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15 de outubro de 2021

Na multiparentalidade deve ser reconhecida a equivalência de tratamento e de efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva

Processo

REsp 1.487.596-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 28/09/2021, DJe 01/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL

  • Redução das desigualdades
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Multiparentalidade. Pais biológico e socioafetivo. Efeitos patrimonias e sucessórios. Tratamento jurídico diferenciado. Impossibilidade.

 

DESTAQUE

Na multiparentalidade deve ser reconhecida a equivalência de tratamento e de efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A questão da multiparentalidade foi decidida em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 898.060/SC, tendo sido reconhecida a possibilidade da filiação biológica concomitante à socioafetiva, por meio de tese assim firmada: "A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios."

A possibilidade de cumulação da paternidade socioafetiva com a biológica contempla especialmente o princípio constitucional da igualdade dos filhos (art. 227, § 6º, da CF), sendo expressamente vedado qualquer tipo de discriminação e, portanto, de hierarquia entre eles.

Assim, aceitar a concepção de multiparentalidade é entender que não é possível haver condições distintas entre o vínculo parental biológico e o afetivo. Isso porque criar status diferenciado entre o genitor biológico e o socioafetivo é, por consequência, conceber um tratamento desigual entre os filhos, o que viola o disposto nos arts. 1.596 do CC/2002 e 20 da Lei n. 8.069/1990, ambos com idêntico teor: "Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação."

Por fim, anota-se que a Corregedoria Nacional de Justiça alinhada ao precedente vinculante da Suprema Corte, editou o Provimento n. 63/2017, instituindo modelos únicos de certidão de nascimento, casamento e óbito, a serem adotados pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispondo sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e da maternidade socioafetivas, sem realizar nenhuma distinção de nomeclatura quanto à origem da paternidade ou da maternidade na certidão de nascimento - se biológica ou socioafetiva.



8 de agosto de 2021

A divergência entre a paternidade biológica e a declarada no registro de nascimento não é apta, por si só, para anular o ato registral, dada a proteção conferida à paternidade socioafetiva

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-699-stj.pdf


PARENTESCO - A divergência entre a paternidade biológica e a declarada no registro de nascimento não é apta, por si só, para anular o ato registral, dada a proteção conferida à paternidade socioafetiva 

A anulação de ato registral, com base na divergência entre a paternidade biológica e a declarada no registro de nascimento, apenas será possível se preenchidos os seguintes requisitos: 

a) Existência de prova robusta de que o pai foi induzido a erro ou coagido a efetuar o registro: o registro de nascimento tem valor absoluto, de modo que não se pode negar a paternidade, salvo se existentes provas de erro ou falsidade. 

b) Inexistência de relação socioafetiva entre pai e filho registrado: para que a ação negatória de paternidade seja julgada procedente, não basta apenas que o DNA prove que o “pai registral” não é o “pai biológico”. É necessário também que fique provado que o “pai registral” nunca foi um “pai socioafetivo”, ou seja, que nunca foi construída uma relação socioafetiva entre pai e filho. 

A mera comprovação da inexistência de paternidade biológica através do exame do DNA não é suficiente para desconstituir a relação socioafetiva criada entre os indivíduos. A filiação deve ser entendida como elemento fundamental da identidade do ser humano, da própria dignidade humana. O nosso ordenamento jurídico acolheu a filiação socioafetiva como verdadeira cláusula geral de tutela da personalidade humana. STJ. 3ª Turma. REsp 1.829.093-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Felipe nasceu em 01/01/2004, filho de Regina. Em 01/03/2004, ou seja, dois meses depois, João – na época namorado de Regina – registrou Felipe como sendo seu filho. Passaram-se alguns anos de convivência, inclusive com João tratando publicamente Felipe como filho. Todavia, com dúvidas acerca da paternidade, João fez, extrajudicialmente, um exame de DNA e constatou que Felipe não era seu filho biológico. De posse do exame, João ajuizou ação declaratória de inexistência de paternidade contra Felipe, cumulada com a desconstituição do registro. Durante a instrução processual não houve a produção de qualquer prova no sentido de que João teria sido induzido a erro ou coagido a registrar Felipe como seu filho. O juízo de 1º grau e o Tribunal de Justiça negaram o pedido do autor, que, então, interpôs recurso especial. 

O STJ concordou com o pedido de João? NÃO. 

Relações de filiação 

Atualmente, a doutrina e a jurisprudência admitem a existência de três diferentes vínculos de filiação: 

a) Civil ou registral: de acordo com o registro de nascimento; 

b) Biológico: baseado no vínculo genético; 

c) Socioafetivo: baseado na afetividade, na convivência, na criação de referencial entre pai e filho. 

É possível que tais vínculos existam isolada ou concomitantemente. Por exemplo, um indivíduo poderá ter, ao mesmo tempo, um pai biológico e um pai socioafetivo. Assim, em regra, para que haja o rompimento desta relação de filiação, é preciso que não exista qualquer um desses vínculos, seja cível, biológico ou socioafetivo. 

Se ficar constatado que o pai registral não é o pai biológico, isso acarretará, obrigatoriamente, a anulação do registro de nascimento? 

NÃO. Segundo a jurisprudência do STJ, a anulação do ato registral, com base na divergência entre a paternidade biológica e a declarada no registro de nascimento, somente será possível se estiverem presentes dois requisitos cumulativos: 1) Prova robusta de que o pai foi induzido a erro ou coagido a efetuar o registro; e 2) Inexistência de relação socioafetiva entre pai e filho registrado. 

1º requisito: vício de consentimento 

Para que a ação negatória de paternidade seja julgada procedente, é necessária a comprovação do vício de consentimento. Não é possível ao juiz declarar a nulidade do registro de nascimento com base, exclusivamente, na alegação de dúvida acerca do vínculo biológico do pai com o registrado, sem provas robustas de que, no momento do registro, houve um erro escusável por parte do pai que fez o reconhecimento voluntário da paternidade. É o que se extrai do art. 1.604 do Código Civil: 

Art. 1.604. Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro. 

O registro possui um “valor absoluto”. Logo, não é qualquer erro que justifica a desconstituição do registro. Para que fique caracterizado o vício de consentimento que autoriza a desconstituição do registro, o erro deve ser escusável. Se o erro decorreu de mera negligência de quem registrou, o registro não será anulado. Ademais, para que fique caracterizado o erro, é necessária a prova do engano não intencional na manifestação da vontade de registrar. Assim, no momento do registro, o pai registral deveria acreditar fielmente ser o verdadeiro pai biológico da criança. A existência de fundadas dúvidas sobre a paternidade da criança elimina a existência de erro escusável. No caso analisado, observa-se que João passou dois meses para registrar Felipe como seu filho. Tal fato corrobora o entendimento de que João já tinha dúvidas acerca da paternidade de Felipe, de modo que passou um tempo para refletir a respeito do registro. Ademais, não houve qualquer prova de que João tenha sido induzido em erro ou que tenha sido coagido. Desse modo, não restou preenchido o primeiro requisito para a anulação do ato registral, qual seja, a comprovação da existência de vício de consentimento. “Em processos relacionados ao direito de filiação, é necessário que o julgador aprecie as controvérsias com prudência, para que o Poder Judiciário não venha a prejudicar a criança pelo mero capricho de um adulto que, livremente, o reconheceu como filho em ato público, e posteriormente, por motivo vil pretende ‘livrar-se do peso da paternidade’.” (Min. Nancy Andrighi) Portanto, o mero arrependimento não pode aniquilar o vínculo de filiação estabelecido, e a presunção de veracidade e autenticidade do registro de nascimento não pode ceder diante da falta de provas insofismáveis do vício de consentimento para a desconstituição do reconhecimento voluntário da paternidade. 

2º Requisito: Inexistência de filiação socioafetiva 

Mesmo diante da ausência de filiação biológica, é possível manter a paternidade com base na filiação socioafetiva. O êxito da ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, de dois requisitos: a) inexistência da origem biológica; b) não ter sido construída uma relação socioafetiva entre pai e filho registrais. 

A filiação socioafetiva trata-se de um fenômeno social. Apesar de não ter previsão legal, é amplamente acolhida pela doutrina e jurisprudência, buscando-se reconhecer os vínculos de afetividade criados entre a figura do pai e a figura do filho. A instabilidade das relações conjugais não deve impactar nas relações de natureza filial. A mera comprovação da inexistência de paternidade biológica através do exame do DNA não é suficiente para desconstituir a relação socioafetiva criada entre os indivíduos. A filiação deve ser entendida como elemento fundamental da identidade do ser humano, da própria dignidade humana. O nosso ordenamento jurídico acolheu a filiação socioafetiva como verdadeira cláusula geral de tutela da personalidade humana. Assim, para que a ação negatória de paternidade seja julgada procedente, não basta apenas que o DNA prove que o “pai registral” não é o “pai biológico”. É necessário também que fique provado que o “pai registral” nunca foi um “pai socioafetivo”, ou seja, que nunca foi construída uma relação socioafetiva entre pai e filho (STJ. 4ª Turma. REsp 1.059.214-RS, Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 16/2/2012). Na situação apresentada, João passou anos tratando Felipe como filho publicamente, o que corrobora a existência de filiação socioafetiva. Ressalta-se que a paternidade socioafetiva não exige que o pai seja carinhoso ou que a relação não seja conflituosa, mas sim que o filho construa esse referencial paterno. 

Em suma: A proteção da filiação socioafetiva impede a anulação do ato registral pela mera inexistência de paternidade biológica. STJ. 3ª Turma. REsp 1.829.093-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/06/2021 (Info 699). 

DOD PLUS – INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES 

Comprovado o erro escusável no registro do filho não biológico, poderia ser deferida a anulação do registro, caso o pai registral tenha se afastado do suposto filho, rompendo imediatamente o vínculo afetivo? SIM. 

Se o marido ou companheiro descobre que foi induzido em erro no momento de registrar a criança e que não é pai biológico do seu filho registral, ele poderá contestar a paternidade, pedindo a retificação do registro (arts. 1.601 e 1.604 do CC). Não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto, igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos, sem que, voluntária e conscientemente, o queira. Vale ressaltar, no entanto, que, para que o pai registral enganado consiga desconstituir a paternidade, é indispensável que tão logo ele tenha sabido da verdade (da traição), ele tenha se afastado do suposto filho, rompendo imediatamente o vínculo afetivo. Se o pai registral enganado, mesmo quando descobriu a verdade, ainda manteve vínculos afetivos com o filho registral, neste caso ele não mais poderá desconstituir a paternidade. STJ. 3ª Turma. REsp 1330404-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 5/2/2015 (Info 555). 

Neste outro julgado, defendeu o Min. Relator, “o estabelecimento da filiação socioafetiva perpassa, necessariamente, pela vontade e, mesmo, pela voluntariedade do apontado pai, ao despender afeto, de ser reconhecido como tal. É dizer: as manifestações de afeto e carinho por parte de pessoa próxima à criança somente terão o condão de convolarem-se numa relação de filiação, se, além da caracterização do estado de posse de filho, houver, por parte daquele que despende o afeto, a clara e inequívoca intenção de ser concebido juridicamente como pai ou mãe daquela criança.” Para o Min. Marco Aurélio Bellizze, “não se pode obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto, igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos, sem que, voluntária e conscientemente, o queira. Como assinalado, a filiação socioafetiva pressupõe a vontade e a voluntariedade do apontado pai de ser assim reconhecido juridicamente, circunstância, inequivocamente, ausente na hipótese dos autos.”