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5 de abril de 2022

Quesitos complexos, com má redação ou com formulação deficiente, geram a nulidade do julgamento do Tribunal do Júri, por violação ao art. 482, parágrafo único, do CPP.

Processo

AREsp 1.883.043-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, por maioria, julgado em 15/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Tribunal do júri. Quesitação deficiente. Formulação composta. Vício de complexidade. Nulidade absoluta do julgamento.

 

DESTAQUE

Quesitos complexos, com má redação ou com formulação deficiente, geram a nulidade do julgamento do Tribunal do Júri, por violação ao art. 482, parágrafo único, do CPP.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Nos termos do art. 482, parágrafo único, do CPP, os quesitos deverão ser redigidos "em proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão".

A questão, assim, merece ser examinada sob o enfoque metalinguístico e da análise do discurso. Entende-se por "simples", o que só se constitui de um componente [...]; que "não é complicado, que é fácil de compreender" e, também, o que "não apresenta outros sentidos ou conotações" (Fonte: aulete.com.br/simples). Por óbvio, "complexo" é aquilo que não é simples, ou seja, o que contém ou é formado por diversos elementos; que apresenta vários aspectos ou é multifacetado; de difícil compreensão (Larousse - Dicionário de Língua Portuguesa. São Paulo: Ática, 2001).

Da análise meramente semântica, já é possível concluir que a intenção do legislador ao prever o parágrafo único do art. 482 do CPP é prevenir os chamados "vícios de complexidade". Ou seja, que os quesitos devem ser redigidos em fórmula "simples", não compostas, não complexas, sem conotações, sobretudo, porque demandam respostas binárias, na base do "sim" ou "não". Logo, é por meio do questionário de votação que o acusado e a defesa acessam os fundamentos da condenação.

Inevitável, portanto, para análise da validade da "estrutura" do quesito, seguir o percurso linguístico, como forma de aferir a qualidade de sua redação, se boa ou má; e, se simples ou complexa - e adequação aos ditames do art. 482, parágrafo único, do CPP. Para tanto, é necessário dissecar a trama textual, a linguagem das proposições e perguntas formuladas para os jurados.

Aliás, não se pode negar a relevância da análise semântica e discursiva para o deslinde da matéria, até porque, ontologicamente, o Direito se concretiza pela linguagem, o que não é diferente nos atos comunicacionais da sessão do Tribunal do Júri.

Com efeito, não é demasiado reforçar que nem o caráter do agente, nem os motivos do crime devem ser considerados para fins de formulação de quesitos do júri, que devem ater-se unicamente às questões fáticas, sob pena de ofensa ao princípio da presunção de inocência e do devido processo legal.

Isso porque, não se pode perder de vista a influência, ordinariamente, exercida pelo juiz presidente no corpo de jurados. Embora o juiz togado não seja o juiz natural da causa no Tribunal do júri, apresenta-se em cena não só como locutor dos quesitos mas também como autoridade, razão pela qual suas proposições denotam legitimidade e expertise aos olhos do leigo; por isso, merecedoras de credibilidade.

Assim, apesar de o juiz togado, naquele momento, apresentar-se como simples mediador e tradutor das teses da acusação e da defesa, ao se dirigir aos jurados por meio dos quesitos, aparece como locutor e, como tal, por meio do processo linguístico, segue um percurso discursivo. O problema surge quando o juiz, ao invés de formular perguntas, isto é, propor os quesitos, passa a declarar ou afirmar algo, dando às proposições um caráter argumentativo e extrapolando as balizas de sua função no Tribunal do júri delimitadas no CPP.

A consagração da autonomia do júri e sua total independência em relação aos juízes togados, aliás, nasce com a própria instituição, que representa historicamente uma limitação do poder punitivo estatal - investido, à época, no monarca absolutista -, e incorpora o ideal de soberania popular.

A soberania do júri é exercida, em especial, na votação dos quesitos, momento em que se deve garantir aos jurados a plena liberdade de julgamento e o afastamento de qualquer tipo de interferência externa, para preservação da imparcialidade do juízo natural.

Desse modo, não há como negar que a atuação do juiz togado pode afetar a autonomia e independência dos jurados, o que também pode ocorrer por ocasião da redação do questionário, quando as frases, explícita ou implicitamente, revelam-se tendenciosas ou em desconformidade com o princípio do devido processo legal.

Cumpre frisar que o art. 482, parágrafo único, do CPP é claro ao determinar que as proposições devem ser "simples e distintas". Desse modo, o sistema de quesitação acolhido no direito processual pátrio não é aberto, de modo que o juiz togado possa redigir as perguntas como bem entender.



11 de fevereiro de 2022

O art. 155 do CPP, ao proibir que a condenação se fundamente apenas em elementos colhidos durante a fase inquisitorial, tem aplicação também para as sentenças proferidas no Júri

 STJ. 5ª Turma. REsp 1.916.733-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 23/11/2021 (Info 719)

O art. 155 do CPP, ao proibir que a condenação se fundamente apenas em elementos colhidos durante a fase inquisitorial, tem aplicação também para as sentenças proferidas no Júri

As qualificadoras de homicídio fundadas exclusivamente em depoimento indireto (“ouviu dizer” - Hearsay Testimony), violam o art. 155 do CPP, que deve ser aplicado aos veredictos condenatórios do Tribunal do Júri.

prova testemunhal dessa espécie não é aceita pela jurisprudência do STJ nem para subsidiar a pronúncia. Logo, com mais razão, não pode ser admitido para condenar

STJ. 5ª Turma. REsp 1.916.733-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 23/11/2021 (Info 719): “As qualificadoras de homicídio fundadas exclusivamente em depoimento indireto (Hearsay Testimony), violam o art. 155 do CPP, que deve ser aplicado aos veredictos condenatórios do Tribunal do Júri”.

Art. 155, CPP: “O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas

Parágrafo único. Somente quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei civil.

Os jurados não precisam motivar sua decisão (sistema da íntima convicção), no entanto, o Tribunal de 2ª instância precisa fazê-lo. Por isso, ao julgar a apelação da defesa, cabe ao Tribunal de Justiça (ou TRF) a tarefa de identificar quais foram as provas produzidas nos autos que demonstram a autoridade e a materialidade delitivas, bem como eventuais qualificadoras, sob pena de, não o fazendo, incorrer em negativa de prestação jurisdicional

Se o Tribunal encontrar prova judicializada idônea, deverá manter a condenação e/ou a qualificadora.

Por outro lado, se não houver provas produzidas na forma do art. 155 do CPP, o Tribunal deverá dar provimento ao recurso, cassando a condenação.

Interpretação sistemática e finalística do art. 155 combinado com o art. 473, § 3º, do CPP

Art. 473, § 3º, CPP: “As partes e os jurados poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis”

omissão do dispositivo quanto às demais peças oriundas do inquérito, para minimizar, tanto quanto possível, a influência dos elementos informativos colhidos na fase pré-processual sobre a convicção dos jurados

STJ. 5ª Turma. HC 560.552/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 23/02/2021; STJ. 6ª Turma. HC 589.270, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 23/02/2021

Não é possível a pronúncia do acusado baseada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial

Haverá violação ao art. 155 do CPP. Além disso, muito embora a análise aprofundada seja feita somente pelo Júri, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia sem qualquer lastro probatório colhido sob o contraditório judicial, fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial.

Juiz não pode unilateralmente alterar os prazos dos debates orais no Júri previstos no CPP; no entanto, isso pode ser feito mediante acordo entre as partes

 PROCESSO PENAL – TRIBUNAL DO JÚRI

STJ. 6ª Turma. HC 703.912-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 23/11/2021 (Info 719).

Juiz não pode unilateralmente alterar os prazos dos debates orais no Júri previstos no CPP; no entanto, isso pode ser feito mediante acordo entre as partes

Considerado o rigor formal do procedimento do júri, não é possível que o juiz, unilateralmente, estabeleça prazos diversos daqueles definidos pelo legislador (art. 477 do CPP) para os debates orais, seja para mais ou para menos, sob pena de chancelar uma decisão contra legem.

Por outro lado, é possível que, no início da sessão de julgamento, mediante acordo entre as partes, seja estabelecida uma divisão de tempo que melhor se ajuste às peculiaridades do caso concreto.

Art. 3º, CPP: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”.

Art. 190, CPC: “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo”

Debates no Tribunal do Júri

No dia do julgamento do réu no Plenário do Tribunal do Júri, após ser realizada a instrução (oitiva de testemunhas, interrogatório etc.), tem início a fase de “debates” entre acusação e defesa (art. 476, CPP).

Ordem

i. Acusação

MP

Se houver assistente de acusação, este falará logo depois do MP.

tempo do MP e do assistente é o mesmo

ii. Defesa

Quando acusação concluir, começa a defesa - mesmo tempo para expor sua tese

iii. Réplica

a acusação pode falar mais uma vez para refutar os argumentos defensivos e reafirmar a sua tese inicial.

A réplica é facultativa, ou seja, a acusação pode optar por não utilizá-la.

a defesa não tem direito de exigir a tréplica se não houver réplica

assistente de acusação tem direito à réplica mesmo que o MP não a exerça (STJ. 5ª Turma. REsp 1343402-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 21/8/2014 - Inf 546).

Se a acusação não quiser fazer a réplica, os debates se encerram e inicia-se a etapa de julgamento

iv. Tréplica

Se a acusação decidir utilizar a réplica, quando ela encerrar sua exposição, a defesa terá direito de ir para a tréplica

defesa deve falar por último

Duração

Um réu

Mais de um réu - aumenta mais 1h

1) Acusação: 1h30min

1) Acusação: 2h30min

2) Defesa: 1h30min

2) Defesa: 2h30min

3) Réplica: 1h

3) Réplica: 2h

4) Tréplica: 1h

4) Tréplica: 2h

Divisão entre acusação e defesa se houver mais de um profissional

O tempo fica o mesmo e eles terão que combinar a divisão entre si.

se eles não chegarem a um acordo, o juiz dividirá o tempo

Art. 477, § 1º, CPP: “Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a distribuição do tempo, que, na falta de acordo, será dividido pelo juiz presidente, de forma a não exceder o determinado neste artigo”

As normas processuais que regem o Júri e a plenitude de defesa precisam ser respeitadas, a fim de que sejam evitadas futuras alegações de nulidade.

6 de janeiro de 2022

No tribunal do júri é possível, mediante acordo entre as partes, estabelecer uma divisão de tempo para debates de acusação e defesa que melhor se ajuste às peculiaridades do caso

Processo

HC 703.912-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021.

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Tema

Tribunal do Júri. Sessão de julgamento. Tempo de debates. Art. 477 do CPP. Possibilidade de dilação do prazo. Necessidade de acordo entre as partes.

 

DESTAQUE

No tribunal do júri é possível, mediante acordo entre as partes, estabelecer uma divisão de tempo para debates de acusação e defesa que melhor se ajuste às peculiaridades do caso.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A plenitude de defesa é um dos princípios constitucionais básicos que amparam o instituto do júri (art. 5º, XXXVIII, da CF/1988), razão pela qual é louvável a decisão do magistrado que busca efetivar tal garantia aos acusados.

Entretanto, é importante que as normas processuais que regem o referido instituto sejam observadas, a fim de que sejam evitadas futuras alegações de nulidades.

Dessa forma, considerado o rigor formal do procedimento do júri, não é possível que, unilateralmente, o juiz de primeiro grau estabeleça prazos diversos daqueles definidos pelo legislador, para mais ou para menos, sob pena de chancelar uma decisão contra legem.

Não obstante, nada impede que, no início da sessão de julgamento, mediante acordo entre as partes, seja estabelecida uma divisão de tempo que melhor se ajuste às peculiaridades do caso concreto.

O Código de Processo Civil de 2015, consagrou a denominada cláusula geral de negociação processual, ao dispor, em seu art. 190, que "Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo". Na hipótese, à luz do disposto no art. 3º do CPP, é viável a aplicação analógica do referido dispositivo.

À vista de tal consideração, ponderadas as singularidades do caso em análise, em reforço ao que já prevê o art. 477 do CPP, constata-se a viabilidade de que as partes interessadas entrem em um consenso a fim de dilatar o prazo de debates, respeitados os demais princípios que regem o instituto do júri.



As qualificadoras de homicídio fundadas exclusivamente em depoimento indireto (Hearsay Testimony), violam o art. 155 do CPP, que deve ser aplicado aos veredictos condenatórios do Tribunal do Júri

Processo

REsp 1.916.733-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021, DJe 29/11/2021.

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Tema

Homicídio. Qualificadoras fundadas exclusivamente em depoimento indireto. Hearsay Testimony. Elementos colhidos durante a fase inquisitorial. Fundamentação da condenação. Proibição. Art. 155 do CPP. Tribunal do júri. Aplicabilidade.

 

DESTAQUE

As qualificadoras de homicídio fundadas exclusivamente em depoimento indireto (Hearsay Testimony), violam o art. 155 do CPP, que deve ser aplicado aos veredictos condenatórios do Tribunal do Júri.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Consoante o entendimento atual da Quinta e Sexta Turmas deste STJ, o art. 155 do CPP não se aplica aos vereditos do tribunal do júri. Isso porque, tendo em vista o sistema de convicção íntima que rege seus julgamentos, seria inviável aferir quais provas motivaram a condenação. Tal compreensão, todavia, encontra-se em contradição com novas orientações jurisprudenciais consolidadas neste colegiado no ano de 2021.

No HC 560.552/RS, a Quinta Turma decidiu que o art. 155 do CPP incide também sobre a pronúncia. Destarte, recusar a incidência do referido dispositivo aos vereditos condenatórios equivaleria, na prática, a exigir um standard probatório mais rígido para a admissão da acusação do que aquele aplicável a uma condenação definitiva.

Não há produção de prova, mas somente coleta de elementos informativos, durante o inquérito policial. Prova é aquela produzida no processo judicial, sob o crivo do contraditório, e assim capaz de oferecer maior segurança na reconstrução histórica dos fatos.

Consoante o entendimento firmado no julgamento do AREsp 1.803.562/CE, embora os jurados não precisem motivar suas decisões, os Tribunais locais - quando confrontados com apelações defensivas - precisam fazê-lo, indicando se existem provas capazes de demonstrar cada elemento essencial do crime.

Se o Tribunal não identificar nenhuma prova judicializada sobre determinado elemento essencial do crime, mas somente indícios oriundos do inquérito policial, há duas situações possíveis: ou o aresto é omisso, por deixar de analisar uma prova relevante, ou tal prova realmente não existe, o que viola o art. 155 do CPP.



5 de janeiro de 2022

A firmeza do magistrado presidente na condução do julgamento não acarreta, necessariamente, a quebra da imparcialidade dos jurados

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-712-stj.pdf


TRIBUNAL DO JÚRI A firmeza do magistrado presidente na condução do julgamento não acarreta, necessariamente, a quebra da imparcialidade dos jurados 

No procedimento do Júri, o magistrado presidente não é mero espectador inerte do julgamento, possuindo, não apenas o direito, mas o dever de conduzi-lo de forma eficiente e isenta na busca da verdade real dos fatos, em atenção a eventual abuso de uma das partes durante os debates (art. 497 do CPP). Desse modo, não há que se falar em excesso de linguagem do Juiz presidente, quando, no exercício de suas atribuições na condução do julgamento, intervém tão somente para fazer cessar os excessos e abusos cometidos pela defesa durante a sessão plenária e esclarecer fatos não relacionados com a materialidade ou a autoria dos diversos crimes imputados ao paciente. STJ. 5ª Turma. HC 694.450-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares Da Fonseca, julgado em 05/10/2021 (Info 712). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: 

João, acusado de homicídio, foi levado a julgamento pelo Plenário do Tribunal do Júri. Durante a sessão de julgamento, houve vários momentos de tensão entre o advogado de defesa e o juizpresidente que discutiram em algumas oportunidades. O réu foi condenado pelos jurados. A defesa impetrou habeas corpus transcrevendo esses diálogos e algumas frases do magistrado que, na visão do impetrante, revelariam que o juiz agiu com “excesso de linguagem”, sendo, portanto, parcial. Para a defesa, essa postura do magistrado influenciou os jurados a votarem pela condenação do réu. 

O STJ concordou com o habeas corpus impetrado? NÃO. 

No procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri, o magistrado presidente não é mero espectador inerte do julgamento, possuindo, não apenas o direito, mas o dever de conduzi-lo de forma eficiente e isenta na busca da verdade real dos fatos, em atenção a eventual abuso de uma das partes durante os debates. Isso fica claro ao se analisar as diversas atribuições conferidas pelo art. 497 do CPP: 

Art. 497. São atribuições do juiz presidente do Tribunal do Júri, além de outras expressamente referidas neste Código: I – regular a polícia das sessões e prender os desobedientes; II – requisitar o auxílio da força pública, que ficará sob sua exclusiva autoridade; III – dirigir os debates, intervindo em caso de abuso, excesso de linguagem ou mediante requerimento de uma das partes; IV – resolver as questões incidentes que não dependam de pronunciamento do júri; Informativo comentado Informativo 712-STJ (11/10/2021) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26 V – nomear defensor ao acusado, quando considerá-lo indefeso, podendo, neste caso, dissolver o Conselho e designar novo dia para o julgamento, com a nomeação ou a constituição de novo defensor; VI – mandar retirar da sala o acusado que dificultar a realização do julgamento, o qual prosseguirá sem a sua presença; VII – suspender a sessão pelo tempo indispensável à realização das diligências requeridas ou entendidas necessárias, mantida a incomunicabilidade dos jurados; VIII – interromper a sessão por tempo razoável, para proferir sentença e para repouso ou refeição dos jurados; IX – decidir, de ofício, ouvidos o Ministério Público e a defesa, ou a requerimento de qualquer destes, a argüição de extinção de punibilidade; X – resolver as questões de direito suscitadas no curso do julgamento; XI – determinar, de ofício ou a requerimento das partes ou de qualquer jurado, as diligências destinadas a sanar nulidade ou a suprir falta que prejudique o esclarecimento da verdade; XII – regulamentar, durante os debates, a intervenção de uma das partes, quando a outra estiver com a palavra, podendo conceder até 3 (três) minutos para cada aparte requerido, que serão acrescidos ao tempo desta última. 

Desse modo, não há que se falar em excesso de linguagem do Juiz presidente, quando, no exercício de suas atribuições na condução do julgamento, intervém tão somente para fazer cessar os excessos e abusos cometidos pela defesa durante a sessão plenária e esclarecer fatos não relacionados com a materialidade ou a autoria dos diversos crimes imputados ao paciente. Vale ressaltar que, em situação análoga, o STJ já se manifestou no sentido de que a firmeza do magistrado presidente na condução do julgamento não acarreta, necessariamente, a quebra da imparcialidade dos jurados, somente sendo possível a anulação do julgamento se o prejuízo à acusação ou à defesa for isento de dúvidas, nos termos do art. 563 do CPP: 

A condução do interrogatório do réu de forma firme e até um tanto rude durante o júri não importa, necessariamente, em quebra da imparcialidade do magistrado e em influência negativa nos jurados. STJ. 6ª Turma. HC 410161-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 17/04/2018 (Info 625). 

Em suma: A firmeza do magistrado presidente na condução do julgamento não acarreta, necessariamente, a quebra da imparcialidade dos jurados. STJ. 5ª Turma. HC 694.450-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 05/10/2021 (Info 712).

17 de novembro de 2021

TRIBUNAL DO JÚRI Não é cabível a pronúncia fundada exclusivamente em testemunhos indiretos de “ouvir dizer”

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-709-stj.pdf


TRIBUNAL DO JÚRI Não é cabível a pronúncia fundada exclusivamente em testemunhos indiretos de “ouvir dizer” 

Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal do Júri, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter alguém a julgamento pelo Tribunal Popular. STJ. 5ª Turma. HC 673.138-PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/09/2021 (Info 709). STJ. 6ª Turma. REsp 1649663/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/09/2021. 

Procedimento do Tribunal do Júri 

Quando a pessoa pratica um crime doloso contra a vida, ela responde a um processo penal que é regido por um procedimento especial próprio do Tribunal do Júri (arts. 406 a 497 do CPP). 

Procedimento bifásico do Tribunal do Júri 

O procedimento do Tribunal do Júri é chamado de bifásico (ou escalonado) porque se divide em duas etapas: 

1) Fase do sumário da culpa (iudicium accusationis): é a fase de acusação e instrução preliminar (formação da culpa). Inicia-se com o oferecimento da denúncia (ou queixa) e termina com a preclusão da sentença de pronúncia. 

2) Fase de julgamento (iudicium causae). 

Sentença que encerra o sumário da culpa 

Ao final da 1ª fase do procedimento do júri (sumário da culpa), o juiz irá proferir uma sentença, que poderá ser de quatro modos: 

PRONÚNCIA 

O réu será pronunciado quando o juiz se convencer de que existem prova da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria ou de participação.

Recurso cabível: RESE. 


IMPRONÚNCIA 

O réu será impronunciado quando o juiz não se convencer: da materialidade do fato; da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. 

Ex.: a única testemunha que havia reconhecido o réu no IP não foi ouvida em juízo. 

Recurso cabível: APELAÇÃO. 


ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA 

O réu será absolvido desde logo quando estiver provado (a): a inexistência do fato; que o réu não é autor ou partícipe do fato; que o fato não constitui crime; que existe uma causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Ex.: todas as testemunhas ouvidas afirmaram que o réu não foi o autor dos disparos. 

Recurso cabível: APELAÇÃO. 


DESCLASSIFICAÇÃO  

Ocorre quando o juiz se convencer de que o fato narrado não é um crime doloso contra a vida, mas sim um outro delito, devendo, então, remeter o processo para o juízo competente. Ex.: juiz entende que não houve homicídio doloso, mas sim latrocínio. 

Recurso cabível: RESE. 


Imagine agora a seguinte situação hipotética: 

Pedro foi morto com 5 tiros. Foi instaurado inquérito policial para apurar o ocorrido. Foram ouvidas duas testemunhas que afirmaram que não presenciaram o delito, mas que ouviram dizer que o autor do homicídio foi João. João foi, então, denunciado por homicídio doloso. Durante a instrução as referidas testemunhas foram novamente ouvidas e reafirmaram que não presenciaram o delito, mas que ouviram dizer que o autor do homicídio foi João. 

João poderá ser pronunciado? 

NÃO. A Constituição Federal conferiu ao Tribunal do Júri a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida e os a eles conexos, afirmando que o veredicto dos jurados é soberano (art. 5º, XXXVIII). Entretanto, a fim de reduzir os casos de erro judiciário, seja para absolver, seja para condenar, exige-se que, antes de o réu ser submetido ao Júri, seja realizada uma instrução prévia, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, perante o juiz togado. Ao final dessa instrução prévia, o juiz togado irá analisar se estão presentes a prova da materialidade e os indícios de autoria. O réu somente será pronunciado, ou seja, levado a julgamento se esses dois requisitos estiverem preenchidos. Veja o que diz o art. 413, caput, do CPP: 

Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. 

Assim, muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir a pronúncia do réu sem que haja um mínimo de provas. Essa primeira etapa do procedimento bifásico do Tribunal do Júri (iudicium accusationis) tem dois objetivos principais: 

• funciona como um filtro pelo qual somente passam as acusações fundadas, viáveis, plausíveis, idôneas a serem objeto de decisão pelo juízo da causa (iudicium causae). São evitadas, com isso, imputações temerárias; 

• serve para que sejam produzidas provas, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, a fim de que possam ser utilizadas no plenário do Júri. 

Espécies de testemunha 

As testemunhas podem ser classificadas de acordo com vários critérios. Um deles é o seguinte: 

a) Testemunha DIRETA: é aquela que presenciou os fatos. Também chamada de testemunha visual. 

b) Testemunha INDIRETA: é aquela que não presenciou os fatos, mas apenas ouviu falar sobre eles. É também chamada de testemunha auricular ou testemunha de “ouvir dizer” (hearsay rule). 

Testemunha de ouvir dizer (hearsay rule) 

A testemunha de ouvir dizer não deve ter grande força probatória. Conforme explica o Min. Rogério Schietti Cruz: 

“A razão do repúdio a esse tipo de testemunho se deve ao fato de que, além de ser um depoimento pouco confiável, visto que os relatos se alteram quando passam de boca a boca, o acusado não tem como refutar, com eficácia, o que o depoente afirma sem indicar a fonte direta da informação trazida a juízo.” 

Já decidiu o STJ: 

(...) 6. A norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo que sabe per proprium sensum et non per sensum alterius impede, em alguns sistemas – como o norte-americano – o depoimento da testemunha indireta, por ouvir dizer (hearsay rule). No Brasil, embora não haja impedimento legal a esse tipo de depoimento, “não se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Testemunha que depusesse para dizer o que lhe constou, o que ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em conta.” (Helio Tornaghi). (...) STJ. 6ª Turma. REsp 1.444.372/RS, Rel. Min Rogerio Schietti, julgado em 16/2/2016. 

Desse modo, o réu não pode ser pronunciado unicamente com prova de “ouvir dizer”. 

Em suma: Não é cabível a pronúncia fundada exclusivamente em testemunhos indiretos de “ouvir dizer”. Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal do Júri, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter alguém a julgamento pelo Tribunal Popular. STJ. 5ª Turma. HC 673.138-PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 14/09/2021 (Info 709). STJ. 6ª Turma. REsp 1649663/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/09/2021. 

Veja como o tema já foi cobrado em prova: 

(Juiz de Direito TJBA/2019 CEBRASPE) Em decorrência do princípio do in dubio pro societate, o testemunho por ouvir dizer produzido na fase inquisitorial é suficiente para a decisão de pronúncia. (errado)

9 de setembro de 2021

Quando a apelação contra a sentença condenatória é interposta com fundamento no art. 593, III, "d", do CPP, o Tribunal tem o dever de analisar se existem provas de cada um dos elementos essenciais do crime, ainda que não concorde com o peso que lhes deu o júri

Processo

AREsp 1.803.562-CE, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL PENAL

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Tema

Tribunal do Júri. Condenação. Recurso de apelação. Art. 593, III, "d", do CPP. Dever do Tribunal de identificar a existência de provas de cada elemento essencial do crime. Nulidade do veredicto condenatório por inexistência probatória. No evidence rule.

 

DESTAQUE

Quando a apelação contra a sentença condenatória é interposta com fundamento no art. 593, III, "d", do CPP, o Tribunal tem o dever de analisar se existem provas de cada um dos elementos essenciais do crime, ainda que não concorde com o peso que lhes deu o júri.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Como decorrência do mandamento constitucional (art. 93, IX, da Constituição da República) de fundamentação das decisões judiciais, o órgão julgador da apelação prevista no art. 593, III, "d", do CPP deverá examinar as provas existentes e, caso rejeite a tese defensiva, demonstrar quais elementos probatórios dos autos embasam (I) a materialidade e (II) autoria delitivas, bem como (III) a exclusão de alguma causa descriminante suscitada pela defesa.

Ou seja: cada um dos elementos essenciais do delito - além das causas excludentes de ilicitude ou culpabilidade eventualmente tratadas pelo réu - deve ser analisado, ainda que sucintamente, pelo Tribunal. Se a apelação defensiva argumenta, por exemplo, que o veredito é nulo por inexistirem provas de autoria, a Corte local não pode elencar, em seu acórdão, somente as provas de materialidade para rejeitar a pretensão do apelante, sob pena de grave omissão.

É certo que não cabe aos juízes togados empreender um profundo exame das provas dos autos, porque tal missão cabe ao júri. No entanto, ao julgar a apelação, o Tribunal não pode se imiscuir no mérito do sopesamento do conjunto probatório, mas tem a obrigação de apontar se, para cada um dos elementos do delito, existem provas de sua ocorrência, ainda que não concorde com a conclusão dos jurados a seu respeito.

Em outras palavras, há dois juízos distintos feitos pelo magistrado ao se debruçar sobre as provas que embasam uma condenação por crime doloso contra a vida. O primeiro deles, de natureza antecedente, analisa a existência das provas, e é isso que deve o Tribunal fazer ao julgar uma apelação fundada no art. 593, III, "d", do CPP. O segundo deles, o consequente, se refere ao grau de convencimento pessoal do julgador pelo conjunto probatório existente, a fim de aferir se é adequado ou não para condenar o réu.

No julgamento de crimes dolosos contra a vida, aos juízes togados, quando apreciam a apelação do art. 593, III, "d", do CPP, cabe somente o juízo antecedente; o juízo consequente compete ao júri. A cognição judicial encerra-se com o primeiro juízo, o da existência das provas: se positivo, a apelação deve ser desprovida, porque não incumbe ao Tribunal prosseguir ao juízo consequente; se negativo, quando o veredito for completamente dissociado das provas (rectius: quando não houver prova de algum dos elementos essenciais do crime), a sentença é anulada.

Referindo-se aos termos consagrados pela doutrina, diante de uma apelação que aponta manifesta contrariedade entre as provas dos autos e o veredito (dimensão horizontal da cognição, ou a delimitação do objeto sobre o qual será exercida), o julgador somente pode aprofundar-se até determinado ponto: a existência (ou não) de provas aptas a dar supedâneo ao veredito. Trata-se de uma cognição parcial, no aspecto horizontal - já que a apelação contra sentença do tribunal do júri é de fundamentação vinculada; e, no plano vertical, embora não seja sumária, também não é exauriente, limitando-se a constatar se existem provas relativas à tese acatada pelos juízes leigos.

Se o Tribunal exceder tais limites e realizar o juízo consequente, terá afrontado a soberania dos vereditos prevista no art. 5º, XXXVIII, "c", da Constituição da República; se, por outro lado, exagerar na postura de autocontenção e não fizer sequer o juízo antecedente, incorrerá em nulidade por negativa de prestação jurisdicional.

As considerações quanto ao poder de convencimento de cada prova existente situam-se um nível cognitivo mais profundo verticalmente, que é privativo dos jurados. Aliás, pode-se mesmo argumentar que, considerando o sistema de íntima convicção e o princípio constitucional da plenitude da defesa (art. 5º, XXXVIII, "a", da Constituição da República), a cognição vertical dos jurados é talvez a mais profunda de qualquer decisão judicial no direito brasileiro, porquanto guiada não só por aspectos jurídicos, mas permeada também pelos valores, crenças, caracteres individuais e concepções supralegais de justiça de cada um.

São tênues, de fato, as linhas que delimitam a atividade cognitiva do magistrado em processos dessa espécie, mas uma conclusão é inegável: pelo menos a existência de provas deve ser analisada pelo Tribunal, ainda que os desembargadores discordem da valoração que lhes deu o júri.

Caso contrário, se nem mesmo a constatação quanto à existência das provas fosse exigível do Judiciário, ficaria em todo esvaziada a apelação do art. 593, III, "d", do CPP, uma vez que o provimento ou desprovimento do recurso dependeria de opiniões puramente subjetivas, na contramão da segurança jurídica. Perquirir a (in)existência de prova, nesse cenário, tem a vantagem de servir como baliza mais objetiva para a atividade jurisdicional.

Assim, embora seja extremamente complexo o controle jurisdicional dos vereditos do júri, existe um mínimo de cognição que os Tribunais locais devem exercer - e esse mínimo é exatamente verificar se existem provas capazes de secundar a convicção dos jurados, ainda que sem emitir juízo de valor quanto ao poder de convencimento de cada uma.

Uma vez atribuída missão de tamanha relevância às Cortes locais, surge a próxima pergunta fundamental: em que medida pode o STJ controlar a decisão por elas alcançada? Como já afirmado, guiar a atividade judicial em segunda instância, nos casos do art. 593, III, "d", do CPP, para um juízo antecedente (quanto à simples existência de provas dos elementos crime) traz o benefício de tornar menos subjetivo o julgamento da apelação. A exigência de que o Tribunal examine as provas e fundamente seu julgamento indicando-as, para além de conferir legitimidade à decisão, tem a finalidade de permitir seu controle pelas instâncias superiores. Essa é, aliás, uma das funções tradicionalmente vistas pela doutrina no art. 93, IX, da Constituição da República.

Sendo inviável o reexame das provas na presente instância, consoante a Súmula 7/STJ, é a partir da fundamentação do acórdão recorrido que este Tribunal Superior verifica se foi correta a aplicação da legislação federal a cada caso. Por conseguinte, quando o STJ é confrontado em recurso especial defensivo interposto contra aresto que apreciou apelação fundada no art. 593, III, "d", do CPP, há três situações hipotéticas possíveis:

(I) Primeiramente, se o acórdão recorrido deixou de analisar todas as provas relevantes para embasar a decisão dos jurados, haverá nulidade por negativa de prestação jurisdicional, violando os arts. 381, III, 564, V, e (possivelmente) 619 do CPP. Embora não se exija pronunciamento expresso quanto a cada ponto suscitado pelas partes - já que a atividade de julgar não equivale a preencher um questionário ideal por elas apresentado -, deve o Tribunal expor a existência de todas as provas que dão suporte ao veredito dos jurados, em relação a cada um dos elementos essenciais do crime;

(II) Em segundo lugar, se o acórdão demonstrou, sem omissões, que há provas de todos os aspectos do delito, eventual recurso especial que questione a força dessas provas, o peso que lhes deve ser atribuído na formação do convencimento ou mesmo qual delas deve prevalecer, quando apresentadas evidências contraditórias em plenário, esbarrará na Súmula 7/STJ. É o caso, por exemplo, de recursos constantemente julgados por este colegiado que debatem a inexistência de dolo, a credibilidade das testemunhas, a força do álibi apresentado pelo réu, dentre outros temas análogos;

(III) Por fim, a terceira e última hipótese é a do acórdão que analisou o conjunto fático-probatório dos autos, também sem omissões, mas não explicitou a existência de provas para cada um dos elementos do delito. Não se trata do caso em que, existindo outras provas, o aresto deixa de mencioná-las, porque esse seria o primeiro cenário acima elencado, no qual há nulidade por deficiência na fundamentação; a terceira situação é diversa. Nela, é a Corte de origem quem demonstra, ainda que por seu silêncio, a ausência de provas de todos os elementos do crime, pois ela própria não conseguiu encontrá-las no julgamento da apelação.

Nessa última situação, abre-se ao STJ a possibilidade de conhecer eventual violação do art. 593, III, "d", do CPP. Afinal, não se discute qual das provas existentes deve prevalecer, ou qual o impacto de cada uma na formação do convencimento judicial. O que se apresenta é um questionamento puramente jurídico: quando a própria Corte de origem verifica que não há provas de todos os elementos do delito - e inexistindo omissão de sua parte -, pode a condenação ser mantida? Ou, ao contrário, a existência de provas de apenas parte dos elementos do crime já é suficiente para preservar o veredito condenatório?

O fundamental para diferenciar a primeira e terceira hipóteses identificadas é avaliar se há, ou não, alguma omissão relevante no acórdão. Quando há provas e o aresto sobre elas se omite, estamos diante da primeira situação, em que o julgamento é viciado. Contrariamente, quando inexistem outras provas, não há propriamente omissão do Tribunal em elencá-las. O julgamento da causa foi completo, e não se cuida de examinar a suficiência da prestação jurisdicional: o que é relevante é conferir se foram apresentadas provas para cada elemento do delito (segunda situação, em que incide a Súmula 7/STJ) ou não (terceira situação).

Alerta-se que, na terceira hipótese, seria ingenuidade esperar que o próprio acórdão impugnado afirmasse, literalmente, não ter encontrado provas de algum elemento essencial do crime (autoria ou materialidade, por exemplo), apesar de manter a condenação. Lembremos que, no recurso especial, o aresto proferido na instância ordinária é o objeto, e não o parâmetro, do controle de legalidade; é a lei federal quem dá a medida e serve de parâmetro para esse controle. Consequentemente, cabe ao STJ a tarefa de verificar se a falta de menção à comprovação de um dos elementos do crime é uma omissão ilegal, tornando deficiente a prestação jurisdicional feita na origem, ou um silêncio eloquente, que demonstra a pura e simples inexistência de provas naquele ponto.

Um exemplo dessa situação ocorre quando a sentença condenatória é proferida com fundamento no motivo do crime, sem a devida comprovação da autoria (um dos elementos essenciais de qualquer crime), o que torna impossível a condenação do réu, nos termos do art. 386, IV e V, do CPP; por outro lado, a falta de demonstração do motivo do delito não é elencada no dispositivo como hipótese absolutória. Quando não qualifica as infrações, o motivo é um elemento acidental do crime, relevante para a dosimetria da pena em sua primeira (art. 59 do CP), segunda (arts. 61, II, "a" e "b", e 65, III, "a", do CP) ou terceira fases (por exemplo: art. 121, § 1º, 129, § 4º, 149, § 2º, II, e 163, parágrafo único, IV, do CP). Não é decisivo, contudo, para o mérito da procedência ou improcedência da pretensão punitiva em si.

Ressalta-se que esse raciocínio jurídico baseia na definição da interpretação dos arts. 5º, XXXVIII, "c", e 93, IX, da CF/1998, bem como dos arts. 381, III, 564, V, 593, III, "d", e 619 do CPP. Ao julgar uma apelação que discute a manifesta contradição probatória de um veredito, o jurista caminha no fio da espada entre a soberania dos vereditos e o poder-dever de anulação da sentença contrária à prova dos autos. As considerações tecidas acima buscam conferir maior densidade normativa a tais conceitos, estabelecendo um modelo cognitivo-epistêmico para guiar a atividade jurisdicional e cumprir a função constitucional do STJ de uniformizar a interpretação da legislação federal. Concorde-se ou não com elas, fato é que a Súmula 7/STJ não as impede.

É possível assim sintetizar as conclusões alcançadas: ao julgar a apelação fundada no art. 593, III, "d", do CPP, o Tribunal precisa indicar as provas de cada elemento essencial do crime que dão suporte à versão aceita pelos jurados. Faltando, no acórdão, a demonstração de que algum elemento tem respaldo probatório mínimo, hás duas possibilidades distintas: (I) ou o aresto é nulo, por deficiência de fundamentação, já que se omitiu sobre alguma prova existente e importante; (II) ou o veredito deve ser anulado, porque a Corte de origem não foi capaz de localizar prova de determinado elemento essencial do delito.