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30 de agosto de 2021

EXCEÇÃO DE PRÉEXECUTIVIDADE. EXTINÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. CPC DE 2015. LEGITIMIDADE RECURSAL CONCORRENTE DA PARTE E DO ADVOGADO

RECURSO ESPECIAL Nº 1776425 - SP (2018/0284115-3) 

RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO 

EMENTA 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. EXCEÇÃO DE PRÉEXECUTIVIDADE. EXTINÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. CPC DE 2015. LEGITIMIDADE RECURSAL CONCORRENTE DA PARTE E DO ADVOGADO. 

1. A regra do art. 99, §5º, do CPC, não trata da legitimidade recursal, mas da gratuidade judiciária e, notadamente, do requisito do preparo, deixando claro que, mesmo interposto recurso pela parte que seja beneficiária de gratuidade judiciária, mas que se limite a discutir os honorários de advogado, o preparo deverá ser realizado acaso o advogado também não seja beneficiário da gratuidade. 

2. Não há confundir esse requisito de admissibilidade com aquele relativo à legitimidade recursal concorrente da parte e do próprio titular da verba de discutir os honorários de advogado. 

3. A própria parte, seja na vigência do CPC de 1973, inclusive após o reconhecimento do direito autônomo dos advogados sobre a verba honorária, ou mesmo na vigência do CPC de 2015, pode interpor, concorrentemente com o titular da verba honorária, recurso acerca dos honorários de advogado. 

4. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 08 de junho de 2021. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO Relator 

RELATÓRIO 

Trata-se de recurso especial interposto por ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROMOÇÃODO DESIGN E INOVAÇÃO OBJETO BRASIL, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado: 

Agravo de Instrumento. Honorários advocatícios Ação indenizatória em fase de liquidação de sentença Decisão que indeferiu pleito de arbitramento de honorários Honorários que pertencem ao advogado Legitimidade do advogado para postular a reforma da R. Decisão agravada Recurso interposto pela parte que não merece ser conhecido por ilegitimidade recursal. Não se conhece do recurso. 

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados. 

Nas razões do recurso especial a parte alegou ofensa aos artigos: 23 e 24 da Lei 8.906/94 e 85, §14, do CPC, sustentando tanto a parte, quanto seu advogado contam com plena legitimidade para controverter acerca de honorários advocatícios, em que pese constituam direito autônomo do advogado. Referiram o enunciado 306/STJ e pediram o provimento do recurso. 

É o relatório. 

VOTO 

Eminentes Colegas. A discussão devolvida a esta Corte Superior diz com a legitimidade de a parte, em nome próprio, recorrer de decisão postulando a fixação de honorários de advogado. 

Destaco que o acórdão recorrido não conheceu de agravo de instrumento interposto para discutir o direito à fixação de honorários de advogado em sede de exceção de pré-executividade extinta por perda superveniente de objeto. 

A propósito, declarou o aresto combatido: 

Trata-se de recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu pleito de fixação de honorários em favor dos advogados que representam os interesses da Associação Brasileira de Promoção de Design e Inovação Objeto Brasil, ora agravante, nos autos. O recurso não merece ser conhecido, portanto, por ilegitimidade recursal, eis que os honorários advocatícios tem natureza remuneratória e pertencem ao advogado, mostrando-se equivocada a interposição do recurso pela parte. 

A jurisprudência desta Corte, contemporânea ao CPC de 1973, reconhecia às partes e aos advogados legitimidade concorrente para vindicar, em nome próprio, a fixação ou majoração dos honorários advocatícios estipulados pelo órgão julgador, a despeito de tal verba constituir direito autônomo do advogado. 

Cumpre que se verifique se o art. 99, §5º, do CPC, alterou esta legitimidade ao dispor: 

Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. (...) 

§ 4º A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça. 

§ 5º Na hipótese do § 4º, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade. 

A conclusão que ecoa desses enunciados normativos é a de que o dispositivo não alterou a legitimidade recursal em matéria de honorários sucumbenciais. 

Com efeito, o artigo 99, especialmente o §5º, não versa acerca de legitimidade recursal, mas do requisito do preparo, podendo-se dele extrair que, mesmo interposto recurso pela parte que seja beneficiária de gratuidade judiciária e que se limite a discutir os honorários de advogado, o preparo deverá ser realizado acaso o advogado também não seja beneficiário da gratuidade. 

Tão somente isso. 

A legislação em vigor permite que a própria parte, seja na vigência do CPC de 1973, inclusive após o reconhecimento do direito autônomo dos advogados pelo Estatuto da Advocacia, seja na vigência do CPC de 2015, em concorrência com o advogado, interponha recurso acerca de parcela que não é de sua titularidade. 

Esta mesma concorrência se verifica em sede executiva, dela tratando Rogério Licastro Torres de Melo, enfatizando o seguinte: 

Os honorários, portanto, constituem direito autônomo do advogado e, destarte, comportam execução pelo profissional da Advocacia independente da execução do crédito principal conferido à parte. Tal realidade, apesar de não derivar da literalidade do CPC/1973, que era silente a respeito, já defluía do art. 23 do Estatuto da Advocacia atualmente vigente, o que culminou por produzir sólida orientação jurisprudencial no STJ no sentido de reconhecer, bem antes da entrada em vigor do CPC/2015, a existência de legitimidade concorrente entre o advogado e o cliente para promover a execução da verba honorária. Por todos, merece destaque o acórdão proferido pelo STJ por ocasião do julgamento do Recurso Especial 828.300/SC, de relatoria do Min. Luiz Fux, DJ de 24.04.2008, cuja reprodução parcial de sua ementa é suficiente para revelar o entendimento consolidado daquela Corte acerca da admissão de execução da condenação honorária sucumbencial pelo advogado, como legitimado ativo, já antes da vigência do CPC/2015: “(...) 2. É cediço nesta Corte que a execução da sentença, na parte alusiva aos honorários resultantes da sucumbência, pode ser promovida tanto pela parte como pelo advogado. Precedentes: (...) Ainda previamente à entrada em vigor do CPC/2015, também a doutrina se posicionou no sentido da titularidade dos honorários sucumbenciais por parte do causídico. Em conhecido estudo sobre honorários advocatícios, Yussef Said Cahali escreveu com propriedade que “A sentença marca o momento histórico da aquisição do direito autônomo do advogado, pelo implemento da condição que lhe faz nascer esse direito; em outros termos, os honorários da sucumbência, a partir de então, pertencem definitivamente ao advogado que estava atuando na demanda”. (in Honorários Advocatícios - Sucumbenciais e por Arbitramento, 1ª ed., Ed. Thomson Reuters Brasil 2019, Cap. I, 1ª parte, item 2) 

Não me parece consentâneo, negar-se à parte legitimidade para, por exemplo, postular a majoração de honorários de advogado fixados pelo juízo, mas, no mesmo processo, permitir-lhe a execução de valores cuja titularidade é de terceiro. 

Reconheceu-se no art. 23 do Estatuto da Advocacia e se reforçou no CPC de 2015 a titularidade dos honorários e a possibilidade de o advogado, pois titular da verba a que o vencido foi condenado a pagar na ação ajuizada pelo seu representado, executá-la em nome próprio, mesmo não sendo parte formal no processo em que ela foi originada e, assim, não constando do título executivo base para o cumprimento de sentença. 

Yussef Said Cahali (in Honorários Advocatícios, RT, 3ª ed., p. 804), ao comentar a norma do Estatuto da Advocacia, observava o seguinte: 

"Estabelecendo o art. 23 da Lei n° 8.906/94, que os honorários incluídos na condenação por sucumbência, pertencem ao advogado, concedeu-se-lhe, agora, verdadeiramente, um direito próprio e autônomo (expressão que antes era contestada por alguns), com possibilidade de sua execução pelo próprio patrono, ainda que tendo como causa geradora o mesmo fato do sucumbimento da parte adversa do cliente vitorioso. Com a titularidade do direito aos honorários da sucumbência, que agora lhe é expressamente atribuída, o advogado é introduzido, de alguma forma na relação processual que se estabelece a partir da sentença condenatória nessa parte, quando antes, o processo seria quanto a ele uma res inter alios." 

Araken de Assis, ao analisar a legitimidade recursal do advogado mesmo após a entrada em vigor do Novo CPC, ressalta atuar ele como terceiro prejudicado, ponderando: 

Legitima-se a interpor a apelação, relativamente à omissão dos honorários, ou à correção do valor fixado, porque divergente dos critérios gerais e particulares que regulam a espécie, quer a parte vencedora, quer o respectivo advogado. É legítimo o advogado defender o direito que lhe consagra o art. 23 da Lei 8.906/1994 e o art. 85, § 14, na qualidade de terceiro prejudicado. 

E esclarece que, mesmo sendo titular da verba, ostenta a qualidade de terceiro por que não é parte na relação jurídica processual: 

O advogado é terceiro, apesar de titular do crédito e do seu interesse direto na resolução, porque (ainda) não figura como parte, e sua legitimidade concorre com a da parte. Não lhe cabe, em nome próprio, impugnar o capítulo principal, embora este repercuta na verba honorária, mas o capítulo da sucumbência. Exageradamente, negou-se a legitimidade da parte, atribuindo-a unicamente ao advogado, porque não se configuraria a utilidade na revisão da matéria. Essa posição ficou superada pela jurisprudência recente que admite legitimidade concorrente. 

Não é razoável, pois, reconhecer-se que o direito aos honorários advocatícios sucumbenciais, que naturalmente se origina de ação ajuizada por parte que, no mais das vezes, não será a sua titular (à exceção de quando é ajuizada em causa própria), não possa ser em seu nome discutido. 

Arruda Alvim, no seu Manual de Direito Processual Civil - edição publicada já sob a vigência do CPC de 2015 -, pontifica: 

Outrossim, o advogado possui interesse recursal no que concerne à discussão do valor dos honorários estabelecidos pela decisão. Em tal caso, apesar do direito do procurador de executar autonomamente a verba honorária (arts. 23 e 24 do Estatuto da Advocacia – Lei 8.906/1994), a jurisprudência já pacificou a legitimação concorrente da parte e de seu procurador para rediscutir a questão em sede recursal. (18ª ed., Ed. Thomson Reuters, 2019, Cap. 18, item 31.4.2) 

Assim, o acórdão recorrido merece ser reformado, reconhecendo-se legitimidade recursal concorrente à parte e ao titular dos honorários de advogado. 

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao recurso especial reconhecendo a legitimidade recursal concorrente da parte e do advogado e determinando o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que prossiga no seu julgamento como entender de direito. 

É o voto. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator. 

21 de agosto de 2021

A parte e o advogado possuem legitimidade recursal concorrente quanto à fixação dos honorários advocatícios

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-700-stj.pdf

 

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - A parte e o advogado possuem legitimidade recursal concorrente quanto à fixação dos honorários advocatícios 

Exemplo hipotético: Pedro ingressou com execução de título extrajudicial contra João e Regina, que são cônjuges. Regina ingressou com exceção de pré-executividade alegando ser parte ilegítima e que, portanto, deveria ser excluída do processo. O juiz, por meio de decisão interlocutória, acolheu a exceção de pré-executividade oferecida por Regina e determinou a sua exclusão da lide. Ocorre que o magistrado não condenou o exequente Pedro ao pagamento de honorários advocatícios. Tanto Regina (parte) como o advogado de Regina (terceiro prejudicado) poderão interpor recurso contra essa decisão postulando a fixação de honorários advocatícios. STJ. 3ª Turma. REsp 1.776.425-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 08/06/2021 (Info 700). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Pedro ingressou com execução de título extrajudicial contra João e Regina, que são cônjuges. Regina ingressou com exceção de pré-executividade alegando ser parte ilegítima e que, portanto, deveria ser excluída do processo. O juiz, por meio de decisão interlocutória, acolheu a exceção de pré-executividade oferecida por Regina e determinou a sua exclusão da lide. Ocorre que o magistrado não condenou o exequente Pedro ao pagamento de honorários advocatícios. Diante disso, Regina interpôs agravo de instrumento postulando a fixação de honorários advocatícios. O Tribunal de Justiça, contudo, não conheceu do recurso sob o argumento de que os honorários advocatícios pertencem ao advogado e, portanto, a parte não teria legitimidade para recorrer pedindo a sua fixação. 

Agiu corretamente o Tribunal? 

NÃO. A legitimidade, neste caso, é concorrente, ou seja, tanto o advogado como a parte podem interpor o recurso. Nesse sentido: 

A partir do entendimento de que a titularidade do advogado sobre os honorários sucumbenciais implica também no reconhecimento de que poderá o patrono, de forma autônoma, executar a decisão que os fixou, naquele específico particular, concorrentemente com a parte por ele representada, consolidou-se a jurisprudência desta Corte, na vigência do CPC/73, no sentido de que a legitimação e interesse para recorrer da decisão que fixou os honorários sucumbenciais, com o propósito de majorá-los, seria igualmente concorrente entre a parte e o advogado. STJ. 3ª Turma. REsp 1820982/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/12/2020. 

É possível entender que o § 5º do art. 99 do CPC/2015 alterou essa legitimidade recursal concorrente em matéria de honorários sucumbenciais? 

NÃO. Veja o que diz esse dispositivo: 

Art. 99. (...) § 5º Na hipótese do § 4º, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade. 

O § 5º do art. 99 do CPC não trata sobre legitimidade recursal, mas sim do requisito do preparo. Assim, mesmo interposto recurso pela parte que seja beneficiária de gratuidade judiciária e que se limite a discutir os honorários de advogado, o preparo deverá ser realizado caso o advogado também não seja beneficiário da gratuidade.  Assim, a própria parte pode interpor, concorrentemente com o titular da verba honorária, recurso acerca dos honorários de advogado. 

Em suma: A parte e o advogado possuem legitimidade recursal concorrente quanto à fixação dos honorários advocatícios. STJ. 3ª Turma. REsp 1.776.425-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 08/06/2021 (Info 700). 

DOD PLUS 

A sociedade de advogados possui legitimidade para pleitear majoração de honorários sucumbenciais quando, por ocasião do instrumento de mandato outorgado individualmente, não haja menção a ela? 

NÃO possui legitimidade. 

A sociedade de advogados não possui legitimidade para pleitear, em nome próprio, a majoração da verba honorária quando, por ocasião do instrumento de mandato outorgado individualmente aos seus integrantes, dela não haja menção. 

STJ. 4ª Turma. AgRg no Ag 1397911/RJ, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 17/11/2015. 

Outro julgado sobre o tema: 

Os serviços advocatícios não se consideram prestados pela sociedade na hipótese em que a procuração não contém qualquer referência à mesma, impedindo, portanto, que o levantamento da verba honorária seja feito em nome da pessoa jurídica com seus efeitos tributários diversos daqueles que operam quando o quantum é percebido uti singuli pelo advogado. 

STJ. Corte Especial. AgRg nos EREsp 1114785/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 03/11/2010

24 de junho de 2021

A parte e o advogado possuem legitimidade recursal concorrente quanto à fixação dos honorários advocatícios

Processo

REsp 1.776.425-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Honorários advocatícios. Legitimidade recursal. Parte e advogado. Concorrência.

 

Destaque

A parte e o advogado possuem legitimidade recursal concorrente quanto à fixação dos honorários advocatícios.

Informações do Inteiro Teor

A questão cinge-se a discutir a legitimidade da parte, em nome próprio, recorrer de decisão postulando a fixação de honorários de advogado.

A jurisprudência desta Corte, contemporânea ao CPC de 1973, reconhecia às partes e aos advogados legitimidade concorrente para vindicar, em nome próprio, a fixação ou majoração dos honorários advocatícios estipulados pelo órgão julgador, a despeito de tal verba constituir direito autônomo do advogado.

O CPC/2015, no entanto, não alterou a legitimidade recursal em matéria de honorários sucumbenciais. Com efeito, o seu artigo 99, especialmente o §5º, não versa acerca de legitimidade recursal, mas do requisito do preparo, podendo-se dele extrair que, mesmo interposto recurso pela parte que seja beneficiária de gratuidade judiciária e que se limite a discutir os honorários de advogado, o preparo deverá ser realizado acaso o advogado também não seja beneficiário da gratuidade.

Ademais, reconheceu-se no art. 23 do Estatuto da Advocacia e se reforçou no CPC de 2015 a titularidade dos honorários e a possibilidade de o advogado, pois titular da verba a que o vencido foi condenado a pagar na ação ajuizada pelo seu representado, executá-la em nome próprio, mesmo não sendo parte formal no processo em que ela foi originada e, assim, não constando do título executivo base para o cumprimento de sentença. Dessa forma, mesmo sendo titular da verba, ostenta a qualidade de terceiro prejudicado.

Não é razoável, pois, reconhecer-se que o direito aos honorários advocatícios sucumbenciais, que naturalmente se origina de ação ajuizada por parte que, no mais das vezes, não será a sua titular (à exceção de quando é ajuizada em causa própria), não possa ser em seu nome discutido.





6 de maio de 2021

AÇÃO DE GUARDA PROPOSTA EM FACE DA MÃE BIOLÓGICA POR CASAL INTERESSADO. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E JULGADA PROCEDENTE NO CURSO DO PROCESSO. POSTERIOR SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE GUARDA. APELAÇÃO DA GENITORA. LEGITIMIDADE RECURSAL RECONHECIDA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.845.146 - ES (2018/0180049-0) 

RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO 

RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA PROPOSTA EM FACE DA MÃE BIOLÓGICA POR CASAL INTERESSADO. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E JULGADA PROCEDENTE NO CURSO DO PROCESSO. POSTERIOR SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DA AÇÃO DE GUARDA. APELAÇÃO DA GENITORA. LEGITIMIDADE RECURSAL RECONHECIDA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 

1. A mãe biológica, mesmo já destituída do poder familiar, em outra ação, por sentença transitada em julgado, tem ainda legitimidade para recorrer da sentença que julgou procedente, contra si, o pedido de guarda formulado por casal que exercia a guarda provisória da criança, confiada pelo Conselho Tutelar da Comarca de origem. 

2. No caso concreto, a ação de destituição do poder familiar ajuizada pelo Ministério Público contra a genitora não fora cumulada com pedido de adoção por família substituta. Desse modo, embora julgada procedente, a sentença de destituição não eliminou o laço de parentesco da mãe biológica com a criança, mas apenas fez cessar, juridicamente, suas prerrogativas parentais sobre a filha. 

3. A qualidade de ré na ação de guarda, bem como a subsistência do laço sanguíneo, conferem à mãe biológica legitimidade e interesse bastante para, em prol da proteção e do melhor interesse da menor, discutir o destino da criança, seus cuidados e criação, na busca de assegurar o direito da infante à manutenção no seio da família extensa materna. 

4. Recurso especial a que se dá provimento para que, reconhecida a legitimidade recursal, retornem os autos ao Tribunal de origem a fim de que prossiga no julgamento da apelação. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Luis Felipe Salomão. 

Brasília, 19 de novembro de 2019 (Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO: Os autos dão conta de que A. C. G. R. e M. G. R. G. ajuizaram ação de guarda em desfavor de M. C. D. T., em relação à menor M. C. D., a fim de regularizar posse de fato da aludida menor, sustentando que a criança, então com dois anos de idade, depois de sofrer agressões praticadas por sua antiga família, as quais colocaram em risco sua integridade física, foi confiada aos requerentes, pelo Conselho Tutelar da Comarca de Ibiraçu-ES, conforme Termo de Responsabilidade datado de 07/12/2008 (fls. 18-19). 

A requerida apresentou contestação (fls. 55-59). 

O processo foi suspenso até o julgamento da ação de destituição do poder familiar (Processo nº 022.09.000469-2) ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo em face da genitora, M. C. D. T. (fls. 34-38), ora recorrente, no âmbito da qual foi deferida, em 10/07/2009, a guarda provisória da criança em favor dos requerentes (fl. 115). Nessa ação, o pedido foi julgado procedente, a fim de destituir a requerida do poder familiar exercido sobre a menor, tendo a sentença transitado em julgado em 09/05/2013 (fl. 116). 

Realizada audiência de instrução e julgamento na ação de guarda, foram tomados os depoimentos pessoais das partes, tendo a requerida informado que estava presa há oito meses e desejava que a filha fosse criada por seu pai (avô materno), A. D. R., e madrasta, L. L. (fl. 74). 

A Juíza de Direito julgou a ação de guarda procedente, deferindo a guarda definitiva da menor M. C. D. aos requerentes (fls. 115-117). 

Sobreveio a apelação (fls. 121-142) interposta pela genitora, M. C. D. T., por intermédio da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, postulando a manutenção da criança na família extensa materna. Argumentou-se que, logo após a menor ter sido entregue pelo Conselho Tutelar aos autores, A. D. R. e L. L., na qualidade de avós maternos, ajuizaram, em 10/12/2008, ação para obtenção de guarda da neta (Processo nº 022.08.001241-6), havendo, naqueles autos, estudo social favorável à inclusão da menor na família extensa. 

A Juíza de primeiro grau deixou de receber a apelação, por ausência de legitimidade recursal (fl. 147). 

Seguiu-se agravo de instrumento (fls. 1-16), a que o eg. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo negou provimento, nos termos do acórdão assim ementado: 

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL (FAMÍLIA). AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE RECURSAL DA GENITORA DESTITUÍDA DO PODER FAMILIAR. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A mãe biológica destituída do poder familiar, em razão de comprovada prática de negligência e abandono, tendo o decisum transitado em julgado em 09/05/2013, não tem legitimidade para recorrer das decisões que conferiram a guarda da menor à família substituta em detrimento da família extensa (avô materno e cônjuge). 2. Pois, ao ser destituída do poder familiar, descabe qualquer participação da genitora no destino de sua prole, cabendo às autoridades promover os cuidados da menor até a sua colocação em família extensa ou substituta, a depender das circunstancias fáticas, sempre no intuito de se observar o melhor interesse dela. 3. Desse modo, reconhecendo que a destituição do poder familiar implicou na ruptura dos laços jurídicos entre a genitora e a menor, impõe-se no reconhecimento da ilegitimidade de M. C. D. T. 4. Recurso conhecido e desprovido." (fl. 187) 

Daí o presente recurso especial, interposto por M. C. D. T., por intermédio da Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, alegando ofensa ao art. 499 do CPC/1973 (atual art. 996 do CPC/2015), bem como divergência jurisprudencial. Sustenta sua legitimidade para interpor recurso de apelação, visto que figura como parte no processo e, portanto, compõe a relação jurídica controvertida, possuindo nítido interesse jurídico no deslinde da causa (fls. 193-206). 

Contrarrazões às fls. 210-218. 

A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pelo provimento do recurso (fls. 254-258). 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): A questão controvertida consiste na legitimidade recursal da mãe biológica, destituída do poder familiar por sentença transitada em julgado, para recorrer da sentença que julgou procedente, contra si, a ação de guarda movida pelo casal que já exercia a guarda provisória da criança, confiada pelo Conselho Tutelar da Comarca de origem. 

Conforme relatado, a Juíza de primeiro grau deixou de receber a apelação, por ausência de legitimidade recursal, nos termos da seguinte fundamentação: 

"A princípio, cumpre estabelecer que a menor M. C. D. encontra-se sobre (sic) a guarda e responsabilidade dos requerentes desde a data de 07 de dezembro de 2008, em virtude de agressões, por parte de sua família, que colocaram em risco sua integridade física. Diante de tais fatos, foi ajuizada ação de Destituição do Poder Familiar em face da requerida/apelante M. C. D. T., a qual foi julgada PROCEDENTE, conforme sentença de fls. 83/86 dos autos do processo tombado sob o n° 022.09.000469-2, cujo trânsito em julgado se deu na data de 09 de maio de 2013, havendo menção a referido fato na sentença proferida às fls. 78/80 destes autos. Nessa esteira, é sabido que uma vez destituída do poder familiar por sentença definitiva, carece a genitora de legitimidade para opor-se contra sentença que julgou procedente o pedido de guarda. Destarte, não atendido o pressuposto de admissibilidade, no que concerne à legitimidade, DEIXO de receber o recurso interposto pela requerida." (fl. 147 - grifou-se) 

Por sua vez, o eg. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo entendeu correta a decisão que não recebeu a apelação, à base da seguinte fundamentação: 

"Não vejo razão para modificar a decisão proferida na origem, pois, de fato, a mãe biológica destituída do poder familiar, em razão de comprovada prática de negligência e abandono, tendo o decisum transitado em julgado em 09/05/2013, não tem legitimidade para recorrer das decisões que conferiram a guarda da menor à família substituta em detrimento da família extensa (avô materno e cônjuge). Pois, ao ser destituída do poder familiar, descabe qualquer participação da genitora no destino de sua prole, cabendo às autoridades promover os cuidados da menor até a sua colocação em família extensa ou substituta, a depender das circunstancias fáticas, sempre no intuito de se observar o melhor interesse dela. Desse modo, reconhecendo que a destituição do poder familiar implicou na ruptura dos laços jurídicos entre a genitora e a menor, impõe-se no reconhecimento da ilegitimidade de M. C. D. T. Posto isso, CONHEÇO do recurso, para, no mérito, NEGAR-LHE PROVIMENTO." (e-STJ, fl. 189 - grifou-se) 

O requisito da legitimidade recursal consiste na possibilidade de que o recurso seja interposto por quem possui, por força de lei, o poder de recorrer. 

A legislação processual civil brasileira outorga legitimidade para recorrer às partes, ao Ministério Público e ao terceiro prejudicado, consoante estabelece o art. 499 do CPC/1973: "O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público." 

De forma semelhante, prevê o atual art. 996 do CPC/2015: "O recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público, como parte ou como fiscal da ordem jurídica." 

Como se sabe, são partes os que compõem os polos ativo e passivo da relação jurídica processual, ou seja, autor e réu. 

No presente caso, a recorrente foi reconhecida como parte ilegítima somente para interpor recurso de apelação contra a sentença que julgou procedente a ação de guarda de menor na qual figurou como ré, pelo fato de ter sido destituída do poder familiar, em processo diverso, no decorrer do presente feito. 

Não obstante, a legitimidade da recorrente para interpor o recurso de apelação no processo em que figurava como parte promovida é manifesta. 

Na espécie, a recorrente é ré na ação de guarda da menor M. C. D., sua filha biológica, proposta pelos recorridos, ou seja, faz parte da relação jurídica controvertida. Portanto, tem legitimidade e interesse jurídico no deslinde da causa. 

A circunstância de ter sido destituída do poder familiar em relação à filha biológica, em outra ação, em que pese a gravidade do fato, não autoriza concluir pela falta de legitimidade recursal na ação de guarda, sobretudo porque permanece, para a mãe, devido aos laços naturais, o interesse fático e jurídico sobre a criação e destinação da criança, mesmo após destituída do poder familiar. 

O poder familiar constitui um munus que pode ser definido como um conjunto de direitos e obrigações quanto à pessoa e bens de filho menor, decorrente da necessidade natural de todo ser humano menor de idade de ser acolhido e educado por pessoa maior, responsável por destinar ao amparado esforços e recursos materiais, intelectuais e afetivos em prol dos interesses e proteção daquele. O descumprimento dessa diretriz pelo responsável poderá acarretar sanções civis, como a suspensão ou a própria perda do poder familiar, conforme prevê o art. 1.638 do Código Civil. 

Através da ação para decretação da perda ou suspensão do poder familiar, pretende-se, em primeiro lugar, obter uma prestação jurisdicional que proteja a criança ou adolescente em situação de risco, ocasionada pela falta, omissão ou abuso dos pais (ECA, art. 98, II). Mais especificamente, a ação de destituição tem como escopo a inibição permanente ou temporária dos direitos e prerrogativas paterno-maternais que compõem o poder familiar. 

A perda do poder familiar é sanção severa, imposta no melhor interesse do filho menor, a qual depende de decisão judicial (CC, art. 1.635, V), significando a destituição de todas as prerrogativas parentais. Ou seja, o pai, a mãe, ou ambos, deixam de exercer, juridicamente, o poder familiar sobre o filho. 

Consoante os ensinamentos de MARIA HELENA DINIZ: "A perda do poder familiar, em regra, é permanente (CC, art. 1.635, V), embora o seu exercício possa ser, excepcionalmente, restabelecido, se provada a regeneração do genitor ou se desaparecida a causa que a determinou, mediante processo judicial de caráter contencioso" (in Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 5, 33ª ed., São Paulo: Saraiva, 2019, p. 655). 

Entretanto, há de se atentar que, no caso dos autos, a ação de destituição do poder familiar não foi cumulada com pedido de adoção por família substituta. Por isso, a sentença que destituiu a genitora do poder familiar ensejará não a exclusão do seu nome no registro civil de nascimento da filha, mas a averbação da decisão condenatória, mantendo-se os sobrenomes da mãe (o pai é desconhecido) e os nomes dos seus ascendentes (avós maternos). 

Somente no caso de futura decisão em eventual ação de adoção (da qual não se tem notícia), o registro de nascimento será alterado e lavrada nova certidão. 

A propósito, leciona KÁTIA REGINA FERREIRA LOBO ANDRADE MACIEL: 

"Proferida a sentença de mérito no prazo máximo de 120 dias, suspendendo ou destituindo os genitores do poder familiar, esta deverá ser averbada no livro de nascimento da circunscrição onde nasceu o filho. Note-se que esta providência será determinada mesmo que esteja pendente recurso, já que, de acordo com o que reza o art. 199-B do ECA, a sentença que destituir ambos ou qualquer dos genitores do poder familiar fica sujeita a apelação, que deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo. Não se trata de exclusão, no registro civil de nascimento do filho, dos nomes dos pais destituídos, mas sim da averbação da decisão condenatória, mantendo-se os sobrenomes dos pais e os dados dos ascendentes (pais e avós). Havendo pedido cumulado de adoção por família substituta, por outro lado, o registro de nascimento original da criança cujos pais foram destituídos do poder familiar será cancelado (art. 47, § 2º, do ECA) e lavrada nova certidão (art. 47, §§ 1º, 3º, 4º, 5º e 6º, do ECA). Excepcionalmente, porém, poderá haver a retificação do assentamento do filho com a supressão do sobrenome dos pais destituídos e dos nomes destes, mediante pedido próprio perante o juízo competente, após o trânsito em julgado da perda da autoridade parental, quando comprovado que fatos ensejaram a destituição foram tão graves que a manutenção dos dados parentais na certidão de nascimento do filho acarretará prejuízos emocionais e psíquicos na identidade dos infantes". (in Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e práticos, 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 876-877) 

A lição prossegue e reforça a compreensão de que a perda ou a suspensão do poder familiar não afeta o laço de parentesco existente entre pais e filho. Nesse sentido: 

"Como salientado anteriormente, a perda ou a suspensão do poder familiar não afeta o laço de parentesco existente entre pais e filho, permanecendo as obrigações dele decorrentes, como, por exemplo, o dever alimentar. É importante ressaltar, como consequência prática do que foi afirmado, que os nomes dos pais destituídos ou suspensos da autoridade parental não são retirados da certidão de nascimento do filho, com a prolação de decisão favorável. A única exceção prevista expressamente em lei para que se finde o vínculo de parentesco e, por efeito, altere-se a filiação, diz respeito à transferência do poder familiar no caso de adoção (art. 47, §§ 1º, 2º e 5º, do ECA). Nesta hipótese, os pais naturais são desligados do poder familiar, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais (art. 1.026 do CC c/c o art. 41 da Lei n. 8.069/90). Assim, havendo a adoção, a recuperação da autoridade parental pelos genitores biológicos somente será possível por meio de destituição do poder familiar dos pais adotivos e de nova adoção pelos pais naturais, visto que o registro de nascimento originário foi cancelado." (op. cit., p. 878-879) 

Assim, enquanto não cessado o vínculo de parentesco com o filho, através da adoção, que extingue definitivamente o poder familiar dos pais biológicos, é possível a ação de restituição do poder familiar, a ser proposta pelo legítimo interessado, no caso, os pais destituídos do poder familiar. Nesse sentido: 

"O Decreto n. 17.943-A/27, conhecido como Código de Menores Mello Mattos, traçava os arts. 45 e 163 os pressupostos da ação de reintegração do pátrio poder e, expressamente, previa o trâmite desta sob o rito sumário. O Código de Menores de 1979, por outro lado, nada mencionava acerca da matéria, como também o Estatuto da Criança e do Adolescente silencia a respeito do tema. Consoante já explanado na capítulo do poder familiar, é perfeitamente possível o pedido judicial de recuperação pelos pais do encargo perdido, quando não ocorrente a cessação do vínculo de parentesco com o filho (adoção), posto que extingue definitivamente o poder familiar dos pais biológicos. Nesta última hipótese, é evidente a impossibilidade jurídica do pedido, diante da vedação do art. 41, caput, do ECA. [...] A ação de restituição, portanto, poderá ser proposta pelo legítimo interessado, no caso, os pais destituídos do poder familiar, como também, com mais raridade, pelo filho cujos pais tenham perdido este encargo. [...] Na doutrina de Josiane Veronese, o restabelecimento do poder familiar pode ocorrer via ação revisional, se não existirem causas que determinem sua cassação. O postulante deverá indicar os fundamentos fáticos e jurídicos que ensejaram a perda do poder familiar e os fatos novos que demonstrem a capacidade de voltar a exercer o encargo, ou seja, comprovar que desapareceram os motivos que basearam o decisum de destituição (art. 505, I, do NCPC). Além disso, o genitor destituído deverá fornecer fortes provas de que a restituição do poder familiar apresenta reais vantagens ao filho. Com a petição inicial, o autor deverá anexar cópia dos autos da ação de destituição ou, tendo tramitado perante o mesmo juízo daquela, requerer o seu apensamento. Esta cautela parece-nos necessária para que o Juízo possa examinar a fundamentação do pedido de perda e as provas produzidas no feito original." (op. cit., p. 880-882) 

Como se percebe, a destituição do poder familiar, enquanto instituto jurídico, não se sujeita aos efeitos clássicos e imutáveis da coisa julgada. Como cediço, na maioria dos casos em demandas envolvendo relações de família, as decisões judiciais permanecem à mercê da (in)alterabilidade da situação de fato, o que a doutrina convencionou chamar de "coisa julgada rebus sic stantibus". 

Pelo exposto, é de se concluir que, no caso concreto, a ação de destituição do poder familiar ajuizada contra a genitora não eliminou o seu laço de parentesco natural com a criança. Assim, embora a sentença tenha feito cessar, juridicamente, suas prerrogativas parentais, faticamente subsiste seu laço sanguíneo, que confere a ela legitimidade e interesse próprio para, em prol da proteção e melhor interesse da menor, discutir o destino da criança, seus cuidados e criação. 

Cumpre ponderar que a recorrente busca assegurar o direito da menor à convivência familiar, sendo cediço que a colocação em família substituta deve ser adotada quando esgotadas as tentativas de manutenção da criança no seio de sua família natural ou extensa, consoante determina o art. 19 do ECA: "É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral." 

Nessa linha, não restam dúvidas de que a recorrente, na qualidade de mãe biológica da menor cuja guarda encontra-se em disputa, possui interesse e legitimidade para recorrer da decisão que julgou procedente a ação de guarda, sendo defeso ao juízo ou tribunal deixar de receber, por tais motivos, o recurso de apelação interposto. 

Dadas as especificidades da situação em análise, é forçoso reconhecer a legitimidade recursal da mãe biológica, mesmo destituída do poder familiar para recorrer da sentença que conferiu aos autores a guarda da criança, sobretudo porque não visa proveito pessoal, mas deduz pretensão voltada a garantir o melhor interesse da menor, ou seja, sua manutenção no seio da família extensa (avô materno e cônjuge). Deve-se, com isso, viabilizar a discussão jurídica sobre a temática, nas instâncias ordinárias. 

É oportuno registrar que o Ministério Público Estadual, oficiante perante o Juízo de primeiro grau e, portanto, mais próximo dos fatos da causa, registrou que o pedido de guarda definitiva formulado pelos recorridos poderia representar um artifício tendente a burlar o cadastro de adoção, tendo-se manifestado pelo indeferimento do pedido de guarda formulado pelos autores, com a entrega da infante a sua família extensa (fls. 32/33 e 97/101). 

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso especial para que, reconhecida a legitimidade recursal, retornem os autos ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, a fim de que prossiga no julgamento da apelação, como entender de direito. 

É como voto. 

AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. RECONVENÇÃO. PEDIDO DE NULIDADE DE OUTROS REGISTROS DE MARCA SOB O MESMO FUNDAMENTO DA DEFESA. 1. POSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO SUBJETIVA EM RECONVENÇÃO. EFICIÊNCIA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. MAIOR PACIFICAÇÃO SOCIAL COM MENOR CUSTO. 2. POSIÇÃO PROCESSUAL DO INPI. LITISCONSÓRCIO SUI GENERIS. LEGITIMIDADE RECURSAL

RECURSO ESPECIAL Nº 1.775.812 - RJ (2017/0283304-6) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. RECONVENÇÃO. PEDIDO DE NULIDADE DE OUTROS REGISTROS DE MARCA SOB O MESMO FUNDAMENTO DA DEFESA. 1. POSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO SUBJETIVA EM RECONVENÇÃO. EFICIÊNCIA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. MAIOR PACIFICAÇÃO SOCIAL COM MENOR CUSTO. 2. POSIÇÃO PROCESSUAL DO INPI. LITISCONSÓRCIO SUI GENERIS. LEGITIMIDADE RECURSAL QUE DEVE SER AFERIDA PARA CADA ATO. 3. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 

1. O recurso especial debate acerca da legitimidade recursal do INPI para recorrer de decisão que extinguiu, sem resolução de mérito, reconvenção apresentada por litisconsorte passivo, na qual se veiculou pedido de nulidade de registro de marca. 

2. A reconvenção é técnica por meio da qual se objetiva a otimização da eficiência processual, potencializando o resultado de pacificação social, ao agregar a um mesmo processo uma segunda demanda proposta pelo réu contra o autor, ainda que não exclusivamente essas partes, e fora dos limites da ação original. 

3. Entre a demanda principal e a reconvenção deve haver conexão, seja em decorrência do pedido ou casa de pedir da ação principal, seja em decorrência da vinculação existente com os argumentos de defesa deduzidos em contestação, o que, por si só, recomendaria o julgamento conjunto das causas, mesmo que deduzidas em processos autônomos. 

4. Diante da nítida relação de conexão entre a ação principal e a reconvenção, seria contraproducente a inadmissão do instituto tão somente pela necessidade concreta de ampliação ou restrição subjetiva. 

5. A legitimidade processual do INPI tem caráter sui generis, uma vez que sua atuação é obrigatória em demandas de nulidade de marca e tem por finalidade a proteção da concorrência e dos consumidores, e não a defesa de interesse individual da instituição. 

6. A análise da legitimidade do INPI em cada demanda deve tomar em consideração a conduta processual inicialmente adotada pelo Instituto, para além da tradicional avaliação in status assertionis. 

7. A reconvenção apresentada, no caso concreto, pela litisconsorte passiva da ação principal contra a autora (ré-reconvinte) agregou pedido de nulidade de marca, ação na qual o INPI deve obrigatoriamente intervir, cuja causa de pedir se harmoniza com a tese de defesa da contestação ofertada pela própria autarquia e sobre a qual (ação de nulidade de marca) o Instituto se posicionou favoravelmente à procedência. Diante dessas circunstâncias fáticas, ressai a legitimidade recursal do INPI para impugnar a sentença que extinguiu, sem julgamento de mérito, a reconvenção oportunamente apresentada pela litisconsorte passiva da ação principal. 

8. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 19 de março de 2019 (data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Cuida-se de recurso especial interposto por Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, fundamentado na alínea a do permissivo constitucional. 

Na origem, M2 Ltda. ajuizou ação de nulidade de registro contra Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI e Pasianot & Zanatto Ltda., buscando, em suma, o restabelecimento do direito à marca CAFÉ NO BULE, registrada sob n. 821.609.904. 

O Juízo singular julgou improcedente o pedido e extinguiu a reconvenção apresentada por Pasianot & Zanatto Ltda., na qual pleiteava a anulação dos atos administrativos que concederam à autora as marcas CAFÉ NO BULE, CAFÉ NO BULE PURO DA FAZENDA e CAFÉ NO BULE PURO DO CAMPO, processos n. 824991516, 825984688 e 825984718, por ausência de conexão com a ação principal. 

Inconformado, o INPI apresentou apelação (e-STJ, fls. 343-347), da qual o Tribunal de origem não conheceu, em acórdão assim ementado (e-STJ, fls. 474-483): 

APELAÇÃO. PROPRIEDADE INTELECTUAL. CONFLITO ENTRE AS MARCAS 'CAFÉ NO BULE', 'CAFÉ NO BULE PURO DA FAZENDA' E 'CAFÉ NO BULE PURO DO CAMPO' (IMPUGNADAS) E A MARCA MISTA IMPEDITIVA 'CAFÉ NO BULE'. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE DO INPI. ACOLHIDA. AUTARQUIA RÉ NA DEMANDA PRINCIPAL NÃO PODE FIGURAR COMO RÉ NA DEMANDA RECONVENCIONAL. RECURSO DO INPI NÃO CONHECIDO. I. Apenas pode figurar como réu na demanda reconvencional aquele que for autor na demanda principal. II. No caso vertente, o INPI é réu na demanda principal, não podendo, em consequência, sê-lo também na demanda reconvencional. Igualmente, como a autarquia marcária não ofereceu reconvenção contra a ora 1ª apelada, também não pode figurar como autora naquela demanda. III. Recurso do INPI não conhecido. 

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ, fls. 497-500). 

Nas razões do recurso especial, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI alegou violação dos arts. 14 e 175 da Lei n. 9.279/1996, sob o argumento de que, "mesmo não sendo Autora no pedido de reconvenção, a Autarquia deve, por força de lei, intervir no feito em que se discuta a nulidade de registro marcário", por figurar "necessariamente como interveniente no feito" (e-STJ, fl. 511). 

Contrarrazões apresentadas às fls. 517-523 (e-STJ). 

O Vice-Presidente do TRF da 2ª Região inadmitiu o processamento do apelo especial em razão da incidência da Súmula n. 7/STJ, dando azo à interposição do AREsp n. 1.197.495-RJ. 

Contraminuta juntada às fls. 546-555 (e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): Cinge-se a controvérsia a definir a posição processual do Instituto Nacional da Propriedade Industrial e a extensão e limites de sua atuação em demandas judiciais, cujo objeto é o registro de marcas, especialmente, no que tange à oposição de reconvenção. 

1. A ampliação subjetiva da demanda por meio de reconvenção 

A reconvenção é uma das técnicas pelas quais se almeja a otimização da eficiência do processo, potencializando o resultado de pacificação social. Por meio dela, agrega-se ao processo judicial uma segunda demanda, proposta pelo réu contra o autor, fora dos limites da ação original. Como bem sintetiza Cândido Rangel Dinamarco "[a reconvenção] e a demanda inicial reúnem-se em um processo só, cujo objeto se alarga em virtude do pedido do réu, sem que se forme um novo processo" (Instituições de direito processual civil, v. 3, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 514). 

O cabimento da reconvenção, à época de seu oferecimento nestes autos (28/3/2014, e-STJ, fls. 166-174), era disciplinado no art. 315 do CPC/1973, segundo o qual se exigia tão somente a conexão entre a demanda reconvinda e a ação principal ou o fundamento de defesa, além da presença de autor e réu em polos processuais invertidos. É o que se depreende do texto legal: 

Art. 315. O réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa. Parágrafo único. Não pode o réu, em seu próprio nome, reconvir ao autor, quando este demandar em nome de outrem. 

É verdade que a redação do referido artigo por diversas vezes foi interpretada de forma restritiva pela doutrina, no sentido de que não era suficiente que as partes da demanda principal fossem partes da ação reconvinda, mas, mais que isso, que somente elas poderiam figurar nos polos da demanda agregada. Em síntese, reconheceu-se a impossibilidade de uma reconvenção subjetivamente ampliativa. 

Nesse sentido, esta Terceira Turma manteve a inadmissibilidade de reconvenção manejada no bojo de ação de investigação de paternidade, cujo pedido se referia à nulidade absoluta de uma terceira demanda – ação de sonegados. O acórdão ficou assim ementado (sem destaques no original): 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE, CUMULADA INICIALMENTE COM ANULAÇÃO DE PARTILHA. DESISTÊNCIA DO PEDIDO ANULATÓRIO ANTES DA CITAÇÃO DO RÉU. DEMANDA RECONVENCIONAL COM PRETENSÃO DE NULIDADE DE AÇÃO DE SONEGADOS. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO RÉU NA AÇÃO PRINCIPAL RECONHECIDA. RECONVENÇÃO AUTOMATICAMENTE INADMITIDA PELO MESMO FUNDAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.MANUTENÇÃO DA EXTINÇÃO DA DEMANDA RECONVENCIONAL POR FUNDAMENTOS DISTINTOS. IMPOSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO SUBJETIVA DA LIDE E AUSÊNCIA DE CONEXÃO COM O PEDIDO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. NULIDADE DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE E DE INTERESSE RECURSAL DO RÉU EXCLUÍDO POR ILEGITIMIDADE DE PARTE. VÍCIO INEXISTENTE, ADEMAIS, PORQUE O PRONUNCIADO DIREITO À HERANÇA É MERO CONSECTÁRIO LÓGICO DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE. SENTENÇA HÍGIDA. 1- Ação distribuída em 27/06/2005. Recurso especial interposto em 18/07/2014 e atribuído à Relatora em 25/08/2016. 2- Os propósitos recursais consistem em definir se é admissível a reconvenção na hipótese em que houve o superveniente reconhecimento da ilegitimidade passiva do reconvinte na ação principal e se a sentença, ao reconhecer o direito à herança da parte que pretendia somente o reconhecimento da paternidade, teria decidido questão além do pedido. 3- O fato de ter sido reconhecida a ilegitimidade passiva do réu-reconvinte na ação principal após a propositura da reconvenção não implica, necessariamente, em inadmissibilidade da demanda reconvencional, uma vez que, no momento do ajuizamento, havia direito de reconvir. Inteligência do art. 317 do CPC/73. Precedentes. 4- Na hipótese em exame, todavia, a reconvenção deve ser extinta sem resolução do mérito por fundamentos distintos, seja porque a pretensão reconvencional foi direcionada à pessoa distinta do autor-reconvindo - sendo inadmissível, na vigência do CPC/73, a ampliação subjetiva da lide a partir da reconvenção -, seja porque inexiste conexão entre a ação investigatória de paternidade post mortem e a ação de nulidade de ação de sonegados que envolveu partes e relações jurídicas distintas, especialmente na hipótese em que houve a desistência, pelo autor-reconvindo, do pedido de anulação da partilha que havia sido inicialmente cumulado. 5- Acolhida a tese de ilegitimidade passiva do réu para responder à ação investigatória de paternidade, não tem ele legitimidade e interesse para questionar a validade da sentença que reconhece o direito à herança do autor, pronunciado como consectário lógico do acolhimento do pedido de reconhecimento da paternidade, sobretudo quando a sentença não se pronuncia sobre nenhuma questão afeta ao direito sucessório. 6- Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 1490073/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 28/5/2018) 

Todavia, a avaliação da condição de parte na demanda reconvencional adstrita àquelas partes originárias rigorosamente invertidas, além de não ser extraída diretamente do texto legal, contraria o intuito de máxima efetividade do processo, que é, afinal, a razão de ser do próprio instituto. Assim, nem a lei nem a teleologia do instituto impedem que a reconvenção seja movida em litisconsórcio passivo ou ativo, ou ainda em relação a apenas um dos indivíduos que compõem o polo da ação originária, quando nesta há litisconsórcio ativo ou passivo – reconvenção subjetivamente restritiva (DINAMARCO, Cândido Rangel. (Instituições de direito processual civil, v. 3, 6ª ed. São Paulo: Malheiros, p. 527-529). 

Aliás, não se deve perder de vista que, por consistirem em ações conexas a ação principal e a reconvenção, seria contraproducente a inadmissão do instituto tão somente pela necessária ampliação ou restrição subjetiva. Isso porque será sempre possível o manejo da ação autônoma e, em razão da conexão, elas tramitarão em conjunto para julgamento simultâneo (DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil, v. 1, 14ª ed. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 528). Desse modo, o critério para definir a extensão subjetiva da reconvenção deve tomar em consideração a correlação existente entre os pedidos e causa de pedir da ação principal e da demanda reconvencional, desde que compatíveis os procedimentos das duas demandas agregadas. 

2. Posição processual do INPI e seus efeitos quanto à reconvenção 

Dentro desse contexto teórico, se insere o debate dos autos, centrado na legitimidade recursal do INPI. Com efeito, para além da existência de conexão entre a demanda principal e a reconvenção, o caso dos autos nos desafia a compatibilizar a atuação do INPI nas duas demandas agregadas nos autos. 

No caso concreto, é certo que a ação principal foi proposta pela recorrida M2 Ltda. para impugnar ato administrativo do recorrente que culminou na anulação de registro de marca de sua titularidade, qual seja, CAFÉ NO BULE para nomear pó de café. A referida anulação foi fundamentada pelo INPI na reprodução do elemento característico de marca alheia registrada anteriormente em segmento afim – CAFÉ NO BULE para serviços de cafeteria –, razão pela qual se dirigiu a ação também contra a empresa titular da marca semelhante, Pasianot & Zanatto Ltda. Esta segunda requerida contestou a demanda, defendendo a manutenção do ato anulatório sob o mesmo fundamento de que houve reprodução do elemento central de sua marca – mesma conduta adotada pelo INPI –, e ainda ofereceu reconvenção para que outras marcas assemelhadas da mesma recorrida fossem igualmente anuladas – CAFÉ NO BULE (824991516), na classe 30, para identificar café, capuccino, balas de café; CAFÉ NO BULE PURO DA FAZENDA (825984688), na classe 30, para identificar: café, bolacha, biscoito, massa para bolo, goiabada, doces em geral; e CAFÉ NO BULE PURO DO CAMPO (825984718), na classe 30, para identificar: café, capuccino, balas de café (e-STJ, fl. 167). 

Nota-se, portanto, que, de um lado, a ação principal impugna diretamente ato praticado pelo INPI, que contestou a demanda defendendo a correção do ato anulatório. De outro lado, a reconvenção agrega ao processo pedido de declaração de nulidade de registro de outras marcas, em razão do mesmo fundamento de defesa deduzido pela autora-reconvinte em sua contestação à ação principal. 

Sem adentrar no mérito quanto à possibilidade de manejo da reconvenção no que tange à conexão entre as demandas, uma vez que esta era a matéria da apelação interposta na origem e que não alcançou sequer o conhecimento pelo Tribunal a quo, não se pode olvidar que a reconvenção trouxe a juízo típica ação anulatória de registro de marca. 

Nos termos do art. 175, caput, da Lei n. 9.279/1996, o INPI deve intervir nas demandas dessa espécie: 

Art. 175. A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal e o INPI, quando não for autor, intervirá no feito. [grifado] 

A participação do INPI, entretanto, não lhe impõe a defesa do ato concessivo do registro por ele praticado. Ao contrário, o interesse jurídico do INPI se distingue do interesse individual de ambas as partes, tendo por objetivo último a proteção da concorrência e do consumidor, direitos essencialmente transindividuais, o que atrai certo temperamento das regras processuais tradicionais da defesa de direitos individuais. Por essa razão, a legitimidade ad causam do INPI, bem como todas as demais situações processuais, dependerá de exame casuístico e particularizado, não se resolvendo por meio da simples aplicação de conceitos consolidados. 

A doutrina moderna vem ressaltando que a apreciação da legitimidade, embora não se tenha libertado da avaliação inicial in status assertionis, deve também levar em consideração as "zonas de interesse" dos sujeitos litigantes, que ora se contrapõem, ora se coincidem e ora se complementam pela atuação baseada sobretudo num interesse social ou público (CABRAL, Antonio. Interesse ad agire e zone di interesse. In Revista de Processo Comparado, n. 2/2015, p. 29-56, Jul-Dez, 2015). Desse modo, para além de uma legitimidade ad causam, verificável ab initio, há que se reconhecer uma legitimidade móvel refletida na prática dos atos processuais adequados e necessários à defesa de sua "zona de interesse". 

A Terceira Turma do STJ já se posicionou no sentido de que o INPI desempenha função própria, mediante intervenção sui generis, nos processos de anulação de registro de marca. Em face disso, nem sempre se comportará como litisconsorte passivo, devendo a sua legitimidade e os consectários da sua atuação processual tomarem em consideração a função efetivamente exercida no caso concreto. 

Nesse sentido: 

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. TÍTULO DE ESTABELECIMENTO. UTILIZAÇÃO SIMULTÂNEA. IRREGISTRABILIDADE RECONHECIDA. ANULAÇÃO PROCEDENTE. ATUAÇÃO DO INPI. POSIÇÃO PROCESSUAL. INTERVENÇÃO SUI GENERIS. OBRIGATORIEDADE. DEFESA DE INTERESSE SOCIAL. CONDENAÇÃO DO INPI. SUCUMBÊNCIA. AFASTAMENTO NO CASO CONCRETO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A imposição prevista no art. 175 da Lei n. 9.279/96 para que o INPI intervenha em todas as demandas judiciais de anulação de registro marcário encerra hipótese de intervenção atípica ou sui generis a qual não se confunde com aquelas definidas ordinariamente no CPC, em especial, por tratar-se de intervenção obrigatória. 2. A análise da legitimidade passiva, conquanto não afastada automaticamente pelo referido dispositivo, deve tomar em consideração a conduta processual inicialmente adotada pelo Instituto, para além da tradicional avaliação in status assertionis. 3. Na hipótese dos autos, não houve indicação, em petição inicial, de conduta específica do recorrente, mas tão somente sua indicação como requerido em razão da concessão do registro de termo coincidente com título de estabelecimento explorado previamente - fato que não foi oposto oportunamente na via administrativa. 4. Inexistindo resistência direta à pretensão e não sendo imputável ao Instituto a causa da propositura da demanda, sua atuação processual lateral afasta a legitimação passiva e, por consequência, sua condenação sucumbencial. 5. Recurso especial provido. (REsp n. 1.378.699/PR, desta relatoria, Terceira Turma, DJe 10/6/2016) 

DIREITO MARCÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. 1. MARCAS SEMELHANTES. DUPLICIDADE DE REGISTRO. CLASSES DISTINTAS. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. ATUAÇÃO NO MESMO SEGUIMENTO MERCADOLÓGICO. CONFUSÃO CONCRETA. 2. ATUAÇÃO DO INPI. POSIÇÃO PROCESSUAL. INTERVENÇÃO SUI GENERIS. OBRIGATORIEDADE. DEFESA DE INTERESSE SOCIAL. AFASTAMENTO NO CASO CONCRETO. 3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA. CONDENAÇÃO MANTIDA. 4. CUSTAS PROCESSUAIS. TAXA JUDICIÁRIA. NATUREZA JURÍDICA TRIBUTÁRIA. ISENÇÃO. FAZENDA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE PELO REEMBOLSO DE VALORES ADIANTADOS. 1. Na esteira dos precedentes do STJ, o registro de marcas semelhantes, ainda que em classe distintas, porém destinadas a identificar produtos ou serviços que guardem relação de afinidade, inseridos no mesmo segmento mercadológico, devem ser obstados. 2. O princípio da especialidade não se restringe à Classificação Internacional de Produtos e Serviços, devendo levar em consideração o potencial concreto de se gerar dúvida no consumidor e desvirtuar a concorrência. Precedentes. 3. A imposição prevista no art. 175 da Lei n. 9.279/96 para que o INPI intervenha em todas as demandas judiciais de anulação de registro marcário encerra hipótese de intervenção atípica ou sui generis a qual não se confunde com aquelas definidas ordinariamente no CPC, em especial, por tratar-se de intervenção obrigatória. 4. O referido dispositivo legal, todavia, não impede a propositura da demanda endereçada contra a autarquia federal, mormente, quando a causa de pedir declina ato de sua exclusiva responsabilidade. 5. Na hipótese dos autos, alegou-se a inércia do INPI em relação ao processamento de pleito administrativo, pelo qual se pretendia a nulidade do registro marcário; inércia esta que resultou na judicialização da demanda. 6. Tendo dado causa a propositura da demanda, o INPI foi corretamente arrolado como réu, e o seu pronto reconhecimento do pedido impõe que arque com os honorários sucumbenciais, nos termos do art. 26 do CPC. 7. A Fazenda Pública é isenta de custas processuais, porém esta isenção não afasta sua responsabilidade quanto ao reembolso das quantias adiantadas pelo vencedor da demanda. 8. Recurso especial de Angel Móveis Ltda. conhecido e desprovido. Recurso especial do Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI conhecido e parcialmente provido, apenas para isentá-lo do pagamento de custas processuais. (REsp n. 1.258.662/PR, desta relatoria, Terceira Turma, DJe 5/2/2016) 

Esse dinamismo da intervenção do INPI, albergado pelos precedentes desta Turma, fundamenta-se na mobilidade da atuação do Estado, que já é realidade expressa no microssistema processual coletivo e impõe o redesenho e a adaptação das regras processuais gerais (MAZZOLA, Marcelo; e RIBEIRO, Nathalia. Ressignificação da posição processual do INPI nas ações de nulidade: um litisconsórcio dinâmico: necessidade de afetação do tema pelo STJ. In Revista da ABPI, n. 153, p. 31-41, Mar-Abr, 2018; MAZZEI, Rodrigo. A intervenção móvel da pessoa jurídica na ação popular e improbidade administrativa: arts. 6º, § 3º, da LAP e 17, § 3º, da LIA. In Revista Forense, n. 400, p. 227-254, Nov-Dez, 2008). Com efeito, já não é possível compreender o processo civil hermeticamente em si mesmo, sendo imprescindível a relação de funcionalidade entre cada ato processual e o resultado material buscado. 

Daí se extrai que, sobrevindo ação anulatória de registro, mesmo que o ente estatal não fosse parte na demanda originária, seria impositiva sua participação, podendo, após sua integração no polo passivo da demanda, reposicionar-se em qualquer um dos polos da reconvenção. Essa imposição de intervenção, além de não inviabilizar, por si só, a utilização do instituto da reconvenção, legitima o INPI a impugnar a sentença que a extingue, com ou sem resolução de mérito, e qualquer que tenha sido o resultado do julgamento, devendo o interesse recursal ser avaliado sob a perspectiva da atuação concreta do INPI ao longo da tramitação da reconvenção. 

Nesse contexto, verifica-se que, na hipótese, o recorrente já integrava a lide em litisconsórcio passivo. Ressalta-se também que, mesmo não tendo sido autor do pedido de anulação dos demais registros de marca objeto da reconvenção, a causa de pedir declinada pelo autor-reconvinte ajustava-se à tese de defesa deduzida pelo recorrente em sua contestação, além de ser a atuação do INPI obrigatória, nos termos da lei. Sobrevindo, portanto, decisão que extinguiu a reconvenção sem resolução de mérito, coaduna-se com sua atuação in concreto o pleno exercício do direito de recorrer na condição de litisconsorte do autor-reconvinte, posição processual esta que exerceu em plena conformidade com a atuação sui generis reconhecida pelo legislador (art. 175 da Lei n. 8.279/1996). 

Com esses fundamentos, dou provimento ao recurso especial, a fim de reconhecer a legitimidade recursal do recorrente e determinar o retorno dos autos para que o Tribunal de origem julgue o recurso de apelação como entender de direito. 

É como voto.