsabilidade civil do administrador, a realização de assembleia geral que previamente delibere a respeito." (A lei das S.A. comentada, v. II, São Paulo: Quartier Latin, 2011, pág. 410 - grifou-se) 

Nessa mesma linha de entendimento, segue a opinião de Marcelo Vieira Von Adamek: 

"(...) Para a propositura da ação social, em qualquer uma de suas modalidades, é de regra indispensável a existência de prévia deliberação assemblear, de conteúdo positivo ou negativo. (...) Diante da literalidade da lei acionária vigente, tanto a doutrina como os tribunais têm diuturnamente proclamado ser indispensável a existência dessa prévia deliberação assemblear." (Responsabilidade civil dos administradores de S/A (e as ações correlatas), São Paulo: Saraiva, 2009, págs. 308-309 - grifou-se) 

Fábio Ulhoa Coelho classifica a prévia deliberação assemblear como "(...) condição de procedibilidade da ação de responsabilidade civil contra o administrador" (Curso de direito comercial, volume 2 [livro eletrônico] : direito de empresa, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, 24:5.4 - grifou-se). 

No precedente invocado pelo Relator, muito se debateu acerca da natureza jurídica de tal exigência, especialmente no voto vencido da lavra do eminente Ministro Barros Monteiro, em que se fez a necessária distinção entre legitimatio ad causam e legitimatio ad processum: 

"(...) A despeito de a decisão recorrida haver reputado a autora parte ilegítima para a propositura desta ação, com base em alguns respeitáveis escólios doutrinários, certo é que, na espécie, não se cuida propriamente de ilegitimidade de parte ad causam. Em princípio, a legitimidade para intentar a ação de responsabilidade civil contra os ex-administradores é da própria sociedade anônima. Mas, para que ela ingresse em juízo para tal fim, é de rigor que se muna ela previamente da autorização expedida pela assembléia geral. Considero assim que, antes de uma questão relativa à legitimidade de parte, trata-se aqui de um problema ligado à incapacidade da parte de estar em juízo (incapacidade processual)" (REsp nº 157.579/RS, Rel. p/ acórdão Ministro Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 12/9/2006, DJ 19/3/2007 - grifou-se). 

De fato, "(...) é a empresa autora que tem legitimidade para figurar no polo ativo da ação de responsabilidade civil contra os administradores e gerentes. Porém, sua capacidade de postular em juízo está condicionada à autorização da assembléia geral", como bem salientou o Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator designado para a lavratura do acórdão. 

Foi por esse motivo, a propósito, que o Órgão Colegiado, naquela oportunidade, considerou aplicável a norma contida no art. 13 do CPC/1973: 

"Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito." (grifou-se) 

Impõe-se registrar, no entanto, que a controvérsia examinada naquela ocasião dizia respeito à possibilidade da posterior juntada de documento que, segundo a parte interessada, era capaz de comprovar que houve deliberação assemblear antes do ajuizamento da ação, o que fica claro pelo teor do voto proferido pelo eminente Ministro Aldir Passarinho Junior: 

"(...) Sr. Presidente, diante dos esclarecimentos, acompanho o voto de V. Exa. no sentido de que o Tribunal a quo se manifeste especificamente sobre essa ata, já que se admite, efetivamente, que haja a instrução do processo se o documento foi produzido antes do ajuizamento da ação autorizando, em tese, esse ajuizamento. Essa questão deveria ter sido considerada pelo Tribunal, para acolher ou rejeitar, mas, efetivamente, teria que haver uma manifestação concreta a respeito" (grifou-se). 

E pelo saudoso Ministro Hélio Quaglia Barbosa: 

"(...) Sr. Presidente, sinto-me perfeitamente esclarecido, com vista à oportunidade que se deva conferir à parte, para demonstrar a existência da autorização na forma do art. 159 da Lei nº 6.404, Lei das Sociedades Anônimas" (grifou-se). 

A hipótese dos autos é diversa, haja vista a deliberação assemblear ter sido obtida após o ajuizamento da ação, em manifesta afronta à literalidade da lei. 

Embora situando a deliberação assemblear como condição para se alcançar a legitimidade ad causam, Luiz Gastão Paes de Barros Leães também entende que dita providência deve preceder o ajuizamento da ação: 

"(...) De acordo com a lei em vigor, portanto, para propor ação social - uti universi ou uti singuli - é necessário que o autor preencha a condição de legitimidade ativa estabelecida pela lei do anonimato: a prévia deliberação da assembléia geral. Ocorre a legitimidade ordinária da sociedade para propor ação social contra os seus administradores, quando existe 'prévia deliberação assemblear' autorizadora; surge a legitimidade extraordinária dos acionistas, para propor subsidiariamente a mesma ação, ou com a inação da sociedade, uma vez escoado o prazo de três meses da 'prévia deliberação assemblear' autorizadora, ou com a 'prévia deliberação da assembléia geral', negando autorização para o ajuizamento da ação pela companhia (Cf. Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5.º vol., Saraiva, S. Paulo, 1982, p. 204 ss.). 2.13 A condição de legitimidade para agir, em todas essas hipóteses, é, portanto, apenas uma: a existência de prévia decisão da assembléia geral deliberando promover – ou não promover – a ação. Inexiste no texto legal qualquer outra condição para que o autor da ação social adquira qualidade para agir." (A prévia deliberação assemblear como condição de 'legitimatio ad causam' na ação social. In: Revista de direito mercantil, industrial, econômico e financeiro, nova série, v. 34, n. 100, págs. 98-104, out./dez. 1995 - grifou-se). 

A razão para assim interpretar o comando legal vai além da própria literalidade da norma, tendo em vista que o ajuizamento de demandas judiciais contra administradores de sociedades anônimas podem representar prejuízos para a própria companhia e seus acionistas, como bem adverte Fábio Ulhoa Coelho: 

"(...) Convém atentar para o fato de que nem sempre é interessante à companhia promover a responsabilização judicial do administrador afastado, porque o ajuizamento do processo implica, necessariamente, tornar públicos os problemas na administração da empresa (por vezes, importa a divulgação de dados confidenciais, também). Ou seja, a imagem institucional da sociedade anônima pode sofrer, com o ajuizamento da ação de responsabilidade do administrador, danos que superem os provocados por este. Assim, mesmo apurada a responsabilidade, a assembleia geral pode deliberar validamente pelo não ajuizamento da demanda." (ob. cit. - grifou-se) 

Em outro artigo doutrinário, o ilustre professor de Direito Comercial assevera: 

"(...) A lei reservou à competência exclusiva da assembleia geral a decisão sobre processar ou não processar seus ex-administradores, porque nem sempre corresponde ao melhor interesse da sociedade promover a demanda judicial. Pode ocorrer, por exemplo, de a sociedade considerar que o ressarcimento do prejuízo material não compensaria os danos à imagem que a responsabilização do antigo administrador lhe causaria. Também é necessário que a sociedade sopese o quanto poderia prejudicar ver certas informações reservadas de sua administração tornadas acessíveis à imprensa ou à concorrência, graças à publicidade do processo judicial. Em vista da envergadura dessas implicações, a lei considera imprescindível que a assembleia geral aprecie a questão e decida se convém, ou não, ajuizar a ação de responsabilização contra ex-administrador." (Responsabilidade civil por ato de administrador de sociedade anônima (STJ - REsp 1.515.710/RJ). In: Revista brasileira de direito comercial, v. 1, n. 5, págs. 123-133, jun./jul. 2015). 

Nelson Eizirik também acentua que 

"(...) A companhia não é obrigada a mover a ação de responsabilidade contra seus administradores, ainda que haja indícios de que atuaram de forma ilegal. Trata-se de decisão absolutamente soberana da assembléia geral, que deve pesar: (i) a gravidade do eventual ato ilícito; (ii) os danos efetivamente causados ao patrimônio social; (iii) os custos e benefícios da propositura da ação; e (iv) as reais possibilidades de êxito na demanda." (ob. cit., pág. 410 - grifou-se) 

Diante desse panorama, entendo que, para assegurar que a convicção dos presentes ao conclave não seja afetada, positiva ou negativamente, ao tempo da deliberação quanto ao ajuizamento ou não da ação social reparatória, é indispensável que ela já não esteja em curso, sendo essa, a meu juízo, a intenção do legislador ao exigir que a assembleia geral previamente delibere a respeito da propositura da ação de responsabilidade civil contra administrador ou ex-administrador. 

Assim, diante da literalidade da lei especial e da verdadeira intenção do legislador ao exigir que a deliberação assemblear seja prévia, não vejo como aplicar subsidiariamente a disposição contida no art. 13 do CPC/1973, salvo se limitada a diligência à juntada de cópia da respectiva ata, conforme decidido no julgamento do REsp nº 157.579/RS. 

Na hipótese de não ser acolhida tal proposição, entendo que a recorrente teve cerceado o seu direito de defesa, por ofensa ao princípio do contraditório, a teor do disposto no art. 398 do Código de Processo Civil de 1973: 

"Art. 398. Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias." 

Com referência ao dispositivo legal em comento, o eminente Relator bem salientou que a jurisprudência desta Corte Superior, com o intuito de evitar declarações de nulidade sem a ocorrência de prejuízo efetivo – pas de nullité sans grief –, tem exigido que o documento i) não seja do conhecimento da parte contrária; ii) precisa guardar relevância e pertinência com o deslinde da controvérsia, influindo de forma decisiva para a sua solução, e iii) seu conteúdo não deve se limitar a mero reforço de argumentação. 

Estabelecidas tais premissas, entendeu Sua Excelência que a recorrente tinha plena ciência do teor do referido documento, sobretudo porque também o subscreveu na condição de sócia, não havendo falar, por isso, em nulidade por descumprimento da norma contida no art. 398 do CPC/1973. 

Não me parece, contudo, que a ciência extra autos em relação à existência do documento seja suficiente, no caso ora examinado, para afastar a nulidade aventada, notadamente porque ao tempo em que procedida a sua juntada ao processo a recorrente já possuía em seu favor uma sentença de extinção da demanda, fundada justamente na ausência de requisito indispensável para o ajuizamento da ação – prévia deliberação da assembleia geral. 

Além disso, conquanto fosse o documento desimportante para a solução adotada pela Corte estadual, calcada na inaplicabilidade do art. 159 da Lei nº 6.404/1976 para a propositura de ação de responsabilidade civil contra ex-administradores, passou ele a ter absoluta relevância para o deslinde da controvérsia no âmbito desta Corte Superior, que entende aplicável a exigência prevista na aludida norma, mesmo para as ações propostas contra ex-administradores. 

Nessa medida, se à ora recorrente fosse dada a oportunidade de se manifestar a respeito do documento novo juntado antes do julgamento da apelação, sua própria legitimidade poderia ser questionada com base em argumentos que jamais poderiam ser examinados por este Tribunal Superior, dada a vedação contida na Súmula nº 7/STJ. 

Basta verificar que a ora recorrente, nos primeiros embargos de declaração opostos na origem, sustentou que "(...) o desrespeito ao art. 398 do CPC impediu, por exemplo, que a ora embargante impugnasse o referido documento, eis que não foi juntado na íntegra, faltando os anexos de que trata o § 1º do art. 130 da Lei nº 6.404/76" (e-STJ fl. 500 - grifou-se). 

Mais à frente, ressaltou que 

"(...) a juntada da ata sem seus anexos (voto dissidente e parecer do Conselheiro Fiscal) é evidente ato de má-fé da parte autora, e o cumprimento do art. 398 do CPC teria possibilitado à ré que apresentasse aos autos tais documentos, demonstrando à Câmara que houve protesto com relação à abusiva deliberação. 6. O prejuízo da parte recorrida/ré é evidente, uma vez que não pôde esta, antes da prolação do acórdão, verificar o teor e autenticidade do documento juntado pela outra parte, impossibilitando, por exemplo, eventual contraposição mediante juntada de outro documento, como possibilita, se for o caso, a segunda parte do art. 397 do CPC. Também foi a parte recorrida/ré prejudicada em sua sustentação oral, eis que apenas no momento do julgamento teve ciência da juntada do referido documento" (e-STJ fls. 500-501 - grifou-se). 

Presentes tais circunstâncias, entendo que a ofensa ao princípio do contraditório, na hipótese, está configurada, devendo ser declarada a nulidade dos atos processuais praticados após a juntada de documento novo sem a correspondente abertura de vista à parte contrária. 

Sobreleva notar, ainda, que a jurisprudência desta Corte admite a juntada de documentos novos após a petição inicial e a contestação, inclusive em fase recursal, desde que: i) não se trate de documento indispensável à propositura da ação; ii) não haja má-fé na ocultação do documento, e iii) seja ouvida a parte contrária, conforme decidido nos seguintes julgados: 

"PROCESSO CIVIL. AÇÃO POSSESSÓRIA. JUNTADA EXTEMPORÂNEA DE DOCUMENTOS. DETERMINAÇÃO DE DESENTRANHAMENTO. PODERES INSTRUTÓRIOS DO JUÍZO. RELATIVIZAÇÃO. NECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO. 1. É admitida a juntada de documentos novos após a petição inicial e a contestação desde que: (i) não se trate de documento indispensável à propositura da ação; (ii) não haja má fé na ocultação do documento; (iii) seja ouvida a parte contrária (art. 398 do CPC). Precedentes. 2. Dessarte, a mera declaração de intempestividade não tem, por si só, o condão de provocar o desentranhamento do documento dos autos, impedindo o seu conhecimento pelo Tribunal a quo, mormente tendo em vista a maior amplitude, no processo civil moderno, dos poderes instrutórios do juiz, ao qual cabe determinar, até mesmo de ofício, a produção de provas necessárias à instrução do processo (art. 130 do CPC). 3. De fato, o processo civil contemporâneo encontra-se marcado inexoravelmente pela maior participação do órgão jurisdicional na construção do conjunto probatório, o que, no caso em apreço, autorizaria o Juízo a determinar a produção da prova consubstanciada em documento público, tornando irrelevante o fato de ela ter permanecido acostada aos autos a despeito da ordem para seu desentranhamento. 4. Nada obstante, essa certidão foi objeto de incidente de falsidade, o qual foi extinto pelo Juízo singular, em virtude da perda superveniente do interesse de agir decorrente da determinação de desentranhamento dos documentos impugnados dos autos. Assim, verifica-se que o contraditório não foi devidamente exercido, sendo tal cerceamento contrário à norma insculpida no art. 398 do CPC. 5. Recurso especial parcialmente provido." (REsp 1.072.276/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/2/2013, DJe 12/3/2013 - grifou-se). 

"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA AUTORA. 1. Segundo a jurisprudência deste Tribunal Superior, é admissível a juntada de documentos novos, inclusive na fase recursal, desde que não se trate de documento indispensável à propositura da ação, inexista má-fé na sua ocultação e seja observado o princípio do contraditório. Precedentes. 1.1. No caso em tela, o acórdão recorrido verificou ser cabível a juntada de documentos novos, nos termos aduzidos. Incidência da Súmula 83/STJ. 2. Para que se configure o prequestionamento da matéria, há que se extrair do acórdão recorrido pronunciamento de tese jurídica em torno dos dispositivos legais tidos como violados, a fim de que se possa, nesta instância especial, definir se foi correta a interpretação conferida à legislação federal. 3. Agravo interno desprovido." (AgInt nos EDcl no AREsp 1.395.012/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 27/5/2019, DJe 3/6/2019 - grifou-se). 

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. PROVA. ART. 435 DO CPC/2015 (ART. 397 DO CPC/1973). DOCUMENTO NOVO. FATO ANTIGO. INDISPENSABILIDADE. EFEITO SURPRESA. APRECIAÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. É admissível a juntada de documentos novos, inclusive na fase recursal, desde que não se trate de documento indispensável à propositura da ação, inexista má-fé na sua ocultação e seja observado o princípio do contraditório (art. 435 do CPC/2015). 2. O conteúdo da alegada prova nova, tardiamente comunicada ao Poder Judiciário, foi objeto de ampla discussão, qual seja, a condição de bem de família de imóvel penhorado e, por isso, não corresponde a um fato superveniente sobre o qual esteja pendente apreciação judicial. 3. A utilização de prova surpresa é vedada no sistema pátrio (arts. 10 e 933 do Código de Processo Civil de 2015) por permitir burla ou incentivar a fraude processual. 4. Há preclusão consumativa quando à parte é conferida oportunidade para instruir o feito com provas indispensáveis acerca de fatos já conhecidos do autor e ocorridos anteriormente à propositura da ação e esta se queda silente. 5. A penhorabilidade do bem litigioso foi aferida com base no conjunto fático-probatório dos autos, que é insindicável ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. 6. Recurso especial não provido." (REsp 1.721.700/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 8/5/2018, DJe 11/5/2018 - grifou-se). 

Ante o exposto, pedindo as mais respeitosas vênias ao Relator, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, dou provimento ao recurso para restabelecer a sentença de extinção do processo, sem resolução de mérito, inclusive no tocante aos ônus da sucumbência. 

Caso fique vencido nessa proposição, dou parcial provimento ao recurso especial para declarar a nulidade dos atos processuais praticados após a juntada de documento novo sem a correspondente abertura de vista à parte contrária. 

É o voto.