Mostrando postagens com marcador Inconstitucionalidade Material. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Inconstitucionalidade Material. Mostrar todas as postagens

19 de agosto de 2021

Filigrana doutrinária: Luis Roberto Barroso - Inconstitucionalidade Material , nulidade e efeito "ex tunc" / retroativo

"A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí por que a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato. Corolário natural da teoria da nulidade é que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório – e não constitutivo – limitando-se a reconhecer uma situação preexistente. Como consequência, seus efeitos se produzem retroativamente, colhendo a lei desde o momento de sua entrada no mundo jurídico. Disso resulta que, como regra, não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante". 


BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 16. 

A inexistência jurídica da sentença pode ser declarada em ação autônoma (querela nullitatis insanabilis) e também no próprio processo em que proferida, na fase de cumprimento de sentença ou até antes dela, se possível, especialmente na hipótese em que a matéria foi previamente submetida ao crivo do contraditório e não havia a necessidade de dilação probatória

RECURSO ESPECIAL Nº 1.904.374 - DF (2020/0143768-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. OMISSÕES. INOCORRÊNCIA. QUESTÕES DECIDIDAS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. QUESTÃO CONSTITUCIONAL QUE DEVE SER EXAMINADA EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. EFEITO EX TUNC COMO REGRA. MODULAÇÃO TEMPORAL DE EFEITOS E EFICÁCIA EX NUNC COMO EXCEÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA MODULAÇÃO DE EFEITOS. NECESSIDADE. TEMA 809/STF. APLICABILIDADE AOS PROCESSOS EM QUE NÃO TENHA HAVIDO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE PARTILHA. TUTELA DA CONFIANÇA E PREVISIBILIDADE DAS RELAÇÕES PROCESSUAIS FINALIZADAS SOB A ÉGIDA DO ART. 1.790 DO CC/2002. PRÉ-EXISTÊNCIA DE DECISÃO EXCLUINDO HERDEIRO DA SUCESSÃO À LUZ DO DISPOSITIVO POSTERIORMENTE DECLARADO INCONSTITUCIONAL. IRRELEVÂNCIA. AÇÃO DE INVENTÁRIO SEM SENTENÇA DE PARTILHA E SEM TRÂNSITO EM JULGADO. EQUIPARAÇÃO COM DECISÃO PROFERIDA NO CURSO DO INVENTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO EM IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE IMPLICA NA POSSIBILIDADE DE SEU EXAME NA FASE DE CONHECIMENTO. 

1- Ação proposta em 03/02/2004. Recurso especial interposto em 25/11/2019 e atribuído à Relatora em 07/10/2020. 

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o acórdão recorrido possui omissões relevantes; (ii) se a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema 809, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”, deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. 

3- Inexiste omissão quando o acórdão recorrido enfrenta amplamente a questão controvertida, ainda que contrariamente aos interesses da parte recorrente, bem como inexiste omissão quando a questão que se alega deveria ter sido enfrentada possui natureza constitucional e não houve a interposição de recurso extraordinário pela parte. 

4- Considerando que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade, a declaração de sua inconstitucionalidade, de regra, produz efeito ex tunc, ressalvadas as hipóteses em que, no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, houver a modulação temporal dos efeitos, que é excepcional. 

5- Da excepcionalidade da modulação decorre a necessidade de que o intérprete seja restritivo, a fim de evitar inadequado acréscimo de conteúdo sobre aquilo que o intérprete autêntico pretendeu proteger e salvaguardar. 

6- Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 (tema 809), o Supremo Tribunal Federal modulou temporalmente a aplicação da tese para apenas “os processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha”, de modo a tutelar a confiança e a conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (ou seja, às ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002). 

7- Aplica-se a tese fixada no tema 809/STF às ações de inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002, excluiu herdeiro da sucessão e que a ela deverá retornar após a declaração de inconstitucionalidade e a consequente aplicação do art. 1.829 do CC/2002. 

8- Não são equiparáveis, para os fins da aplicação do tema 809/STF, as sentenças de partilha transitadas em julgado e as decisões que, incidentalmente, versam sobre bens pertencentes ao espólio, uma vez que a inconstitucionalidade de lei, enquanto questão de ordem pública, é matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença e que, com muito mais razão, pode ser examinada na fase de conhecimento. 

9- Recurso especial conhecido e desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Dr. GUSTAVO HENRIQUE CAPUTO BASTOS, pela parte RECORRENTE: TIAGO BASTOS DE MIRANDA RIBEIRO e Outro 

Brasília (DF), 13 de abril de 2021(Data do Julgamento) 

MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora 


RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): 

Cuida-se de recurso especial interposto por VITOR BASTOS DE MIRANDA RIBEIRO e TIAGO BASTOS DE MIRANDA, com base no art. 105, III, alínea “a” do permissivo constitucional, contra o acórdão do TJ/DFT que, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento por eles interposto. 

Recurso especial interposto e m: 25/11/2019. 

Atribuído ao gabinete e m: 07/10/2020. 

Ação: de inventário e partilha de bens de SADY CARNOT ASSIS DE MIRANDA RIBEIRO. 

Decisão interlocutória: diante da declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 pelo Supremo Tribunal Federal (tema 809/STF), que equiparou o regime sucessório entre cônjuges e companheiros, determinou fosse aplicado ao inventário e partilha de bens de SADY a regra do art. 1.829 do CC/2002, razão pela qual a recorrida ROSANE DE AZAMBUJA VILLANOVA, companheira de SADY, passou a concorrer com os descendentes em relação aos bens particulares deixados pelo falecido (fls. 843/844 e fl. 849, e-STJ). 

Acórdão do TJ/DFT: por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelos recorrentes, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS. INCONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 1829 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS Nº 646.721/RS E Nº 878.694/MG. DECISÃO MANTIDA. 1. A hipótese consiste em verificar se determinado bem imóvel deve, ou não, ser incluído na herança da ex-companheira do falecido. 2. Ressalta-se que por ocasião do julgamento realizado no dia 10 de maio de 2017, ao apreciar os Recursos Extraordinários nº 646.721/RS e nº 878694/MG, o Excelso Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil e fixou a seguinte tese: “É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. 3. No caso, o processo principal ainda não foi sentenciado, razão pela qual os efeitos da mencionada declaração de inconstitucionalidade certamente atingiram a decisão que aplicou o art. 1790 do Código Civil e excluiu a ex-companheira da partilha referente ao bem imóvel questionado, tendo em vista que ela foi fundamentada essencialmente na aplicação de disposição que deixou de ser válida perante o sistema normativo pátrio. 4. Frise-se que a consequência prática dessa afirmação é a aplicação do art. art. 1829, e seguintes, do Código Civil e não o art. 1790 anteriormente mencionado. Isso porque o companheiro passou a ser tratado de forma isonômica, atraindo para si o mesmo regime jurídico aplicável ao cônjuge. 5. Recurso conhecido e desprovido (fls. 875/881, e-STJ). 

Embargos de declaração: opostos pelos recorrentes, foram rejeitados, por unanimidade (fls. 883/888, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se, em síntese: (i) violação ao art. 1.022, I e parágrafo único, II, e ao art. 489, §1º, IV e V, ambos do CPC/15, ao fundamento de que o acórdão recorrido possuiria omissões relevantes acerca da existência de coisa julgada formal e de impossibilidade de a decisão do STF produzir efeitos vinculantes; (ii) violação aos arts. 203, §2º, 503, §1º, 505, 507 e 927, todos do CPC/15, ao fundamento de que, em decisão interlocutória acobertada pela preclusão, a recorrida ROSANE foi excluída da concorrência com os herdeiros em relação a um determinado bem imóvel, razão pela qual a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no tema 809 não se aplicaria à hipótese e não poderia ela ser considerada, posteriormente, herdeira do referido bem (fls. 401/431, e-STJ). 

Parecer do Ministério Público Federal: opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 908/924, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): 

Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o acórdão recorrido possui omissões relevantes; (ii) se a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema 809, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”, deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. 

EXISTÊNCIA DE OMISSÕES RELEVANTES. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.022, I E PARÁGRAFO ÚNICO, II, E ART. 489, §1º, IV E V, AMBOS DO CPC. 

01) De início, anote-se que os recorrentes alegaram a violação aos arts. 1.022, I, parágrafo único, II, e 489, §1º, IV e V, ambos do CPC/15, especialmente ao fundamento de que existiriam duas omissões relevantes no acórdão recorrido, que não teria examinado: (i) a existência de coisa julgada formal decorrente de decisão versando sobre a concorrência hereditária proferida antes da fixação da tese pelo Supremo Tribunal Federal e acobertada pela preclusão temporal; (ii) a inexistência de efeito vinculante na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade por ocasião do julgamento do tema 809. 

02) Em relação ao primeiro ponto, não há omissão, na medida em que a questão controvertida – existência de coisa julgada formal ou de preclusão que impediria novo exame da matéria – foi amplamente enfrentada pelo acórdão recorrido, que, interpretando a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do tema 809, concluiu ser ela aplicável em virtude de ainda não existir, na hipótese, sentença de partilha transitada em julgado. 

03) No que se refere ao segundo aspecto, sublinhe-se que que a eficácia vinculante da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade, a despeito de positivada nos arts. 525, §12, e 535, §5º, ambos do CPC/15, é matéria de índole constitucional – os próprios recorrentes afirmam que o acórdão recorrido deveria ter se pronunciado sobre os arts. 52, X, e 102, III e §2º, ambos da Constituição Federal – razão pela qual eventual omissão sobre a questão constitucional deveria ter sido objeto de oportuna impugnação em recurso extraordinário não interposto pelas partes. 

04) Diante desse cenário, não há que se falar em existência de omissões relevantes no acórdão recorrido. 

DA APLICABILIDADE DA TESE FIXADA NO JULGAMENTO DO TEMA 809/STF À HIPÓTESE. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 203, §2º, 503, §1º, 505, 507 E 927, TODOS DO CPC/15. 

05) Para melhor contextualizar a controvérsia, sublinhe-se que o juízo do inventário de SADY CARNOT ASSIS DE MIRANDA RIBEIRO, diante de sentença que reconheceu a existência de união estável entre o falecido e a recorrida ROSANE no período entre 1997 e janeiro de 2004, proferiu em 09/10/2014 a decisão de fl. 517 (e-STJ) que, aplicando expressamente o art. 1.790 do CC/2002, reconheceu que ROSANE apenas teria direito aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável com o falecido, a serem identificados pelo inventariante e pelos demais herdeiros. 

06) Sobrevieram, então, petições do inventariante e das partes em cumprimento das referidas determinações judiciais e, após o contraditório, o juízo do inventário proferiu em 22/05/2015 a decisão de fls. 534/535 (e-STJ), vazada nos seguintes termos: 

Em relação ao imóvel de fl. 167, está evidenciada a data de sua aquisição conforme certidão de matrícula em referência, não participando a Sra. Rosane da sua aquisição visto que o registro de compra e venda data o ano de 1995, anterior ao início de sua relação com o inventariado. Consequentemente os valores decorrentes da locação do imóvel também serão devidos somente aos filhos. 

07) Por ocasião do julgamento do RE 878.694/MG com repercussão geral reconhecida (tema 809), cujo acórdão foi publicado no DJe de 06/02/2018, o Pleno do Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. 

08) Naquela assentada, o Supremo Tribunal Federal, levando em “consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas)”, entendeu por bem modular temporalmente os efeitos da aplicação da tese acima enunciada, de modo que a referida solução deve “ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública”. 

09) Em face dessa nova realidade, o juízo do inventário proferiu a decisão de fls. 843/844 (e-STJ) em que determinou a inclusão, no rol de bens partilháveis entre a recorrida e os recorrentes, do bem imóvel que havia sido outrora excluído da partilha mediante a aplicação do art. 1.790 do CC/2002. Ao julgar os embargos de declaração opostos pelos recorrentes (fl. 849, e-STJ), o juízo do inventário consignou expressamente a aplicação do precedente do Supremo Tribunal Federal: 

O Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no julgamento dos Recursos Extraordinários nos 646721 e 878694, ambos com repercussão geral reconhecida, declarou inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no artigo 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do artigo 1.829 do CC/2002. Assim, a companheira concorre com os descendentes em relação aos bens particulares deixados pelo falecido, nos termos do inciso I do artigo 1.829 do Código Civil de 2002. 

10) O acórdão recorrido, mantendo a decisão acima reproduzida, assim se pronunciou quanto ao ponto: 

A decisão de fl. 12 (Id. 7177331), proferida em 9 de outubro de 2014, aplicou o art. 1790 do Código Civil e excluiu a ex-companheira da partilha referente ao bem imóvel questionado, pois o referido bem foi adquirido pelo falecido antes da constância da união estável. Dessa forma, sob o fundamento da aludida regra, a ex-companheira não poderia ter sido incluída na partilha do mencionado bem imóvel, seja na posição de meeira ou de herdeira. Ocorre que por ocasião do julgamento realizado no dia 10 de maio de 2017, ao apreciar os Recursos Extraordinários nº 646.721/RS e nº 878694/MG, o Excelso Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil... (...) Na ocasião, excepcionou-se a regra geral da invalidade da norma inconstitucional (efeitos ex tunc) com a modulação dos efeitos do acórdão, em respeito ao princípio da segurança jurídica. Assim, a afirmada inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil produz efeitos apenas em relação aos inventários não acobertados pela eficácia do trânsito em julgado da sentença. O processo principal ainda não foi sentenciado, como os próprios agravantes ressaltaram nas razões do agravo. Portanto, os efeitos da supracitada declaração de inconstitucionalidade certamente atingiram a decisão de fl. 12 (Id. 7177331), tendo em vista que esse provimento jurisdicional foi fundamentado essencialmente na aplicação do dispositivo que não mais se afigura válido em nosso sistema normativo. A consequência prática dessa conclusão é a aplicação do art. 1829, e seguintes, do Código Civil ao presente caso e não o art. 1790 acima referido. Isso porque o companheiro passou a ser tratado de forma isonômica, atraindo para si o mesmo regime jurídico aplicável ao cônjuge. Por isso, a recorrida deve ser admitida como herdeira para concorrer com os descendentes na sucessão do falecido, inclusive em relação ao bem imóvel situado no (...), de acordo com o art. 1829, inc. I, do Código Civil. 

11) A tese dos recorrentes é de que as decisões que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002, excluíram o bem imóvel da concorrência hereditária entre a recorrida e os recorrentes estariam acobertadas pelo manto da imutabilidade decorrente da preclusão e da coisa julgada formal, motivo pelo qual não poderiam ser alcançadas pela superveniente declaração de inconstitucionalidade da regra legal pelo Supremo Tribunal Federal. 

12) A esse respeito, registre-se que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade e que a consequência disso é que, como regra, a declaração de inconstitucionalidade de lei produz efeito ex tunc. Quanto ao ponto, leciona Luís Roberto Barroso: 

A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí por que a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato. Corolário natural da teoria da nulidade é que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório – e não constitutivo – limitando-se a reconhecer uma situação preexistente. Como consequência, seus efeitos se produzem retroativamente, colhendo a lei desde o momento de sua entrada no mundo jurídico. Disso resulta que, como regra, não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante. (BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 16). 

13) Todavia, é conhecida a lição e o entendimento que conferem eficácia prospectiva (efeito ex nunc) às decisões que declaram a inconstitucionalidade de lei, fundando-se em razões de diversas ordens – proteção à boa-fé, tutela da confiança, previsibilidade, pragmatismo e consequencialismo jurídico são algumas delas. A partir desses ideais é que se concebeu a denominada modulação temporal dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade. 

14) Não se pode perder de vista, entretanto, que a retroatividade é a regra e que a modulação de efeitos é a exceção. Nesse sentido, leciona Teresa Arruda Alvim: 

Importante consignar, todavia, que a utilização indevida da modulação, transformando-a em regra, quando, na verdade, é exceção, pode ensejar mais insegurança jurídica e estimular a edição de leis inconstitucionais. A excepcionalidade desse instituto exige fundamentação qualificada. Trata-se de instituto que deve ser excepcionalmente usado, tanto no ambiente do controle concentrado, quanto no da alteração de precedentes/jurisprudência firme, sendo este último o objeto principal deste estudo. À época de sua concepção, foi visto como algo tão excepcional que o quórum para modular era (é) maior do que o exigido para a própria declaração de inconstitucionalidade. (ALVIM, Teresa Arruda. Modulação: na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 27). 

15) Diante desse cenário, é correto afirmar que as interpretações subsequentes da modulação de efeitos devem ser restritivas, a fim de que não haja inadequado acréscimo de conteúdo exatamente aquilo que o intérprete autêntico pretendeu, em caráter excepcional, proteger e salvaguardar. 

16) Estabelecidas essas premissas, é preciso examinar o acórdão do Supremo Tribunal que deu origem à tese fixada no tema 809, especificamente no que tange à modulação de efeitos: 

Por fim, não se pode esquecer que o tema possui enorme repercussão na sociedade, em virtude da multiplicidade de sucessões de companheiros ocorridas desde o advento do CC/2002. Levando-se em consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas), entendo ser recomendável modular os efeitos da aplicação do entendimento ora afirmado. Assim, com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública. 

17) Como se percebe, a preocupação do Supremo Tribunal Federal é tutelar a confiança e conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (isto é, nas ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002), razão pela qual se fixou a tese de que a declaração de inconstitucionalidade somente deverá alcançar os processos judiciais em que não houve trânsito em julgado da sentença de partilha. 

18) É incontroverso que, na hipótese, ainda não houve trânsito em julgado da sentença de partilha, mas, ao revés, somente a prolação de decisões que versaram sobre a concorrência hereditária sobre um bem específico. 

19) Considerando ser incontroverso que a inconstitucionalidade é uma questão de ordem pública, conclui-se que era lícito ao juízo do inventário, que havia deliberado, em anteriores decisões, pela exclusão da recorrida da sucessão hereditária em virtude da regra do art. 1.790 do CC/2002, rever seu posicionamento, incluindo-a na sucessão, antes da prolação da sentença de partilha, em virtude do reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo legal pelo Supremo Tribunal Federal. 

20) Isso porque, desde a reforma promovida pela Lei 11.232/2005, a declaração superveniente de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal torna inexigível o título que nela se funda, tratando-se de matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença – ou seja, após o trânsito em julgado da sentença (art. 475, II e §1º, do CPC/73) –, motivo pelo qual, com muito mais razão, deverá o juiz deixar de aplicar a lei inconstitucional antes da sentença de partilha, marco temporal eleito pelo Supremo Tribunal Federal para modular os efeitos da tese fixada no julgamento do tema 809. 

21) Assim, aplica-se à hipótese, por analogia, o recente entendimento desta Corte, que, também interpretando o tema 809/STF, concluiu que “a inexistência jurídica da sentença pode ser declarada em ação autônoma (querela nullitatis insanabilis) e também no próprio processo em que proferida, na fase de cumprimento de sentença ou até antes dela, se possível, especialmente na hipótese em que a matéria foi previamente submetida ao crivo do contraditório e não havia a necessidade de dilação probatória”. (REsp 1.857.852/SP, 3ª Turma, DJe 22/03/2021). 

CONCLUSÃO. 

22) Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu e negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

8 de junho de 2021

É inconstitucional dispositivo de lei estadual que institui gratificação aos membros do MP pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral a ser paga pelo Poder Judiciário

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-1015-stf-1.pdf


MINISTÉRIO PÚBLICO - É inconstitucional dispositivo de lei estadual que institui gratificação aos membros do MP pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral a ser paga pelo Poder Judiciário 

A Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB ajuizou ADI contra o art. 2º e o art. 91, V, da Lei Complementar estadual nº 106/2003, do Estado do Rio de Janeiro. O art. 2º prevê autonomia financeira ao MP. O art. 91, V, afirma que os membros do MP possuem direito à gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral, verba a ser paga pelo TRE. A AMB possui pertinência temática para ajuizar ações que busquem o aperfeiçoamento e a defesa do funcionamento do próprio Poder Judiciário. Assim, o interesse dessa associação não se restringe às matérias de interesse corporativo. O art. 2º é constitucional. É constitucional dispositivo de lei estadual que prevê a autonomia financeira do Ministério Público. Fundamento: art. 127, § 1º e § 3º, da CF/88. O art. 91, V é inconstitucional. É inconstitucional dispositivo de lei estadual que institui gratificação aos membros do MP pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral a ser paga pelo Poder Judiciário. A previsão representa uma inadequada ingerência na autonomia financeira do Poder Judiciário. STF. Plenário. ADI 2831/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

O caso concreto foi o seguinte:

 A Associação dos Magistrados Brasileiros - AMB ajuizou ADI contra o art. 2º e o art. 91, V, da Lei Complementar estadual nº 106/2003, oriunda do Estado do Rio de Janeiro. Confira a redação dos dispositivos impugnados: 

Art. 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional, administrativa e financeira, cabendo-lhe, especialmente: (...) 

Art. 91. Além dos vencimentos, são asseguradas as seguintes vantagens aos membros do Ministério Público: (...) V - gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral, equivalente àquela devida ao magistrado ante o qual oficiar e pagável com as dotações próprias do Tribunal Regional Eleitoral neste Estado; 

Antes de adentrar ao mérito do julgado, é importante indagar: a AMB possui legitimidade para propor essa ADI? 

SIM. A AMB é uma associação, de âmbito nacional, que tem como associados os magistrados estaduais, federais, trabalhistas e militares. Trata-se, portanto, de entidade de classe de âmbito nacional, nos termos do art. 103, IX, da CF/88: 

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (...) IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. 

Ainda sobre esse tema: a AMB é um legitimado universal ou precisa comprovar a pertinência temática? 

Precisa comprovar a pertinência temática. Explicando melhor. A jurisprudência do STF construiu a tese de que alguns dos legitimados do art. 103 da CF/88 poderiam ajuizar ações diretas de inconstitucionalidade questionando leis ou atos normativos que tratassem sobre todo e qualquer assunto. Tais legitimados seriam, portanto, legitimados ativos universais. Por outro lado, o STF afirmou que os demais legitimados, ao proporem a ADI, deveriam comprovar que possuem legítimo interesse na ação. São, por isso, chamados de legitimados ativos especiais. Este legítimo interesse que precisa ser demonstrado é chamado de pertinência temática. 

Legitimados ativos da ADI e ADC 

UNIVERSAIS (NEUTROS) 

São aqueles que podem propor ADI e ADC contra leis ou atos normativos que versem sobre qualquer matéria, sem a necessidade de comprovar interesse específico no julgamento da ação. 

Quem são os legitimados universais: • Presidente da República; • Mesa do Senado e Mesa da Câmara; • Procurador-Geral da República; • Conselho Federal da OAB • Partido político com representação no CN


ESPECIAIS (NÃO UNIVERSAIS) 

São aqueles que somente podem propor ADI e ADC contra leis ou atos normativos que tratem sobre matérias que digam respeito às funções ou objetivos do órgão ou entidade. O autor especial terá que provar o seu interesse específico no julgamento daquela ação. Terá que ser provada a pertinência temática entre a norma impugnada e os objetivos do autor da ação. 

Quem são os legitimados especiais: • Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF; • Governador de Estado/DF; • Confederação sindical; • Entidade de classe de âmbito nacional. 

A entidade de classe de âmbito nacional, por ser um legitimado especial, deverá provar que a legislação questionada guarda relação de pertinência temática com as finalidades institucionais dessa entidade (STF. Plenário. ADI 2903, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 01/12/2005). 

A pertinência temática da AMB para ajuizamento da ADI não se limita aos interesses corporativos dos magistrados 

O STF entende que: 

A AMB possui pertinência temática para ajuizar ações que busquem o aperfeiçoamento e a defesa do funcionamento do próprio Poder Judiciário. Assim, o interesse dessa associação não se restringe às matérias de interesse corporativo. STF. Plenário. ADI 2831/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

Passemos ao mérito. O art. 2º da Lei, que assegura autonomia ao Ministério Público, é constitucional? SIM. 

É constitucional dispositivo de lei estadual que prevê a autonomia financeira do Ministério Público. STF. Plenário. ADI 2831/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

A Constituição Federal, no art. 127, estabelece algumas prerrogativas institucionais ao Ministério Público: 

§1º: Princípios institucionais: Unidade, Indivisibilidade e Independência funcional 

§2º: Autonomia: Funcional Administrativa 

§3º: Orçamentária: Elaborar proposta orçamentária dentro dos limites na LDO 

O §2º, do art. 127, assegura ao Ministério Público a autonomia funcional e administrativa: 

Art. 127 (...) § 2º Ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento. 

Apesar do dispositivo não falar expressamente em autonomia financeira, esta também é assegurada ao Ministério Público? SIM. 

O STF entende que a autonomia financeira é assegurada ao Ministério Público pela Constituição Federal, com base nos seguintes dispositivos: 

• Art. 127, §3º, da CF: consagra a autonomia orçamentária do Ministério Público, ao prever a prerrogativa de elaboração da proposta orçamentária; 

• Art. 127, §1º, da CF: autonomia financeira é corolário da independência funcional; 

• Art. 99, §1º, CF: a autonomia financeira assegurada ao Poder Judiciário deve ser aplicada, sem qualquer distinção, ao Ministério Público. 

Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira. § 1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias. Art. 127 (...) § 1º São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. (...) § 3º O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias. 

Sobre o tema, veja: 

A falta da expressão “autonomia financeira” no art. 127, § 2º, da Constituição Federal não invalida a construção interpretativa de sua efetiva existência como garantia do livre exercício das funções institucionais do Ministério Público. Mesmo antes da Emenda Constitucional nº 19/98, o STF já consagrava a competência do Ministério Público para a fixação da política remuneratória de seus membros e dos serviços auxiliares. Precedentes. Constitucionalidade dos arts. 135, caput e I, e 136 da Constituição do Estado do Ceará. STF. Plenário. ADI 145/CE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 20/6/2018 (Info 907). 

Portanto, é constitucional a previsão em lei estadual da autonomia financeira do Ministério Público, já que encontra respaldo na própria Constituição Federal, de acordo com o posicionamento do STF. O tratamento é simétrico (semelhante) àquele conferido ao Poder Judiciário, sem qualquer distinção, no art. 99, § 1º da CF/88: 

Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira. § 1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias. (...) 

Não faria sentido reconhecer a autonomia financeira ao Poder Judiciário e negá-la ao Ministério Público. 

E o art. 91, V, da lei, também é constitucional? 

NÃO. O STF considerou que esse dispositivo viola a CF/88: 

É inconstitucional dispositivo de lei estadual que institui gratificação aos membros do MP pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral a ser paga pelo Poder Judiciário. STF. Plenário. ADI 2831/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgado em 30/4/2021 (Info 1015). 

Relembrando a redação do dispositivo: 

Art. 91. Além dos vencimentos, são asseguradas as seguintes vantagens aos membros do Ministério Público: (...) V - gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral, equivalente àquela devida ao magistrado ante o qual oficiar e pagável com as dotações próprias do Tribunal Regional Eleitoral neste Estado; 

Os Estados podem estabelecer, através de lei complementar, a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público. São as chamadas “Leis Orgânicas do Ministério Público”. A iniciativa legislativa é reservada ao respectivo Procurador-Geral de Justiça, nos termos do art. 128, §5º, da CF/88: 

Art. 128 (...) § 5º Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros: (...) 

O julgado se refere exatamente a dispositivos da Lei Orgânica do Ministério Público do Rio de Janeiro (Lei Complementar Estadual 106/03). Observa-se que, no trâmite do processo legislativo desta lei complementar, não houve qualquer participação do Poder Judiciário, já que a iniciativa foi do chefe do Ministério Público (PGJ), seguindo para o Poder Legislativo (Assembleia Legislativa), e sendo sancionada pelo Poder Executivo (Governador). É impróprio que ato normativo, cujo processo legislativo foi deflagrado pelo Procurador-Geral de Justiça, imponha ao Poder Judiciário obrigação financeira, bem assim a realização de dotação orçamentária específica. O princípio da separação de Poderes não pode ser interpretado como absoluto, mas tampouco são adequadas medidas voltadas a moldar o campo de atuação de outro Poder, sobretudo quando ausente a oportunidade de participação na discussão e tomada de decisão. No caso, a obrigação imposta ao Judiciário no preceito em jogo decorre de diploma alusivo à atuação exclusiva do MP e concernente às respectivas finalidades institucionais. Descabe autorizar a inserção, nesse instrumento normativo, de preceito a criar obrigação e despesa a outro Poder. 

A inconstitucionalidade do dispositivo não é pela gratificação em sim, mas pelo fato de a lei representar uma ingerência na autonomia financeira do Poder Judiciário 

Vale ressaltar que a inconstitucionalidade do dispositivo não decorre do estabelecimento de gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral. Existe, inclusive, previsão dessa gratificação no art. 50, VI, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93): 

Art. 50. Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas, a membro do Ministério Público, nos termos da lei, as seguintes vantagens: (...) VI - gratificação pela prestação de serviço à Justiça Eleitoral, equivalente àquela devida ao Magistrado ante o qual oficiar; 

O vício de inconstitucionalidade, neste caso, decorreu do fato de ter havido uma inadequada ingerência na autonomia financeira do Poder Judiciário 

Dispositivo 

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido da ação direta, para declarar a constitucionalidade do art. 2º e a inconstitucionalidade do art. 91, V, ambos da Lei Complementar estadual nº 106/2003, do Estado do Rio de Janeiro. Ficou vencido o Min. Marco Aurélio (relator) apenas no tocante à legitimidade da requerente. O Min. Marco Aurélio não reconhecia a legitimidade da AMB, mas ficou vencido


5 de junho de 2021

É inconstitucional norma constitucional estadual pela qual se prevê hipótese de intervenção estadual em municípios não contemplada no art. 35 da Constituição Federal

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-1014-stf.pdf

  

INTERVENÇÃO 

É inconstitucional norma constitucional estadual pela qual se prevê hipótese de intervenção estadual em municípios não contemplada no art. 35 da Constituição Federal 


A Constituição Estadual não pode trazer hipóteses de intervenção estadual diferentes daquelas que são elencadas no art. 35 da Constituição Federal. As hipóteses de intervenção estadual previstas no art. 35 da CF/88 são taxativas. Caso concreto: STF julgou inconstitucionais os incisos IV e V do art. 25 da Constituição do Estado do Acre, que previa que o Estado-membro poderia intervir nos Municípios quando: IV – se verificasse, sem justo motivo, impontualidade no pagamento de empréstimo garantido pelo Estado; V – fossem praticados, na administração municipal, atos de corrupção devidamente comprovados. STF. Plenário. ADI 6616/AC, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 26/4/2021 (Info 1014). 

Princípio da autonomia dos entes 

A União, os Estados, o DF e os Municípios são autônomos (art. 18 da CF/88). A autonomia dos entes é manifestada pelas seguintes capacidades que possuem: a) auto-organização: capacidade de os Estados elaborarem suas próprias Constituições e de o DF e os Municípios elaborarem suas Leis Orgânicas; b) autogoverno: prerrogativa que os entes possuem de elegerem os seus respectivos governantes (Governadores, Prefeitos, Deputados, Vereadores); c) autoadministração: capacidade que os entes possuem de dirigirem os seus próprios órgãos e serviços públicos e de exercerem suas competências, sem interferência de outro ente. Assim, por exemplo, as decisões administrativas do Estado-membro “X” são tomadas exclusivamente por este Estado-membro “X”, sem que possam sofrer a interferência da União, de outros Estados-membros ou de Municípios; d) auto legislação: prerrogativa dos entes de editarem suas próprias leis, de acordo com as competências fixadas pela CF. 

Equilíbrio federativo (pacto federativo) 

Apesar de serem autônomos, os entes da Federação têm que obedecer aos princípios e regras da CF/88 a fim de manter o equilíbrio federativo. 

Intervenção: instrumento para manter o equilíbrio federativo 

A CF/88 prevê que, se houver risco à manutenção do equilíbrio federativo, é possível a utilização de um mecanismo chamado de “intervenção”. A finalidade da intervenção é proteger a estrutura constitucional federativa contra atos destrutivos de unidades federadas. 

Conceito de intervenção A intervenção é... - uma medida de natureza política, - excepcional, - prevista taxativamente na CF/88, - consistente na incursão (intromissão) de um ente superior em assuntos de um ente inferior, - restringindo temporariamente a autonomia deste, - com o objetivo de preservar o pacto federativo - e fazer cumprir os demais princípios e regras constitucionais. 

Princípio da não-intervenção 

A regra é que um ente não pode intervir em outro. A intervenção de um ente em outro é excepcional. Somente fatos de enorme gravidade justificam essa medida extrema. 

Espécies de intervenção: 

Há dois tipos de intervenção em nossa Federação: a) intervenção da União nos Estados, no Distrito Federal ou nos Municípios localizados em Territórios (intervenção federal): art. 34 da CF/88; b) intervenção dos Estados nos Municípios (intervenção estadual): art. 35 da CF/88. 

Intervenção FEDERAL → União intervém nos Estados. 

Intervenção ESTADUAL → Estados intervêm nos Municípios. (Obs.: a União não intervém em Municípios, a não ser que estejam em Territórios). 

Hipóteses de intervenção federal 

As hipóteses excepcionais de intervenção federal estão previstas taxativamente no art. 34 da CF/88. Vejamos cada uma delas, analisando o procedimento adotado: 


HIPÓTESES 

A União poderá intervir nos Estados/DF se essa medida for necessária para: 

1) manter a integridade nacional. Ex.: um determinado Estado-membro inicia um forte movimento para se separar do restante do Brasil. 

2) repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra. Ex.: a Colômbia decide conquistar Tabatinga (AM). 

3) pôr termo (acabar) a grave comprometimento da ordem pública. Ex.: o Estado-membro não está conseguindo controlar o crime organizado. 

4) reorganizar as finanças do Estado/DF caso ele tenha: a) suspendido o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior; b) deixado de entregar aos Municípios as receitas tributárias, dentro dos prazos estabelecidos em lei. 


PROCEDIMENTO 

O Presidente da República, ao perceber a ocorrência de alguma dessas hipóteses, deverá decretar a intervenção, mesmo que não tenha sido solicitada por ninguém. Em outras palavras, a intervenção será decretada de ofício (de forma espontânea). O Presidente decreta a intervenção por meio de um Decreto Presidencial, o qual deverá trazer as regras sobre a intervenção (amplitude, prazo, condições). No Decreto, o Presidente poderá nomear um interventor para administrar o Estado, caso entenda necessário. O Decreto deverá ser submetido à apreciação do Congresso Nacional, no prazo de 24 horas. A doutrina chama isso de “controle político” da intervenção. Se o Congresso não estiver funcionando, o Presidente do Senado deverá fazer uma convocação extraordinária. Antes de decretar a intervenção, o Presidente consultará o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, sendo tais manifestações apenas opinativas (não vinculantes)

HIPÓTESES 

5) A União poderá intervir no Estado/DF para garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação. 

PROCEDIMENTO 

Se for o Poder Executivo ou Legislativo estadual que estiver sendo coagido/impedido, deverá solicitar (“pedir”) ao Presidente da República que intervenha no Estado. Se o Poder Judiciário estiver sendo coagido/impedido, deve solicitar providências ao STF. Se o STF concordar com o pedido, irá requisitar do Presidente da República a intervenção (a requisição é vinculante). O Decreto de intervenção também será submetido à apreciação do CN, no prazo de 24 horas. 

HIPÓTESES 

6) A União poderá intervir no Estado/DF para prover (garantir) a execução de ordem ou decisão judicial que esteja sendo desrespeitada. 

PROCEDIMENTO 

A decretação da intervenção dependerá de requisição do STF, do STJ ou do TSE. Assim, o STF, o STJ ou o TSE, a depender de qual ordem/decisão judicial esteja sendo descumprida, irá requisitar do Presidente da República a intervenção federal. Assim, p. ex., se a decisão do TSE é que foi descumprida, o Presidente desta Corte irá requisitar a intervenção ao Presidente da República. E se o Estado/DF estiver descumprindo uma decisão de juiz ou Tribunal de 2ª instância? Nesse caso, o Tribunal local deverá fazer uma representação ao Tribunal Superior competente (STF, STJ ou TSE) solicitando a intervenção. Se o Tribunal Superior concordar, ele irá requisitar ao Presidente da República a intervenção. Para saber qual o Tribunal Superior será competente, deverá ser analisada a matéria discutida e para quem seria dirigido o eventual recurso. Ex.1: caberá ao STJ o exame da intervenção federal nos casos em que a matéria é infraconstitucional (legislação federal) e o possível recurso deva ser encaminhado ao STJ. Ex.2: se a questão for constitucional, o pedido de intervenção será julgado pelo STF. Obs.: NÃO é necessária a apreciação pelo CN, tendo em vista que a intervenção foi determinada pelo Poder Judiciário em julgamento de ação judicial. 


HIPÓTESES 

7) A União poderá intervir no Estado/DF para prover (garantir) a execução de lei federal que esteja sendo desrespeitada. 

8) A União poderá intervir no Estado/DF para assegurar a observância dos princípios constitucionais sensíveis, que são os seguintes: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático; b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta. e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino (25%) e nas ações e serviços públicos de saúde. 

PROCEDIMENTO

A decretação da intervenção dependerá de provimento (decisão julgando procedente), pelo STF, de representação do Procurador-Geral da República. Assim, verificando a ocorrência de uma dessas duas hipóteses, o PGR deverá propor uma representação de inconstitucionalidade interventiva (ação direta de inconstitucionalidade interventiva) junto ao STF. Se o STF julgar a ação procedente, deverá levar ao conhecimento do Presidente da República para que este, no prazo improrrogável de até 15 dias, tome as seguintes providências: a) expeça decreto de intervenção; b) nomeie, nesse mesmo decreto, o interventor (se couber). Vale ressaltar que nem sempre haverá a nomeação de interventor. O procedimento está previsto na Lei nº 12.562/2011. Obs.1: a decretação da intervenção é vinculada, cabendo ao Presidente a mera formalização da decisão tomada pelo STF. Obs.2: o decreto deve limitar-se a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida for suficiente para o restabelecimento da normalidade. Obs.3: NÃO é necessário que a intervenção seja apreciada pelo Congresso Nacional. 


Intervenção federal como limitação circunstancial ao poder de reforma constitucional 

A Constituição Federal não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio (art. 60, § 1º). 

HIPÓTESES DE INTERVENÇÃO ESTADUAL 

As hipóteses excepcionais de intervenção nos Municípios estão previstas taxativamente no art. 35 da CF/88. É o Estado-membro que tem a possibilidade constitucional de intervir nos Municípios. Em regra, a União não intervém em Municípios, a não ser que estejam em Territórios. 

Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: I - deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada; II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial. 

Veja agora o caso concreto julgado pelo STF 

A Constituição do Estado do Acre previu o seguinte: 

Art. 25. O Estado não intervirá no Município, salvo quando: (...) IV – se verificar, sem justo motivo, impontualidade no pagamento de empréstimo garantido pelo Estado; V – forem praticados, na administração municipal, atos de corrupção devidamente comprovados; (...) 

Essa previsão é válida? 

NÃO. Isso porque essas hipóteses não estão previstas na Constituição Federal. 

A Constituição Estadual não pode trazer hipóteses de intervenção estadual diferentes daquelas que são elencadas no art. 35 da Constituição Federal. As hipóteses de intervenção estadual previstas no art. 35 da CF/88 são taxativas. STF. Plenário. ADI 6616/AC, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 26/4/2021 (Info 1014). 

Seja federal ou estadual, a intervenção é mecanismo essencial e excepcional para o equilíbrio federativo. Ela consiste em procedimento que somente deve ser adotado nas hipóteses e condições taxativamente estabelecidas na CF, pelo seu papel limitador da atuação dos entes federados. No tocante à intervenção estadual, salienta-se que as disposições do art. 35 da CF/88 consubstanciam preceitos de observância compulsória por parte dos estados-membros. As hipóteses excepcionais — pelas quais permitida a supressão da autonomia municipal e autorizada a intervenção — estão taxativamente nele previstas, sem possibilidade de alteração pelo legislador constituinte estadual, para ampliá-las ou reduzi-las. Assim, a Constituição estadual não pode trazer outras situações de intervenção estadual diferentes daquilo que foi insculpido na CF/88 (STF. Plenário. ADI 336, Rel. Min. Eros Grau, julgado em 10/02/2010). V

eja como o tema já foi cobrado em prova: 

 (Procurador TCU 2015 CESPE) A intervenção em município localizado em estado-membro ocorrerá, em cada caso, conforme as hipóteses estabelecidas livremente na respectiva Constituição estadual, que definirá, entre outras coisas, os seus próprios princípios constitucionais de intervenção. (errado)


18 de abril de 2021

É inconstitucional lei estadual que estabeleça prazo decadencial de 10 (dez) anos para anulação de atos administrativos reputados inválidos pela Administração Pública estadual.

 DIREITO ADMINISTRATIVO – DECADÊNCIA

 

Inconstitucionalidade material por violação à isonomia na relação Estado-cidadão - ADI 6019/SP 

 

Resumo:

 

É inconstitucional lei estadual que estabeleça prazo decadencial de 10 (dez) anos para anulação de atos administrativos reputados inválidos pela Administração Pública estadual.

 

O prazo quinquenal consolidou-se como marco temporal geral nas relações entre o Poder Público e particulares (1) (2) e esta Corte somente admite exceções ao princípio da isonomia quando houver fundamento razoável baseado na necessidade de remediar um desequilíbrio específico entre as partes (3).

Se os demais estados da Federação aplicam, indistintamente, o prazo quinquenal para anulação de atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos administrados, seja por previsão em lei própria ou por aplicação analógica do art. 54 da Lei 9.784/1999 (4), não há fundamento constitucional que justifique a situação excepcional de um determinado estado-membro. Logo, impõe-se o tratamento igualitário nas relações Estado-cidadão.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, julgou procedente o pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 10, I, da Lei 10.177/1998 (5) do estado de São Paulo. Vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli que, preliminarmente, não conheceram da ação e, no mérito, julgaram improcedente o pedido. O ministro Marco Aurélio (relator) também julgou o pedido procedente, mas ficou parcialmente vencido por declarar a inconstitucionalidade do dispositivo ante a existência de vícios formal e material.

(1) Decreto 20.910/1932: “Art. 1º. As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem”

(2) Lei 5.172/1966: “Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado; II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado. Parágrafo único. O direito a que se refere este artigo extingue-se definitivamente com o decurso do prazo nele previsto, contado da data em que tenha sido iniciada a constituição do crédito tributário pela notificação, ao sujeito passivo, de qualquer medida preparatória indispensável ao lançamento.”

(3) Precedente: RE 640.905/SP, relator Min. Luiz Fux (DJe de 1º.2.2018).

(4) Lei 9.784/1999: “Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. § 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento. § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.”

(5) Lei 10.177/1998: “Artigo 10 - A Administração Pública anulará seus atos inválidos, de ofício ou por provocação de pessoa interessada, salvo quando: I - ultrapassado o prazo de dez anos contado de sua produção;”

ADI 6019/SP, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 12.4.2021 (segunda-feira), às 23:59


16 de abril de 2021

Norma do Amazonas sobre obrigatoriedade de Bíblia em escolas e bibliotecas públicas é inconstitucional

 O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de norma do Amazonas que obriga as escolas e as bibliotecas públicas estaduais a manterem em seu acervo ao menos um exemplar da Bíblia Sagrada para livre consulta. A decisão foi tomada, por unanimidade, na sessão virtual encerrada em 7/2, em que foi julgada procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5258, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).


Princípio da laicidade

O colegiado seguiu o voto da relatora, ministra Cármen Lúcia, que lembrou que o processo histórico constitucional que resultou na adoção da laicidade do Estado no Brasil vem desde a Constituição Federal de 1891, que consolidou a República como novo regime de governo. Esse princípio foi mantido nas demais constituições e reforçado na Carta de 1988, que deu ênfase aos valores democráticos e assegurou a liberdade religiosa como direito fundamental.

Para a ministra, os dispositivos da Lei 74/2010 do Amazonas, que determinam a existência de exemplar da Bíblia em ambientes públicos estimulam e promovem um conjunto de crenças e dogmas em prejuízo de outros. Em seu entendimento, a obrigatoriedade ofende os princípios da laicidade do Estado, da liberdade religiosa e da isonomia entre os cidadãos.

Tratamento desigual

A norma, segundo a relatora, também confere tratamento desigual entre os cidadãos, pois assegura apenas aos adeptos de crenças inspiradas na Bíblia acesso facilitado em instituições públicas. "A lei amazonense desprestigia outros livros sagrados quanto a estudantes que professam outras crenças religiosas e também aos que não têm crença religiosa alguma", afirmou. 

Ela ressaltou, ainda, que, em matéria confessional, compete ao Estado manter-se neutro, para preservar a integridade do direito fundamental à liberdade religiosa, em favor dos cidadãos.

A ministra citou precedentes da Corte em casos análogos, como o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1014615, em que foi reconhecida a invalidade de lei do Rio de Janeiro que determinava a obrigação de manutenção de exemplares da Bíblia em bibliotecas do estado, e a ADI 5257, em que a Corte julgou inconstitucional norma de Rondônia que havia adotado a Bíblia como livro-base de fonte doutrinária.