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15 de novembro de 2021

Não é razoável exigir comprovação documental do motivo pelo qual o candidato faltou às provas do Enem 2020 como requisito para que ele possa obter isenção da taxa de inscrição do Enem 2021, tendo em vista que se vivia um contexto de pandemia

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-1028-stf.pdf


EDUCAÇÃO Não é razoável exigir comprovação documental do motivo pelo qual o candidato faltou às provas do Enem 2020 como requisito para que ele possa obter isenção da taxa de inscrição do Enem 2021, tendo em vista que se vivia um contexto de pandemia 

Em razão do contexto de anormalidade decorrente da pandemia da Covid-19, é descabida a exigência de “justificativa de ausência” às provas do ENEM 2020, como requisito para a concessão de isenção da taxa de inscrição para o ENEM 2021. STF. Plenário. ADPF 874 MC/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/9/2021 (Info 1028). 

A situação concreta foi a seguinte: 

Em 03/05/2021, o governo federal publicou o Edital nº 19/2021, do INEP/Ministério da Educação, tratando sobre o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Neste Edital, ficou estabelecido que, se a pessoa pediu isenção da taxa de inscrição no Enem 2020 e não compareceu para fazer a prova, ela não poderá solicitar isenção para o Enem 2021, salvo se justificar o motivo da sua ausência. Confira: 

EDITAL Nº 19, DE 30 DE ABRIL DE 2021EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO - ENEM 2021 O PRESIDENTE DO INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP), no uso das atribuições que lhe conferem o Decreto nº 6.317, de 20 de dezembro de 2007, e a Portaria nº 986, de 21 de dezembro de 2017, tendo em vista o disposto na Portaria/MEC nº 458, de 5 de maio de 2020 torna público os procedimentos de justificativa de ausência na edição de 2020 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e de solicitação de isenção da taxa de inscrição para a edição 2021. (...) 1.4 O participante que teve concedida a isenção da taxa de inscrição no Enem 2020 e que não tenha comparecido nos dois dias de prova deverá justificar a ausência para solicitar a isenção da taxa de inscrição no Enem 2021. (...) 2.4 A justificativa de ausência no Enem 2020 deverá ser realizada com a inserção de documentos, conforme Anexo I deste Edital, que comprovem o motivo da ausência. Todos os documentos deverão estar datados e assinados. 2.4.1. Não serão aceitos documentos autodeclaratórios ou emitidos por pais ou responsáveis. 2.4.2. Os documentos para justificativa de ausência no Enem 2020 devem conter todas as especificações do Anexo I deste Edital e serem legíveis para análise, sob pena de serem considerados documentos inválidos. 

Alguns Partidos ajuizaram ADPF contra esses itens 1.4 e 2.4 do Edital nº 19/2021. Os requerentes alegaram que esses dispositivos violam a dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a igualdade material, o direito à educação e a garantia de acesso aos níveis mais elevados de ensino e pesquisa (art. 208, V, da CF/88). Argumentaram que, em razão do contexto pandêmico, o índice de abstenção no Enem 2020 foi expressivamente superior em comparação com as edições anteriores, muito devido a fatores como as recomendações sanitárias das autoridades competentes; o fundado temor de contaminação pelo vírus ou de propagá-lo; e o problema prático de superlotação das salas, que impediu muitos estudantes de realizarem a prova. Vejamos o que decidiu o STF. 

Primeira pergunta: cabe ADPF no presente caso? 

SIM. A Corte considerou presentes todos os requisitos para utilização da ADPF. No caso concreto, não era cabível ação direta de inconstitucionalidade contra o Edital tendo em vista que se trata de ato de efeitos concretos oriundo do Ministério da Educação. Logo, não sendo cabível nenhum outro instrumento de controle de constitucionalidade, resta possível a ADPF, com base na subsidiariedade. Vale ressaltar que, em tese, seria cabível o questionamento judicial desse edital por meio de mecanismos judiciais ordinários (ex: ação popular), no entanto, eventual decisão proferida estaria ainda sujeita às vias recursais, com possibilidade de suspensão liminar do provimento, o que não se compatibiliza com a urgência do caso, visto que o calendário do Enem 2021 está em andamento, com provas marcadas. Além disso, deve-se ressaltar que existem milhares de pessoas que podem ser impactadas pelos atos questionados, circunstância que recomenda a prolação de decisão com efeitos abrangentes. Portanto, a relevância e a abrangência da controvérsia, bem como a sua urgência, demandam a utilização da ADPF, único mecanismo judicial capaz de sanar a lesividade alegada de forma ampla, geral e imediata. 

E quanto ao mérito, o que decidiu o STF? A tese dos Requerentes foi acolhida? 

SIM. O STF apreciou apenas a liminar e, por unanimidade, concedeu medida cautelar para afastar essa exigência de justificativa quanto à ausência no Enem 2020. Para a Corte: 

Em razão do contexto de anormalidade decorrente da pandemia da Covid-19, é descabida a exigência de “justificativa de ausência” às provas do Enem 2020, como requisito para a concessão de isenção da taxa de inscrição para o Enem 2021. STF. Plenário. ADPF 874 MC/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 3/9/2021 (Info 1028). 

A exigência da comprovação documental do motivo do não comparecimento às provas do Enem 2020 — como requisito para a obtenção de isenção da taxa de inscrição para o Enem 2021 — revela-se destituída de razoabilidade e vulnera preceitos fundamentais da Constituição Federal. As políticas públicas devem ser pensadas e executadas como forma de incentivo da continuidade dos projetos de vida dos estudantes e não o contrário, como faz a norma inscrita nos itens 1.4 e 2.4 do Edital 19/2021 do Ministério da Educação. A situação da Covid-19 e o receio de contaminação individual ou de terceiros fez com que muitos estudantes não comparecessem à prova do Enem 2020. Vale ressaltar que as próprias autoridades sanitárias recomendavam que as pessoas evitassem aglomerações. Não se justifica exigir que os candidatos de baixa renda que optaram por não comparecer à prova por temor ou insegurança quanto ao nível de exposição da própria saúde ou de outrem, ou por qualquer outro motivo relacionado ao contexto de anormalidade em que aplicadas as provas do Enem, comprovem o motivo da sua ausência, por se tratar de circunstâncias que não comportam qualquer tipo de comprovação documental. A aludida exigência acaba por penalizar os estudantes que fizeram a difícil escolha de faltar às provas para atender às recomendações das autoridades sanitárias como forma de conter a disseminação da Covid-19. Ao assim dispor, o ato questionado desprestigia as políticas estatais de incentivo à observância dessas recomendações sanitárias, contrariando o dever de proteção da saúde pública (art. 196 da CF/88). 

Conclusão 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, concedeu medida cautelar, para determinar a reabertura do prazo de requerimento de isenção de taxa, deixando-se de exigir justificativa de ausência do Enem 2020, de quaisquer candidatos, em razão do contexto pandêmico — como previsto no item 1.4.1 do edital do Enem 2020 (Edital 55/2020 – Enem digital e Edital 54, de 28 de julho de 2020 – Enem impresso), para que seja concedida a isenção na taxa de inscrição aos estudantes que comprovarem incidir em uma das hipóteses do item 2.6 do Edital 19/2021 do Ministério da Educação.