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5 de abril de 2022

Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade

Processo

HC 663.055-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 22/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Domicílio. Expressão do direito à intimidade. Asilo inviolável. Exceções constitucionais. Interpretação restritiva. Ausência de fundadas razões. Desvio de finalidade e fishing expedition. Nulidade das provas obtidas.

 

DESTAQUE

Admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, é preciso fazer uma distinção entre autorização para ingressar em domicílio a fim de efetuar uma prisão e autorização para realizar busca domiciliar à procura de drogas ou outros objetos.

Por se tratar de medida invasiva e que restringe sobremaneira o direito fundamental à intimidade, o ingresso em morada alheia deve se circunscrever apenas ao estritamente necessário para cumprir a finalidade da diligência. É o que se extrai da exegese do art. 248 do CPP, segundo o qual, "Em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência".

Ora, se mesmo de posse de um mandado de busca e apreensão expedido pelo Poder Judiciário, o executor da ordem deve se ater aos limites do escopo - vinculado à justa causa - para o qual se admitiu a excepcional restrição do direito fundamental à intimidade, com muito mais razão isso deve ser respeitado quando o ingresso em domicílio ocorrer sem prévio respaldo da autoridade judicial competente (terceiro imparcial e desinteressado), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade.

Vale dizer, admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition).

Dois exemplos bem ilustram a questão. Imagine-se que, no decorrer de uma investigação pela prática dos crimes de furto e receptação, a autoridade policial represente pela concessão de mandado de busca e apreensão, a fim de recuperar um celular subtraído, cujo localizador (GPS) aponte estar em determinada moradia. Deferida a ordem para a procura do aparelho, a polícia, por ocasião do cumprimento da diligência, aproveita a oportunidade para levar cães farejadores com o objetivo de verificar a possível existência de drogas no local, as quais acabam sendo encontradas.

Pense-se, ainda, na situação em que uma motocicleta é roubada e tem início perseguição policial aos assaltantes, os quais se refugiam em casa. Como decorrência do flagrante delito de roubo, os policiais ingressam no local, efetuam a prisão e apreendem o veículo subtraído. Na sequência, decidem aproveitar o fato de já estarem dentro do imóvel para procurar substâncias entorpecentes.

Em ambas as situações hipotéticas trazidas, conquanto seja perfeitamente lícito o ingresso em domicílio, é ilegal a apreensão das drogas, por não haver sido precedida de justa causa quanto à sua existência e por não decorrer de mero encontro fortuito - esse admissível - mas sim de manifesto desvio de finalidade no cumprimento do ato, o qual, no primeiro caso, se limitava a autorizar o ingresso para a recuperação do celular subtraído; no segundo, apenas para efetuar a prisão do roubador e recuperar a motocicleta subtraída.

Desse modo, é ilícita a prova colhida em caso de desvio de finalidade após o ingresso em domicílio, seja no cumprimento de mandado de prisão ou de busca e apreensão expedido pelo Poder Judiciário, seja na hipótese de ingresso sem prévia autorização judicial, como ocorre em situação de flagrante delito. O agente responsável pela diligência deve sempre se ater aos limites do escopo - vinculado à justa causa - para o qual excepcionalmente se restringiu o direito fundamental à intimidade, ressalvada a possibilidade de encontro fortuito de provas.

26 de fevereiro de 2022

A indução do morador a erro na autorização do ingresso em domicílio macula a validade da manifestação de vontade e, por consequência, contamina toda a busca e apreensão

Processo

HC 674.139-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Busca e apreensão. Domicílio como expressão do direito à intimidade. Asilo inviolável. Exceções constitucionais. Interpretação restritiva. Ausência de fundadas razões. Ausência de consentimento válido do morador. Indução a erro. Vício da manifestação de vontade. Provas obtidas. Nulidade.

 

DESTAQUE

A indução do morador a erro na autorização do ingresso em domicílio macula a validade da manifestação de vontade e, por consequência, contamina toda a busca e apreensão.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp 1.574.681/RS.

No caso, apesar da menção a informação anônima repassada pela Central de Operações da Polícia Militar - Copom, não há nenhum registro concreto de prévia investigação para apurar a conformidade da notícia, ou seja, a ocorrência do comércio espúrio na localidade, tampouco a realização de diligências prévias, monitoramento ou campanas no local para averiguar a veracidade e a plausibilidade das informações recebidas anonimamente e constatar o aventado comércio ilícito de entorpecentes. Não houve, da mesma forma, menção a qualquer atitude suspeita, exteriorizada em atos concretos, nem movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas.

Por ocasião do julgamento do HC 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 15/3/2021), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs nova e criteriosa abordagem sobre o controle do alegado consentimento do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes estatais. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: a) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige- se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito; b) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada; c) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação; d) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo; e) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.

As regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação dos agentes policiais de que o paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, de sorte a franquear àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova incriminatória em seu desfavor.

Na hipótese em análise, ainda que o acusado haja admitido a abertura do portão do imóvel para os agentes da lei, ressalvou que o fez apenas porque informado sobre a necessidade de perseguirem um suposto criminoso em fuga, e não para que fossem procuradas e apreendidas drogas. Ademais, se, de um lado, deve-se, como regra, presumir a veracidade das declarações de qualquer servidor público, não se há de ignorar, por outro lado, que a notoriedade de frequentes eventos de abusos e desvios na condução de diligências policiais permite inferir como pouco crível a versão oficial apresentada no inquérito policial, máxime quando interfere em direitos fundamentais do indivíduo e quando se nota indisfarçável desejo de se criar narrativa que confira plena legalidade à ação estatal. Essa relevante dúvida não pode, dadas as circunstâncias concretas - avaliadas por qualquer pessoa isenta e com base na experiência quotidiana do que ocorre nos centros urbanos - ser dirimida a favor do Estado, mas a favor do titular do direito atingido (in dubio pro libertas).

Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador. Entretanto, não se demonstrou preocupação em documentar esse consentimento, quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro de áudio-vídeo.

Sobre a gravação audiovisual, aliás, é pertinente destacar o recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos Embargos de Declaração na Medida Cautelar da ADPF 635 ("ADPF das Favelas", finalizado em 3/2/2022), oportunidade na qual o Pretório Excelso - em sua composição plena e em consonância com o decidido por este Superior Tribunal no já citado HC 598.051/SP - reconheceu a imprescindibilidade de tal forma de monitoração da atividade policial e determinou, entre outros, que "o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos". Dessa forma, em atenção à basilar lição de hermenêutica constitucional segundo a qual exceções a direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, prevalece, quanto ao consentimento, na ausência de prova adequada em sentido diverso, a versão apresentada pelo morador de que apenas abriu o portão para os policiais perseguirem um suposto autor de crime de roubo.

Partindo dessa premissa, isto é, de que a autorização foi obtida mediante indução do acusado a erro pelos policiais militares, não pode ser considerada válida a apreensão das drogas, porquanto viciada a manifestação volitiva do paciente. Se, no Direito Civil, que envolve direitos patrimoniais disponíveis, em uma relação equilibrada entre particulares, a indução da parte adversa a erro acarreta a invalidade da sua manifestação por vício de vontade (art. 145, CC), com muito mais razão deve fazê-lo no Direito Penal (lato sensu), que trata de direitos indisponíveis do indivíduo diante do poderio do Estado, em relação manifestamente desigual.

A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia do acusado, em violação a norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes - relativa ao delito descrito no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 -, porque apoiada exclusivamente nessa diligência policial.

Ressalta-se que, conquanto seja legítimo que os órgãos de persecução penal se empenhem em investigar, apurar e punir autores de crimes mais graves, os meios empregados devem, inevitavelmente, vincular-se aos limites e ao regramento das leis e da Constituição Federal. Afinal, é a licitude dos meios empregados pelo Estado que justificam o alcance dos fins perseguidos, em um processo penal sedimentado sobre bases republicanas e democráticas.

16 de janeiro de 2022

É lícita a entrada de policiais, sem autorização judicial e sem o consentimento do hóspede, em quarto de hotel não utilizado como morada permanente, desde que presentes fundadas razões que sinalizem a ocorrência de crime e hipótese de flagrante delito

PROCESSUAL PENAL – INVIOLABILIDADE DOMICILIAR

STJ. 6ª Turma. HC 659.527-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 19/10/2021 (Info 715).

É lícita a entrada de policiais, sem autorização judicial e sem o consentimento do hóspede, em quarto de hotel não utilizado como morada permanente, desde que presentes fundadas razões que sinalizem a ocorrência de crime e hipótese de flagrante delito.

O quarto de hotel constitui espaço privado que, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, é qualificado juridicamente como “casa” (desde que ocupado) para fins de tutela constitucional da inviolabilidade domiciliar.

No entanto, o STJ fez uma interessante ressalva. O STJ afirmou que, embora o quarto de hotel regularmente ocupado seja, juridicamente, qualificado como “casa” para fins de tutela constitucional da inviolabilidade domiciliar (art. 5º, XI), a exigência, em termos de standard probatório, para que policiais ingressem em um quarto de hotel sem mandado judicial não pode ser igual às fundadas razões exigidas para o ingresso em uma residência propriamente dita, a não ser que se trate (o quarto de hotel) de um local de moradia permanente do suspeito

Isso porque é diferente invadir uma casa habitada permanentemente pelo suspeito e até por várias pessoas (crianças e idosos, inclusive) e um quarto de hotel que, como no caso, é aparentemente utilizado não como uma morada permanente, mas para outros fins, inclusive, ao que tudo indica, o comércio de drogas.

Inviolabilidade de domicílio

art. 5º, XI, CF: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

A inviolabilidade do domicílio é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo.

Durante o DIA

Durante a NOITE

Em caso de flagrante delito;

Em caso de flagrante delito;

Em caso de desastre

Em caso de desastre

Para prestar socorro

Para prestar socorro

Para cumprir determinação judicial (ex: busca e apreensão; cumprimento de prisão preventiva).

 

"dia"

Não há uma unanimidade

critério físico-astronômico: dia é o período de tempo que fica entre o crepúsculo e a aurora.

critério cronológico: dia vai das 6h às 18h (mais seguro)

Critério analógico: parâmetro previsto no CPC - atos processuais serão realizados em dias úteis, das 6 às 20 hs

“casa”

conceito amplo e abrange

a) a casa, incluindo toda a sua estrutura, como o quintal, a garagem, o porão, a quadra etc

b) os compartimentos de natureza profissional, desde que fechado o acesso ao público em geral, como escritórios, gabinetes, consultórios etc

c) os aposentos de habitação coletiva, ainda que de ocupação temporária, como quartos de hotel, motel, pensão, pousada etc

Veículos

Em regra, não é protegido; pode ser examinado mesmo sem mandado judicial.

Exceção: quando o veículo é utilizado para a habitação do indivíduo (trailers, cabines de caminhão, barcos etc)

Flagrante delito

havendo flagrante delito, é possível ingressar na casa mesmo sem consentimento do morador, seja de dia ou de noite

Ex.: tráfico de drogas. Se a casa do traficante funciona como boca-de-fumo, onde ele armazena e vende drogas, a todo momento estará ocorrendo o crime

Art. 33, lei 11.343/2006. “Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”

STJ. 6ª Turma. REsp 1574681-RS, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 20/4/2017 (Info 606): “O ingresso regular da polícia no domicílio, sem autorização judicial, em caso de flagrante delito, para que seja válido, necessita que haja fundadas razões (justa causa) que sinalizem a ocorrência de crime no interior da residência. A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo agente, embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para averiguação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o seu consentimento e sem determinação judicial”.

Para que seja legítimo o ingresso em domicílio alheio, é necessário que a autoridade policial disponha de fundadas razões para acreditar, com base em circunstâncias objetivas, que está havendo o cometimento, atual ou iminente, de crime no local onde a diligência vai ser cumprida

15 de novembro de 2021

É lícita a entrada de policiais, sem autorização judicial e sem o consentimento do hóspede, em quarto de hotel não utilizado como morada permanente, desde que presentes as fundadas razões que sinalizem a ocorrência de crime e hipótese de flagrante delito

Processo

HC 659.527-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 19/10/2021, DJe de 25/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CONSTITUCIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Violação de domicílio. Tráfico de drogas. Flagrante. Quarto de hotel. Asilo inviolável. Morada não permanente. Standard probatório diferenciado. Presença de fundadas razões. Necessidade.

 

DESTAQUE

É lícita a entrada de policiais, sem autorização judicial e sem o consentimento do hóspede, em quarto de hotel não utilizado como morada permanente, desde que presentes as fundadas razões que sinalizem a ocorrência de crime e hipótese de flagrante delito.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O quarto de hotel constitui espaço privado que, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, é qualificado juridicamente como "casa" (desde que ocupado) para fins de tutela constitucional da inviolabilidade domiciliar.

Embora a jurisprudência tenha caminhado no sentido de que as autoridades podem ingressar em domicílio, sem o consentimento do morador, em hipóteses de flagrante delito de crime permanente - de que é exemplo o tráfico de drogas -, ao julgar o REsp 1.574.681/RS (DJe 30/5/2017), a Sexta Turma do STJ decidiu, à unanimidade, que não se há de admitir que a mera constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, justifique a medida.

No referido julgamento, concluiu-se, portanto, que, para legitimar-se o ingresso em domicílio alheio, é necessário tenha a autoridade policial fundadas razões para acreditar, com lastro em circunstâncias objetivas, no atual ou iminente cometimento de crime no local onde a diligência vai ser cumprida.

No caso, verifica-se que, previamente à prisão em flagrante, foram realizadas diligências investigativas para apurar a veracidade da informação recebida no sentido de que havia entorpecentes no quarto de hotel em que estava hospedado o réu. Vale dizer, a atuação policial foi precedida de mínima investigação acerca de tal informação de que, naquele quarto, realmente acontecia a traficância de drogas, tudo a demonstrar que estava presente o elemento "fundadas razões", a autorizar o ingresso no referido local.

Esclarece-se que, embora o quarto de hotel regularmente ocupado seja, juridicamente, qualificado como "casa" para fins de tutela constitucional da inviolabilidade domiciliar (art. 5º, XI), a exigência, em termos de standard probatório, para que policiais ingressem em um quarto de hotel sem mandado judicial não pode ser igual às fundadas razões exigidas para o ingresso em uma residência propriamente dita, a não ser que se trate (o quarto de hotel) de um local de moradia permanente do suspeito.

Isso porque é diferente invadir uma casa habitada permanentemente pelo suspeito e até por várias pessoas (crianças e idosos, inclusive) e um quarto de hotel que, como no caso, é aparentemente utilizado não como uma morada permanente, mas para outros fins, inclusive, ao que tudo indica, o comércio de drogas.

Com efeito, presentes as fundadas razões que sinalizem a ocorrência de crime e evidenciem hipótese de flagrante delito, é regular o ingresso da polícia no quarto de hotel ocupado pelo acusado, sem autorização judicial e sem o consentimento do hóspede.


7 de abril de 2021

Turmas penais unificam orientação sobre prova de autorização do morador para a entrada da polícia

 ​A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com base no precedente firmado pela Sexta Turma no HC 598.051, ratificou o entendimento de que cabe ao Estado demonstrar, de modo inequívoco – inclusive por meio de registro escrito e de gravação audiovisual –, o consentimento expresso do morador para a entrada da polícia em sua casa, quando não houver mandado judicial. Na hipótese de estar ocorrendo crime no local – o que permitiria o ingresso sem autorização do morador nem ordem judicial –, os agentes também devem comprovar essa situação excepcional.

Ao adotar o entendimento, de forma unânime, a Quinta Turma declarou a ilegalidade de provas obtidas por policiais que, segundo os moradores, ingressaram na residência sem o seu consentimento, em investigação sobre tráfico de drogas.

De acordo com os autos, em razão de denúncia anônima de tráfico, um casal foi abordado pela polícia em local público, sendo submetido a revista que, todavia, não encontrou nada ilegal. Na sequência, o casal foi conduzido até a casa onde morava e, após suposta autorização, os policiais entraram no imóvel e descobriram 110 gramas de cocaína e 43 gramas de maconha.

Segundo a defesa, entretanto, não houve consentimento para a revista domiciliar; em vez disso, os agentes levaram o casal à força, algemaram os dois e, mediante coação, ingressaram na casa.

Proteção mútua

Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) considerou legal a busca domiciliar, por entender que seria dispensável a apresentação de mandado judicial, em razão da natureza permanente do delito de tráfico de drogas. Além disso, a corte local acolheu o argumento de que houve a autorização dos moradores para a entrada dos policiais.

O relator do habeas corpus na Quinta Turma, ministro Ribeiro Dantas, citou precedentes do STJ no sentido de que a justa causa para a realização de busca domiciliar deve decorrer de algumas situações – por exemplo, o monitoramento prévio do local para se constatar a veracidade de denúncia anônima quanto à movimentação atípica de pessoas e à suspeita de venda de drogas na residência.

Em relação ao precedente da Sexta Turma no HC 598.051, Ribeiro Dantas destacou que, para salvaguarda dos direitos dos cidadãos e para a proteção da própria polícia, é impositivo que os agentes estatais façam o registro detalhado do ingresso em domicílio, com a autorização por escrito do morador, a indicação de testemunhas da ação e a gravação da diligência em vídeo.

Autorização viciada

Em seu voto, Ribeiro Dantas reafirmou que, no caso de confronto entre a versão policial e a do morador sobre o suposto consentimento, considerando as situações de constrangimento ilegal que costumeiramente ocorrem contra a população mais pobre, essa dúvida não pode ser resolvida em favor do Estado.

"Anote-se que a situação específica dos autos também permite supor que a dita autorização estaria viciada pela intimidação ambiental, já que os acusados foram algemados, colocados na viatura policial, e estavam na presença de policiais fardados", apontou o ministro ao reconhecer a ilegalidade da busca domiciliar e, por consequência, de todas as provas produzidas na diligência policial.

Ao conceder o habeas corpus, Ribeiro Dantas ainda lembrou que a Sexta Turma estabeleceu o prazo de um ano para o aparelhamento das polícias, o treinamento dos agentes e demais providências necessárias para evitar futuras situações de ilicitude que possam, entre outras consequências, resultar em responsabilização administrativa, civil e penal dos policiais, além da anulação das provas colhidas na investigação.

Leia também:

Policiais devem gravar autorização de morador para entrada na residência, decide Sexta Turma

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 616584