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15 de janeiro de 2022

É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese prevista no seu § 1º-B, I, que versa sobre a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária

 PENAL - CRIMES CONTRA A SAÚDE PÚBLICA

STJ. 3ª Seção. RvCr 5.627-DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 13/10/2021 (Info 714).

Em tese, é cabível o manejo da revisão criminal fundada no art. 621, I, do Código de Processo Penal, para aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006 nos crimes previstos no art. 273, § 1º-B, do CP.

Mas o STF decidiu de forma ligeiramente diferente do STJ

STF. Plenário. RE 979962/RS, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 24/3/2021 (Repercussão Geral – Tema 1003) (Info 1011).

É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese prevista no seu § 1º-B, I, que versa sobre a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária

Para esta situação específica, fica repristinado o preceito secundário do art. 273, na redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa).

Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais

Art. 273, caput, CP: Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: (Redação dada pela Lei nº 9.677, de 2.7.1998) Pena - reclusão, de 10 a 15 anos, e multa

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado

§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;

V - de procedência ignorada;

VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.

§ 2º - Se o crime é culposo: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Caput e §1º-A

O sujeito ativo do crime (que pode ser qualquer pessoa): - falsifica (imita fraudulentamente o original); - corrompe (altera para pior); - adultera (deturpa); - ou altera (muda de qualquer outra forma)

“produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais”: Remédios e medicamentos, além do §1º-A

matérias-primas utilizadas para fazer produtos terapêuticos ou medicinais; insumos farmacêuticos (substâncias utilizadas para produzir medicamentos); cosméticos (exs: batons, sombra, cremes de beleza etc.); saneantes (substâncias destinadas à higienização, desinfecção etc., como é o caso de detergentes, alvejantes, desinfetantes, inseticida, entre outros); produtos de uso em diagnóstico (substâncias utilizadas para detecção de doenças).

constitucionalidade do § 1º-A

justificativa é a de que tais substâncias direta ou indiretamente poderão afetar a saúde humana, assim como os medicamentos

muitos autores (como Alberto Silva Franco, Luiz Régis Prado e Cleber Masson) afirmam que essa inclusão foi inconstitucional por afrontar o princípio da proporcionalidade

não existe julgado do STJ / STF declarando inconstitucional essa equiparação

§1º

Delito do “vendedor” de produto falsificado; o agente do § 1º é o segundo elo da cadeia criminosa

a lei pune não o agente que falsificou, corrompeu, adulterou ou alterou o produto, mas o agente que vende (formal ou informalmente); expõe à venda (quando a polícia chega no local, o agente não está vendendo, mas o produto está na prateleira, p. ex.); tem em depósito para vender (quando os fiscais da ANVISA chegam, encontram vários produtos no estoque, p. ex.); distribui (repassa para outras pessoas); ou entrega a consumo (fornece, ainda que gratuitamente, para alguém usar/consumir)

§1º-B

Delito do “vendedor” de produto equiparado a falsificado

produtos que, embora não se possa dizer que sejam falsificados, estão em determinadas condições que fazem com que seu uso seja potencialmente perigoso para a população

se o produto for vendido nas condições listadas nos incisos do § 1º-B, a pessoa que vendeu será punida como se ele fosse falsificado

Presunção de que comercializar produtos terapêuticos ou medicinais nas condições do § 1º-B é tão perigoso como vender produtos falsificados.

Inconstitucionalidade da pena, por ser desproporcional: antes da lei 9677/98 era de 1 a 3 anos

STJ. Corte especial. AI no HC 239.363-PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 26/2/2015 (Inf 559)

19 de outubro de 2021

É imperiosa a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afastar uma circunstância judicial negativa do art. 59 do CP reconhecida na sentença condenatória

Processo

EREsp 1.826.799-RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Rel. Acd. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, por maioria, julgado em 08/09/2021, DJe 08/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Tema

Circunstância judicial desfavorável. Exclusão pelo Tribunal de origem. Recurso exclusivo da defesa. Redução proporcional da pena-base. Obrigatoriedade.

 

DESTAQUE

É imperiosa a redução proporcional da pena-base quando o Tribunal de origem, em recurso exclusivo da defesa, afastar uma circunstância judicial negativa do art. 59 do CP reconhecida na sentença condenatória.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

No acórdão embargado, o entendimento da Sexta Turma do STJ é no sentido de que "se em ação ou recurso exclusivo da defesa, for afastado o desvalor conferido a circunstâncias judiciais equivocadamente negativadas, a pena-base deverá necessariamente ser reduzida, ao invés de se manter inalterada, pois proceder de maneira diversa implicaria o agravamento do quantum anteriormente atribuído a cada vetorial" (AgRg no HC 493.941/PB, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 28/05/2019).

Por sua vez, no acórdão paradigma, entende a Quinta Turma desta Corte que a adoção de novos fundamentos pelo Tribunal de origem, mantido o quantum da pena fixado pelo Juízo de primeiro grau, não viola o art. 617 do CPP (AgRg no REsp 1.853.139/PA, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 18/5/2020).

Não obstante, nos termos do art. 617 do Código de Processo Penal, a reforma prejudicial somente poderá ocorrer na hipótese de previsão legal de recurso de ofício, em que se devolve ao Tribunal de Justiça todo o conhecimento da matéria, assim como nas situações em que houver recurso da acusação.

Desse modo, afastada pelo Tribunal local uma circunstância judicial negativa reconhecida no édito condenatório, imperiosa é a redução proporcional da reprimenda básica. Isso, porque a proibição de reforma para pior não admite, em caso de recurso exclusivo da defesa, seja agravada a situação do recorrente, direta ou indiretamente.

21 de agosto de 2021

As revisões de valores previstos na LC 123/2006 não retroagem para descaracterizar o crime de frustração do caráter competitivo de licitação

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-700-stj.pdf

 

CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - As revisões de valores previstos na LC 123/2006 não retroagem para descaracterizar o crime de frustração do caráter competitivo de licitação 

As sucessivas revisões dos quantitativos máximos de receita bruta para enquadramento como ME ou EPP, da LC 123/2006, para fazer frente à inflação, não descaracterizam crimes de inserção de informação falsa em documento público, para fins de participação em procedimento licitatório, cometidos anteriormente. Caso concreto: foi aberta licitação que era restrita a MEs e EPPs. A empresa “X” tinha um faturamento acima daquilo que a LC 123/2006 estabelecia como sendo o teto para ser considerada EPP. Desse modo, a empresa “X”, segundo a lei vigente na época, não podia ser considerada EPP. Mesmo assim, os sócios da empresa “X” forneceram declaração dizendo que ela se enquadrava como EPP, com o objetivo de fazer com que ela pudesse participar da licitação. Pouco tempo depois, entrou em vigor a LC 139/2011, que aumentou os valores máximos para fins de caracterização como ME ou EPP previstos no art. 3º da LC 123/2006. Com essa mudança, a empresa “X” passou a ser considerada como empresa de pequeno porte. Essa alteração legislativa não tem eficácia retroativa, não servindo para absolver os réus pela declaração falsa. 

STJ. 5ª Turma. AREsp 1.526.095-RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 08/06/2021 (Info 700). 

Tratamento diferenciado para microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) 

A CF/88 prevê tratamento diferenciado para microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP): 

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) 

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. 

A LC 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte) confere algumas vantagens a essas entidades, com a finalidade de criar um ambiente jurídico favorável aos empreendimentos que, por seu tamanho reduzido, não detém a estrutura para competir em condições de igualdade com todos os gigantes do mercado. 

Vantagens concedidas para a ME e para a EPP nos procedimentos licitatórios 

a) possibilidade de participar do procedimento licitatório sem a necessidade de demonstração de regularidade fiscal e trabalhista na fase de habilitação; 

b) preferência em casos de empate no procedimento licitatório, podendo reduzir o valor de sua proposta e vencer a licitação; 

c) se apresentarem proposta até 10% superior ao valor da proposta mais bem classificada, a lei considera ter havido empate; 

d) se o valor da contratação for de até R$ 80 mil, a licitação será destinada exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte; 

e) em certames para aquisição de bens de natureza divisível, deverá ser estabelecida cota de até 25% do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte; 

f) caso se trate de processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços, a Administração poderá exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte. 

Feitas estas considerações, imagine a seguinte situação hipotética: 

Foi aberta uma licitação que era restrita a microempresas e empresas de pequeno porte. A LC 123/2006 classifica como microempresas e empresas de pequeno porte aquelas que têm receita bruta inferior a determinada quantia. Assim, se a empresa tem um faturamento acima de XXX reais, ela não pode ser considerada como empresa de pequeno porte. A empresa “X” tinha um faturamento acima daquilo que a lei estabelecia como sendo o teto para ser considerada empresa de pequeno porte. Assim, a empresa “X”, segundo a lei vigente na época, não podia ser considerada empresa de pequeno porte. Mesmo assim, os sócios da empresa “X” forneceram uma declaração dizendo que ela se enquadrava como empresa de pequeno porte. Isso com o objetivo de fazer com que ela pudesse participar da licitação. A situação foi descoberta e o Ministério Público ofereceu denúncia em face dos sócios da empresa “X” pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei nº 8.666/93 (atual art. 337-F do CP): 

Art. 90 da Lei 8.666/93 

Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. 


Art. 337-F do CP 

Art. 337-F. Frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa. 

Vale ressaltar um interessante ponto: o certame licitatório foi iniciado em 08/11/2011, data em que a declaração foi apresentada, e concluído em 14/11/2011. Ocorre que, pouco tempo depois, em 01/01/2012, entrou em vigor a LC 139/2011, que aumentou os valores máximos para fins de caracterização como ME ou EPP previstos no art. 3º da LC 123/2006. Com essa mudança, a empresa “X” passou a ser considerada como empresa de pequeno porte. Entenda bem: 

• no momento da apresentação da declaração (08/11/2011): “X” não se enquadrava como empresa de pequeno porte. 

• algum tempo depois (01/01/2012): entrou em vigor a mudança legislativa e “X” passou a se enquadrar como empresa de pequeno porte. 

Diante disso, a defesa dos réus alegou que a alteração promovida pela LC 139/2011 teria eficácia retroativa e serviria para absolver os acusados, já que “X” passou a ser considerada como empresa de pequeno porte. Apenas a título de curiosidade, veja a evolução legislativa: 

Redação anterior à LC 139/11 

I – microempresa: receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais); II - empresa de pequeno porte: receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais). 

Redação dada pela LC 139/11 

I – microempresa: receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e II - empresa de pequeno porte: receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).

Redação atual (LC 155/16) 

I – microempresa: receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e II - empresa de pequeno porte: receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). 

A questão chegou até o STJ. O Tribunal concordou com a tese de que os novos valores trazidos pela LC 139/2011 poderiam retroagir para descaracterizar o crime de frustração do caráter competitivo de licitação? 

NÃO. No ano-calendário de 2011, a empresa “X” não se enquadrava como microempresa nem como empresa de pequeno porte. Logo, a declaração prestada foi falsa. A circunstância de a empresa “X” ter readquirido seu enquadramento como empresa de pequeno porte no ano de 2012, em virtude das mudanças introduzidas pela LC 139/2011, em nada afeta ou altera os fatos ocorridos em 2011. O que importa é que, no momento em que a declaração foi prestada, a empresa não se enquadrava como ME ou EPP, não podendo desfrutar dos benefícios legais. As alterações legais posteriores são incapazes de modificar a dinâmica fática já ocorrida, porque a conduta delitiva imputada aos réus é a falsa declaração de uma situação fático-jurídica então inexistente. Uma modificação legislativa que dê novo enquadramento ao atual regime da empresa não muda o fato de que, em 2011, a informação prestada à Administração Pública foi falsa. As sucessivas revisões dos quantitativos máximos da LC 123/2006, para fazer frente à inflação, não se aplicam a anos anteriores - ainda que para fins criminais -, sob pena de instituir uma grave distorção concorrencial e atentar contra os próprios objetivos do Estatuto. Afinal, a obtenção de uma receita bruta de R$ 3.600.000,00 no ano de 2012 representa, na prática, um poder aquisitivo menor do que o auferimento, em 2011, do mesmo montante. 

As normas penais são retroativas? 

NÃO, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL, da CF e art. 2º, parágrafo único, do CP). Assim, temos o seguinte: 

• Se a lei penal posterior é favorável ao réu: retroage. 

• Se a lei penal posterior é contrária ao réu: não retroage. 

Ocorre que a LC 139/2011 não tem natureza penal, tampouco serve para complementar o sentido do art. 90 da Lei nº 8.666/93 (atual art. 337-F do CP), o qual não veicula norma penal em branco. Como já dito, a intenção do legislador ao alterar os valores para enquadramento como ME ou EPP não foi a de abolir eventuais fraudes cometidas anteriormente, mas apenas de adequar tais montantes à pressão inflacionária. 

Em suma: As sucessivas revisões dos quantitativos máximos de receita bruta para enquadramento como ME ou EPP, da LC 123/2006, para fazer frente à inflação, não descaracterizam crimes de inserção de informação falsa em documento público, para fins de participação em procedimento licitatório, cometidos anteriormente. 

STJ. 5ª Turma. AREsp 1.526.095-RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 08/06/2021 (Info 700).

30 de abril de 2021

A exigência de representação da vítima no crime de estelionato não retroage aos processos cuja denúncia já foi oferecida

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-691-stj.pdf


ESTELIONATO - A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei 13.964/2019, retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso? 

A exigência de representação da vítima no crime de estelionato não retroage aos processos cuja denúncia já foi oferecida. STJ. 3ª Seção. HC 610.201/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/03/2021 (Info 691). 

Estelionato 

O crime de estelionato está tipificado no art. 171 do CP: 

Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. 

Qual é a ação penal no caso do crime de estelionato? O tema foi recentemente alterado pela Lei nº 13.964/2019, que ficou conhecida como “Pacote Anticrime”. Compare: 

QUAL É A AÇÃO PENAL NO CASO DO CRIME DE ESTELIONATO? 

Antes 

Regra geral: Ação penal pública INCONDICIONADA 

Exceções: art. 182 do CP

Depois da Lei nº 13.964/2019  

Regra geral: ação pública CONDICIONADA à representação. 

Exceções: Será de ação penal incondicionada quando a vítima for: 

a) a Administração Pública, direta ou indireta; 

b) criança ou adolescente; 

c) pessoa com deficiência mental; ou 

d) maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. 

Veja o § 5º inserido no art. 171 do CP pela Lei nº 13.964/2019: 

Art. 171. (...) § 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: I - a Administração Pública, direta ou indireta; II - criança ou adolescente; III - pessoa com deficiência mental; ou IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

 Essa mudança é mais favorável ou prejudicial aos autores do crime de estelionato? 

Mais favorável, considerando que agora existe, como regra, uma nova condição para que o Ministério Público possa ajuizar a ação penal contra o autor do estelionato: a representação da vítima. 

A norma que altera a espécie de ação penal de um crime é norma de direito material ou processual? (ex: a lei determina que o crime “X” deixará de ser de ação penal pública condicionada e passará a ser de ação pública incondicionada) 

As normas que tratam sobre a “ação penal” possuem natureza híbrida, ou seja, são normas de direito processual penal que, no entanto, também apresentam efeitos materiais (influenciam no direito penal). A lei que dispõe sobre o tipo de ação penal aplicável a cada crime possui influência direta no jus puniendi (direito de punir do Estado), pois interfere nas causas de extinção da punibilidade, como a decadência e a renúncia ao direito de queixa. Logo, a lei que disciplina a espécie de ação penal possui também efeito material. 

As normas processuais são retroativas? 

NÃO. As leis processuais possuem aplicação imediata (tempus regit actum - art. 2º do CPP), não retroagindo para alcançar fatos anteriores à sua vigência e regulando os atos processuais a serem realizados após entrar em vigor. 

As normas penais são retroativas? 

NÃO, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL, da CF e art. 2º, parágrafo único, do CP). Assim, temos o seguinte: 

• Se a lei penal posterior é favorável ao réu: retroage. 

• Se a lei penal posterior é contrária ao réu: não retroage. 

E as normas híbridas? 

As leis híbridas, como possuem reflexos penais, recebem o mesmo tratamento que as normas penais no que tange à sua aplicação no tempo. Logo, as normas híbridas não retroagem, salvo se para beneficiar o réu. Desse modo, a norma que altera a espécie de ação penal de um crime não retroage, salvo se for para beneficiar o réu. 

Ex: antes da Lei nº 9.099/95, o crime de lesão corporal leve era de ação penal pública incondicionada; depois da Lei, esse delito passou a ser de ação penal pública condicionada. Isso é mais benéfico para o réu que responde ao processo? Sim, porque na ação penal pública condicionada existe a possibilidade de renúncia e de decadência, que não são permitidas na ação pública incondicionada. Logo, a lei foi retroativa nesse ponto. 

Ex2: o crime de injúria racial era de ação penal privada e, por força da Lei nº 12.033/2009, passou a ser de ação penal pública condicionada à representação. Essa Lei é mais benéfica para o réu? Não, porque limita as causas de extinção da punibilidade. Logo, para as pessoas que cometeram o delito antes da Lei nº 12.033/2009, a ação continua sendo privada, não retroagindo a lei. 

Isso significa que essa alteração irá retroagir para alcançar fatos anteriores à sua vigência? 

SIM. O § 5º do art. 171 do CP apresenta caráter híbrido (norma mista) e, além disso, é mais favorável ao autor do fato. Logo, tem caráter retroativo. A dúvida, no entanto, reside na extensão dessa retroatividade: 

A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei 13.964/2019, retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso? Mesmo que já houvesse denúncia oferecida, será necessário intimar a vítima para que ela manifeste interesse na continuidade do processo? NÃO. Havia divergência entre as Turmas do STJ, no entanto, o tema foi pacificado. Ficou decidido que: 

A exigência de representação da vítima no crime de estelionato não retroage aos processos cuja denúncia já foi oferecida. STJ. 3ª Seção. HC 610.201/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/03/2021 (Info 691). 

A retroatividade da representação prevista no § 5º do art. 171 do CP deve se restringir à fase policial. A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, não afeta os processos que já estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019. Assim, se já havia denúncia oferecida quando entrou em vigor a nova Lei, não será necessária representação do ofendido. 

O § 5º do art. 171 é uma condição de procedibilidade (e não de prosseguibilidade) 

O novo comando normativo apresenta caráter híbrido, pois, além de incluir a representação do ofendido como condição de procedibilidade para a persecução penal, apresenta potencial extintivo da punibilidade, sendo tal alteração passível de aplicação retroativa por ser mais benéfica ao réu. Contudo, além do silêncio do legislador sobre a aplicação do novo entendimento aos processos em curso, tem-se que seus efeitos não podem atingir o ato jurídico perfeito e acabado (oferecimento da denúncia), de modo que a retroatividade da representação no crime de estelionato deve se restringir à fase policial, não alcançando o processo. Do contrário, estar-se-ia conferindo efeito distinto ao estabelecido na nova regra, transformando-se a representação em condição de prosseguibilidade e não procedibilidade. Assim, pode-se afirmar que a irretroatividade do art. 171, §5º, do CP decorre da própria mens legis, considerando que, mesmo podendo, o legislador previu apenas a condição de procedibilidade, nada dispondo sobre a condição de prosseguibilidade. 

Segurança jurídica e ato jurídico perfeito 

Ademais, é importante registrar que essa conclusão pela não-retroatividade resguarda a segurança jurídica e o ato jurídico perfeito (art. 25 do CPP), quando já oferecida a denúncia. Prevalece, tanto neste STJ quanto no STF, o entendimento no sentido de que “a representação, nos crimes de ação penal pública condicionada, não exige maiores formalidades, sendo suficiente a demonstração inequívoca de que a vítima tem interesse na persecução penal. Dessa forma, não há necessidade da existência nos autos de peça processual com esse título, sendo suficiente que a vítima ou seu representante legal leve o fato ao conhecimento das autoridades” (STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 435.751/DF, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, DJe 04/09/2018). 

STF 

Vale ressaltar que esse já era o entendimento do STF: 

Em face da natureza mista (penal/processual) da norma prevista no §5º do artigo 171 do Código Penal, sua aplicação retroativa será obrigatória em todas as hipóteses onde ainda não tiver sido oferecida a denúncia pelo Ministério Público, independentemente do momento da prática da infração penal, nos termos do art. 2º, do CPP, por tratar-se de verdadeira “condição de procedibilidade da ação penal”. Assim, é inaplicável a retroatividade do §5º do art. 171 do Código Penal, às hipóteses onde o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019; uma vez que, naquele momento a norma processual em vigor definia a ação para o delito de estelionato como pública incondicionada, não exigindo qualquer condição de procedibilidade para a instauração da persecução penal em juízo. Em suma, a nova legislação não prevê a manifestação da vítima como condição de prosseguibilidade quando já oferecida a denúncia pelo Ministério Público. 

STF. 1ª Turma. HC 187341, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/10/2020. 

STF. 2ª Turma. ARE 1230095 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 24/08/2020.

15 de abril de 2021

Exigência de representação no crime de estelionato não retroage a ações iniciadas antes do Pacote Anticrime

 A Terceira Seção consolidou o entendimento das turmas criminais do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao definir que a exigência de representação da vítima como pré-requisito para a ação penal por estelionato – introduzida pelo Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) – não pode ser aplicada retroativamente para beneficiar o réu nos processos que já estavam em curso.

Com essa conclusão, o colegiado indeferiu pedido da Defensoria Pública de São Paulo para aplicar retroativamente a regra do parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal e reconhecer a extinção da punibilidade pela decadência em processo no qual um professor foi condenado por estelionato.

O Pacote Anticrime alterou a natureza jurídica da ação penal no delito de estelionato e passou a exigir a representação da vítima, como condição de procedibilidade, tornando-a, assim, ação pública condicionada à representação.

Irretroatividade

Para o ministro Ribeiro Dantas, relator do caso julgado na Terceira Seção, a nova norma não deve retroagir aos processos que estavam em curso quando do início da vigência do Pacote Anticrime. Ele lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou no sentido de considerar inaplicável a retroatividade do dispositivo às hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019.

Segundo o magistrado, o STF entendeu que, anteriormente à nova lei, a norma processual em vigor definia a ação para o delito de estelionato como pública incondicionada, não exigindo qualquer condição de procedibilidade para a instauração da persecução penal em juízo.

Ribeiro Dantas mencionou também o primeiro precedente sobre o tema, de relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca, que, em junho do ano passado, concluiu pela irretroatividade da norma – posicionamento que se repetiu em outros julgados do tribunal.

Condição de prosseguibilidade

O ministro ponderou ainda que a irretroatividade do parágrafo 5º do artigo 171 do Código Penal decorre da própria mens legis (finalidade da lei), pois o legislador previu apenas a condição de procedibilidade, nada dispondo – embora pudesse fazê-lo – sobre a condição de prosseguibilidade, isto é, condição necessária para o prosseguimento do processo.

Ribeiro Dantas ressaltou a necessidade de respeito aos princípios constitucionais do direito adquirido e do ato jurídico perfeito quando já oferecida a denúncia.  

Além disso, o relator acrescentou que, na jurisprudência do STJ, a representação do ofendido não exige qualquer formalidade, sendo suficiente que a vítima leve o fato ao conhecimento das autoridades. Segundo o ministro, na quase totalidade dos processos, a persecução penal apenas começou em razão da manifestação da vítima.

Leia o acórdão.​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 610201

14 de abril de 2021

Jurisprudência em Teses traz segunda parte sobre lavagem de capitais

A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) disponibilizou a edição 167 de Jurisprudência em Teses, intitulada Do Crime de Lavagem II. Nesta publicação, outras duas teses sobre o assunto foram destacadas.


A primeira estabelece que o reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição da infração penal antecedente não implica atipicidade do delito de lavagem (artigo 1º da Lei 9.613/1998).


A segunda afirma que, nos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, é legítima a exasperação da pena-base pela valoração negativa das consequências do crime em decorrência da movimentação de expressiva quantia de recursos que extrapole o elemento natural do tipo.


A ferramenta

Lançada em maio de 2014, Jurisprudência em Teses apresenta diversos entendimentos do STJ sobre temas específicos, escolhidos de acordo com sua relevância no âmbito jurídico.


Cada edição reúne teses identificadas pela Secretaria de Jurisprudência após cuidadosa pesquisa nos precedentes do tribunal. Abaixo de cada uma delas, o usuário pode conferir os precedentes mais recentes sobre o tema, selecionados até a data especificada no documento.


Para visualizar a página, clique em Jurisprudência > Jurisprudência em Teses, na barra superior do site.​

11 de abril de 2021

DIREITO PENAL – CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA: Importação de medicamentos sem registro na Anvisa e sanção

DIREITO PENAL – CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA

 

Importação de medicamentos sem registro na Anvisa e sanção - RE 979962/RS (Tema 1003 RG

 

Tese Fixada:

 

“É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei 9.677/1998 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese prevista no seu § 1º-B, I, que versa sobre a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para esta situação específica, fica repristinado o preceito secundário do art. 273, na redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa)”.

 

Resumo:

 

É inconstitucional a cominação da pena em abstrato atualmente prevista no art. 273 do Código Penal (CP) (1) — reclusão, de dez a quinze anos, e multa — para a importação de medicamentos sem registro no órgão de vigilância sanitária competente, conduta tipificada no art. 273, § 1º-B, I, do CP. O vício decorre da ofensa à vedação de penas cruéis e da afronta a princípios constitucionais, como o da proporcionalidade e o da individualização da pena.

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Presente contexto de clamor público, houve a modificação do art. 273 do CP pela Lei 9.677/1998 (Lei dos Remédios), inclusive com a criação de figuras delitivas. Atualmente, o CP equipara situações de fato bastante distintas quanto à conduta e as consequências potenciais. Nesse sentido, pune-se a mera importação e comercialização de medicamento sem registro sanitário com as mesmas penas da falsificação ou da adulteração de medicamentos. Ocorre que, se a norma trata com idêntica gravidade situações de reprovabilidade diversas, não há individualização da pena.

Impende registrar que o princípio da proporcionalidade proíbe a proteção deficiente e também o excesso. A respeito do comportamento em debate, a pena mínima é maior do que aquela prevista para o estupro de vulnerável, a extorsão mediante sequestro e a tortura seguida de morte. Em matéria penal, a proporcionalidade deve levar em conta a importância do bem jurídico tutelado, o grau de afetação do bem jurídico, o elemento subjetivo e a forma de participação do agente no delito. Dessa maneira, é evidente a desproporcionalidade do preceito secundário impugnado considerada a conduta específica de importar medicação sem registro sanitário. Agrega-se não serem admitidas penas cruéis e incomuns.

Aplicam-se os efeitos repristinatórios da declaração de inconstitucionalidade, com o retorno do preceito secundário do art. 273 do CP em sua redação original (2) — reclusão, de um a três anos, e multa — na hipótese de importação de medicamentos sem o mencionado registro.

A sanção estipulada irá abarcar apenas a conduta delitiva de importar medicação sem registro, uma vez que não foi declarada a inconstitucionalidade de toda a alteração legislativa do art. 273 do CP.

Ressalta-se que a objetividade jurídica defendida pelo aludido artigo — o bem jurídico tutelado — é a saúde pública. Além disso, embora possa parecer razoável, permitir a aplicação de norma secundária de tipo penal diverso pode gerar insegurança jurídica.

Na espécie, trata-se de dois recursos extraordinários. Um deles interposto pelo Ministério Público e o outro, pelo réu, que foi condenado por haver importado irregularmente, e posto à venda, remédio sem o devido registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No acórdão recorrido, o tribunal compreendeu ser inconstitucional o preceito secundário do tipo penal e aplicou sanção estabelecida para o delito de tráfico de drogas e minorante a ele correspondente.

Ao apreciar o Tema 1003 da repercussão geral, o Plenário, por maioria e em conclusão de julgamento, negou provimento ao recurso extraordinário do Parquet e deu parcial provimento ao recurso do condenado, determinando o retorno do processo ao tribunal de origem para aplicação da tese jurídica fixada. Vencidos os ministros Edson Fachin, Luiz Fux e Marco Aurélio.

(1) CP: “Art. 273 – Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. § 1º – Nas mesmaas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. (...) § 1º-B – Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: I – sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;”

(2) CP: “Art. 273. (...) Pena – reclusão, de um a três anos, e multa, de um a cinco contos de réis.”

RE 979962/RS, relator Min. Roberto Barroso, julgamento em 24.3.2021

Parte 1

Parte 2      

Parte 3

Parte 4  

10 de abril de 2021

STJ fixa critérios para utilizar natureza e quantidade de drogas no § 4º, art. 33, Lei 11.343/06

 A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível utilizar a natureza e quantidade de drogas no § 4º, art. 33, Lei 11.343/06, tanto para fins de valorar eventual redução, entre 1/6 e 2/3, quanto para impedir a incidência da minorante, no caso de demonstrarem dedicação à prática delitiva.

 A decisão (AgRg no HC 630.134/RS) teve como relator o ministro Felix Fischer.

Utilização da natureza e quantidade de drogas no § 4º

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. TRÁFICO PRIVILEGIADO. QUANTUM PROPORCIONAL À NATUREZA DA DROGA APREENDIDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO DESPROVIDO.

I – A parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.

II – O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.

III – Na espécie, houve fundamentação concreta e idônea para a fração do tráfico privilegiado, ante a natureza bastante lesiva da substância ilícita (crack), em consonância com o atual entendimento do col. Pretório Excelso, bem como desta eg. Corte Superior de Justiça.

Agravo regimental desprovido.

(AgRg no HC 630.134/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 29/03/2021)
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Pedro Ganem
Redator do Canal Ciências Criminais
Fonte: Canal Ciências Criminais

8 de abril de 2021

ROUBO IMPRÓPRIO; SENTENÇA CONDENATÓRIA; VERBA INDENIZATÓRIA; FIXAÇÃO A PEDIDO DO M.P.; FALTA DE LEGITIMIDADE ACIONÁRIA; EXCLUSÃO

ROUBO IMPRÓPRIO CONSUMADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA, INCLUSIVE COM A IMPOSIÇÃO DE VERBA INDENIZATÓRIA A SER PAGA PELO RÉU A FAVOR DA OFENDIDA. APELOS MINISTERIAL, PRETENDENDO O RECRUDESCIMENTO DAS PENAS E DO REGIME, E DEFENSIVO, PRETENDENDO A DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO SIMPLES TENTADO. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL E PARCIAL PROVIMENTO AO DO RÉU PARA EXCLUIR A VERBA INDENIZATÓRIA QUE FOI FIXADA A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Provado que o réu, após subtrair a bolsa da ofendida, foi perseguido por ela e que, para assegurar o sucesso de sua atitude, lhe deu um empurrão, derrubando-a, tendo continuado em fuga até ser preso, resta provado e caracterizado o roubo impróprio. O réu é primário e não extrapolou os limites do tipo, pelo que suas penas devem permanecer no mínimo e que o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve ser o aberto, tal como fixado na sentença. Embora pedida pelo Ministério Público na sua inicial acusatória, a verba indenizatória deve ser excluída, apesar de legalmente prevista.. Desde logo, impõe-se reconhecer que a possibilidade é legalmente prevista (CPP, art. 387, IV). Todavia, é imperativo interpretar o dispositivo legal em consonância com a Constituição Federal, que, em seu art. 127, caput, confere ao Ministério Público legitimidade para "(...) a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis." Por conseguinte, como a indenização por danos morais ou materiais, aludida no art. 387, IV, do Código de Processo Penal, tem natureza obrigacional, individual e disponível, escapa à legitimidade acionária do Ministério Público, eis que a Constituição Federal a exclui. Aliás, a capacidade postulatória que o art. 68 do Código de Processo Penal conferia ao Ministério Público, foi considerada pelo Supremo Tribunal Federal, em determinado instante da realidade nacional, progressivamente inconstitucional, pois nem todas unidades federativas haviam implantado a Defensoria Pública. Mas, à medida que o fizessem, cessaria aquela capacidade. A referência à capacidade postulatória e não à legitimidade acionária, se deve a que o autor daquela ação é o particular juridicamente pobre que sofreu o prejuízo e, assim, o Ministério Público atuaria com seu defensor e não como substituto processual. Veja-se: "Art. 68. Quando o titular do direito à reparação do dano for pobre (art. 32, §§ 1º e 2º), a execução da sentença condenatória (art. 63) ou a ação civil (art. 64) será promovida, a seu requerimento, pelo Ministério Público." Mas, não é só, pois, em consonância com seu art. 127, a Constituição Federal, no art.129, também não conferiu ao Ministério Público legitimidade extraordinária para pleitear, em nome próprio, perante o Judiciário, direito individual disponível. Por isso, neste caso de junção da jurisdição penal com a cível é indispensável que o ofendido ingresse na relação processual como litisconsorte para formular seu pedido indenizatório, cujo conteúdo tem de ser provado e debatido pelas partes, no caso, o ofendido e o réu, sem que se vede ao Ministério Público sua atuação fiscalizadora. Aliás, cabe lembrar que o estatuído no art. 387, IV, do Código de Processo Penal não é o único caso de confluência daquelas jurisdições, como se depreende do art. 630 e seus parágrafos do Código de Processo Penal, em que se impõe, todavia, o pedido expresso do próprio interessado. Recurso ministerial desprovido e provido em parte o do réu para excluir de sua condenação a verba indenizatória



0050989-12.2017.8.19.0001 - APELAÇÃO

SEXTA CÂMARA CRIMINAL

Des(a). NILDSON ARAÚJO DA CRUZ - Julg: 14/11/2019 - Data de Publicação: 15/12/2020

7 de abril de 2021

INJÚRIA RACIAL; OFENSA À HONRA SUBJETIVA DA VÍTIMA; AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS; DOLO CARACTERIZADO

EMENTA: CONSTITUCIONAL - PENAL - PROCESSO PENAL - INJÚRIA RACIAL - PROVA - CONDENAÇÃO - RECURSO DEFENSIVO - PLEITOS ABSOLUTÓRIO E DESCLASSIFICATÓRIO AFASTADOS - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - OFENSA VERBAL RELACIONADA À RAÇA E COR DA VÍTIMA - HONRA SUBJETIVA - DOLO CARACTERIZADO - RETORSÃO IMEDIATA - NÃO CONFIGURAÇÃO - AUSÊNCIA DE PROVOCAÇÃO DA VÍTIMA - DOSIMETRIA DOSADA CORRETAMENTE. Para a configuração do delito de injúria racial, além do dolo, elemento subjetivo do tipo, exige-se um fim específico, a intenção de humilhar e ofender a honra subjetiva de alguém de forma preconceituosa, com a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. No caso concreto, restou comprovado nos autos que a acusada ofendeu a honra subjetiva da vítima, quando fez referência a sua cor, oportunidade em que a chamou de "pretinha". Pretensão desclassificatória para a injuria simples afastada, eis que demonstrado na conduta elementos referentes à raça e à cor, o que basta a caracterizar a injuria racial. Neste tipo de infração, em regra sendo a ofensa proferida oralmente, a palavra da vítima e da testemunha ganha grande relevância, pois é considerado crime transeunte que não deixa vestígios, certo que o fato de não ter havido provocação anterior por parte da vítima afasta o pedido de reconhecimento da figura da retorsão imediata. O fato de estar a acusada voluntariamente embriagada não é capaz de afastar a sua responsabilidade penal, o que somente seria possível se demonstrada que a embriaguez resultou de caso fortuito ou força maior. Condenação mantida. Pena aplicada no mínimo legal e substituída por uma restritiva de direitos. Recurso desprovido.



0042903-43.2017.8.19.0004 - APELAÇÃO

PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Des(a). MARCUS HENRIQUE PINTO BASÍLIO - Julg: 17/11/2020 - Data de Publicação: 19/11/2020

TRIBUNAL DO JÚRI; SENTENÇA; RECONHECIMENTO DE CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE; AUSÊNCIA DE DEBATE EM PLENÁRIO; AFASTAMENTO; REPOSIÇÃO COMO QUALIFICADORA

PENAL. PROCESSO PENAL. JÚRI. APELAÇÃO CRIMINAL. DENUNCIADO PELOS CRIMES DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE E MEDIANTE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA, OCULTAÇÃO DE CADÁVER E CORRUPÇÃO DE MENORES, TUDO NA FORMA DO CONCURSO MATERIAL DE CRIMES (ARTIGOS 121, §2º, INCISOS I E IV; E 211, AMBOS DO CÓDIGO PENAL; E ARTIGO 1º DA LEI 2252/54; TUDO N/F DO ARTIGO 69 DO CÓDIGO PENAL). CONDENADO TÃO SOMENTE PELO CRIME DE OCULTAÇÃO DE CADÁVER. RECURSO MINISTERIAL OBJETIVANDO A SUBMISSÃO DO RÉU A NOVO JULGAMENTO SOB O ARGUMENTO DE QUE A DECISÃO DOS JURADOS SE MOSTROU MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. PROVIMENTO DO APELO MINISTERIAL. NOVO JULGAMENTO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI. CONDENAÇÃO DE A. C. G. J. PELOS CRIMES DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE E MEDIANTE RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA E OCULTAÇÃO DE CADÁVER. APELAÇÃO DEFENSIVA PLEITEANDO A REFORMA NA DOSIMETRIA DAS PENAS. 1 - A REDUÇÃO DAS PENAS-BASE AO PATAMAR MÍNIMO LEGAL OU, AO MENOS, QUE SEJAM REDUZIDOS OS PERCENTUAIS DE EXASPERAÇÃO PORQUANTO DESPROPORCIONAIS; 2- QUE AS DUAS QUALIFICADORAS SEJAM VALORADAS NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA DA PENA E NÃO COM UMA DELAS, A EXCEDENTE, SENDO VALORADA NA SEGUNDA FASE DO PROCESSO DOSIMÉTRICO COMO AGRAVANTE GENÉRICA; 3 - O AFASTAMENTO DA CONFIGURAÇÃO DA AGRAVANTE DO ARTIGO 62, I, DO CÓDIGO PENAL, POR ENTENDER QUE O ALEGADO PELO MAGISTRADO ("(...) EXERCIA FUNÇÃO DE LIDERANÇA NA QUADRILHA, NA COMUNIDADE NOVA HOLANDA, COM A INCUMBÊNCIA DE DETERMINAR AS AÇÕES DESENVOLVIDAS PELOS MEMBROS SUBALTERNOS DO GRUPO CRIMINOSO!'") NÃO SE MOSTRA MOTIVAÇÃO HÁBIL PARA A VALORAÇÃO REALIZADA. SUBSIDIARIAMENTE, REQUER SEJAM REDUZIDOS OS MONTANTES ACRESCIDOS EM VIRTUDE DAS AGRAVANTES CONSIDERADAS. PREQUESTIONAMENTO. ACOLHIMENTO PARCIAL DO INCONFORMISMO. CONSIDERANDO QUE SE TRATA DO SEGUNDO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI, VEDADA A SUBMISSÃO DO RÉU A UM TERCEIRO JULGAMENTO SOB O FUNDAMENTO DE A DECISÃO SER MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS E, DIGA-SE, NÃO É ISSO QUE SE PRETENDE NO INCONFORMISMO. SE O CONSELHO DE SENTENÇA, INDAGADO, RESPONDE POSITIVAMENTE À EXISTÊNCIA DE UMA OU MAIS QUALIFICADORAS, NÃO PODE O JUIZ AFRONTAR DE UMA SÓ VEZ A SOBERANIA DOS JULGAMENTOS PELO JÚRI E A PRÓPRIA LEI FEDERAL, NO CASO, O CÓDIGO PENAL, ESPECIALMENTE OS ARTS. 61 ("SÃO CIRCUNSTÂNCIAS QUE SEMPRE AGRAVAM A PENA, QUANDO NÃO CONSTITUEM OU QUALIFICAM O CRIME: (...)") E 68 ("A PENA-BASE SERÁ FIXADA ATENDENDO-SE AO CRITÉRIO DO ART. 59 DESTE CÓDIGO; EM SEGUIDA SERÃO CONSIDERADAS AS CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES; POR ÚLTIMO, AS CAUSAS DE DIMINUIÇÃO E DE AUMENTO."). VERIFICA-SE QUE A AFRONTA SE FEZ NAS DUAS FASES DO PROCESSO DOSIMÉTRICO QUANTO AO CRIME DE HOMICÍDIO, TENDO O JUIZ PRESIDENTE, ADEMAIS, RECONHECIDO CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE NÃO DEBATIDA PELAS PARTES EM PLENÁRIO, CONFORME SE EXTRAI DA ATA DE JULGAMENTO, AFRONTANDO TAMBÉM O DISPOSTO NO ART, 492, I, "B" DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL ("EM SEGUIDA, O PRESIDENTE PROFERIRÁ SENTENÇA QUE: I - NO CASO DE CONDENAÇÃO: B) CONSIDERARÁ AS CIRCUNSTÂNCIAS AGRAVANTES OU ATENUANTES ALEGADAS NOS DEBATES;"). COM EFEITO, A SUPRESSÃO DA REFERIDA QUALIFICADORA SE DEU PORQUE O MAGISTRADO A ENTENDEU COMO CAUSA AGRAVANTE, O QUE NÃO LHE É PERMITIDO POR LEI PORQUANTO, NA FORMA DO ARTIGO 61 DO CÓDIGO PENAL, SÓ PODE SER CONSIDERADA AGRAVANTE A CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO CONSTITUA OU QUALIFIQUE O CRIME. EM OUTRAS PALAVRAS, SE O JÚRI, INDAGADO, RECONHECER A CIRCUNSTÂNCIA QUALIFICADORA, VEDADO AO JUIZ PRESIDENTE MODIFICAR A SUA NATUREZA NA FIXAÇÃO DA PENA, PELO QUE SE AFASTA A REFERIDA AGRAVANTE E SE REPÕE A QUALIFICADORA PARA SER EXAMINADA NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE. DIANTE DISSO, E CONSIDERANDO AS DUAS QUALIFICADORAS RECONHECIDADS PELO JÚRI E QUE O MAGISTRADO SÓ VALOROU A TORPEZA EM DOIS ANOS E QUANTO À MA CONDUTA SOCIAL O FEZ DE FORMA INIDÔNEA, A PENA-BASE RESTA FIXADA EM 14 ANOS DE RECLUSÃO, PORÉM, POR NOVA MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO. NA SEGUNDA FASE DO PROCESSO DOSIMÉTRICO, CONSTATA-SE INEXISTIREM CICURNSTÂNCIAS AGRAVANTES E ATENUANTES A CONSIDERAR, RESTANDO O ACUSADO DEFINITIVAMENTE CONDENADO PELO HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO A PENA DE 14 ANOS DE RECLUSÃO E MANTIDO O REGIME PRISIONAL FECHADO. NO REFERENTE AO CRIME DE OCULTAÇÃO DE CADÁVER, REPETIU-SE A INIDONEIDADE FUNDAMENTATÓRIA QUANTO A MÁ CONDUTA SOCIAL ESTABELECIDA POR MERAS ANOTAÇÕES NA FAC E, TAMBÉM, CONSIDERANDO QUE O CRIME FOI JULGADO PELO TRIBUNAL DO JÚRI, A AGRAVANTE RECONHECIDA NA SENTENÇA NÃO FOI OBJETO DE DEBATE EM PLENÁRIO, RESTANDO O RÉU CONDENADO POR ESSE CRIME A UM ANO DE RECLUSÃO NO REGIME ABERTO E 10 DIAS-MULTA, SANÇÃO QUE SE DECLARA EXTINTA PELA PRESCRIÇÃO, TENDO COMO MARCOS A DATA DO JULGAMENTO DA PRIMEIRA APELAÇÃO E O SEGUNDO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.



0001199-56.2009.8.19.0028 - APELAÇÃO

SEXTA CÂMARA CRIMINAL

Des(a). JOSÉ MUIÑOS PIÑEIRO FILHO - Julg: 25/06/2020 - Data de Publicação: 11/12/2020

PRISÃO PREVENTIVA; DECRETAÇÃO DE OFÍCIO; INADMISSIBILIDADE; LEI N. 13964, DE 2019; CONSTRANGIMENTO ILEGAL; DECISÃO CASSADA

EMENTA: HABEAS CORPUS. ART. 157, § 3º, II, DO CP. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA DE OFÍCIO. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO POR INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REJEIÇÃO. MÉRITO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 311 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL DADA PELA LEI 13.964/19. JULGADOR SINGULAR INDUZIDO A ERRO POR MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL EQUIVOCADA E DESFUNDAMENTAMENTADA. DECISÃO CASSADA. É certo que, diante do manejo da ação constitucional em que se alega a ilegalidade da prisão preventiva porque decretada, de ofício, uma vez que o Parquet havia pugnado pela decretação da prisão temporária nos moldes requeridos pela representação da autoridade policial, a análise da alegação é necessária, não podendo o Tribunal condicionar o conhecimento da impetração à prévia formulação de reconsideração à autoridade coatora, sob pena de se incorrer em negativa de jurisdição. Portanto, afasta-se a preliminar de não conhecimento do habeas corpus destacada. Examinando detidamente os presentes autos, a ordem deve ser concedida. Ninguém pode ser privado de sua liberdade senão pelo devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), o que inclui não se impor qualquer privação ou restrição da liberdade, por qualquer medida cautelar, a não ser nas hipóteses previstas na Constituição ou nas leis. Com o advento do Pacote Anticrime (Lei 13.964/19), não mais se admite a decretação da prisão preventiva, de ofício, nos termos da nova redação do art. 311 do Código de Processo Penal No presente caso, ao que parece, o magistrado a quo foi induzido a erro pela cota ministerial lançada nos autos (pág. 103 - pasta 03 - anexo 1), a qual, anuindo com a decisão de declínio de competência proferida pelo Tribunal Popular, equivocadamente e desfundamentadamente, "ratificou a representação de prisão preventiva". Ocorre que, a manifestação formal da Autoridade Policial e do membro do Ministério Público, desde o início, era em favor da decretação da prisão temporária do custodiado. Nesse viés, forçoso concluir que a prisão preventiva foi decretada sem o necessário respaldo legal, fazendo-se necessária a soltura do Paciente, se por al não estiver preso. ORDEM CONCEDIDA.



0056506-93.2020.8.19.0000 - HABEAS CORPUS

SÉTIMA CÂMARA CRIMINAL

Des(a). JOAQUIM DOMINGOS DE ALMEIDA NETO - Julg: 19/11/2020 - Data de Publicação: 25/11/2020

ESTELIONATO; CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO; INSTITUIÇÃO DE ENSINO; OFERECIMENTO DE CURSOS TÉCNICOS IRREGULARES; AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DA SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO; PRINCÍPIO DA ABSORÇÃO DE CRIMES; APLICABILIDADE

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO, ESTELIONATO E FALSIDADE IDEOLÓGICA, EM CONCURSO MATERIAL (ART. 7.º, VII, DA LEI N.º 8.137/90, ART. 171, CAPUT, E ART. 299, CAPUT, NA FORMA DO ART. 69, TODOS DO CÓDIGO PENAL). APELANTE E CORRÉ QUE INDUZIAM CONSUMIDORES A ERRO POR VIA DE INDICAÇÃO FALSA E ENGANOSA SOBRE A QUALIDADE DOS SERVIÇOS PRESTADOS PELO COLÉGIO CURSO COEFICIENTE LTDA. E PELO CENTRO EDUCACIONAL MORAES BASTOS - CEMOB, OFERECENDO DIVERSOS CURSOS TÉCNICOS SEM QUE AS REFERIDAS INSTITUIÇÕES POSSUÍSSEM AUTORIZAÇÃO PARA FUNCIONAMENTO JUNTO À SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO, EMITINDO CERTIFICADOS DE CURSOS DE ENSINO FUNDAMENTAL, MÉDIO, SUPLETIVO E TÉCNICO SEM QUE OS ALUNOS FREQUENTASSEM AS AULAS, ALÉM DE INSERIR DECLARAÇÕES FALSAS EM CONTRATO SOCIAL. RECORRENTE E CORRÉ, REPRESENTANTES LEGAIS DO COLÉGIO ATG E RESPONSÁVEIS DE FATO PELO COLÉGIO CURSO COEFICIENTE LTDA., OS QUAIS, INVESTIDOS NESSAS FUNÇÕES, UTILIZARAM-SE DA SITUAÇÃO DE REGULARIDADE DO COLÉGIO ATG PARA CAPTAREM ALUNOS PARA OS CURSOS TÉCNICOS IRREGULARES EM PARCERIA COM O CEMOB. NULIDADE DA SENTENÇA, PORQUE PROFERIDA COM FUNDAMENTO EM PROVA EMPRESTADA. INOCORRÊNCIA. PROVA PRODUZIDA NOS AUTOS DO PROCESSO PRINCIPAL VÁLIDA E EFICAZ, PRINCIPALMENTE, PORQUE SUBMETIDA AO CONTRADITÓRIO. NULIDADE DECORRENTE DE FUNDAMENTAÇÃO ESTRANHA AOS AUTOS. INOCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE QUALQUER PREJUÍZO À AMPLA DEFESA DO APELANTE, NA FORMA DO PREVISTO NO ART. 563 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRETENSÃO DEFENSIVA À ABSOLVIÇÃO QUANTO AOS DELITOS DE ESTELIONATO E AO PREVISTO NA LEI N.º 8.137/90, POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS, E PELO CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA, NA FORMA DO ART. 386, III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUE SE NEGA, ESPECIALMENTE PELO VASTO CONJUNTO PROBATÓRIO ACOSTADO AOS AUTOS E RELATOS TESTEMUNHAIS, TODOS COERENTES E CONVERGENTES QUANTO À AUTORIA E AOS CRIMES, A AFASTAR A ALEGADA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS E ATIPICIDADE DA CONDUTA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE, AFASTANDO O CONCURSO MATERIAL ENTRE OS CRIMES DE ESTELIONATO E CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO, QUE SE CONCEDE. POSSIBILIDADE DE ABSORÇÃO, NÃO SÓ DO CRIME DE ESTELIONATO, MAS, TAMBÉM, DO DELITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA, PELO CRIME DE RELAÇÃO DE CONSUMO, PRINCIPALMENTE PORQUE AQUELES CRIMES FORAM PRATICADOS EXATAMENTE COMO CONDIÇÃO ESSENCIAL PARA A CONSUMAÇÃO DO CRIME DE CONSUMO, NUMA VERDADEIRA ETAPA NECESSÁRIA PARA ESTE, SEM OS QUAIS NÃO SERIA POSSÍVEL O CRIME FIM. REDUÇÃO DAS PENAS-BASE INVIÁVEL. A PENA INICIAL FIXADA PARA O CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO FIXADA DE FORMA ADEQUADA, JUSTIFICADA E PROPORCIONAL AO PREJUÍZO CAUSADO A DIVERSOS ALUNOS. ESTELIONATO PRIVILEGIADO PREJUDICADO ANTE A CONSUNÇÃO RECONHECIDA. SUBSTITUIÇÃO DE PENA E REGIME INICIAL ABERTO POSSÍVEIS, ANTE A QUANTIDADE DE PENA APLICADA, NA FORMA DOS ARTS. 44 E 33, § 2.º, C, DO CÓDIGO PENAL. REJEIÇÃO DAS PRELIMINARES E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO PARA APLICAR O PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO, ABSORVENDO OS CRIMES DE ESTELIONATO E DE FALSIDADE IDEOLÓGICA PELO CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO, SUBSTITUINDO-SE A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS E FIXANDO-SE O REGIME ABERTO.



0442219-04.2013.8.19.0001 - APELAÇÃO

QUARTA CÂMARA CRIMINAL

Des(a). FRANCISCO JOSÉ DE ASEVEDO - Julg: 27/10/2020 - Data de Publicação: 18/11/2020

TRIBUNAL DO JÚRI; RESULTADO MORTE; AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL; ACOLHIMENTO DA TESE PELOS JURADOS; PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA ÍNTIMA CONVICÇÃO; JULGAMENTO CONTRÁRIO À PROVA DOS AUTOS; NÃO CONFIGURAÇÃO


EMENTA Apelação Criminal. Tribunal do Júri. Apelado absolvido pela imputação relativa ao crime descrito no artigo 121, § 2º, II, do CP. Recurso ministerial pleiteando a cassação da decisão do Júri, alegando que ela é manifestamente contrária às provas dos autos. Parecer da Procuradoria de Justiça no sentido do provimento do recurso. 1. Segundo a denúncia, no dia 06/10/2015, no interior da residência, o denunciado com animus necandi, desferiu três golpes de faca contra seu irmão, R. provocando-lhe lesões corporais, que foram a causa eficiente de sua morte, que ocorreu no dia 22/10/2015, no Hospital, conforme o laudo de exame de necropsia acostado. O crime foi cometido por motivo fútil, já que a razão foi o fato de a vítima ter interferido em uma bronca que o denunciado dava em seu filho, menor com oito anos à época. 2. Extrai-se das provas que, após os golpes de faca sofridos, a vítima foi socorrida, recebeu alta e foi para casa. Após alguns dias, passou mal, não retornou logo ao hospital e, quando voltou, para extrair os pontos, foi internada e logo faleceu por infecção generalizada. 3. A tese principal defensiva em plenário foi ausência de nexo causal, que foi apresentada ao conselho de sentença. "No dia (...), no interior da residência (...), foram desferidos três golpes de faca contra R. J. DA R., causando-lhe lesões corporais, que, por sua natureza e sede, foram a causa de sua morte?". Na oportunidade os jurados responderam negativamente, restando os demais quesitos prejudicados. 4. Nos termos do artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, deve ser assegurada a soberania dos Veredictos. Prevalência do princípio da íntima convicção, sendo os jurados livres na valoração e na interpretação das provas, podendo fazer uso de quaisquer delas contidas nos autos, mesmo aquelas que não sejam as mais verossímeis. Admite-se a desconstituição dos seus julgamentos, excepcionalmente, quando o conjunto probatório não trouxer nenhum elemento a embasar a tese abraçada pelo Conselho de Sentença. 5. Na hipótese em julgamento, não temos uma prova pericial que determine que a vítima faleceu em virtude dos golpes sofridos, não ficando excluída a possibilidade de algum outro fator ter interferido no nexo causal, de modo a provocar a morte da vítima. Ficamos assim, no campo da incerteza quanto à real causa do óbito, o que permite aos jurados decidir num ou noutro sentido, dentro do âmbito da sua soberania. 5. Rejeitado o prequestionamento. 6. Recurso conhecido e não provido.



0096589-22.2018.8.19.0001 - APELAÇÃO

QUINTA CÂMARA CRIMINAL

Des(a). CAIRO ÍTALO FRANÇA DAVID - Julg: 26/11/2020 - Data de Publicação: 15/12/2020

Turmas penais unificam orientação sobre prova de autorização do morador para a entrada da polícia

 ​A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com base no precedente firmado pela Sexta Turma no HC 598.051, ratificou o entendimento de que cabe ao Estado demonstrar, de modo inequívoco – inclusive por meio de registro escrito e de gravação audiovisual –, o consentimento expresso do morador para a entrada da polícia em sua casa, quando não houver mandado judicial. Na hipótese de estar ocorrendo crime no local – o que permitiria o ingresso sem autorização do morador nem ordem judicial –, os agentes também devem comprovar essa situação excepcional.

Ao adotar o entendimento, de forma unânime, a Quinta Turma declarou a ilegalidade de provas obtidas por policiais que, segundo os moradores, ingressaram na residência sem o seu consentimento, em investigação sobre tráfico de drogas.

De acordo com os autos, em razão de denúncia anônima de tráfico, um casal foi abordado pela polícia em local público, sendo submetido a revista que, todavia, não encontrou nada ilegal. Na sequência, o casal foi conduzido até a casa onde morava e, após suposta autorização, os policiais entraram no imóvel e descobriram 110 gramas de cocaína e 43 gramas de maconha.

Segundo a defesa, entretanto, não houve consentimento para a revista domiciliar; em vez disso, os agentes levaram o casal à força, algemaram os dois e, mediante coação, ingressaram na casa.

Proteção mútua

Ao analisar o caso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) considerou legal a busca domiciliar, por entender que seria dispensável a apresentação de mandado judicial, em razão da natureza permanente do delito de tráfico de drogas. Além disso, a corte local acolheu o argumento de que houve a autorização dos moradores para a entrada dos policiais.

O relator do habeas corpus na Quinta Turma, ministro Ribeiro Dantas, citou precedentes do STJ no sentido de que a justa causa para a realização de busca domiciliar deve decorrer de algumas situações – por exemplo, o monitoramento prévio do local para se constatar a veracidade de denúncia anônima quanto à movimentação atípica de pessoas e à suspeita de venda de drogas na residência.

Em relação ao precedente da Sexta Turma no HC 598.051, Ribeiro Dantas destacou que, para salvaguarda dos direitos dos cidadãos e para a proteção da própria polícia, é impositivo que os agentes estatais façam o registro detalhado do ingresso em domicílio, com a autorização por escrito do morador, a indicação de testemunhas da ação e a gravação da diligência em vídeo.

Autorização viciada

Em seu voto, Ribeiro Dantas reafirmou que, no caso de confronto entre a versão policial e a do morador sobre o suposto consentimento, considerando as situações de constrangimento ilegal que costumeiramente ocorrem contra a população mais pobre, essa dúvida não pode ser resolvida em favor do Estado.

"Anote-se que a situação específica dos autos também permite supor que a dita autorização estaria viciada pela intimidação ambiental, já que os acusados foram algemados, colocados na viatura policial, e estavam na presença de policiais fardados", apontou o ministro ao reconhecer a ilegalidade da busca domiciliar e, por consequência, de todas as provas produzidas na diligência policial.

Ao conceder o habeas corpus, Ribeiro Dantas ainda lembrou que a Sexta Turma estabeleceu o prazo de um ano para o aparelhamento das polícias, o treinamento dos agentes e demais providências necessárias para evitar futuras situações de ilicitude que possam, entre outras consequências, resultar em responsabilização administrativa, civil e penal dos policiais, além da anulação das provas colhidas na investigação.

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Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):HC 616584