RECURSO ESPECIAL Nº 1.778.629 - RS (2017/0114145-2)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL E
PROCESSUAL CIVIL. SOCIEDADE ANÔNIMA. AÇÃO
REPARATÓRIA CONTRA EX-ADMINISTRADORES.
AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLÉIA GERAL. ART. 159 DA LEI
6.404/76. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO
DO MÉRITO AFASTADA. POSSIBILIDADE DE SANAÇÃO
DA "LEGITIMATIO AD PROCESSUM". ART. 13 DO CPC/73.
PRECEDENTE ESPECÍFICO.
1. A nulificação do acórdão recorrido por afronta ao art. 398
do CPC/73 depende da destacada influência do documento
tardiamente acostado para a fundamentação da decisão que se
pretende desconstituir.
2. Plena a ciência da parte em relação ao teor do referido
documento, pois a ata de assembleia fora por ela própria
assinada.
3. A ação social reparatória (ut universi) ajuizada pela
sociedade empresária contra ex-administradores, na forma do
art. 159 da Lei 6.404/76, depende de autorização da
assembléia geral ordinária ou extraordinária, atendidos os
requisitos legais. Precedente específico.
4. Em se tratando de capacidade para estar em juízo
(legitimatio ad processum), eventual irregularidade pode vir a
ser sanada após o ajuizamento da ação, impondo-se que se
oportunize a regularização na forma do art. 13 do CPC/73.
5. Caso concreto em que a ata da assembleia, dando conta da
autorização, foi acostada aos autos, demonstrando-se a
capacidade para estar em juízo e, assim, permitindo-se o
prosseguimento da ação reparatória.
6. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça prosseguindo
no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, divergindo do
voto do Sr. Ministro Relator, dando provimento ao recurso especial, por maioria, negar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencidos os Srs.
Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze. Os Srs. Ministros Moura
Ribeiro (Presidente) e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 06 de agosto de 2019(data do julgamento)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
(Relator):
Trata-se de recurso especial interposto por EUNICE ROTTA
BERGESCH, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do inciso III do art. 105
da CF, contra o acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, cuja ementa está assim redigida:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO
INDENIZATÓRIA CONTRA EX- ADMINISTRADORA. Tratando-se de
demanda ajuizada contra ex-administradora desnecessária a
deliberação da assembleia, por ausência de previsão legal. Inaplicação
do art. 159 da lei 6404/76. Caso de desconstituição da decisão
prolatada para o retorno dos autos à origem e regular prosseguimento
do feito. Apelo provido; sentença desconstituída. Prejudicado apelo da
ré.
Opostos embargos de declaração, foram rejeitados.
Em suas razões recursais, sustentou, além do dissídio, a afronta aos arts.
159 da LSA, 398 do CPC/73 (437, §1º, do CPC/15) e ao art. 5º, LV, da CF.
Disse nulo o acórdão pois prolatado com base em documento novo juntado
pela parte contrária sem que oportunidade de prévia manifestação fosse dada à
recorrente no que lhe pertine.
Referiu que a juntada do documento sem seus anexos (voto dissidente e
parecer do Conselheiro Fiscal) e acaso cumprido o art. 398 do CPC/73 teria
possibilitado à recorrente demonstrar à Câmara que houve protesto com relação à abusiva deliberação. Disse que o fato de ser secundária a relevância
do documento não altera ter sido ele considerado e que, assim, fora violada a
legislação disciplinante.
Por outro lado, aduziu que para o ajuizamento da ação social uti singuli
é necessária a deliberação assemblear, impondo-se manter a decisão do
magistrado de primeiro grau que extinguiu a ação, já que inexistente referida
deliberação. Destacou que a interpretação literal e simplista do art. 159 da lei
6.404/76 levada a efeito pelo acórdão recorrido não é corroborada pela
doutrina ou jurisprudência, sendo irrelevante serem, os réus são,
ex-administradores. Inexiste, assim, interesse processual, seja pelo que dispõe o
art. 159, seja porque se desobedeceu decisão assemblear no sentido da oitiva
dos ex-administradores antes que fosse tomada qualquer medida, estando os
atuais administradores a abusar da personalidade jurídica da sociedade. Pediu o
provimento do recurso.
Houve contrarrazões, sustentando-se não ter sido imprescindível para o
deslinde da controvérsia o documento acostado pelo ora recorrido, não
havendo falar em nulidade a ser declarada e, por outro lado, afirmou que a
ação de responsabilidade civil de uma companhia contra ex-administrador não
exige delibração assemblear, mas, ainda assim, providenciou que o tema fosse
deliberado em Assembleia Geral, tendo restado aprovado por ampla maioria,
inclusive com a presença da ora Recorrente. Ademais, disse que deveria ser
oportunizada, eventualmente, a regularização dessa situação, com fulcro no art.
13 do CPC (art. 76 do CPC/15). Pediu o desprovimento.
O recurso especial não foi admitido na origem.
Interposto agravo em recurso especial, a presidência desta Corte dele não
conheceu.
Opostos aclaratórios, foram rejeitados.
Manejado agravo interno a mim distribuído, dele conheci para, em juízo
de retratação, tornar sem efeito a decisão e dar provimento ao agravo,
determinando a sua conversão.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
(Relator):
Eminentes Colegas. Duas são as questões devolvidas ao conhecimento
desta Corte Superior no presente recurso especial:
a) a existência de nulidade do acórdão recorrido tendo em vista a juntada
de documento em sede recursal do qual não teria sido oportunizada vista ao ora
recorrente;
b) a necessidade ou não de autorização assemblear para o ajuizamento de
ação de responsabilidade civil em nome da pessoa jurídica contra seus
ex-administradores.
Antes de tudo, a alegação de afronta a dispositivo constitucional (art. 5º
da CF) é de todo imprópria em sede de recurso especial e, assim, não será
conhecida, já que não se insere na competência atribuída a esta Corte pelo art.
105, inciso III, da CF.
1. Alegação de nulidade do acórdão recorrido:
Inicio com a alegada afronta ao disposto no art. 398 do CPC/73, a qual,
entendo, deve ser superada.
Para a declaração de nulidade da decisão judicial tendo em conta
pretensa ausência de oportunidade de manifestação acerca de documento
juntado por uma das partes em sede recursal, é de suma importância a
relevância do referido dentro da fundamentação da decisão que se pretende ver
anulada e, ainda, em conformidade com específico precedente desta Terceira
Turma, é mister a inciência da parte que teria visto seu direito de manifestação
cerceado acerca do conteúdo do documento tardiamente acostado.
O documento aqui referido é a ata de assembleia geral em que se teria autorizado a sociedade empresária demandante a ajuizar a ação de
responsabilização de ex-administrador, documento este que, pela sua falta,
fundamentara a extinção da ação pelo juízo sentenciante, isso em 03/10/2013.
Apesar de, em tese, consubstanciar documento de suma relevância tendo
em conta a sentença prolatada, o que comanda a possibilidade de
desconstituição do acórdão recorrido é, como já referido, a importância do
documento na fundamentação desta decisão.
A relevância, todavia, perde espaço, pois na interpretação da lei levada a
efeito pelo órgão julgador, a ausência do documento desde o início da ação
seria irrelevante, pois desnecessária a autorização assemblear para o
ajuizamento de ação de responsabilização de ex-administradores no sentir dos
julgadores do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (fl.
701 e-STJ).
Desimportara, pois, para a Câmara julgadora a existência do documento,
razão porque efetivamente não há falar em nulidade no aresto recorrido.
Por outro lado, colhe-se precedente específico desta Terceira Turma, sob
a relatoria da e. Min. Nancy Andrighi, que, resumindo o tratamento
jurisprudencial e doutrinário dado à questão, estabelecera:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO
DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. OFENSAS DE MEMBRO
DO MINISTÉRIO PÚBLICO (PROMOTOR DE JUSTIÇA) DIRIGIDAS
À MEMBRO DO PODER JUDICIÁRIO (DESEMBARGADOR). ATO
DOLOSO. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO ÓRGÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE PASSIVA. OCORRÊNCIA
DE ATO ILÍCITO. DANO MORAL. ARTIGOS ANALISADOS: 20, § 3º,
85 e 398 DO CPC e 186 e 944 DO CC/02.
(...)
5. No intuito de evitar declarações de nulidade sem a ocorrência de
prejuízo efetivo, a construção pretoriana tem também delineado que,
para se exigir o contraditório, i) o documento deve ser desconhecido
da parte contrária; ii) precisa guardar relevância e pertinência com o
deslinde da controvérsia, influindo de forma direta e determinante em
sua solução; e iii) seu conteúdo não deve se limitar a mero reforço de argumentação (v.g., decisões ou acórdãos que julgaram situações
semelhantes). Hipótese em que o documento juntado aos autos, não
obstante a falta de contraditório imediato, era conhecido do recorrente
e, ademais, não foi determinante para solução da controvérsia.
(...)
10. Recurso especial provido em parte. (REsp 1435582/MG, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
10/06/2014, DJe 11/09/2014)
Bem se vê que a ciência da ora recorrente acerca do teor do referido
documento também é fundamento para o afastamento da alegação de afronta
ao art. 398 do CPC/73.
Aliás, referida ciência fora reconhecida no próprio acórdão recorrido,
pontuando a Colenda Câmara julgadora que "foi juntada ao processo a ata de
Assembléia geral ordinária e extraordinária de nº 104, realizada em
12.05.2014, também subscrita pela ré ratificando o ato da nova diretoria em
promover esta ação e outras tantas que ainda estão em andamento
igualmente propostas pela empresa (fls. 436/445)."
Não há, assim, em face dos fatos destacados, falar em nulidade do
processo/aresto por pretenso descumprimento ao art. 398 do CPC/73.
2. Autorização assemblear e regularização da capacidade para estar
em juízo:
Remanesce, então, a alegação de afronta ao disposto no art. 159 da Lei
6.404/76.
A parte recorrente sustenta que a interpretação do referido dispositivo
permite concluir pela necessidade de autorização assemblear para o
ajuizamento de ação indenizatória pela sociedade empresária em relação a
administradores e ex-administradores.
Esta Corte Superior já tivera a oportunidade de reconhecer que, apesar
de a ação necessitar de autorização assemblear também em relação a ex-administradores, é plenamente possível a sanação da irregularidade na forma
do art. 13 do CPC/73:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SOCIEDADE ANÔNIMA. AÇÃO DA
COMPANHIA CONTRA EX-ADMINISTRADORES E EX-GERENTES.
NECESSIDADE DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLÉIA
GERAL. ART. 159 DA LEI 6.404/76. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM
JULGAMENTO DO MÉRITO AFASTADA. ART. 13 DO CPC. MULTA
APLICADA AOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO AFASTADA.
ENUNCIADO N. 98 DA SÚMULA DO STJ.
A sociedade anônima tem legitimidade para o ajuizamento da ação de
responsabilidade contra seus ex-administradores e ex-gerentes pelos
eventuais desmandos por eles praticados. Todavia, para tanto, exige o
art. 159 da Lei das S/A que a assembléia geral delibere acerca da
propositura da ação.
A extinção do processo sem julgamento do mérito, sem prévia
oportunidade de regularização da capacidade processual, importa
violação do art. 13 do CPC.
Nos termos do enunciado n. 98 da Súmula do STJ, os "embargos de
declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento
não têm caráter protelatório".
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
(REsp 157.579/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Rel. p/
Acórdão Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA,
julgado em 12/09/2006, DJ 19/03/2007, p. 353)
A orientação fora traçada nos idos de 2006, razão porque estou a trazer a
questão novamente a este Colegiado de modo a reafirmar-se o entendimento de
outrora, até mesmo no que toca à sanabilidade da referida irregularidade
(ausência de capacidade para estar em juízo).
O art. 159 da Lei 6.404/76 estabelece requisito de procedibilidade para o
ajuizamento de ação indenizatória pela sociedade empresária em face dos
administradores, consistente na específica autorização assemblear.
Este o inteiro teor da norma:
Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da
assembléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o
administrador, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio.
§ 1º A deliberação poderá ser tomada em assembléia-geral ordinária e, se prevista na ordem do dia, ou for conseqüência direta de assunto nela
incluído, em assembléia-geral extraordinária.
§ 2º O administrador ou administradores contra os quais deva ser
proposta ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma
assembléia.
§ 3º Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta
no prazo de 3 (três) meses da deliberação da assembléia-geral.
§ 4º Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser
proposta por acionistas que representem 5% (cinco por cento), pelo
menos, do capital social.
§ 5° Os resultados da ação promovida por acionista deferem-se à
companhia, mas esta deverá indenizá-lo, até o limite daqueles
resultados, de todas as despesas em que tiver incorrido, inclusive
correção monetária e juros dos dispêndios realizados.
§ 6° O juiz poderá reconhecer a exclusão da responsabilidade do
administrador, se convencido de que este agiu de boa-fé e visando ao
interesse da companhia.
§ 7º A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista
ou terceiro diretamente prejudicado por ato de administrador.
Tem-se no referido dispositivo, pois, duas modalidades de ações de
reparação:
a) a ação social exercida pela pessoa jurídica (ut universi) ou,
excepcionalmente, pelos acionistas (ut singuli);
b) a ação individual (§7º), que é exclusiva dos acionistas diretamente
prejudicados.
As ações sociais variam, ainda, de acordo com a legitimidade
extraordinária atribuída aos sócios para atuar em nome da pessoa jurídica,
sendo ação social ut singuli derivada, quando autorizado o ajuizamento pela
assembleia e inerte a pessoa jurídica pelo prazo de 3 meses; e ação social ut
singuli originária quando não autorizado o ajuizamento pela aseembleia, mas
os acionistas que reúnem 5% do capital social resolvem ajuizá-la.
ALFREDO LAMY FILHO e JOSÉ LUIZ BULHÕES PEDREIRA
lecionam acerca da presente questão (in A Lei das S.A., vol. II, Renovar,
1996, p. 408/409):
"A redação do art. 159 da lei de sociedades por ações deixa evidente
que o acionista da companhia não tem ação contra os administradores
para obter reparação dos chamados 'prejuízos indiretos'. Se o
patrimônio da companhia sofre prejuízo por efeito de ato ilícito de
administrador ou de terceiro, a ação para haver indenização compete à
companhia, como pessoa jurídica titular do patrimônio que sofreu o
dano e deve receber a reparação. Somente negando a existência da
personalidade distinta da companhia seria possível atribuir a cada
acionista ação para haver, do administrador ou de terceiro, a sua
quota-parte ideal no prejuízo causado ao patrimônio da companhia: a
reparação do patrimônio social seria substituída pela reparação dos
patrimônios dos acionistas que promovessem ações de indenização.
No regime da lei somente existem, portanto, dois tipos de ação:
a) a ação social, cujo fundamento é o prejuízo causado ao
patrimônio da sociedade e que pode ser proposta pela companhia
ou (observados os requisitos da lei) pelo acionista, como substituto
processual da companhia; e
b) a ação individual, cujo fundamento é o prejuízo causado
diretamente ao patrimônio do acionista.
Trata-se, no presente caso, de ação social (ut universi) de reparação de
danos, ajuizada, pois, pela sociedade empresária contra ex-administradora, Sra.
Eunice Rota Bergesch, visando ao ressarcimento de valor de R$ 350.576,17
em face do pagamento de serviço de vigilância da residência da ré pela
sociedade empresária.
Porque ajuizada em nome do ente coletivo para o ressarcimento dos seus
prejuízos, a sociedade empresária depende de prévia autorização da assembleia
geral (ou, excepcionalmente, assembleia extraordinária uma vez satisfeitos os
requisitos do §1º do art. 159), para que possa demandar em juízo os seus
administradores.
Relembro antigo precedente desta Corte Superior a tratar da
responsabilidade de ex-administradores de sociedade anômina em que se
reconheceu aplicar, sem ressalvas, o art. 159 da Lei 6.404/76:
PROCESSO CIVIL E COMERCIAL. SOCIEDADE ANÔNIMA. AÇÃO
SOCIAL ORIGINÁRIA. ART. 159, LEI 6.404/76. RESPONSABILIDADE
DOS EX-DIRETORES. DOUTRINA. APURAÇÃO FUNDADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE NA VIA
DO RECURSO ESPECIAL. JUROS MORATÓRIOS. TERMO INICIAL
DE INCIDÊNCIA. ATOS ILÍCITOS. RESPONSABILIDADE CIVIL
EXTRACONTRATUAL. ENUNCIADO Nº 54 DA SÚMULA/STJ.
HONORÁRIOS DE ADVOGADO. CONDENAÇÃO DE TRÊS DOS
RÉUS. APLICAÇÃO DO ART. 20, § 3º, CPC. PEDIDO
IMPROCEDENTE EM RELAÇÃO A UM DOS RÉUS. AUSÊNCIA DE
CONDENAÇÃO. APRECIAÇÃO EQÜITATIVA. ART. 20, § 4º, CPC.
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
(...)
II - A "ação social originária", segundo a boa doutrina, é ajuizada
pela companhia contra seus (ex-)administradores, com o fim de obter
o ressarcimento de prejuízo causado ao patrimônio social, seja por
terem agido com culpa ou dolo, seja por terem violado a lei ou o
estatuto. Em se tratando de responsabilidade extracontratual, portanto,
como no caso, é de ser aplicado o enunciado sumular nº 54/STJ, para
que os juros fluam desde a data dos atos ilícitos atribuídos a cada um
dos diretores.
(...) (REsp 279.019/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO
TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 13/03/2001, DJ
28/05/2001, p. 202)
O relator, Min. Sálvio de Figueiredo, àquela assentada asseverou: "A
"ação social originária", na expressão de Osmar Brina Corrêa Lima
(Sociedade Anônima, v. 2, Belo Horizonte: Del Rey, 1994, cap. 10, nº 15, p.
135), é ajuizada pela companhia contra seus ex-administradores, com o fim
de obter o ressarcimento de prejuízo causado ao patrimônio social, seja por
terem agido com culpa ou dolo, seja por terem violado a lei ou o estatuto."
Esta Terceira Turma, sob a relatoria da Min. Nancy Adrighi, no REsp
736.189/RS, julgado em 06/12/2007, analisou a razão de ser da referida
autorização, impondo-se, pela precisão das conclusões, transcrever os
fundamentos do voto da relatora:
Luiz Gastão Paes de Barros Leães, tratando sobre o tema sob a ótica
das sociedades anônimas, afirma que “a ação de responsabilidade civil
contra o administrador de sociedade anônima compete à companhia. É natural; à sociedade, como pessoa jurídica com aptidão para
adquirir direitos e contrair obrigações, é que cabe prioritariamente
defender a integridade do seu próprio patrimônio (Lei n. 6.404, de 1976, art. 159). A ação pertence à sociedade e, por isso, qualifica-se
com propriedade, de ação social” (A prévia deliberação assemblear
como condição de legitimatio ad causam na ação social. In Pareceres.
São Paulo: Ed. Singular, v.I, p. 462).
A exigência de tal formalidade é justificada nos seguintes termos pela
doutrina:
“Tratando-se de procedimento da sociedade contra membros da
própria administração (que normalmente seria o órgão
encarregado da representação processual da sociedade), a lei
reserva à assembléia geral – órgão que expressa a vontade social – a competência para decidir sobre a propositura ou não da ação em
questão” (Barros Leães, idem, p. 462-463).
A formalidade é mais que razoável quando se trata de sociedade
anônima, pois ordinariamente há ali uma razoável separação entre a
administração da empresa e a titularidade de ações, cisão essa que só é
mitigada no nível do conselho de administração. Submetendo-se os
administradores exclusivamente ao crivo dos acionistas, confere-se
estabilidade à gestão empresarial e resguarda-se o interesse social, de
forma a assegurar que a ação de responsabilidade não será meio para
a consecução de interesses individuais (no mesmo sentido, vide Nelson
Eizirik. Temas de Direito Societário. São Paulo: Renovar, 2005, p. 117).
Exigir-se também para o ajuizamento da ação contra ex-administradores
da companhia a autorização assemblear estaria a resguardar, pois, o interesse
social, evitando-se, ainda, a sua utilização como meio para a consecução de
interesses individuais.
No precedente inicialmente citado, da lavrado Min. Asfor Rocha,
concluiu a Colenda 4ª Turma que "é a própria companhia que tem
legitimidade para o ajuizamento da ação de responsabilidade contra seus
ex-administradores e ex-gerentes pelos eventuais desmandos por eles
praticados. Todavia, para tanto, exige o art. 159 da Lei das S/A que a
assembléia geral delibere acerca da propositura da ação. Assim dispõe a
mencionada norma: (...)"
Arremata, ainda, o Min. Asfor Rocha:
Assim, como se vê, é a empresa autora que tem legitimidade para figurar no polo ativo da ação de responsabilidade civil contra os
administradores e gerentes. Porém, sua capacidade de postular em
juízo está condicionada à autorização da assembléia geral.
Também comungo do entendimento do nobre Relator no que tange à
necessidade de o egrégio Tribunal de origem dar oportunidade à autora
de comprovar a autorização da assembléia geral para o ajuizamento da
demanda, antes do decreto de extinção do processo sem julgamento do
mérito, conforme determina o art. 13 do CPC, que dispõe:
O disposto no §2º do art. 159 poderia, é verdade, levar à conclusão
diversa, ou seja, poderia fazer concluir que a norma está exclusivamente
voltada a administradores e não ex-administradores, pois estabelece como
efeito da autorização assemblear o impedimento e substituição dos
administradores na mesma assembleia, o que não se poderia aplicar a
ex-gestores.
A propósito: "§2º. O administrador ou administradores contra os quais deva ser
proposta ação ficarão impedidos e deverão ser substituídos na mesma assembléia."
No entanto, tenho que o dispositivo apenas quis deixar claro que, com a
perda da confiança em relação ao administrador demandado, deverá ele ser
substituído da administração da companhia, caso esteja na gestão da
companhia.
O parágrafo não diz com a razão de ser da formalidade estipulada no
caput, senão erige efeito que "deverá" decorrer do voto de desconfiança em
relação ao atual administrador demandado.
A razão de ser da autorização assemblear, com efeito, é a necessidade de
os acionistas reconhecerem, na causa de pedir e no pedido formulados na ação
reparatória, interesse coletivo e, assim, coadjuvarem a pretensão de
acionamento de administradores atuais ou antigos em nome da sociedade
empresária.
Esta Corte Superior, mais recentemente, aplicou analogicamente o art.
159 da LSA às ações de responsabilidade contra sócios controladores, deixando ver que os seus termos podem vir a alcançar hipóteses que desbordem da
literalidade da norma. A propósito:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E EMPRESARIAL.
JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. CERCEAMENTO DE
DEFESA (CPC, ART. 130). NÃO OCORRÊNCIA. SOCIEDADE
ANÔNIMA. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRA
ADMINISTRADOR (LEI 6.404/76, ART. 159) OU ACIONISTAS
CONTROLADORES (APLICAÇÃO ANALÓGICA): AÇÃO SOCIAL UT
UNIVERSI E AÇÃO SOCIAL UT SINGULI (LEI 6.404/76, ART. 159, §
4º). DANOS CAUSADOS DIRETAMENTE À SOCIEDADE. AÇÃO
INDIVIDUAL (LEI 6.404/76, ART. 159, § 7º). ILEGITIMIDADE ATIVA
DE ACIONISTA. RECURSO PROVIDO.
1. O art. 130 do CPC trata de faculdade atribuída ao juiz da causa de
poder determinar as provas necessárias à instrução do processo.
O julgamento antecipado da lide, no entanto, por entender o
magistrado encontrar-se maduro o processo, não configura
cerceamento de defesa.
2. Não viola os arts. 459 e 460 do CPC a decisão que condena o réu ao
pagamento de valor determinado, não obstante constar do pedido
inicial a apuração do valor da condenação na execução da sentença.
3. Aplica-se, por analogia, a norma do art. 159 da Lei n. 6.404/76 (Lei
das Sociedades Anônimas) à ação de responsabilidade civil contra os
acionistas controladores da companhia por danos decorrentes de abuso
de poder.
4. Sendo os danos causados diretamente à companhia, são cabíveis as
ações sociais ut universi e ut singuli, esta obedecidos os requisitos
exigidos pelos §§ 3º e 4º do mencionado dispositivo legal da Lei das S/A.
5. Por sua vez, a ação individual, prevista no § 7º do art. 159 da Lei
6.404/76, tem como finalidade reparar o dano experimentado não pela
companhia, mas pelo próprio acionista ou terceiro prejudicado, isto é, o
dano direto causado ao titular de ações societárias ou a terceiro por ato
do administrador ou dos controladores. Não depende a ação individual
de deliberação da assembleia geral para ser proposta.
6. É parte ilegítima para ajuizar a ação individual o acionista que sofre
prejuízos apenas indiretos por atos praticados pelo administrador ou
pelos acionistas controladores da sociedade anônima. 7. Recurso
especial provido. (REsp 1214497/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO
DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO,
QUARTA TURMA, julgado em 23/09/2014, DJe 06/11/2014)
Outrossim, não fosse o fato de que os atos da sociedade empresária deverem espelhar a vontade dos acionistas e, assim, ser mesmo natural exigir
que o instrumento de manifestação desta vontade, a assembleia geral, fosse
consultado acerca do ajuizamento da ação reparatória contra
ex-administradores, não se deve desprezar o fato de que tenha havido a
aprovação das contas dos antigos administradores com o fim de sua gestão.
Torna-se, também por isso, relevante que a própria assembleia delibere
acerca da possibilidade de ajuizar-se ação reparatória em face do administrador
que teve as contas por ela aprovadas.
Finalmente, tenho que não se pode desprezar a análise pragmática e
econômica que possa advir do ajuizamento de ação de reparação civil contra
administradores e ex-administradores da companhia.
É que as sociedades anônimas em regra, tem as ações negociadas em
bolsa, podendo sofrer algum decaimento na confiança que possuem no
mercado em face do ajuizamento de ações reparatórias sociais contra sua
administração, atual ou anterior, hipótese que poderia refletir diretamente no
valor da companhia, já que a enunciar ao mercado que a sua administração
fora falha a ponto de ter causado danos ao ente coletivo.
Sobre esta possibilidade, Eduardo Secchi Munhoz, ao tratar dos
percalços da ação social ut singuli originária ou derivada, destaca:
A evidência empírica indica que o ajuizamento de ação judicial, em
geral, resulta em queda do valor das ações da Companhia e, mais, que
o eventual julgamento de sua procedência não resulta em proporcional
valorização (Ferris, Prichtard, 2001).
A percepção do mercado de que o controlador (ou administrador) age
de forma abusiva pode gerar a perda de confiança dos investidores,
com efeito negativo sobre a cotação das ações superior ao valor do
dano concretamente causado ao seu patrimônio pelo ato lesivo por ele
praticado." (in Lei das S.A. em seus 40 anos, Organização Alberto
Venâncio Filho et alii, Ed. Forense, Rio de janeiro: 2016, p. 141)
Convém lembrar, finalmente, lição de Norma Jonssen Parente que, concluindo pelo alcance do art. 159 da LSA a ex-administradores, ainda assim,
faz interessante contra-ponto com base em parecer jurídico contrário da CVM
sobre a questão (in Tratado de Direito Empresarial, V. 6, Ed. RT, 2018, item
3.1.1):
Cabe ressaltar que a lei prevê ação contra administradores, o que
levanta a questão de se é necessário o rito do art. 159 para autorizar a
propositura de ação de indenização contra ex-administradores.
(...)
O próprio jurídico da CVM já se manifestou neste sentido no Parecer
PJU/CVM 5/2002:
Parecer CVM/PJU 5/2002
“1. Ação de responsabilidade civil prevista no art. 159 da Lei
6.404, de 1976, tem aplicação aos administradores ainda investidos
de suas atribuições, sendo desnecessária a deliberação assemblear
específica prevista no aludido dispositivo no caso de ação de igual
natureza a ser promovida pela companhia em face de
administradores já destituídos;
2. A decisão pela propositura de ação de responsabilidade civil em
face de ex-administradores prescinde de autorização da assembleia
por se tratar de ato de mera gestão;
3. Quando efetivamente configurada a hipótese do art. 159 da Lei
Societária, e tratando-se de atos irregulares praticados pelos
administradores em benefício do acionista controlador, fica este
impedido de votar na assembleia que deliberar pela propositura da
ação de responsabilidade civil, tendo em vista o evidente conflito de
interesses (Lei 6.404, de 1976, art. 115, § l.º);
4. As hipóteses de exercício abusivo do poder de controle previstas
em lei (Lei 6.404, de 1976) e em normas regulamentares
(Instruc¸a~o CVM 323, de 2000) não têm relevância para o
julgamento de ação de responsabilidade civil proposta
exclusivamente em face dos administradores e sem a inclusão do
controlador, sendo cabível a apuração administrativa dos fatos
pela CVM, com vistas à eventual aplicação das penalidades
previstas no art. 11 da Lei 6.385, de 1976, tanto em relação aos
administradores quanto ao próprio controlador”.
O parecer está correto ao afirmar que a propositura da ação é um ato
de gestão da companhia. No entanto, a própria lei alçou tal ato à
competência da assembleia. A necessidade da prévia aprovação da
assembleia exclui o assunto da gestão dos administradores em sua
própria proteção, por um lado, e em proteção dos acionistas e da
companhia, por outro. Deixar a competência para deliberar sobre a propositura ou não da
ação de responsabilidade com a diretoria seria esperar que esta agisse
contra seus próprios membros, ou, pior, contra membros do Conselho
de Administração, que elegem e destituem os diretores. Exatamente por
envolver os gestores da companhia, o assunto foi tirado da alçada
deles.
Apesar de o art. 159 da Lei das S.A. mencionar administradores, o
termo deve ser entendido no sentido de incluir também
ex-administradores, já que se cuidará de reparação de danos por quem
certamente não estará mais na companhia. Não só aqueles, cujos atos
estão sendo discutidos no momento, que a lei determina que serão
substituídos na mesma assembleia, como aqueles que saíram antes.
Seria um contrassenso excluir do art. 159 o administrador que, pouco
antes da assembleia, renunciou ao cargo e só incluir os que ainda
estavam em exercício no momento da realização da assembleia.
Os fatos que podem vir a ser atribuídos à gestão atual ou anterior da
sociedade anônima, por sua gravidade, podem, de algum modo, combalir a
própria sociedade, razão da pertinência da aplicação do art. 159 da LSA a
administradores atuais ou antigos.
Não deixo de registrar serem absolutamente razoáveis os argumentos em
ambos os sentidos, todavia, tenho que bem se estará a preservar os interesses
dos acionistas submetendo-se ao corpo social, mediante assembleia, a decisão
acerca do ajuizamento de ação de reparação.
Com isso e finalmente, não deixo de destacar que a eventual
possibilidade de o acionista controlador direcionar a deliberação em assembleia,
evitando, assim, o ajuizamento da ação existe seja para os administradores
atuais, seja para administradores anteriores.
A lei, no entanto, para contornar esta hipótese, previu que, mesmo em
sendo deliberado pela assembleia contrariamente ao ajuizamento da ação, ainda
assim, acionistas minoritários poderão, reunindo 5% do capital social, ajuizar a ação reparatória.
Nesta perspectiva, não fosse a possibilidade de sanação da irregularidade
de representação processual, o acórdão recorrido mereceria reforma.
Analiso, então, a última questão objeto de controvérsia no recurso
especial, ou seja, se a autorização assemblear poderá vir a ser realizada e
comprovada após o ajuizamento da ação.
A questão é de legitimidade processual, que, na teoria geral do processo
consubstancia um dos pressupostos processuais, ou seja, a deliberação
assemblear habilita a sociedade empresária para estar em juízo e pleitear a
indenização pelos danos causados à sociedade por seus administradores, atuais
e antigos.
Arruda Alvim, acerca da legitimatio ad processum, relembra:
Para a validade da relação jurídica processual, de modo a permitir que
o juiz possa validamente entrar no mérito do processo, solucionando o
conflito de interesses levado a juízo, exige a lei que sejam, as partes,
capazes.
Por pressuposto processual entende-se a capacidade de estar em juízo,
também denominada comumente, pela doutrina tradicional, de
legitimação formal (legitimatio ad processum) ou capacidade
processual, conceitos que comportam distinção, todavia. Tem
capacidade para estar em juízo toda a pessoa que se acha no exercício
dos seus direitos (art. 70 do CPC/2015). Assim, aquele que, pelo Direito
Civil, tem capacidade de gozo e de exercício de direitos, tem
capacidade para estar em juízo.
(...)
Comumente, a legitimatio ad causam coincide com a legitimidade
processual, que, a seu turno, pressupõe a capacidade de estar em juízo
(= processual). A legitimação processual é a legitimidade para que as
partes atuem em um processo em concreto. Na hipótese de coincidência
da legitimação processual com a legitimação ad causam, ambas dirão
respeito ao mesmo sujeito ou ente jurídico (= parte). (Manual de
Direito processual, 2ª ed. e-book, Ed. RT, 2017, item 5.3)
Em estando ligada à capacidade de estar em juízo, a autorização assemblear poderia ser sanada na forma do art. 13 do CPC/73 (art. 76 do
CPC/15), cujos termos na memória reavivo:
Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a irregularidade da
representação das partes, o juiz, suspendendo o processo, marcará
prazo razoável para ser sanado o defeito. Não sendo cumprido o
despacho dentro do prazo, se a providência couber:
I - ao autor, o juiz decretará a nulidade do processo;
II - ao réu, reputar-se-á revel;
III - ao terceiro, será excluído do processo.
A doutrina processualista, uma vez mais, mais bem aclara essa
possibilidade de sanação:
Arruda Alvim:
Ausente a capacidade de estar em juízo e, consequentemente, a
legitimidade processual, o juiz deve ensejar sua regularização. No
entanto, o prazo fixado pelo juiz, com fulcro no caput do art. 76, do
CPC/2015, para regularização das partes, é preclusivo. Não suprida a
falta no prazo marcado, incumbe ao juiz declarar extinto o processo
sem resolução de mérito, por falta de pressuposto processual.
Araken de Assis:
A capacidade processual constitui requisito de validade da relação
processual e sua ausência impede o julgamento do mérito.
Não ocorrendo o suprimento de algum defeito, e respeitando ela ao
autor, o juiz extinguirá o processo (art. 485, IV), ressalva feita à
possibilidade de prover favoravelmente ao adversário (art. 488). (in
Processo Civil Brasileiro, Ed. RT., 2015, item 111, subitem 510)
Esta Corte, no precedente anteriormente citado da lavra do Min. Asfor
Rocha, reconhecera a plena possibilidade de ser sanada irregularidade referente
à capacidade processual da sociedade anônima que deixa de acostar, com o
ajuizamento, a autorização assemblear.
Na hipótese dos autos, a autorização restou concedida, mesmo que
posteriormente ao ajuizamento da ação, e fora acostada em sede recursal,
impondo-se, por isso, manter o acórdão recorrido que determinou dar-se continuidade à ação de reparação.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso
especial.
É o voto.
VOTO-VISTA
VENCIDO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA:
Trata-se, na origem, de ação de responsabilidade civil cumulada com pedido de
reparação de danos ajuizada por IMPORTADORA E EXPORTADORA DE CEREAIS S.A. contra
EUNICE ROTTA BERGESCH, pessoa física que, tendo exercido diversos cargos de direção no
período de 2003 a 2012, com poderes de administração, teria contratado serviços de vigilância
para a sua própria residência e alocado as respectivas despesas nas contas da empresa
autora, sem a prévia deliberação do Conselho de Administração.
A autora pede a condenação da parte ré à reparação dos danos que lhe teriam
sido causados, equivalentes à quantia de R$ 350.576,17 (trezentos e cinquenta mil quinhentos
e setenta e seis reais e dezessete centavos).
Ante a falta do requisito de que trata o art. 159 da Lei nº 6.404/1976 – prévia
deliberação da assembleia-geral – o magistrado de primeiro grau de jurisdição julgou extinto o
processo, sem resolução de mérito (art. 267, VI, do Código de Processo Civil de 1973).
Em grau de apelação, a ora recorrida defendeu que é inaplicável o dispositivo
legal mencionado por se tratar de demanda ajuizada contra ex-administrador, e,
alternativamente, com fundamento no art. 13 do CPC/1973, que lhe fosse concedida a
oportunidade de regularizar a sua capacidade processual.
Porém, antes do julgamento do recurso, a então apelante procedeu à juntada de
cópia da Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária nº 104, realizada em 12/5/2014, na qual
se teria deliberado pela ratificação dos atos praticados em nome da sociedade empresária – ajuizamento de ações de responsabilidade civil contra os ex-administradores.
Na sequência, o Tribunal de origem deu provimento ao recurso de apelação e
determinou o retorno dos autos à origem para que prosseguisse no julgamento do feito, ficando
o respectivo acórdão assim ementado:
"APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA
CONTRA EX-ADMINISTRADORA.
Tratando-se de demanda ajuizada contra ex-administradora desnecessária a
deliberação da assembleia, por ausência de previsão legal. Inaplicação do art.
159 da lei 6404/76. Caso de desconstituição da decisão prolatada para o retorno
dos autos à origem e regular prosseguimento do feito. Apelo provido; sentença
desconstituída. Prejudicado apelo da ré" (e-STJ fl. 488).
Nos embargos de declaração opostos na origem, a ora recorrente arguiu nulidade
em decorrência de suposta inobservância da norma contida no art. 398 do CPC/1973, porque
não lhe teria sido concedida oportunidade para se manifestar a respeito do documento novo
apresentado pela parte contrária.
Em virtude da rejeição dos embargos por fundamentação absolutamente
genérica, esta Corte Superior, nos autos do ARESP nº 673.658/RS, determinou o retorno dos
autos à origem para novo julgamento dos aclaratórios (e-STJ fls. 689-692).
Nessa segunda oportunidade, a Corte local, após reconhecer que não se conferiu
à parte contrária vista para se manifestar sobre o documento novo trazido pela autora, rejeitou
novamente os embargos de declaração sob a seguinte fundamentação:
"(...)
De início, verifica-se que, de fato, não foi oportunizada vista à
embargante do documento colacionado às fls. 436/455.
Todavia, é preciso ressaltar que isso, por si só, não tem o condão
de ensejar a nulidade do referido acórdão por cerceamento de defesa.
Isso porque, apesar de ter sido feita expressa referência à Ata de
Assembleia Geral Ordinária e Extraordinária nº 104 no acórdão recorrido, essa
circunstância revela-se tão somente secundária ao fundamento principal do
julgado, que diz respeito à desnecessidade de autorização da Assembleia Geral
para ajuizamento de ação contra ex-administrador por atos anteriores, pois
limita-se a lei a exigir permissão em ação afora contra administrador.
(...)
Nesse contexto, mesmo que não houvesse sido juntada a citada
Ata, a solução do conflito seria no sentido de se desconstituir a sentença
prolatada à fl. 401, para determinar o regular prosseguimento do feito. Não há
falar, portanto, em prejuízo à parte embargante no caso concreto" (e-STJ fls.
700-702).
Na assentada de 25/6/2019 (14h), o Relator, Ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, negou provimento ao recurso especial.
Para melhor compreensão da controvérsia, pedi vista dos autos.
Inicialmente, anoto a minha plena concordância com a fundamentação trazida no
voto do Relator quanto a não estar configurada a alegada negativa de prestação jurisdicional.
Concordo igualmente com a tese de que a ação social reparatória (ut universi)
ajuizada pela sociedade empresária contra ex-administrador, na forma do art. 159 da Lei das
Sociedades Anônimas, depende de autorização da assembleia geral.
Entendo, contudo, que assiste razão à recorrente quanto aos demais aspectos
suscitados no recurso. Considerando a prejudicialidade da matéria, inicio o exame da
irresignação pela alegada violação do art. 159 da Lei nº 6.404/1976, que assim dispõe:
"Art. 159. Compete à companhia, mediante prévia deliberação da
assembléia-geral, a ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos
prejuízos causados ao seu patrimônio." (grifou-se)
O texto legal é absolutamente claro quanto à necessidade de deliberação da
assembleia geral antes do ajuizamento da ação de responsabilidade civil contra o
administrador, valendo conferir, a esse respeito, a lição de Nelson Eizirik:
"(...)
Constitui requisito legal, essencial e imprescindível para a
propositura da ação de responsabilidade civil do administrador, a realização
de assembleia geral que previamente delibere a respeito." (A lei das S.A.
comentada, v. II, São Paulo: Quartier Latin, 2011, pág. 410 - grifou-se)
Nessa mesma linha de entendimento, segue a opinião de Marcelo Vieira Von
Adamek:
"(...)
Para a propositura da ação social, em qualquer uma de suas
modalidades, é de regra indispensável a existência de prévia deliberação
assemblear, de conteúdo positivo ou negativo. (...) Diante da literalidade da
lei acionária vigente, tanto a doutrina como os tribunais têm diuturnamente
proclamado ser indispensável a existência dessa prévia deliberação
assemblear." (Responsabilidade civil dos administradores de S/A (e as ações
correlatas), São Paulo: Saraiva, 2009, págs. 308-309 - grifou-se)
Fábio Ulhoa Coelho classifica a prévia deliberação assemblear como "(...)
condição de procedibilidade da ação de responsabilidade civil contra o administrador" (Curso
de direito comercial, volume 2 [livro eletrônico] : direito de empresa, 2. ed., São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2017, 24:5.4 - grifou-se).
No precedente invocado pelo Relator, muito se debateu acerca da natureza
jurídica de tal exigência, especialmente no voto vencido da lavra do eminente Ministro Barros
Monteiro, em que se fez a necessária distinção entre legitimatio ad causam e legitimatio ad
processum:
"(...)
A despeito de a decisão recorrida haver reputado a autora parte
ilegítima para a propositura desta ação, com base em alguns respeitáveis escólios
doutrinários, certo é que, na espécie, não se cuida propriamente de
ilegitimidade de parte ad causam. Em princípio, a legitimidade para intentar a
ação de responsabilidade civil contra os ex-administradores é da própria
sociedade anônima. Mas, para que ela ingresse em juízo para tal fim, é de rigor
que se muna ela previamente da autorização expedida pela assembléia geral.
Considero assim que, antes de uma questão relativa à legitimidade de parte,
trata-se aqui de um problema ligado à incapacidade da parte de estar em
juízo (incapacidade processual)" (REsp nº 157.579/RS, Rel. p/ acórdão Ministro
Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, julgado em 12/9/2006, DJ 19/3/2007 - grifou-se).
De fato, "(...) é a empresa autora que tem legitimidade para figurar no polo ativo
da ação de responsabilidade civil contra os administradores e gerentes. Porém, sua capacidade
de postular em juízo está condicionada à autorização da assembléia geral", como bem
salientou o Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator designado para a lavratura do acórdão.
Foi por esse motivo, a propósito, que o Órgão Colegiado, naquela oportunidade,
considerou aplicável a norma contida no art. 13 do CPC/1973:
"Art. 13. Verificando a incapacidade processual ou a
irregularidade da representação das partes, o juiz, suspendendo o processo,
marcará prazo razoável para ser sanado o defeito." (grifou-se)
Impõe-se registrar, no entanto, que a controvérsia examinada naquela ocasião
dizia respeito à possibilidade da posterior juntada de documento que, segundo a parte
interessada, era capaz de comprovar que houve deliberação assemblear antes do ajuizamento
da ação, o que fica claro pelo teor do voto proferido pelo eminente Ministro Aldir Passarinho
Junior:
"(...)
Sr. Presidente, diante dos esclarecimentos, acompanho o voto de
V. Exa. no sentido de que o Tribunal a quo se manifeste especificamente sobre
essa ata, já que se admite, efetivamente, que haja a instrução do processo se o
documento foi produzido antes do ajuizamento da ação autorizando, em tese,
esse ajuizamento. Essa questão deveria ter sido considerada pelo Tribunal, para
acolher ou rejeitar, mas, efetivamente, teria que haver uma manifestação concreta a respeito" (grifou-se).
E pelo saudoso Ministro Hélio Quaglia Barbosa:
"(...)
Sr. Presidente, sinto-me perfeitamente esclarecido, com vista à
oportunidade que se deva conferir à parte, para demonstrar a existência da
autorização na forma do art. 159 da Lei nº 6.404, Lei das Sociedades Anônimas"
(grifou-se).
A hipótese dos autos é diversa, haja vista a deliberação assemblear ter sido
obtida após o ajuizamento da ação, em manifesta afronta à literalidade da lei.
Embora situando a deliberação assemblear como condição para se alcançar a
legitimidade ad causam, Luiz Gastão Paes de Barros Leães também entende que dita
providência deve preceder o ajuizamento da ação:
"(...)
De acordo com a lei em vigor, portanto, para propor ação social - uti universi ou uti singuli - é necessário que o autor preencha a condição de
legitimidade ativa estabelecida pela lei do anonimato: a prévia deliberação
da assembléia geral. Ocorre a legitimidade ordinária da sociedade para propor
ação social contra os seus administradores, quando existe 'prévia deliberação
assemblear' autorizadora; surge a legitimidade extraordinária dos acionistas, para
propor subsidiariamente a mesma ação, ou com a inação da sociedade, uma vez
escoado o prazo de três meses da 'prévia deliberação assemblear' autorizadora,
ou com a 'prévia deliberação da assembléia geral', negando autorização para o
ajuizamento da ação pela companhia (Cf. Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei
de Sociedades Anônimas, 5.º vol., Saraiva, S. Paulo, 1982, p. 204 ss.).
2.13 A condição de legitimidade para agir, em todas essas
hipóteses, é, portanto, apenas uma: a existência de prévia decisão da
assembléia geral deliberando promover – ou não promover – a ação. Inexiste
no texto legal qualquer outra condição para que o autor da ação social adquira
qualidade para agir." (A prévia deliberação assemblear como condição de
'legitimatio ad causam' na ação social. In: Revista de direito mercantil, industrial,
econômico e financeiro, nova série, v. 34, n. 100, págs. 98-104, out./dez. 1995 - grifou-se).
A razão para assim interpretar o comando legal vai além da própria literalidade da
norma, tendo em vista que o ajuizamento de demandas judiciais contra administradores de
sociedades anônimas podem representar prejuízos para a própria companhia e seus acionistas,
como bem adverte Fábio Ulhoa Coelho:
"(...)
Convém atentar para o fato de que nem sempre é interessante à companhia promover a responsabilização judicial do administrador afastado,
porque o ajuizamento do processo implica, necessariamente, tornar públicos os
problemas na administração da empresa (por vezes, importa a divulgação de
dados confidenciais, também). Ou seja, a imagem institucional da sociedade
anônima pode sofrer, com o ajuizamento da ação de responsabilidade do
administrador, danos que superem os provocados por este. Assim, mesmo
apurada a responsabilidade, a assembleia geral pode deliberar validamente pelo
não ajuizamento da demanda." (ob. cit. - grifou-se)
Em outro artigo doutrinário, o ilustre professor de Direito Comercial assevera:
"(...)
A lei reservou à competência exclusiva da assembleia geral a
decisão sobre processar ou não processar seus ex-administradores, porque nem
sempre corresponde ao melhor interesse da sociedade promover a demanda
judicial. Pode ocorrer, por exemplo, de a sociedade considerar que o
ressarcimento do prejuízo material não compensaria os danos à imagem que a
responsabilização do antigo administrador lhe causaria. Também é necessário
que a sociedade sopese o quanto poderia prejudicar ver certas informações
reservadas de sua administração tornadas acessíveis à imprensa ou à
concorrência, graças à publicidade do processo judicial. Em vista da envergadura
dessas implicações, a lei considera imprescindível que a assembleia geral aprecie
a questão e decida se convém, ou não, ajuizar a ação de responsabilização
contra ex-administrador." (Responsabilidade civil por ato de administrador de
sociedade anônima (STJ - REsp 1.515.710/RJ). In: Revista brasileira de direito
comercial, v. 1, n. 5, págs. 123-133, jun./jul. 2015).
Nelson Eizirik também acentua que
"(...)
A companhia não é obrigada a mover a ação de responsabilidade
contra seus administradores, ainda que haja indícios de que atuaram de forma
ilegal. Trata-se de decisão absolutamente soberana da assembléia geral, que
deve pesar: (i) a gravidade do eventual ato ilícito; (ii) os danos efetivamente
causados ao patrimônio social; (iii) os custos e benefícios da propositura da
ação; e (iv) as reais possibilidades de êxito na demanda." (ob. cit., pág. 410 - grifou-se)
Diante desse panorama, entendo que, para assegurar que a convicção dos
presentes ao conclave não seja afetada, positiva ou negativamente, ao tempo da
deliberação quanto ao ajuizamento ou não da ação social reparatória, é indispensável
que ela já não esteja em curso, sendo essa, a meu juízo, a intenção do legislador ao exigir
que a assembleia geral previamente delibere a respeito da propositura da ação de
responsabilidade civil contra administrador ou ex-administrador.
Assim, diante da literalidade da lei especial e da verdadeira intenção do legislador
ao exigir que a deliberação assemblear seja prévia, não vejo como aplicar subsidiariamente a
disposição contida no art. 13 do CPC/1973, salvo se limitada a diligência à juntada de cópia da
respectiva ata, conforme decidido no julgamento do REsp nº 157.579/RS.
Na hipótese de não ser acolhida tal proposição, entendo que a recorrente teve
cerceado o seu direito de defesa, por ofensa ao princípio do contraditório, a teor do disposto no
art. 398 do Código de Processo Civil de 1973:
"Art. 398. Sempre que uma das partes requerer a juntada de
documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco)
dias."
Com referência ao dispositivo legal em comento, o eminente Relator bem
salientou que a jurisprudência desta Corte Superior, com o intuito de evitar declarações de
nulidade sem a ocorrência de prejuízo efetivo – pas de nullité sans grief –, tem exigido que o
documento i) não seja do conhecimento da parte contrária; ii) precisa guardar relevância e
pertinência com o deslinde da controvérsia, influindo de forma decisiva para a sua solução, e iii)
seu conteúdo não deve se limitar a mero reforço de argumentação.
Estabelecidas tais premissas, entendeu Sua Excelência que a recorrente tinha
plena ciência do teor do referido documento, sobretudo porque também o subscreveu na
condição de sócia, não havendo falar, por isso, em nulidade por descumprimento da norma
contida no art. 398 do CPC/1973.
Não me parece, contudo, que a ciência extra autos em relação à existência do
documento seja suficiente, no caso ora examinado, para afastar a nulidade aventada,
notadamente porque ao tempo em que procedida a sua juntada ao processo a recorrente já
possuía em seu favor uma sentença de extinção da demanda, fundada justamente na ausência
de requisito indispensável para o ajuizamento da ação – prévia deliberação da assembleia
geral.
Além disso, conquanto fosse o documento desimportante para a solução adotada
pela Corte estadual, calcada na inaplicabilidade do art. 159 da Lei nº 6.404/1976 para a
propositura de ação de responsabilidade civil contra ex-administradores, passou ele a ter
absoluta relevância para o deslinde da controvérsia no âmbito desta Corte Superior, que entende aplicável a exigência prevista na aludida norma, mesmo para as ações propostas
contra ex-administradores.
Nessa medida, se à ora recorrente fosse dada a oportunidade de se manifestar a
respeito do documento novo juntado antes do julgamento da apelação, sua própria legitimidade
poderia ser questionada com base em argumentos que jamais poderiam ser examinados por
este Tribunal Superior, dada a vedação contida na Súmula nº 7/STJ.
Basta verificar que a ora recorrente, nos primeiros embargos de declaração
opostos na origem, sustentou que "(...) o desrespeito ao art. 398 do CPC impediu, por
exemplo, que a ora embargante impugnasse o referido documento, eis que não foi juntado
na íntegra, faltando os anexos de que trata o § 1º do art. 130 da Lei nº 6.404/76" (e-STJ fl. 500 - grifou-se).
Mais à frente, ressaltou que
"(...) a juntada da ata sem seus anexos (voto dissidente e parecer do Conselheiro
Fiscal) é evidente ato de má-fé da parte autora, e o cumprimento do art. 398 do
CPC teria possibilitado à ré que apresentasse aos autos tais documentos,
demonstrando à Câmara que houve protesto com relação à abusiva
deliberação. 6. O prejuízo da parte recorrida/ré é evidente, uma vez que não
pôde esta, antes da prolação do acórdão, verificar o teor e autenticidade do
documento juntado pela outra parte, impossibilitando, por exemplo, eventual
contraposição mediante juntada de outro documento, como possibilita, se for o
caso, a segunda parte do art. 397 do CPC. Também foi a parte recorrida/ré
prejudicada em sua sustentação oral, eis que apenas no momento do
julgamento teve ciência da juntada do referido documento" (e-STJ fls.
500-501 - grifou-se).
Presentes tais circunstâncias, entendo que a ofensa ao princípio do contraditório,
na hipótese, está configurada, devendo ser declarada a nulidade dos atos processuais
praticados após a juntada de documento novo sem a correspondente abertura de vista à parte
contrária.
Sobreleva notar, ainda, que a jurisprudência desta Corte admite a juntada de
documentos novos após a petição inicial e a contestação, inclusive em fase recursal, desde
que: i) não se trate de documento indispensável à propositura da ação; ii) não haja
má-fé na ocultação do documento, e iii) seja ouvida a parte contrária, conforme decidido nos
seguintes julgados:
"PROCESSO CIVIL. AÇÃO POSSESSÓRIA. JUNTADA EXTEMPORÂNEA DE
DOCUMENTOS. DETERMINAÇÃO DE DESENTRANHAMENTO. PODERES
INSTRUTÓRIOS DO JUÍZO. RELATIVIZAÇÃO. NECESSIDADE DE
CONTRADITÓRIO.
1. É admitida a juntada de documentos novos após a petição inicial e a contestação desde que: (i) não se trate de documento indispensável à
propositura da ação; (ii) não haja má fé na ocultação do documento; (iii) seja
ouvida a parte contrária (art. 398 do CPC). Precedentes.
2. Dessarte, a mera declaração de intempestividade não tem, por si só, o condão
de provocar o desentranhamento do documento dos autos, impedindo o seu
conhecimento pelo Tribunal a quo, mormente tendo em vista a maior amplitude,
no processo civil moderno, dos poderes instrutórios do juiz, ao qual cabe
determinar, até mesmo de ofício, a produção de provas necessárias à instrução
do processo (art. 130 do CPC).
3. De fato, o processo civil contemporâneo encontra-se marcado inexoravelmente
pela maior participação do órgão jurisdicional na construção do conjunto
probatório, o que, no caso em apreço, autorizaria o Juízo a determinar a
produção da prova consubstanciada em documento público, tornando irrelevante
o fato de ela ter permanecido acostada aos autos a despeito da ordem para seu
desentranhamento.
4. Nada obstante, essa certidão foi objeto de incidente de falsidade, o qual foi
extinto pelo Juízo singular, em virtude da perda superveniente do interesse de
agir decorrente da determinação de desentranhamento dos documentos
impugnados dos autos. Assim, verifica-se que o contraditório não foi devidamente
exercido, sendo tal cerceamento contrário à norma insculpida no art. 398 do CPC.
5. Recurso especial parcialmente provido." (REsp 1.072.276/RN, Rel. Ministro
LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 21/2/2013, DJe 12/3/2013 - grifou-se).
"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE
UNIÃO ESTÁVEL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO
RECLAMO. INSURGÊNCIA DA AUTORA.
1. Segundo a jurisprudência deste Tribunal Superior, é admissível a juntada
de documentos novos, inclusive na fase recursal, desde que não se trate de
documento indispensável à propositura da ação, inexista má-fé na sua
ocultação e seja observado o princípio do contraditório. Precedentes.
1.1. No caso em tela, o acórdão recorrido verificou ser cabível a juntada de
documentos novos, nos termos aduzidos. Incidência da Súmula 83/STJ.
2. Para que se configure o prequestionamento da matéria, há que se extrair do
acórdão recorrido pronunciamento de tese jurídica em torno dos dispositivos
legais tidos como violados, a fim de que se possa, nesta instância especial, definir
se foi correta a interpretação conferida à legislação federal.
3. Agravo interno desprovido." (AgInt nos EDcl no AREsp 1.395.012/SP, Rel.
Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 27/5/2019, DJe 3/6/2019 - grifou-se).
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. PROVA. ART. 435 DO CPC/2015
(ART. 397 DO CPC/1973). DOCUMENTO NOVO. FATO ANTIGO.
INDISPENSABILIDADE. EFEITO SURPRESA. APRECIAÇÃO JUDICIAL.
IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. BEM DE FAMÍLIA.
IMPENHORABILIDADE. DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 7/STJ.
1. É admissível a juntada de documentos novos, inclusive na fase recursal,
desde que não se trate de documento indispensável à propositura da ação,
inexista má-fé na sua ocultação e seja observado o princípio do contraditório
(art. 435 do CPC/2015).
2. O conteúdo da alegada prova nova, tardiamente comunicada ao Poder Judiciário, foi objeto de ampla discussão, qual seja, a condição de bem de família
de imóvel penhorado e, por isso, não corresponde a um fato superveniente sobre
o qual esteja pendente apreciação judicial.
3. A utilização de prova surpresa é vedada no sistema pátrio (arts. 10 e 933 do
Código de Processo Civil de 2015) por permitir burla ou incentivar a fraude
processual.
4. Há preclusão consumativa quando à parte é conferida oportunidade para
instruir o feito com provas indispensáveis acerca de fatos já conhecidos do autor
e ocorridos anteriormente à propositura da ação e esta se queda silente.
5. A penhorabilidade do bem litigioso foi aferida com base no conjunto
fático-probatório dos autos, que é insindicável ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.
6. Recurso especial não provido." (REsp 1.721.700/SC, Rel. Ministro RICARDO
VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 8/5/2018, DJe 11/5/2018 - grifou-se).
Ante o exposto, pedindo as mais respeitosas vênias ao Relator, Ministro Paulo de
Tarso Sanseverino, dou provimento ao recurso para restabelecer a sentença de extinção do
processo, sem resolução de mérito, inclusive no tocante aos ônus da sucumbência.
Caso fique vencido nessa proposição, dou parcial provimento ao recurso especial
para declarar a nulidade dos atos processuais praticados após a juntada de documento novo
sem a correspondente abertura de vista à parte contrária.
É o voto.