RECURSO ESPECIAL Nº 1.775.812 - RJ (2017/0283304-6)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. RECONVENÇÃO.
PEDIDO DE NULIDADE DE OUTROS REGISTROS DE MARCA SOB O MESMO
FUNDAMENTO DA DEFESA. 1. POSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO SUBJETIVA EM
RECONVENÇÃO. EFICIÊNCIA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. MAIOR PACIFICAÇÃO
SOCIAL COM MENOR CUSTO. 2. POSIÇÃO PROCESSUAL DO INPI. LITISCONSÓRCIO SUI
GENERIS. LEGITIMIDADE RECURSAL QUE DEVE SER AFERIDA PARA CADA ATO. 3.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O recurso especial debate acerca da legitimidade recursal do INPI para recorrer de
decisão que extinguiu, sem resolução de mérito, reconvenção apresentada por litisconsorte
passivo, na qual se veiculou pedido de nulidade de registro de marca.
2. A reconvenção é técnica por meio da qual se objetiva a otimização da eficiência
processual, potencializando o resultado de pacificação social, ao agregar a um mesmo
processo uma segunda demanda proposta pelo réu contra o autor, ainda que não
exclusivamente essas partes, e fora dos limites da ação original.
3. Entre a demanda principal e a reconvenção deve haver conexão, seja em decorrência do
pedido ou casa de pedir da ação principal, seja em decorrência da vinculação existente com
os argumentos de defesa deduzidos em contestação, o que, por si só, recomendaria o
julgamento conjunto das causas, mesmo que deduzidas em processos autônomos.
4. Diante da nítida relação de conexão entre a ação principal e a reconvenção, seria
contraproducente a inadmissão do instituto tão somente pela necessidade concreta de
ampliação ou restrição subjetiva.
5. A legitimidade processual do INPI tem caráter sui generis, uma vez que sua atuação é
obrigatória em demandas de nulidade de marca e tem por finalidade a proteção da
concorrência e dos consumidores, e não a defesa de interesse individual da instituição.
6. A análise da legitimidade do INPI em cada demanda deve tomar em consideração a
conduta processual inicialmente adotada pelo Instituto, para além da tradicional avaliação in
status assertionis.
7. A reconvenção apresentada, no caso concreto, pela litisconsorte passiva da ação principal
contra a autora (ré-reconvinte) agregou pedido de nulidade de marca, ação na qual o INPI
deve obrigatoriamente intervir, cuja causa de pedir se harmoniza com a tese de defesa da
contestação ofertada pela própria autarquia e sobre a qual (ação de nulidade de marca) o
Instituto se posicionou favoravelmente à procedência. Diante dessas circunstâncias fáticas,
ressai a legitimidade recursal do INPI para impugnar a sentença que extinguiu, sem
julgamento de mérito, a reconvenção oportunamente apresentada pela litisconsorte passiva
da ação principal.
8. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 19 de março de 2019 (data do julgamento).
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Cuida-se de recurso especial interposto por Instituto Nacional da Propriedade
Industrial – INPI, fundamentado na alínea a do permissivo constitucional.
Na origem, M2 Ltda. ajuizou ação de nulidade de registro contra Instituto
Nacional da Propriedade Industrial – INPI e Pasianot & Zanatto Ltda., buscando, em suma,
o restabelecimento do direito à marca CAFÉ NO BULE, registrada sob n. 821.609.904.
O Juízo singular julgou improcedente o pedido e extinguiu a reconvenção
apresentada por Pasianot & Zanatto Ltda., na qual pleiteava a anulação dos atos
administrativos que concederam à autora as marcas CAFÉ NO BULE, CAFÉ NO BULE
PURO DA FAZENDA e CAFÉ NO BULE PURO DO CAMPO, processos n. 824991516,
825984688 e 825984718, por ausência de conexão com a ação principal.
Inconformado, o INPI apresentou apelação (e-STJ, fls. 343-347), da qual o
Tribunal de origem não conheceu, em acórdão assim ementado (e-STJ, fls. 474-483):
APELAÇÃO. PROPRIEDADE INTELECTUAL. CONFLITO ENTRE AS
MARCAS 'CAFÉ NO BULE', 'CAFÉ NO BULE PURO DA FAZENDA' E
'CAFÉ NO BULE PURO DO CAMPO' (IMPUGNADAS) E A MARCA
MISTA IMPEDITIVA 'CAFÉ NO BULE'. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE
DO INPI. ACOLHIDA. AUTARQUIA RÉ NA DEMANDA PRINCIPAL NÃO
PODE FIGURAR COMO RÉ NA DEMANDA RECONVENCIONAL.
RECURSO DO INPI NÃO CONHECIDO.
I. Apenas pode figurar como réu na demanda reconvencional aquele
que for autor na demanda principal.
II. No caso vertente, o INPI é réu na demanda principal, não podendo,
em consequência, sê-lo também na demanda reconvencional.
Igualmente, como a autarquia marcária não ofereceu reconvenção
contra a ora 1ª apelada, também não pode figurar como autora
naquela demanda.
III. Recurso do INPI não conhecido.
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ, fls. 497-500).
Nas razões do recurso especial, o Instituto Nacional da Propriedade
Industrial – INPI alegou violação dos arts. 14 e 175 da Lei n. 9.279/1996, sob o argumento
de que, "mesmo não sendo Autora no pedido de reconvenção, a Autarquia deve, por força de lei, intervir no feito em que se discuta a nulidade de registro marcário", por figurar
"necessariamente como interveniente no feito" (e-STJ, fl. 511).
Contrarrazões apresentadas às fls. 517-523 (e-STJ).
O Vice-Presidente do TRF da 2ª Região inadmitiu o processamento do apelo
especial em razão da incidência da Súmula n. 7/STJ, dando azo à interposição do AREsp
n. 1.197.495-RJ.
Contraminuta juntada às fls. 546-555 (e-STJ).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):
Cinge-se a controvérsia a definir a posição processual do Instituto Nacional
da Propriedade Industrial e a extensão e limites de sua atuação em demandas judiciais,
cujo objeto é o registro de marcas, especialmente, no que tange à oposição de
reconvenção.
1. A ampliação subjetiva da demanda por meio de reconvenção
A reconvenção é uma das técnicas pelas quais se almeja a otimização da
eficiência do processo, potencializando o resultado de pacificação social. Por meio dela,
agrega-se ao processo judicial uma segunda demanda, proposta pelo réu contra o autor,
fora dos limites da ação original. Como bem sintetiza Cândido Rangel Dinamarco "[a
reconvenção] e a demanda inicial reúnem-se em um processo só, cujo objeto se alarga
em virtude do pedido do réu, sem que se forme um novo processo" (Instituições de direito
processual civil, v. 3, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 514).
O cabimento da reconvenção, à época de seu oferecimento nestes autos
(28/3/2014, e-STJ, fls. 166-174), era disciplinado no art. 315 do CPC/1973, segundo o qual
se exigia tão somente a conexão entre a demanda reconvinda e a ação principal ou o
fundamento de defesa, além da presença de autor e réu em polos processuais invertidos.
É o que se depreende do texto legal:
Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez
que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o
fundamento da defesa.
Parágrafo único. Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao
autor, quando este demandar em nome de outrem.
É verdade que a redação do referido artigo por diversas vezes foi
interpretada de forma restritiva pela doutrina, no sentido de que não era suficiente que as
partes da demanda principal fossem partes da ação reconvinda, mas, mais que isso, que
somente elas poderiam figurar nos polos da demanda agregada. Em síntese,
reconheceu-se a impossibilidade de uma reconvenção subjetivamente ampliativa.
Nesse sentido, esta Terceira Turma manteve a inadmissibilidade de
reconvenção manejada no bojo de ação de investigação de paternidade, cujo pedido se
referia à nulidade absoluta de uma terceira demanda – ação de sonegados. O acórdão
ficou assim ementado (sem destaques no original):
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE
PATERNIDADE, CUMULADA INICIALMENTE COM ANULAÇÃO DE
PARTILHA. DESISTÊNCIA DO PEDIDO ANULATÓRIO ANTES DA
CITAÇÃO DO RÉU. DEMANDA RECONVENCIONAL COM
PRETENSÃO DE NULIDADE DE AÇÃO DE SONEGADOS.
ILEGITIMIDADE PASSIVA DO RÉU NA AÇÃO PRINCIPAL
RECONHECIDA. RECONVENÇÃO AUTOMATICAMENTE INADMITIDA
PELO MESMO FUNDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.MANUTENÇÃO DA
EXTINÇÃO DA DEMANDA RECONVENCIONAL POR FUNDAMENTOS
DISTINTOS. IMPOSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO SUBJETIVA DA LIDE
E AUSÊNCIA DE CONEXÃO COM O PEDIDO DE INVESTIGAÇÃO DE
PATERNIDADE. NULIDADE DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE
LEGITIMIDADE E DE INTERESSE RECURSAL DO RÉU EXCLUÍDO
POR ILEGITIMIDADE DE PARTE. VÍCIO INEXISTENTE, ADEMAIS,
PORQUE O PRONUNCIADO DIREITO À HERANÇA É MERO
CONSECTÁRIO LÓGICO DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE.
SENTENÇA HÍGIDA.
1- Ação distribuída em 27/06/2005. Recurso especial interposto em
18/07/2014 e atribuído à Relatora em 25/08/2016.
2- Os propósitos recursais consistem em definir se é admissível a
reconvenção na hipótese em que houve o superveniente
reconhecimento da ilegitimidade passiva do reconvinte na ação
principal e se a sentença, ao reconhecer o direito à herança da parte
que pretendia somente o reconhecimento da paternidade, teria
decidido questão além do pedido.
3- O fato de ter sido reconhecida a ilegitimidade passiva do
réu-reconvinte na ação principal após a propositura da reconvenção
não implica, necessariamente, em inadmissibilidade da demanda
reconvencional, uma vez que, no momento do ajuizamento, havia
direito de reconvir. Inteligência do art. 317 do CPC/73.
Precedentes.
4- Na hipótese em exame, todavia, a reconvenção deve ser extinta
sem resolução do mérito por fundamentos distintos, seja porque a
pretensão reconvencional foi direcionada à pessoa distinta do
autor-reconvindo - sendo inadmissível, na vigência do CPC/73,
a ampliação subjetiva da lide a partir da reconvenção -, seja
porque inexiste conexão entre a ação investigatória de
paternidade post mortem e a ação de nulidade de ação de
sonegados que envolveu partes e relações jurídicas distintas, especialmente na hipótese em que houve a desistência, pelo
autor-reconvindo, do pedido de anulação da partilha que havia sido
inicialmente cumulado.
5- Acolhida a tese de ilegitimidade passiva do réu para responder à
ação investigatória de paternidade, não tem ele legitimidade e
interesse para questionar a validade da sentença que reconhece o direito à herança do autor, pronunciado como consectário lógico do
acolhimento do pedido de reconhecimento da paternidade, sobretudo
quando a sentença não se pronuncia sobre nenhuma questão afeta
ao direito sucessório.
6- Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp 1490073/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe
28/5/2018)
Todavia, a avaliação da condição de parte na demanda reconvencional
adstrita àquelas partes originárias rigorosamente invertidas, além de não ser extraída
diretamente do texto legal, contraria o intuito de máxima efetividade do processo, que é,
afinal, a razão de ser do próprio instituto. Assim, nem a lei nem a teleologia do instituto
impedem que a reconvenção seja movida em litisconsórcio passivo ou ativo, ou ainda em
relação a apenas um dos indivíduos que compõem o polo da ação originária, quando nesta
há litisconsórcio ativo ou passivo – reconvenção subjetivamente restritiva (DINAMARCO,
Cândido Rangel. (Instituições de direito processual civil, v. 3, 6ª ed. São Paulo: Malheiros,
p. 527-529).
Aliás, não se deve perder de vista que, por consistirem em ações conexas a
ação principal e a reconvenção, seria contraproducente a inadmissão do instituto tão
somente pela necessária ampliação ou restrição subjetiva. Isso porque será sempre
possível o manejo da ação autônoma e, em razão da conexão, elas tramitarão em
conjunto para julgamento simultâneo (DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil, v. 1, 14ª ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 528). Desse modo, o critério para definir a
extensão subjetiva da reconvenção deve tomar em consideração a correlação existente
entre os pedidos e causa de pedir da ação principal e da demanda reconvencional, desde
que compatíveis os procedimentos das duas demandas agregadas.
2. Posição processual do INPI e seus efeitos quanto à reconvenção
Dentro desse contexto teórico, se insere o debate dos autos, centrado na
legitimidade recursal do INPI. Com efeito, para além da existência de conexão entre a
demanda principal e a reconvenção, o caso dos autos nos desafia a compatibilizar a
atuação do INPI nas duas demandas agregadas nos autos.
No caso concreto, é certo que a ação principal foi proposta pela recorrida M2
Ltda. para impugnar ato administrativo do recorrente que culminou na anulação de registro
de marca de sua titularidade, qual seja, CAFÉ NO BULE para nomear pó de café. A referida anulação foi fundamentada pelo INPI na reprodução do elemento característico de
marca alheia registrada anteriormente em segmento afim – CAFÉ NO BULE para serviços
de cafeteria –, razão pela qual se dirigiu a ação também contra a empresa titular da marca
semelhante, Pasianot & Zanatto Ltda. Esta segunda requerida contestou a demanda,
defendendo a manutenção do ato anulatório sob o mesmo fundamento de que houve
reprodução do elemento central de sua marca – mesma conduta adotada pelo INPI –, e
ainda ofereceu reconvenção para que outras marcas assemelhadas da mesma recorrida
fossem igualmente anuladas – CAFÉ NO BULE (824991516), na classe 30, para identificar
café, capuccino, balas de café; CAFÉ NO BULE PURO DA FAZENDA (825984688), na
classe 30, para identificar: café, bolacha, biscoito, massa para bolo, goiabada, doces em
geral; e CAFÉ NO BULE PURO DO CAMPO (825984718), na classe 30, para identificar:
café, capuccino, balas de café (e-STJ, fl. 167).
Nota-se, portanto, que, de um lado, a ação principal impugna diretamente ato
praticado pelo INPI, que contestou a demanda defendendo a correção do ato anulatório. De
outro lado, a reconvenção agrega ao processo pedido de declaração de nulidade de
registro de outras marcas, em razão do mesmo fundamento de defesa deduzido pela
autora-reconvinte em sua contestação à ação principal.
Sem adentrar no mérito quanto à possibilidade de manejo da reconvenção
no que tange à conexão entre as demandas, uma vez que esta era a matéria da apelação
interposta na origem e que não alcançou sequer o conhecimento pelo Tribunal a quo, não
se pode olvidar que a reconvenção trouxe a juízo típica ação anulatória de registro de
marca.
Nos termos do art. 175, caput, da Lei n. 9.279/1996, o INPI deve intervir nas
demandas dessa espécie:
Art. 175. A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da
justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito.
[grifado]
A participação do INPI, entretanto, não lhe impõe a defesa do ato concessivo
do registro por ele praticado. Ao contrário, o interesse jurídico do INPI se distingue do
interesse individual de ambas as partes, tendo por objetivo último a proteção da
concorrência e do consumidor, direitos essencialmente transindividuais, o que atrai certo
temperamento das regras processuais tradicionais da defesa de direitos individuais. Por essa razão, a legitimidade ad causam do INPI, bem como todas as demais situações
processuais, dependerá de exame casuístico e particularizado, não se resolvendo por
meio da simples aplicação de conceitos consolidados.
A doutrina moderna vem ressaltando que a apreciação da legitimidade,
embora não se tenha libertado da avaliação inicial in status assertionis, deve também levar
em consideração as "zonas de interesse" dos sujeitos litigantes, que ora se contrapõem,
ora se coincidem e ora se complementam pela atuação baseada sobretudo num interesse
social ou público (CABRAL, Antonio. Interesse ad agire e zone di interesse. In Revista de
Processo Comparado, n. 2/2015, p. 29-56, Jul-Dez, 2015). Desse modo, para além de
uma legitimidade ad causam, verificável ab initio, há que se reconhecer uma legitimidade
móvel refletida na prática dos atos processuais adequados e necessários à defesa de sua
"zona de interesse".
A Terceira Turma do STJ já se posicionou no sentido de que o INPI
desempenha função própria, mediante intervenção sui generis, nos processos de
anulação de registro de marca. Em face disso, nem sempre se comportará como
litisconsorte passivo, devendo a sua legitimidade e os consectários da sua atuação
processual tomarem em consideração a função efetivamente exercida no caso concreto.
Nesse sentido:
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA.
TÍTULO DE ESTABELECIMENTO. UTILIZAÇÃO SIMULTÂNEA.
IRREGISTRABILIDADE RECONHECIDA. ANULAÇÃO PROCEDENTE.
ATUAÇÃO DO INPI. POSIÇÃO PROCESSUAL. INTERVENÇÃO SUI
GENERIS. OBRIGATORIEDADE. DEFESA DE INTERESSE SOCIAL.
CONDENAÇÃO DO INPI. SUCUMBÊNCIA. AFASTAMENTO NO CASO
CONCRETO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A imposição prevista no art. 175 da Lei n. 9.279/96 para que o INPI
intervenha em todas as demandas judiciais de anulação de registro
marcário encerra hipótese de intervenção atípica ou sui generis a qual
não se confunde com aquelas definidas ordinariamente no CPC, em
especial, por tratar-se de intervenção obrigatória.
2. A análise da legitimidade passiva, conquanto não afastada
automaticamente pelo referido dispositivo, deve tomar em
consideração a conduta processual inicialmente adotada pelo
Instituto, para além da tradicional avaliação in status assertionis. 3. Na hipótese dos autos, não houve indicação, em petição inicial, de
conduta específica do recorrente, mas tão somente sua indicação
como requerido em razão da concessão do registro de termo
coincidente com título de estabelecimento explorado previamente -
fato que não foi oposto oportunamente na via administrativa.
4. Inexistindo resistência direta à pretensão e não sendo imputável ao Instituto a causa da propositura da demanda, sua atuação processual
lateral afasta a legitimação passiva e, por consequência, sua
condenação sucumbencial.
5. Recurso especial provido.
(REsp n. 1.378.699/PR, desta relatoria, Terceira Turma, DJe
10/6/2016)
DIREITO MARCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. 1.
MARCAS SEMELHANTES. DUPLICIDADE DE REGISTRO. CLASSES
DISTINTAS. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. ATUAÇÃO NO MESMO
SEGUIMENTO MERCADOLÓGICO. CONFUSÃO CONCRETA. 2.
ATUAÇÃO DO INPI. POSIÇÃO PROCESSUAL. INTERVENÇÃO SUI
GENERIS. OBRIGATORIEDADE. DEFESA DE INTERESSE SOCIAL.
AFASTAMENTO NO CASO CONCRETO. 3. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. 4.
CUSTAS PROCESSUAIS. TAXA JUDICIÁRIA. NATUREZA JURÍDICA
TRIBUTÁRIA. ISENÇÃO. FAZENDA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE
PELO REEMBOLSO DE VALORES ADIANTADOS.
1. Na esteira dos precedentes do STJ, o registro de marcas
semelhantes, ainda que em classe distintas, porém destinadas a
identificar produtos ou serviços que guardem relação de afinidade,
inseridos no mesmo segmento mercadológico, devem ser obstados.
2. O princípio da especialidade não se restringe à Classificação
Internacional de Produtos e Serviços, devendo levar em consideração
o potencial concreto de se gerar dúvida no consumidor e desvirtuar a
concorrência. Precedentes.
3. A imposição prevista no art. 175 da Lei n. 9.279/96 para que o INPI
intervenha em todas as demandas judiciais de anulação de registro
marcário encerra hipótese de intervenção atípica ou sui generis a qual
não se confunde com aquelas definidas ordinariamente no CPC, em
especial, por tratar-se de intervenção obrigatória.
4. O referido dispositivo legal, todavia, não impede a propositura da
demanda endereçada contra a autarquia federal, mormente, quando a
causa de pedir declina ato de sua exclusiva responsabilidade.
5. Na hipótese dos autos, alegou-se a inércia do INPI em relação ao
processamento de pleito administrativo, pelo qual se pretendia a
nulidade do registro marcário; inércia esta que resultou na
judicialização da demanda.
6. Tendo dado causa a propositura da demanda, o INPI foi
corretamente arrolado como réu, e o seu pronto reconhecimento do
pedido impõe que arque com os honorários sucumbenciais, nos
termos do art. 26 do CPC.
7. A Fazenda Pública é isenta de custas processuais, porém esta
isenção não afasta sua responsabilidade quanto ao reembolso das
quantias adiantadas pelo vencedor da demanda.
8. Recurso especial de Angel Móveis Ltda. conhecido e desprovido.
Recurso especial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI
conhecido e parcialmente provido, apenas para isentá-lo do
pagamento de custas processuais.
(REsp n. 1.258.662/PR, desta relatoria, Terceira Turma, DJe
5/2/2016)
Esse dinamismo da intervenção do INPI, albergado pelos precedentes desta
Turma, fundamenta-se na mobilidade da atuação do Estado, que já é realidade expressa
no microssistema processual coletivo e impõe o redesenho e a adaptação das regras
processuais gerais (MAZZOLA, Marcelo; e RIBEIRO, Nathalia. Ressignificação da posição
processual do INPI nas ações de nulidade: um litisconsórcio dinâmico: necessidade de
afetação do tema pelo STJ. In Revista da ABPI, n. 153, p. 31-41, Mar-Abr, 2018; MAZZEI,
Rodrigo. A intervenção móvel da pessoa jurídica na ação popular e improbidade
administrativa: arts. 6º, § 3º, da LAP e 17, § 3º, da LIA. In Revista Forense, n. 400, p.
227-254, Nov-Dez, 2008). Com efeito, já não é possível compreender o processo civil
hermeticamente em si mesmo, sendo imprescindível a relação de funcionalidade entre
cada ato processual e o resultado material buscado.
Daí se extrai que, sobrevindo ação anulatória de registro, mesmo que o ente
estatal não fosse parte na demanda originária, seria impositiva sua participação, podendo,
após sua integração no polo passivo da demanda, reposicionar-se em qualquer um dos
polos da reconvenção. Essa imposição de intervenção, além de não inviabilizar, por si só,
a utilização do instituto da reconvenção, legitima o INPI a impugnar a sentença que a
extingue, com ou sem resolução de mérito, e qualquer que tenha sido o resultado do
julgamento, devendo o interesse recursal ser avaliado sob a perspectiva da atuação
concreta do INPI ao longo da tramitação da reconvenção.
Nesse contexto, verifica-se que, na hipótese, o recorrente já integrava a lide
em litisconsórcio passivo. Ressalta-se também que, mesmo não tendo sido autor do
pedido de anulação dos demais registros de marca objeto da reconvenção, a causa de
pedir declinada pelo autor-reconvinte ajustava-se à tese de defesa deduzida pelo
recorrente em sua contestação, além de ser a atuação do INPI obrigatória, nos termos da
lei. Sobrevindo, portanto, decisão que extinguiu a reconvenção sem resolução de mérito,
coaduna-se com sua atuação in concreto o pleno exercício do direito de recorrer na
condição de litisconsorte do autor-reconvinte, posição processual esta que exerceu em
plena conformidade com a atuação sui generis reconhecida pelo legislador (art. 175 da Lei
n. 8.279/1996).
Com esses fundamentos, dou provimento ao recurso especial, a fim de
reconhecer a legitimidade recursal do recorrente e determinar o retorno dos autos para que o Tribunal de origem julgue o recurso de apelação como entender de direito.
É como voto.