Mostrando postagens com marcador Ação de Investigação de Paternidade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Ação de Investigação de Paternidade. Mostrar todas as postagens

4 de maio de 2021

AÇÃO RESCISÓRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA PROFERIDA EM AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE. FALECIMENTO DO PRETENSO GENITOR BIOLÓGICO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. LEGITIMIDADE PASSIVA NA AÇÃO RESCISÓRIA DOS HERDEIROS DO FALECIDO E NÃO DO ESPÓLIO

RECURSO ESPECIAL Nº 1.667.576 - PR (2017/0077797-4) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA PROFERIDA EM AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE. FALECIMENTO DO PRETENSO GENITOR BIOLÓGICO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. LEGITIMIDADE PASSIVA NA AÇÃO RESCISÓRIA DOS HERDEIROS DO FALECIDO E NÃO DO ESPÓLIO. AÇÃO DE ESTADO E DE NATUREZA PESSOAL. EMENDA À PETIÇÃO INICIAL PARA MODIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO, SEM ALTERAÇÃO DO PEDIDO OU DA CAUSA DE PEDIR, APÓS A CONTESTAÇÃO DO RÉU. ADMISSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA EFETIVIDADE DO PROCESSO, ECONOMIA PROCESSUAL E INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. OBRIGATORIEDADE DE A ALTERAÇÃO SE REALIZAR ANTES DO ESCOAMENTO DO BIÊNIO DA AÇÃO RESCISÓRIA, SOB PENA DE DECADÊNCIA. 

1- Ação proposta em 07/02/2014. Recursos especiais interpostos em 01/10/2015 e atribuídos à Relatora em 18/07/2017. 

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se a ação rescisória em que se pretende rescindir sentença proferida em ação de investigação de paternidade cujo genitor é pré-morto deve ser ajuizada em face do espólio ou em face dos herdeiros; (ii) se é admissível a determinação judicial de emenda à petição inicial para correção do polo passivo após a contestação do réu na ação rescisória e após o escoamento do biênio para ajuizamento da ação rescisória. 

3- Por se tratar de ação de estado e de natureza pessoal, a ação de investigação de paternidade em que o pretenso genitor biológico é pré-morto deve ser ajuizada somente em face dos herdeiros do falecido e não de seu espólio, sendo irrelevante o fato de se tratar de rediscussão da matéria no âmbito de ação rescisória, para a qual igualmente são legitimados passivos os sucessores do pretenso genitor biológico, na medida em que são eles as pessoas aptas a suportar as pretensões rescindente e rescisória deduzidas pelos supostos filhos. 

4- Em homenagem aos princípios da efetividade do processo, da economia processual e da instrumentalidade das formas, é admissível a emenda à petição inicial para modificação do polo passivo, sem alteração do pedido ou da causa de pedir, mesmo após a contestação do réu. Precedentes. 

5- No âmbito da ação rescisória, a admissibilidade de modificações no polo passivo, seja para inclusão de litisconsortes passivos necessários, seja para a substituição de parte ilegítima, deve ser realizada, obrigatoriamente, até o escoamento do prazo bienal para o ajuizamento da ação rescisória, sob pena de se operar a decadência. 

6- Recurso especial de GILMAR M conhecido e desprovido; recurso especial do espólio de JOÃO G conhecido e provido, para reconhecer a decadência do direito de rescindir a coisa julgada e julgar improcedente a ação rescisória. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial de GILMAR M e dar provimento ao recurso especial de JOÃO G, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). TIAGO BECKERT ISFER, pela parte RECORRIDA: G M. 

Brasília (DF), 10 de setembro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recursos especiais interpostos por GILMAR M, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, e por espólio de JOÃO G, também com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, ambos em face de acórdãos do TJ/PR que, por unanimidade, negaram provimento aos agravos internos por eles interpostos. 

Recursos especiais interpostos e m: 01/10/2015. Atribuídos ao gabinete e m: 26/03/2018. 

Ação: rescisória ajuizada por GILMAR M em face de espólio de JOÃO G, visando rescindir sentença proferida em ação de investigação de paternidade por elas ajuizada, que julgou improcedente o pedido e que transitou em julgado em 08/02/2012. 

Decisão unipessoal: determinou a emenda da petição inicial da ação rescisória, a fim de que o espólio fosse substituído pelos herdeiros de JOÃO G. 

Acórdão: por unanimidade, negou-se provimento aos agravos internos interpostos pelos recorrentes, nos termos das seguintes ementas: 

AGRAVOS REGIMENTAIS. EMENDA À INICIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. INVESTIGADO FALECIDO. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS HERDEIROS. A ação rescisória que visa desconstituir sentença proferida em ação de investigação de paternidade, cujo réu é falecido, recai sobre os herdeiros, posto que a providência pretendida nesses autos tem o poder de implicar em alterações na esfera jurídica daqueles. (...) AGRAVOS REGIMENTAIS. EMENDA À INICIAL. POSSIBILIDADE. ECONOMIA PROCESSUAL E INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. ART. 284 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Embora a regra não seja a da emenda à petição inicial após a citação, a regularização processual pode ocorrer em casos específicos, em homenagem aos princípios da economia processual e da instrumentalidade, combinados com o art. 284 do Código de Processo Civil. 

Recurso especial de GILMAR M: alega-se violação aos arts. 12, V, e 472, ambos do CPC/73, ao fundamento de que a ação rescisória em que se pretende rescindir sentença proferida em ação de investigação de paternidade cujo genitor é pré-morto deveria ser ajuizada em face do espólio ou, quando muito, em litisconsórcio passivo necessário entre espólio e herdeiros, razão pela qual deve ser reformada a decisão judicial que determinou fosse emendada a petição inicial (fls. 1.509/1.525, e-STJ). 

Recurso especial do espólio de JOÃO G: alega-se violação aos arts. 264, 267, VI, e 495, todos do CPC/73, ao fundamento de que seria inadmissível a ordem judicial de emenda à inicial, quer seja porque já teria havido contestação do réu e, consequentemente, estabilização subjetiva da lide, quer seja porque a emenda somente ocorreu após o escoamento do biênio da ação rescisória, tendo se operado a decadência (fls. 1.306/1.324, e-STJ). 

Ministério Público Federal: opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso especial de GILMAR M; e pelo conhecimento e provimento do recurso especial do espólio de JOÃO G (fls. 1.723/1.730, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se a ação rescisória em que se pretende rescindir sentença proferida em ação de investigação de paternidade cujo genitor é pré-morto deve ser ajuizada em face do espólio ou em face dos herdeiros; (ii) se é admissível a determinação judicial de emenda à petição inicial para correção do polo passivo após a contestação do réu na ação rescisória e após o escoamento do biênio para ajuizamento da ação rescisória. 

1. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO POR GILMAR M. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 12, V, E 472, AMBOS DO CPC/73. 

O recorrente GILMAR M sustenta inicialmente que seria correto o ajuizamento da ação rescisória em face do espólio de JOÃO G, na medida em que a ação investigatória de paternidade cuja sentença se pretende rescindir teria sido ajuizada exclusivamente em face dele enquanto vivo, de modo que não poderia haver a posterior substituição processual pelos herdeiros. 

Sustenta o recorrente ainda, em caráter subsidiário, que, se se entender pela legitimação passiva dos herdeiros, a hipótese seria de litisconsórcio passivo necessário desses com o espólio. 

Em se tratando especificamente de ação investigatória de paternidade, leciona Flávio Tartuce: 

Em regra, a ação será proposta contra o suposto pai ou suposta mãe, diante do seu caráter pessoal. Falecido este ou esta, a ação será proposta contra os herdeiros da pessoa investigada, não contra o espólio, justamente diante deste caráter pessoal. Lembre-se de que o espólio não tem personalidade jurídica, o que afasta a possibilidade de propositura da demanda contra este. (TARTUCE, Flávio. Direito Civil Vol. 5: direito de família. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 501). 

A questão é explorada mais profundamente por Rolf Madaleno: 

A legitimação passiva na ação de filiação é do ascendente investigado, no caso a suposta mãe, em sendo investigada a maternidade, ou o pai, no caminho oposto. Se o investigado já é falecido, serão réus os respectivos herdeiros, a serem individual e pessoalmente citados, tendo em vista ser uma ação de estado, não podendo ser representados pelo inventariante, acaso ainda tramitando o processo de inventário do investigado sucedido, mesmo se a pretensão judicial inserir pedido cumulativo e relativo ao quinhão hereditário do investigante. Isso porque a ação é de investigação de filiação, e visa ao reconhecimento da perfilhação. É uma ação declaratória de estado da pessoa e não guardar qualquer correlação com o resultado econômico oriundo da procedência da investigatória, e também implicará um resultado econômico se o extinto declarado genitor tiver deixado bens para inventariar e não estiver prescrita a ação de petição de herança. (MADALENO, Rolf. Direito de família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 624/625). 

A jurisprudência desta Corte, de igual modo, fixou-se no sentido de que a ação de investigação de paternidade deve ser ajuizada em face dos herdeiros e não do espólio do falecido. 

Nesse sentido, confiram-se: REsp 5.280/RJ, 3ª Turma, DJ 11/11/1991; REsp 120.622/RS, 3ª Turma, DJ 25/02/1998; REsp 331.842/AL, 3ª Turma, DJ 10/06/2002. Nesse contexto, o fato de a sentença que se pretende rescindir ter sido proferida em ação investigatória de paternidade em que somente JOÃO G figurou como parte, o que sustentaria a tese recursal de que, após o seu falecimento, a ação rescisória deveria ser ajuizada em face do espólio, e não dos seus herdeiros, não modifica em absolutamente nada o entendimento acima mencionado. 

Com efeito, embora o CPC/73 não trate da legitimidade passiva para a ação rescisória (e, anote-se, que o CPC/15 também não examine esse tema), é correto afirmar que a regra do art. 487, I, do CPC revogado (idêntico ao art. 967, I, do novo CPC), que disciplina a legitimidade ativa e que informe que poderá propor a referida ação “quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular” deve se aplicar, por lógica, coerência e simetria, também à adequada configuração da legitimação passiva da ação rescisória. 

Por essa razão, o falecimento da parte após o trânsito em julgado da sentença a ser rescindida implica em sucessão processual não apenas no polo ativo, mas também no polo passivo. 

Tratando especificamente dessa matéria, leciona José Carlos Barbosa Moreira: 

Merece consideração especial a hipótese de sucessão intercorrente, quanto a alguma pessoa que, por haver sido parte no outro feito, devesse ser citada para a rescisória. Na sucessão causa mortis e na sucessão a título universal entre pessoas jurídicas (por exemplo: fusão ou incorporação de sociedades), não há dúvida de que a legitimação passiva se transfere aos sucessores. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. 5 – Arts. 476 a 565. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 174/175).

Como se sabe, a legitimidade passiva decorre de uma relação lógica e abstrata entre quem pede, o que se pede e contra quem se pede, devendo figurar no polo passivo a pessoa indicada pelo autor que possa ser compelida e reúna condições de satisfazer o pedido inicial. 

Tendo em mira essa premissa, conclui-se que, evidentemente, o espólio não é parte legítima para responder à ação rescisória em que se pleiteie a rescisão de sentença e o rejulgamento de ação investigatória de paternidade post mortem, seja como legitimado exclusivo, seja como litisconsorte passivo necessário, na medida em que, nessa ação, nada será pedido contra o espólio, que tão somente é um ente despersonalizado apto a titularizar a universalidade jurídica denominada herança até que se efetive a partilha dos bens. 

Sublinhe-se que as eventuais repercussões econômicas ou patrimoniais derivadas do reconhecimento, ou não, da filiação que se pretende alcançar por intermédio da ação investigatória de paternidade é que poderão, hipoteticamente, ser objeto de pretensões autônomas que serão deduzidas contra o espólio, como já se consignou em precedentes desta Corte em relação à petição de herança (AgRg no Ag 580.197/SP, 4ª Turma, DJe 04/05/2009) e à execução de dívidas do de cujus (REsp 1.559.791/PB, 3ª Turma, DJe 31/08/2018). 

Por tais razões, não há que se falar em violação aos arts. 12, V, e 472, ambos do CPC/73, motivo pelo qual o recurso especial interposto por GILMAR M deve ser desprovido. 

2. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELO ESPÓLIO DE JOÃO G. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 264, 267, VI, E 495, TODOS DO CPC/73. 

A primeira tese apresentada no recurso especial do espólio de JOÃO G é de que a consequência jurídica do reconhecimento de sua ilegitimidade passiva para responder a ação rescisória seria o indeferimento da petição inicial e, consequentemente, a extinção do processo sem resolução de mérito (art. 267, VI, combinado com art. 295, II, ambos do CPC/73), não havendo que se cogitar a possibilidade de emenda à petição inicial após a citação do recorrente (violação ao art. 264 do CPC/73). 

Não se pode olvidar, evidentemente, que há antigo precedente desta Corte que consignou que a ilegitimidade não pode ser concebida “como simples erro na petição inicial, passível de correção”, motivo pelo qual “iniciado o processo sob uma titularidade, a alteração no polo ativo, por meio de emenda, corresponderia a uma substituição processual, mormente quando é determinada após a citação, hipótese expressamente vedada, salvo exceções não presentes no caso, a teor do artigo 264 do Código de Processo Civil”. (REsp 758.622/RJ, 3ª Turma, DJ 10/10/2005). 

Ocorre que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em homenagem aos princípios da efetividade do processo, da economia processual e da instrumentalidade das formas, evoluiu no sentido de que é admissível a emenda à petição inicial para modificação do polo passivo, sem alteração do pedido ou da causa de pedir, mesmo após a contestação. Nesse sentido: AgRg no REsp 1.362.921/MG, 2ª Turma, DJe 01/07/2013; AgInt no AREsp 921.282/PR, 4ª Turma, DJe 27/02/2018. 

Existe, inclusive, precedente específico da 3ª Turma desta Corte: 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU INCLUSÃO DE PARTE NO POLO PASSIVO DA AÇÃO APÓS A CITAÇÃO DO RÉU. INTERDITO PROIBITÓRIO. AUSÊNCIA DOS VÍCIOS ELENCADOS NO ART. 535 DO CPC. EMENDA DA INICIAL APÓS CITAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS E DA ECONOMIA PROCESSUAL. PECULIARIDADES DO CASO QUE JUSTIFICAM A RETIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO. INEXISTÊNCIA DE MODIFICAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR OU PEDIDO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Não há violação do disposto no art 535 do CPC quando o aresto recorrido adota fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia, sendo desnecessária a manifestação expressa sobre todos os argumentos apresentados. 2. Observados os princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual, é possível a relativização das regras previstas no art. 264 do CPC para se admitir a emenda da inicial após a citação do réu desde que isso não acarrete alteração da causa de pedir ou do pedido. Precedentes. 3. Recurso especial não provido. (REsp 1.473.280/ES, 3ª Turma, DJe 14/12/2015. 

Por tais motivos, conclui-se que o acórdão recorrido não violou os arts. 264 e 267, VI, ambos do CPC/73, razão pela qual o recurso especial do espólio de JOÃO G não merece ser provido sob esse fundamento. 

É preciso examinar, contudo, a segunda tese deduzida no recurso especial do espólio de JOÃO G, segundo a qual teria havido violação ao art. 495 do CPC/73, na medida em que o recorrido GILMAR M teria decaído do direito de rescindir a sentença proferida na ação investigatória de paternidade em virtude de não ter havido a substituição do polo passivo antes do término do prazo bienal. 

A esse respeito, destaque-se desde logo precedente da Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça: 

PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO RESCISÓRIA. PROPOSITURA APENAS EM FACE DE PARTE DOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO ORIGINÁRIA. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. CORREÇÃO. DECADÊNCIA. 1. Nas ações rescisórias integrais devem participar, em litisconsórcio unitário, todos os que foram partes no processo cuja sentença é objeto de rescisão. 2. A propositura de ação rescisória sem a presença, no polo passivo, de litisconsorte necessário somente comporta correção até o prazo de dois anos disciplinado pelo art. 495 do CPC. Após essa data, a falta de citação do litisconsorte implica a decadência do direito de pleitear a rescisão, conduzindo à extinção do processo sem resolução do mérito. 3. Embargos de divergência conhecidos e providos. (EREsp 676.159/MT, Corte Especial, DJe 30/03/2011). 

Conquanto o precedente acima mencionado verse sobre complementação de polo passivo e a hipótese examinada neste recurso especial envolva substituição do polo passivo, colhe-se da ratio decidendi os fundamentos determinantes que justificam a aplicação da mesma solução jurídica já consolidada nesta Corte. 

Com efeito, o precedente se funda na existência de “falha do próprio autor da ação rescisória”, que “gerou graves inconvenientes”, como a surpresa causada a quem havia sido beneficiado pela coisa julgada e que repentinamente se encontra, muitos anos após, sob ameaça de rescisão e de ruptura da estabilidade e da segurança dela originada, motivo pelo qual a formação da relação jurídico-processual deve sempre observar o prazo decadencial bienal do art. 495 do CPC/73. 

Essas mesmas circunstâncias fáticas também se encontram, concreta ou potencialmente, presentes na hipótese em exame, na medida em que os herdeiros, somente agora, seriam surpreendidos e teriam ciência de nova ação ajuizada pelos pretensos filhos do de cujus, em que se visa rescindir coisa julgada formada em Fevereiro de 2012. 

Anote-se, ademais, que embora a inventariante do espólio de JOÃO G igualmente seja herdeira, há mais quatro herdeiros que eventualmente podem não ter ciência da presente ação rescisória, de modo que o elemento surpresa acima mencionado se fará presente em relação a eles. 

Além disso, registre-se que, ao tempo da propositura da ação rescisória, não existia sequer dúvida objetiva ou razoável acerca da legitimação do polo passivo na ação investigatória de paternidade, pois o primeiro julgado desta Corte que apontou a legitimação dos herdeiros, e não do espólio, está datado de 1991. 

Assim, a despeito de ser possível a modificação do polo passivo, sem alteração do pedido ou da causa de pedir, mesmo após a contestação, com a substituição do réu pelo correto legitimado, essa alteração deverá ser realizada, obrigatoriamente, até o escoamento do prazo bienal decadencial da ação rescisória. 

Na hipótese, a sentença proferida na ação ajuizada pelo recorrente GILMAR M em face de JOÃO G e que julgou improcedente o pedido de reconhecimento da paternidade transitou em julgado em 08/02/2012 e a ação rescisória contra o espólio de JOÃO G foi ajuizada em 23/01/2014. 

Contudo, somente em 21/11/2014 houve a modificação do polo passivo para a substituição do espólio pelos herdeiros de JOÃO G, conforme se depreende da petição de fls. 1.301/1.303 (e-STJ), razão pela qual se operou a decadência na forma do art. 495 do CPC/73 que, pela fundamentação acima expendida, foi violado pelo acórdão recorrido. 

3. CONCLUSÃO. 

Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso especial de GILMAR M; e CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial do espólio de JOÃO G, a fim de reconhecer a decadência do direito de rescindir a coisa julgada que se formou na ação investigatória de paternidade com base no art. 495 do CPC/73 e, consequentemente, julgar improcedente a ação rescisória com base no art. 269, IV, do CPC/73. 

Filigrana doutrinária: Ação de Investigação de Paternidade - Rolf Madaleno

A legitimação passiva na ação de filiação é do ascendente investigado, no caso a suposta mãe, em sendo investigada a maternidade, ou o pai, no caminho oposto. Se o investigado já é falecido, serão réus os respectivos herdeiros, a serem individual e pessoalmente citados, tendo em vista ser uma ação de estado, não podendo ser representados pelo inventariante, acaso ainda tramitando o processo de inventário do investigado sucedido, mesmo se a pretensão judicial inserir pedido cumulativo e relativo ao quinhão hereditário do investigante. Isso porque a ação é de investigação de filiação, e visa ao reconhecimento da perfilhação. É uma ação declaratória de estado da pessoa e não guardar qualquer correlação com o resultado econômico oriundo da procedência da investigatória, e também implicará um resultado econômico se o extinto declarado genitor tiver deixado bens para inventariar e não estiver prescrita a ação de petição de herança. 

MADALENO, Rolf. Direito de família. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 624/625. 

Filigrana doutrinária: Ação de Investigação de Paternidade - Flávio Tartuce

 Em regra, a ação será proposta contra o suposto pai ou suposta mãe, diante do seu caráter pessoal. Falecido este ou esta, a ação será proposta contra os herdeiros da pessoa investigada, não contra o espólio, justamente diante deste caráter pessoal. Lembre-se de que o espólio não tem personalidade jurídica, o que afasta a possibilidade de propositura da demanda contra este. 


TARTUCE, Flávio. Direito Civil Vol. 5: direito de família. 14ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 501. 

24 de abril de 2021

Lei 14.138/2021: na ação de investigação, a recusa do parente consanguíneo do suposto pai de fornecer material genético para o exame de DNA gera presunção de paternidade

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2021/04/lei-141382021-na-acao-de-investigacao.html


Foi publicada hoje a Lei nº 14.138/2021, que acrescenta o § 2º ao art. 2º-A da Lei nº 8.560/92, para permitir, em sede de ação de investigação de paternidade, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes do suposto pai.

Vamos entender a alteração legislativa a partir da análise de duas situações hipotéticas:

 

SITUAÇÃO HIPOTÉTICA 1:

Lucas ajuizou ação de investigação de paternidade contra João alegando que este seria seu pai.

O juiz designou data para que autor e réu fornecessem material genético a fim de que fosse feito exame de pareamento do código genético (DNA) para descobrir se existe realmente o alegado vínculo biológico.

Ocorre que, no dia marcado, somente Lucas compareceu ao laboratório. João, mesmo intimado, não se fez presente nem apresentou qualquer justificativa para a sua ausência.

 

Nesse caso, o juiz pode determinar a condução coercitiva de João (suposto pai) para realizar o exame?

NÃO. Não é possível a condução coercitiva do investigado (ou de seus sucessores) para a coleta do material genético necessário ao exame de DNA, por se tratar de medida sub-rogatória que viola a liberdade de locomoção do suposto genitor. Nesse sentido:

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal repudia a determinação compulsória ou condução coercitiva ao fornecimento de material genético.

STF. 1ª Turma. RHC 95183, Rel. Cármen Lúcia, julgado em 09/12/2008.

 

O que acontece, então, nessas situações? Qual é a solução prevista pelo ordenamento jurídico?

Haverá uma presunção relativa de que o réu, que se recusou a fazer o DNA, é realmente o pai do autor. O STJ editou uma súmula espelhando essa conclusão:

Súmula 301-STJ: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.

 

Essa solução jurídica encontra-se prevista no art. 231 do Código Civil e no § 1º do art. 2º-A da Lei nº 8.560/92:

CC/2002

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

 

Lei nº 8.560/92

Art. 2º-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos.

 § 1º A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético - DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.

(...)

 

SITUAÇÃO HIPOTÉTICA 2:

Pedro faleceu e deixou um único filho registrado: Tiago, único herdeiro.

Depois do falecimento, a mãe de Carlos lhe contou que Pedro era seu pai e que ele nunca aceitou registrá-lo como filho.

Carlos ajuizou ação de investigação de paternidade post mortem contra Tiago pedindo para ser reconhecido como filho de Pedro.

O juiz designou data para que Carlos e Tiago fornecessem material genético a fim de que fosse feito o exame de DNA.

Ocorre que, no dia marcado, somente Carlos compareceu, tendo Tiago se recusado a ir.

 

Neste segundo caso, também é possível aplicar a Súmula 301 do STJ? Se quem recusa fornecer o material genético é o sucessor do suposto pai, mesmo assim será possível aplicar a presunção de que trata a Súmula 301 do STJ?

SIM. A Súmula 301 do STJ também se aplica para a situação na qual o sucessor do suposto pai (já falecido) se recusa a fazer o DNA. Assim, em tese, diante da recusa de Tiago, o juiz poderia aplicar a presunção da Súmula 301 do STJ. Esse é o entendimento consolidado do STJ:

A presunção de paternidade reconhecida no enunciado nº 301/STJ não se limita à pessoa do investigado, alcançando, do mesmo modo, os réus (familiares) que a ela se contrapõem, negando-se à realização de exame que poderia trazer definitivas luzes acerca da controvérsia.

STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1492432/SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 25/04/2017.

 

Inexistindo a prova pericial capaz de propiciar certeza quase absoluta do vínculo de parentesco (exame de impressões do DNA), diante da recusa dos avós e dos irmãos paternos do investigado em submeter-se ao referido exame, comprova-se a paternidade mediante a análise dos indícios e presunções existentes nos autos, observada a presunção juris tantum, nos termos da Súmula 301/STJ.

STJ. 4ª Turma. AgInt no REsp 1651067/RS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 11/02/2020.

 

A recusa imotivada da parte investigada em se submeter ao exame de DNA, no caso, os sucessores do autor da herança, gera a presunção iuris tantum de paternidade à luz da literalidade da Súmula nº 301/STJ.

STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1260418/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 20/04/2020.

 

O que fez a Lei nº 14.138/2021?

Acrescentou um parágrafo ao art. 2º-A da Lei nº 8.560/92 positivando o entendimento no sentido de que a presunção de paternidade também se aplica aos sucessores do suposto pai.

Veja a redação do dispositivo inserido:

Art. 2º-A (...)

§ 2º Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.

 

Importante registrar duas últimas observações sobre o tema:

1) A presunção decorrente da recusa é relativa e, portanto, deverá ser apreciada em conjunto com as demais provas produzidas no processo. Assim, é possível, em tese, que, mesmo com a recusa e a presunção firmada, o juiz julgue o pedido improcedente, se o restante do conjunto probatório refutar a presunção e indicar que as alegações do autor não são verdadeiras.

 

2) O dispositivo afirma que o exame de DNA será pago pelo autor da ação (“a expensas do autor da ação”). Essa previsão não se aplica para o caso de autor beneficiário da justiça gratuita.

Se o autor for beneficiário da justiça gratuita, o exame será custeado pelo Estado, nos termos do art. 98, § 1º, V, do CPC c/c o art. 5º, LXXIV, da CF/88:

Art. 98 (...)

§ 1º A gratuidade da justiça compreende:

(...)

V - as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais;

 

Art. 5º (...)

LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

 

Nesse sentido:

(...) 1. Cinge-se a controvérsia a definir se o Estado deve arcar com os custos referentes ao exame de DNA determinado em ação de investigação de paternidade, tendo em vista a hipossuficiência das partes.

2. Nos termos do que dispõe o art. 98, § 1º, inciso V, do Código de Processo Civil de 2015, a gratuidade da justiça compreende as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais.

3. Em relação à responsabilidade pelo pagamento da despesa correlata, cabe ao Estado o custeio do exame de DNA em favor dos hipossuficientes, a teor do que proclama o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal ("O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos"), viabilizando, assim, o efetivo exercício do direito à assistência judiciária gratuita e, em última análise, ao próprio acesso ao Poder Judiciário, não sendo admissível a discussão de questões orçamentárias pelo poder público na tentativa de se eximir da responsabilidade atribuída pelo texto constitucional. (...)

STJ. 3ª Turma. RMS 58.010/GO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 23/04/2019.

 

O art. 95 do CPC traz regras detalhadas sobre o tema, prevendo que o Estado pode recobrar a quantia da parte sucumbente:

Art. 95. Cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes.

(...)

§ 3º Quando o pagamento da perícia for de responsabilidade de beneficiário de gratuidade da justiça, ela poderá ser:

I - custeada com recursos alocados no orçamento do ente público e realizada por servidor do Poder Judiciário ou por órgão público conveniado;

II - paga com recursos alocados no orçamento da União, do Estado ou do Distrito Federal, no caso de ser realizada por particular, hipótese em que o valor será fixado conforme tabela do tribunal respectivo ou, em caso de sua omissão, do Conselho Nacional de Justiça.

§ 4º Na hipótese do § 3º, o juiz, após o trânsito em julgado da decisão final, oficiará a Fazenda Pública para que promova, contra quem tiver sido condenado ao pagamento das despesas processuais, a execução dos valores gastos com a perícia particular ou com a utilização de servidor público ou da estrutura de órgão público, observando-se, caso o responsável pelo pagamento das despesas seja beneficiário de gratuidade da justiça, o disposto no art. 98, § 2º.

§ 5º Para fins de aplicação do § 3º, é vedada a utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública.

 

18 de abril de 2021

A ação rescisória de sentença proferida em ação de investigação de paternidade cujo genitor é pré-morto deve ser ajuizada em face dos herdeiros, e não do espólio.

 REsp 1.667.576-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/09/2019, DJe 13/09/2019

Sentença proferida em ação investigatória de paternidade. Falecimento do pretenso genitor. Ação rescisória. Ação de estado e de natureza pessoal. Legitimidade passiva. Herdeiros do falecido e não do espólio.

Regitre-se, de início, que a jurisprudência desta Corte fixou-se no sentido de que a ação de investigação de paternidade deve ser ajuizada em face dos herdeiros e não do espólio do falecido. Nesse contexto, o fato de a sentença que se pretende rescindir ter sido proferida em ação investigatória de paternidade, em que somente o de cujus figurou como parte, não modifica esse entendimento. Embora o CPC/1973 não trate da legitimidade passiva para a ação rescisória (o CPC/2015 também não examina esse tema), é correto afirmar que a regra do art. 487, I, do CPC revogado (idêntico ao art. 967, I, do novo CPC), que disciplina a legitimidade ativa e que informa que poderá propor a referida ação "quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular" deve se aplicar, por lógica, coerência e simetria, também à adequada configuração da legitimação passiva da ação rescisória. Por essa razão, o falecimento da parte após o trânsito em julgado da sentença a ser rescindida implica sucessão processual não apenas no polo ativo, mas também no polo passivo. Como se sabe, a legitimidade passiva decorre de uma relação lógica e abstrata entre quem pede, o que se pede e contra quem se pede, devendo figurar no polo passivo a pessoa indicada pelo autor que possa ser compelida e reúna condições de satisfazer o pedido inicial. Tendo em mira essa premissa, conclui-se que, evidentemente, o espólio não é parte legítima para responder à ação rescisória em que se pleiteie a rescisão de sentença e o rejulgamento de ação investigatória de paternidade post mortem, seja como legitimado exclusivo, seja como litisconsorte passivo necessário, na medida em que, nessa ação, nada será pedido contra o espólio, que tão somente é um ente despersonalizado apto a titularizar a universalidade jurídica denominada herança até que se efetive a partilha dos bens. Sublinhe-se que as eventuais repercussões econômicas ou patrimoniais derivadas do reconhecimento, ou não, da filiação que se pretende alcançar por intermédio da ação investigatória de paternidade é que poderão, hipoteticamente, ser objeto de pretensões autônomas que serão deduzidas contra o espólio, como já se consignou em precedentes desta Corte em relação à petição de herança (AgRg no Ag 580.197/SP, Quarta Turma, DJe 04/05/2009) e à execução de dívidas do de cujus (REsp 1.559.791/PB, Terceira Turma, DJe 31/08/2018).