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1 de maio de 2021

Prescrição e Teoria da actio nata - REsp. 1.736.091, Rel. Min. Nancy Andrighi, 16/05/2019

REsp. 1.736.091, Rel. Min. Nancy Andrighi, 16/05/2019


DA PRESCRIÇÃO E DA TEORIA DA ACTIO NATA NA FEIÇÃO SUBJETIVA 

O Código Civil de 1916 ainda não albergava os avanços da moderna ciência processual, assinalando, em seu art. 177, que a prescrição estaria relacionada às “ações pessoais”, adotando, assim, a teoria imanentista da ação, segundo a qual o direito de ação era indissociavelmente ligado ao direito material. A Súmula 150/STF, de igual maneira, adotava a teoria imanentista, ao consignar que “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” (sem destaque no original). 

O atual Código Civil adequou-se, todavia, à atual teoria do direito subjetivo público e abstrato de ação, passando a prever, em seu art. 189, que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição” (sem destaque no original). 

Como se vê, a perspectiva normativa foi modificada, haja vista no CC/16 ser feita referência à ação do tempo sobre as “ações pessoais”, ao passo que o CC/02 faz menção à prescrição da pretensão. 

Com efeito, a doutrina ressalta no ponto que “o novo Código Civil brasileiro esposou o entendimento antes consagrado pelo direito alemão, no sentido de conectar a ideia de prescrição ao fenômeno da pretensão, ou da 'Anspruch', na linguagem tedesca” (Theodoro Júnior, Humberto. Prescrição: ação, exceção e pretensão. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 9, n. 51, p. 22-39, nov./dez. 2012). 

Trata-se, pois, de um notável refinamento conceitual. 

Nesse contexto, a prescrição gera a extinção da pretensão e se relaciona unicamente à pretensão e, assim, a esse específico aspecto do direito material violado, haja vista que o direito subjetivo material em si quanto o direito subjetivo processual de ação permanecem incólumes. 

De fato, a prescrição fulmina a pretensão, mantendo a existência do direito subjetivo material, mas sem proteção jurídica para solucioná-lo. Tanto isso é verdade que uma dívida prescrita pode ser paga, apesar de não poder ser exigida, e, sendo paga, não caberá a ação de repetição de indébito, conforme previsão expressa do art. 882 do CC/02. 

Diante desses esclarecimentos, “a prescrição pode ser conceituada como a perda da pretensão pelo seu não exercício em determinado lapso temporal, estando relacionada a direitos subjetivos de cunho patrimonial” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Prescrição. Conceito e princípios regentes. Início do prazo e teoria da Actio Nata, em sua feição subjetiva. Eventos continuados ou sucessivos que geram o enriquecimento sem causa. Lucro da atribuição. Termo a quo contado da ciência do último ato lesivo. Análise de julgado do Superior Tribunal de Justiça e relação com eventos descritos. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 12, n. 70, p. 98-126, jan./fev. 2016). 

3.1. Da Teoria da actio nata 

A Teoria da actio nata tem intrínseca relação com a distinção, no campo material, entre o direito subjetivo e a pretensão, haja vista ter como pedra fundamental o momento da exigibilidade da prestação – ou seja, a pretensão – para marcar o termo inicial da fluência do prazo prescricional. 

Realmente, segundo referida teoria, o prazo prescricional somente pode iniciar seu curso a partir do momento em que a prestação se torne exigível, com a violação do direito subjetivo. 

Desse modo, como afirmado por esta e. Terceira Turma, “o prazo prescricional subordina-se ao princípio da actio nata: o prazo tem início a partir da data em que a credora pode demandar [...] a satisfação do direito”, razão pela qual “antes que exista uma pretensão exercitável, não pode correr a prescrição” (REsp 949.434/MT, Terceira Turma, DJe 10/06/2010, sem destaque no original). 

De igual forma, a Quarta Turma pontua que “o termo inicial da contagem dos prazos de prescrição encontra-se na lesão ao direito, da qual decorre o nascimento da pretensão, que traz em seu bojo a possibilidade de exigência do direito subjetivo violado” (AgInt no REsp 1388503/RJ, Quarta Turma, DJe 18/02/2019, sem destaque no original). 

3.1. Da vertente subjetiva da teoria da actio nata 

Embora, em regra, o início do prazo prescricional tenha início com o nascimento da pretensão – ou seja, com a exigibilidade da prestação –, a vertente subjetiva da teoria da actio nata ensina que a contagem do prazo prescricional exige a efetiva inércia do titular do direito, a qual somente se verifica diante da inexistência de óbices ao exercício da pretensão e a partir do momento em que o titular tem ciência inequívoca do dano, de sua extensão, e da autoria da lesão. 

Elaborando a ideia de “pretensão exercitável”, a doutrina salienta, quanto ao tema, que “não basta surgir a ação (actio nata), mas é necessário o conhecimento do fato” e que “trata-se de situação excepcional, pela qual o início do prazo, de acordo com a exigência legal, só se dá quando a parte tenha conhecimento do ato ou fato do qual decorre o seu direito de exigir”, de modo que “não basta assim, que o ato ou fato violador do direito exista para que surja para ela [a pretensão]” (SIMÃO, José Fernando. Tempo e Direito Civil. Prescrição e Decadência. São Paulo: USP 2011, p. 268, sem destaque no original). 

Assim, conforme reconheceu esta e. 3ª Turma, adotando o escólio de CÂMARA LEAL (Da Prescrição e da Decadência. 4ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro. 1982. p. 20-24), são quatro as condições para o início do prazo prescricional “a) existência de uma ação exercitável; b) inércia do titular da ação pelo seu não-exercício; c) continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo; d) ausência de causas preclusivas de seu curso” (REsp 1.347.715/RJ, Terceira Turma, DJe 04/12/2014, sem destaque no original). 

A aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva – e a contagem do prazo a partir do momento em que o titular tem o total conhecimento dos fatores que compõe a lesão e o dano – é, contudo, excepcional.

Com efeito, segundo a jurisprudência desta 3ª Turma, “admite-se a aplicação da chamada teoria da actio nata em seu viés subjetivo que, em síntese, confere ao conhecimento da lesão pelo titular do direito subjetivo violado a natureza de pressuposto indispensável para o início do prazo de prescrição”, mas “essa teoria tem sido aplicada por esta Corte em casos de ilícitos extracontratuais nos quais a vítima não tem como conhecer a lesão a sua esfera jurídica no momento em que ocorrida” (REsp 1711581/PR, Terceira Turma, DJe 25/06/2018, sem destaque no original). No mesmo sentido: REsp 1.645.746/BA, Terceira Turma, DJe 10/08/2017; e REsp 1354348/RS, Quarta Turma, DJe 16/9/2014. 

30 de abril de 2021

CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. FALECIMENTO. MANDATO. EXTINÇÃO. ART. 689, II, CC/2002. CLÁUSULA QUOTA LITIS. ÊXITO. CONDIÇÃO SUSPENSIVA. ART. 199, I, CC/2002.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.605.604 - MG (2016/0148328-7) 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA 

RECURSO ESPECIAL. CONTRATO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. FALECIMENTO. MANDATO. EXTINÇÃO. ART. 689, II, CC/2002. CLÁUSULA QUOTA LITIS. ÊXITO. CONDIÇÃO SUSPENSIVA. ART. 199, I, CC/2002. 

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

2. Cinge-se a controvérsia a definir o termo inicial da prescrição da pretensão de obter o pagamento de honorários advocatícios contratuais na hipótese em que, ocorrendo o falecimento do mandante, o instrumento negocial estipula cláusula quota litis e condiciona o recebimento da referida verba à liberação dos valores da condenação. 

3. O prazo prescricional é contado, em regra, a partir do momento em que configurada lesão ao direito subjetivo, sendo desinfluente para tanto ter ou não seu titular conhecimento pleno do ocorrido ou da extensão dos danos (art. 189 do CC/2002). 

4. O termo inicial do prazo prescricional, em situações específicas, pode ser deslocado para o momento de conhecimento da lesão, aplicando-se excepcionalmente a actio nata em seu viés subjetivo. Precedentes. 

5. Nas ações de cobrança de honorários advocatícios contratuais, ocorrendo o falecimento do mandante, o termo inicial da prescrição, em regra, é a data da ciência desse fato pelo advogado (mandatário). 

6. A existência de cláusula quota litis em contrato de prestação de serviços advocatícios faz postergar o início da prescrição até o momento da implementação da condição suspensiva. 

7. Recurso especial não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília (DF), 20 de abril de 2021(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por ROSÁLIA MARIA ALMEIDA SCHIAFFINO, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim ementado: 

"EMENTA: AÇÃO DE COBRANÇA C/C MEDIDA CAUTELAR INOMINADA - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS - AÇÃO TRABALHISTA - ILEGITIMIDADE PASSIVA - PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. Não sendo inventariado o valor recebido em razão da ação trabalhista patrocinada pelo advogado, e sendo as dependentes legalmente habilitadas perante a previdência social, incumbe a elas o dever de arcar com os honorários advocatícios contratuais, visto que se beneficiaram dos serviços prestados. Nos termos do art. 206, §5°, Inc. II, do CPC, prescreve em cinco anos a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandatos. (V.V.) 'De conformidade com o art. 206, § 5°, II,CC, prescreve em cinco anos a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandatos'. Devem ser respeitadas as cláusulas contratuais, por aplicação do princípio pacta sunt servanda, inexistindo razões para a desconsideração do pacto" (fl. 324 e-STJ). 

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 385-386 e-STJ). 

Nas presentes razões (fls. 389-403 e-STJ), a recorrente, além de dissídio jurisprudencial, aponta violação do art. 206, § 5º, II, do Código Civil de 2002. 

Sustenta que o termo inicial da prescrição para cobrança de honorários contratuais é a data do falecimento do mandante, conforme expressa previsão legal. 

Defende que a continuidade da prestação dos serviços após a ciência da morte do outorgante não tem o condão de postergar o início do prazo prescricional. 

Discorre acerca da existência do conflito aparente de normas e, em seguida, argumenta que deve prevalecer a regra especial (art. 206, § 5º, II, do CC/2002) em detrimento do preceito geral (art. 189 do CC/2002). 

Esclarece ser fato incontroverso que em, 25/11/2004, o procurador foi informado acerca da morte do mandante, cessando, nesta data, o mandato outorgado. 

Postula, ainda, a aplicação do princípio segundo o qual a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza, tendo em vista que continuou a exercer o mandato irregularmente, valendo-se desse subterfúgio para afastar a prescrição. 

Com as contrarrazões (fls. 428-429 e-STJ), a Terceira Vice-Presidência do Tribunal de origem admitiu o processamento do presente apelo (fls. 431-432 e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). A irresignação não merece prosperar. 

Cinge-se a controvérsia a definir o termo inicial da prescrição da pretensão de obter o pagamento de honorários advocatícios contratuais na hipótese em que, ocorrendo o falecimento do mandante, o instrumento negocial estipula cláusula quota litis e condiciona o recebimento da referida verba à liberação dos valores da condenação. 

1. Do histórico da demanda 

Na origem, Alysson de Almeida Furtado (ora recorrido) ajuizou medida cautelar inominada e ação de cobrança contra Rosália Maria Almeida Schiaffino (ora recorrente) e Paula Maria Cantarino Schiaffino (ora interessada) visando o bloqueio on-line de valores e o recebimento de quantia decorrente da prestação de serviços advocatícios em demanda trabalhista julgada procedente (fls. 1-6 e-STJ). 

O magistrado de piso julgou procedentes os pedidos para tornar definitiva a liminar anteriormente concedida e para condenar as rés ao pagamento da importância de R$ 298.458,32 (duzentos e noventa e oito mil quatrocentos e cinquenta e oito reais e trinta e dois centavos) (fls. 179-191 e-STJ). 

Irresignadas, as requeridas interpuseram apelação, sendo que o Tribunal de origem, por maioria, rejeitou a prejudicial de prescrição e, no mérito, negou provimento ao recurso em votação unânime, conforme de observa do trecho a seguir: 

"(...) O ordenamento jurídico pátrio, especificamente no art. 189 do Código Civil, acolhe o princípio da actio nata, ao dispor que 'violado o direito nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição'. A respeito da necessidade de ciência do dano para o reconhecimento da prescrição da pretensão que deste advém, elucidativa é a lição doutrinária de Nestor Duarte ao afirmar que: (...) Dispõe o art. 206, § 5º, II, CC: (...) No caso dos advogados, o mesmo prazo [5 anos] é estabelecido pela Lei n. 8.906/94, conhecido como Estatuto da OAB. Neste ponto, registro que, como bem fundamentou a em. Desembargadora Relatora ao enfrentar a preliminar de ilegitimidade passiva, com o falecimento do Sr. Pedro Schiaffino, a responsabilidade pelo pagamento das dívidas assumidas pelo 'de cujus' passa a ser das Apelantes, visto que se beneficiaram dos serviços prestados pelo Apelado. Desta forma, a extinção do mandato pela morte, neste caso, não pode ser considerado como início do prazo prescricional, eis que os serviços continuaram a ser prestados. (...) Com efeito, a pretensão de recebimento dos honorários advocatícios nasce no momento em que ocorreu a conclusão dos serviços, ou seja, com a liberação dos valores da condenação no processo em que os serviços foram prestados, momento também em que a verba se tornou exigível. Conforme cópia da decisão proferida nos autos da ação trabalhista em comento, a liberação da parte incontroversa da condenação ocorreu em 26 de outubro de 2010 (fls. 305 dos autos da ação cautelar), sendo este, portanto, o termo inicial para contagem do prazo prescricional. Destarte, concluo que a medida cautelar inominada foi distribuída em 27 de março de 2012, antes de escoado o prazo prescricional de 05 anos, razão pela qual REJEITO a prejudicial de prescrição" (fls. 332-333 e-STJ). 

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 385-386 e-STJ). 

Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise do presente apelo. 

2. Do termo inicial da prescrição 

A recorrente defende que o termo inicial da prescrição para cobrança de honorários contratuais é a data do falecimento do mandante, não podendo a continuidade da prestação do serviço, após a ciência da morte do outorgante, ter o condão de postergar o transcurso do referido lapso temporal. 

De acordo com o art. 189 do CC/2002, prevalece a noção clássica de que a prescrição tem início com o próprio nascimento da ação (actio nata), sendo este determinado pela violação de um direito atual, suscetível de ser reclamado em juízo. 

Sob essa ótica, e tendo em vista que o instituto da prescrição serve, antes de mais nada, à segurança e à preservação da paz públicas (ainda que tenha o efeito de, em certa medida, punir o pretenso autor por sua eventual inércia), é possível afirmar que, em geral, o prazo prescricional começa a fluir independentemente do conhecimento da pretensão por seu titular. 

Desse modo, no Direito Civil brasileiro, a regra geral é a de que o prazo prescricional é contado a partir do momento em que configurada lesão ao direito subjetivo (art. 189 do CC/2002), sendo desinfluente para tanto ter ou não seu titular conhecimento pleno do ocorrido ou da extensão dos danos. 

No entanto, a jurisprudência desta Corte, a partir da aplicação pontual da chamada teoria da actio nata em seu viés subjetivo, destaca que o conhecimento da lesão a direito subjetivo pelo respectivo titular é pressuposto indispensável ao início do prazo de prescrição (REsp 1.622.450/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 16/3/2021, DJe 19/3/2021, e AgInt no REsp 1.814.901/MA, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 20/4/2020, DJe 27/4/2020). 

Especificamente a respeito do caso em apreço, as pretensões de cobrança de honorários de advogado prescrevem no prazo 5 (cinco) anos, contados (i) do vencimento do contrato, se houver, (ii) do trânsito em julgado da decisão que os fixar, (iii) da ultimação do serviço extrajudicial, (iv) da desistência ou da transação e (v) da renúncia ou revogação do mandato (art. 25 da Lei nº 8.906/1994). 

Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte Superior: 

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE OBSCURIDADE, OMISSÃO OU CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO ESTADUAL. PERTINÊNCIA DA MULTA DO ART. 1.026, § 2º, DO CPC APLICADA PELO TRIBUNAL A QUO. AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DA SÚMULA 98/STJ. EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. PRESCRIÇÃO. CONSONÂNCIA DO ACÓRDÃO RECORRIDO COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 2. 'A jurisprudência desta Casa firmou o entendimento de que a regra de prescrição para a ação de cobrança de honorários advocatícios, prevista no art. 25 da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB), por força do princípio da especialidade, prevalece sobre a regra geral disposta no Código Civil. Precedentes. Incidência da Súmula nº 83 do STJ. (AgRg no AREsp 784.642/DF, Rel. Ministro Moura Ribeiro, DJe 12/08/2016) 3. Agravo interno não provido". (AgInt no AREsp 1.491.782/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/3/2020, DJe 17/3/2020 - grifou-se) 

Por sua vez, o art. 682 do CC/2002 determina as causas de extinção do mandato, a saber: (i) revogação ou renúncia; (ii) morte ou interdição de uma das partes; (iii) mudança de estado que inabilite o mandante a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer, e (iv) término do prazo ou pela conclusão do negócio. 

Referidas circunstâncias podem deflagrar o início do prazo prescricional da pretensão de obter o recebimento de honorários contratuais, contados geralmente da ciência inequívoca do mandatário (advogado) (REsp 1344123/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 3/10/2017, DJe 7/11/2017). 

A título de exemplo, em caso de resilição unilateral do contrato, o termo inicial da prescrição quinquenal da pretensão de arbitramento ou de cobrança da remuneração pela prestação do serviço é a data da ciência inequívoca (i) da revogação do mandato por iniciativa do cliente ou (ii) da renúncia dos poderes pelo advogado (AgInt no REsp 1.457.585/PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 18/8/2016, DJe 5/9/2016). 

Nessa linha de raciocínio, em caso de falecimento do mandante, o termo inicial da prescrição, em regra, é a data da ciência desse fato pelo advogado (mandatário). Desse modo, extinto o contrato de prestação de serviços advocatícios pela morte do cliente, nos termos do art. 682, II, do CC/2002, nasce para o procurador a pretensão de postular, em tese, a verba honorária em juízo. 

Na hipótese, conforme reconhecido pelas instâncias ordinárias, o óbito de Pedro Shcaffino (mandante) ocorreu no dia 1º/4/2002, enquanto a ciência de tal fato se deu em 25/11/2004. Assim, a medida cautelar apresentada em 2/3/2012, estaria, em em princípio, fulminada pela prescrição quinquenal. 

Todavia, sobreleva notar que o contrato de honorários prevê a cláusula quota litis, visto que o advogado somente será remunerado por meio de percentual obtido com o êxito da demanda trabalhista, conforme se observa da transcrição a seguir: 

"(...) 4 - A título de honorários de advogado, o Segundo Contratante fará jus ao recebimento de uma quantia equivalente à taxa de 20% do montante da condenação e respectivos acessórios a qualquer título, estipulando-se que não serão abatidos os descontos ou contribuições em favor da Caixa da Previdência ('PREVI'), Assistência ('CASSI'), da Previdência Social ('INSS') e da Receita Federal (Imposto de Renda na Fonte), ainda que deferidos na sentença exeqüenda, por constituírem encargos 'a latere'. 5 - Os honorários de advogado são exigíveis no ato da liberação dos valores da condenação e acessórios a qualquer titulo, ficando o Segundo Contratante autorizado a deduzir,imediatamente o percentual supramencionado, convocando o Primeiro Contratante, no prazo de 10 (dez) dias, a fim de procederem ao acerto de contas" (fl. 9 e-STJ - grifou-se). 

Assim, quando o instrumento contratual estipula que o procurador "fará jus ao recebimento de uma quantia equivalente à taxa de 20% do montante da condenação" e que "os "honorários de advogados são exigíveis no ato da liberação dos valores da condenação" (fl. 9 e-STJ) fica evidente que o recebimento da referida verba honorária está submetido ao êxito da reclamação trabalhista e a sua exigibilidade condicionada à liberação dos valores. 

Com efeito, no momento da extinção do mandato do ora recorrido, não havia o direito à percepção da verba honorária, visto que o contrato celebrado entre as partes se subordinava a evento futuro e incerto. Tanto é assim que o art. 125 do CC/2002 estabelece que "subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa”. 

Acerca da condição suspensiva, esclarece Francisco Amaral: "(...) O impedimento e a suspensão são da mesma natureza pelo que, embora com diferenças técnicas, reúnem-se no mesmo complexo de regras, arts. 197 a 201 do Código Civil. (...) O artigo 199 completa os dois artigos anteriores, dispondo não correr a prescrição nos casos em que esteja pendente condição suspensiva, em que não esteja vencido o prazo, ou em que esteja pendente ação de evicção. No primeiro caso, subordinada a aquisição de um direito à condição suspensiva, somente depois desta realizada é que se adquire o direito e seu titular pode exigir, sujeitando-se à prescrição eventual. Enquanto não existir o direito, não pode existir a pretensão e a respectiva ação que o assegura. No segundo caso, a observação é semelhante. Enquanto não vencido o prazo prefixado, o direito não se configura. Consequentemente, não há pretensão a prescrever" (Direito Civil: Introdução. 10ª ed. revista e modificada. São Paulo: Saraiva Educação, 2018, livro eletrônico). 

Por mais que a morte do mandante possa deflagrar o início do prazo prescricional, o contrato estabeleceu uma condição suspensiva, ou seja, enquanto não implementadas as circunstâncias previstas nas Cláusulas nºs 4 e 5 do instrumento, a prescrição não terá início. Incide, portanto, o art. 199, I, do CC/2002: "Não corre igualmente a prescrição (...) pendendo condição suspensiva". 

Logo, "não basta o efetivo conhecimento da lesão a direito ou a interesse, pois é igualmente necessária a ausência de qualquer condição que impeça o pleno exercício da pretensão" (REsp 1.494.482/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. p/ Acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/11/2020, DJe 18/12/2020). 

Ademais, os julgados desta Corte Superior perfilham o entendimento no sentido de que a prescrição em contrato de honorários advocatícios com cláusula de êxito somente tem início com o implemento da condição suspensiva. É relevante registrar que, apesar deles não versarem especificamente sobre a hipótese de extinção do mandato decorrente de falecimento do outorgante, também é aplicável ao caso em análise. 

A propósito: 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. CLÁUSULA DE ÊXITO. CONDIÇÃO SUSPENSIVA. REVOGAÇÃO DO MANDATO. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. NÃO CUMPRIMENTO INTEGRAL DO CONTRATO. REVOGAÇÃO IMOTIVADA DO MANDATO. NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO AO SERVIÇO EFETIVAMENTE PRESTADO. ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. (...) 2. Na hipótese dos autos, discute-se a validade de cláusula em aditamento contratual que previa o pagamento integral dos honorários advocatícios inicialmente contratados, mesmo se os serviços não fossem integralmente prestados ao cliente. (...) 4. Prescrição: utilização do princípio da actio nata, segundo o qual passa a fluir o prazo prescricional apenas a partir do momento em que existir uma pretensão exercitável por parte daquele que suportará os efeitos do fenômeno extintivo. 5. Cláusula de êxito como condição suspensiva de exigibilidade que faz postergar no tempo o início da contagem prescricional. (...) 7. Os advogados têm direito ao arbitramento judicial de honorários na hipótese de resilição unilateral do contrato por parte do cliente. Precedentes. (...) 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, parcialmente provido". (REsp 1.632.766/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 6/6/2017, DJe 12/6/2017 - grifou-se) 

"RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. CLÁUSULA DE SUCESSO. REVOGAÇÃO DO MANDATO ANTES DE CONFIGURADA A CONDIÇÃO ESTIPULADA PELAS PARTES PARA PAGAMENTO. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. PRINCÍPIO DA ACTIO NATA. RECURSO PROVIDO. 1. A contagem de prazos para se aferir eventual ocorrência de prescrição deve observar o princípio da actio nata, que orienta somente iniciar o fluxo do lapso prescricional se existir pretensão exercitável por parte daquele que suportará os efeitos do fenômeno extintivo. É o que se extrai da disposição contida no art. 189 da lei material civil. 2. No caso concreto, a remuneração pela prestação dos serviços advocatícios foi condicionada ao sucesso da demanda judicial. Em tal hipótese, a revogação do mandato, por ato unilateral do mandante, antes de ocorrida a condição estipulada, não implica início da contagem do prazo prescricional. 3. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 805.151/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 12/8/2014, DJe 28/4/2015 - grifou-se) 

Dessa forma, nos termos firmados pelo acórdão recorrido, "a liberação da parte controversa da condenação ocorreu em 26 de outubro de 2010" (fl. 333 e-STJ), motivo pelo qual a pretensão exercitada em 2/3/2012 não está prescrita. 

3. Do dispositivo 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. 

É o voto. 

REsp. 1.605.604-MG: Prescrição e teoria da "actio nata"

 A recorrente defende que o termo inicial da prescrição para cobrança de honorários contratuais é a data do falecimento do mandante, não podendo a continuidade da prestação do serviço, após a ciência da morte do outorgante, ter o condão de postergar o transcurso do referido lapso temporal. 

De acordo com o art. 189 do CC/2002, prevalece a noção clássica de que a prescrição tem início com o próprio nascimento da ação (actio nata), sendo este determinado pela violação de um direito atual, suscetível de ser reclamado em juízo. 

Sob essa ótica, e tendo em vista que o instituto da prescrição serve, antes de mais nada, à segurança e à preservação da paz públicas (ainda que tenha o efeito de, em certa medida, punir o pretenso autor por sua eventual inércia), é possível afirmar que, em geral, o prazo prescricional começa a fluir independentemente do conhecimento da pretensão por seu titular. 

Desse modo, no Direito Civil brasileiro, a regra geral é a de que o prazo prescricional é contado a partir do momento em que configurada lesão ao direito subjetivo (art. 189 do CC/2002), sendo desinfluente para tanto ter ou não seu titular conhecimento pleno do ocorrido ou da extensão dos danos. 

No entanto, a jurisprudência desta Corte, a partir da aplicação pontual da chamada teoria da actio nata em seu viés subjetivo, destaca que o conhecimento da lesão a direito subjetivo pelo respectivo titular é pressuposto indispensável ao início do prazo de prescrição (REsp 1.622.450/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 16/3/2021, DJe 19/3/2021, e AgInt no REsp 1.814.901/MA, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 20/4/2020, DJe 27/4/2020). 

24 de abril de 2021

AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. SUJEIÇÃO À PASSAGEM DO TEMPO. APURAÇÃO CONCEITUAL. DIREITO SUBJETIVO. PRETENSÃO. DIREITO ABSTRATO DE AÇÃO. TEORIA DA ACTIO NATA. VIÉS SUBJETIVO. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. EFETIVA POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DA PRETENSÃO. CONHECIMENTO DOS ELEMENTOS DA LESÃO E DO DANO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.736.091 - PE (2017/0304773-5) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO INDICAÇÃO. SÚMULA 284/STF. AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO. SUJEIÇÃO À PASSAGEM DO TEMPO. APURAÇÃO CONCEITUAL. DIREITO SUBJETIVO. PRETENSÃO. DIREITO ABSTRATO DE AÇÃO. TEORIA DA ACTIO NATA. VIÉS SUBJETIVO. ILÍCITO EXTRACONTRATUAL. EFETIVA POSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DA PRETENSÃO. CONHECIMENTO DOS ELEMENTOS DA LESÃO E DO DANO. 

1. Ação coletiva de consumo por meio da qual questiona a venda de suplemento alimentar sem registro na ANVISA e a prática de propaganda enganosa, em virtude de o produto ser apresentado ao público consumidor como se possuísse propriedades medicinais. 

2. O propósito recursal consiste em determinar se: a) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; b) existe prazo para o ajuizamento de ação coletiva de consumo e c) se, na hipótese concreta, o pedido de instauração de inquérito civil representou marco apto a autorizar o início do fluxo de lapso temporal para o exercício do direito processual ou do direito material. 

3. Recurso especial interposto em: 09/08/2016; conclusão ao Gabinete em: 11/01/2018; aplicação do CPC/15. 

4. A ausência de expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais enseja o não conhecimento do recurso especial. 

5. O direito subjetivo é a extensão prática, concreta e de direito material da previsão genérica do direito objetivo que define a possibilidade de um indivíduo exigir de outro um certo agir, pressupondo, pois, a intersubjetividade. 

7. A pretensão, que também pertence ao direito material, está ligada intimamente à responsabilidade (haftung), se relacionando à exigibilidade da prestação. 

8. O direito subjetivo nasce com o estabelecimento da relação jurídica, com a previsão com base no direito objetivo do nascimento dos feixes obrigacionais, ao passo que a pretensão somente surge no momento em que a prestação, decorrente do direito subjetivo, passa a ser exigível, com sua violação. 

9. No Estado Democrático de Direito, em virtude do monopólio estatal da violência, há o desdobramento do direito de ação, e a consequente a previsão de um direito processual e abstrato de agir de titularidade de qualquer sujeito e que é dirigido ao Estado, para a obtenção da prestação jurisdicional. 

10. O direito público subjetivo e processual de ação deve ser considerado, em si, imprescritível, haja vista ser sempre possível requerer a manifestação do Estado sobre um determinado direito e obter a prestação jurisdicional, mesmo que ausente, por absoluto, o direito material. 

11. O máximo que pode que ocorrer é a impossibilidade da satisfação de uma determinada pretensão por meio de um específico procedimento processual, ante a passagem do tempo qualificada pela inércia do titular, caracterizadora da preclusão, o que, todavia, não impossibilita, em absoluto, o uso da específica ação ou procedimento. 

12. A ação do tempo somada à inércia do titular tem, portanto, em regra, relação unicamente com a pretensão de direito material. 

13. Pelo viés objetivo da teoria da actio nata, a prescrição começa a correr com a violação do direito, assim que a prestação se tornar exigível. 

14. Por outro lado, segundo a vertente subjetiva da actio nata, a contagem do prazo prescricional exige a efetiva inércia do titular do direito, a qual somente se verifica diante da inexistência de óbices ao exercício da pretensão e a partir do momento em que o titular tem ciência inequívoca do dano, de sua extensão, e da autoria da lesão. 

15. Segundo a jurisprudência desta Corte, a aplicação da actio nata sob a vertente subjetiva é excepcional, somente cabível nos ilícitos extracontratuais. Precedentes. 

16. Embora o inquérito civil tenha por objetivo apurar indícios para dar sustentação a uma eventual ação coletiva, a fim de que não se ingresse em demanda por denúncia infundada, sua instauração não é obrigatória, podendo o autor coletivo pela presença de elementos suficientes para o imediato exercício do direito de ação. Precedentes. 

16. Na hipótese concreta, o Tribunal de origem concluiu que somente ao final do inquérito civil o Ministério Público se convenceu da natureza enganosa da publicidade. Assim, rever esse posicionamento demandaria o reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 7/STJ. 

17. Ademais, como se trata de ilícito extracontratual, o termo inicial do prazo prescricional somente é contabilizado a partir do efetivo conhecimento de todos os elementos da lesão, por aplicação da teoria da actio nata sob viés subjetivo, da forma como concluiu o Tribunal de origem. 

18. Recurso especial parcialmente conhecido e, no ponto, não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 14 de maio de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por SUPLAN LABORATÓRIO DE SUPLEMENTOS ALIMENTARES LTDA, com fundamento nas alíneas "a" e “c” do permissivo constitucional. 

Ação: coletiva de consumo, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO em face da recorrente, por meio da qual questiona a venda de suplemento alimentar sem registro na ANVISA e a prática de propaganda enganosa, em virtude de o produto ser apresentado ao público consumidor como se possuísse propriedades medicinais. 

Sentença: julgou procedentes os pedidos, para condenar a recorrente a: a) não mais ofertar suplementos alimentares sem a autorização da ANVISA, sob pena de multa diária; b) não mais realizar publicidades enganosas ou abusivas, ainda que por omissão, também sob pena de multa diária; c) compensar danos morais coletivos, fixados no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e d) reparar os danos morais e materiais experimentados individualmente pelos consumidores, conforme apuração em liquidação de sentença. 

Acórdão: por maioria, rejeitou a alegação de prescrição da ação coletiva de consumo e negou provimento ao agravo retido e à apelação interpostos pela recorrente. 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados. 

Recurso especial: aponta violação dos arts. 197 e 202 do CC/02; 7º, 27 e 90 do CDC e 21 da Lei 7.347/65, além de divergência jurisprudencial. 

Aduz que, pelo princípio da actio nata, o termo inicial do prazo prescricional é a data da efetiva lesão ou ameaça ao direito tutelado, o qual, na hipótese concreta, ocorreu em 08/07/2003, ocasião em que foi requerida a abertura da investigação junto ao Ministério Público Estadual e na qual já o Ministério Público já possuía todas as informações necessárias ao ajuizamento de ação civil pública. 

Afirma, que o sujeito passivo não pode ser submetido à ação judicial por prazo indefinido e que a abertura de inquérito civil público não tem o condão de obstar o início do curso do prazo prescricional. 

Sustenta que, como a denúncia do fato danoso e da autoria ocorreram em 2003 e a ação coletiva somente foi ajuizada em 2009, mais de cinco anos após a configuração da lesão, deveria ser reconhecida a prescrição da ação coletiva. 

Decisão de admissibilidade: o TJ/PE inadmitiu o recurso especial. 

Agravo: interposto pelo recorrente, determinei sua reautuação como recurso especial. 

Parecer do Ministério Público: opina pelo não conhecimento do recurso especial. 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): O propósito recursal consiste em determinar se: a) ocorreu negativa de prestação jurisdicional; b) existe prazo para o ajuizamento de ação coletiva de consumo e c) na hipótese concreta, o pedido de instauração de inquérito civil representou marco apto a autorizar o início do fluxo de lapso temporal para o exercício do direito processual ou do direito material. 

Recurso especial interposto em: 09/08/2016. 

Conclusão ao Gabinete em: 11/01/2018. 

Aplicação do CPC/15 

1. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – DEFICIÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL 

No presente recurso especial, a recorrente não cuidou de evidenciar, de forma clara, quais teriam sido as matérias omitidas pelo Tribunal de origem no exame de seus embargos de declaração, limitando-se a defender o direito de ter todos seus argumentos examinados, sob pena de ser reconhecido seu prequestionamento. 

Nessas circunstâncias, em que ausente expressa indicação de obscuridade, omissão ou contradição nas razões recursais, o recurso especial não pode ser conhecido. Aplica-se, neste caso, a Súmula 284/STF. 

2. DELIMITAÇÃO CONCEITUAL 

A controvérsia devolvida à apreciação desta e. Corte não pode ser enfrentada sem antes se proceder a uma apuração conceitual dos institutos relacionados ao transcurso do tempo e seus efeitos sobre o exercício de direitos. 

De fato, antes de se examinar a ocorrência, na presente hipótese, da extinção do direito de ajuizar ação coletiva de consumo pelo efeito da passagem do tempo, é necessário conceituar e distinguir os institutos: i) do direito subjetivo, ii) da pretensão; e iii) do direito de ação, muitas vezes confundidos na doutrina e na atuação jurisdicional. 

2.1. Do direito subjetivo 

O conceito de direito subjetivo, chave para entendimento do fenômeno jurídico, já esteve sujeito a diversas e variadas concepções e teorias. 

Apesar disso, em termos gerais, a adoção de referido conceito pela dogmática jurídica é justificada pela necessidade de representação da interdependência entre a normatividade positiva, prevista nos diplomas legais, e os limites das liberdades individuais, o que ainda hoje é realizado pela adoção da dicotomia “direito objetivo” X “direito subjetivo”. 

Realmente, por força dessa relação entre normatividade e liberdade, considera-se que “o direito subjetivo nada mais é do que essa garantia conferida pelo direito objetivo, a qual se invoca quando a liberdade é violada”, de modo que o direito subjetivo “corresponde a uma situação favorável na qual se encontra determinada pessoa em relação a outra, por força da incidência do direito objetivo sobre a relação entre eles mantida” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 148). 

Nesse sentido, portanto, o direito subjetivo é a extensão prática, concreta e material da previsão genérica do direito objetivo que define a possibilidade de um indivíduo exigir de outro um certo agir. 

A intersubjetividade é, pois, elemento essencial da definição do direito subjetivo, haja vista a doutrina, no esteio da lição de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, inscrever o instituto na “situação jurídica [...] da perspectiva de um sujeito a quem ela favorece”, e que “geralmente [...] surge em face de normas que restringem o comportamento dos outros” (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação. 4ª ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 150). 

Destaca-se, assim, que “o uso do conceito [direito subjetivo] pressupõe a possibilidade de fazer valer sua situação em face de outros, ou seja, implica 'faculdade' ou poder' e ainda a afirmação autônoma do indivíduo” (Idem, ibidem, p. 151, sem destaque no original). 

O direito subjetivo não deve, no entanto, ser confundido nem com a pretensão nem com o direito de ação. 

De fato, “o direito subjetivo é conferido pelo ordenamento objetivo e é pré-processual, isso porque o direito subjetivo surge a partir do momento em que se estabelecem as relações de direito material” (Nery Junior, Nelson. Abboud, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014). 

2.2. Da pretensão 

Como demonstrado, o direito subjetivo tem como característica essencial a intersubjetividade, razão pela qual seu exercício exige um determinado poder de sujeição de um indivíduo em relação a outro. 

Entre esses poderes de sujeição, o que interessa para fins de prescrição é a pretensão, que representa a possibilidade juridicamente reconhecida de se exigir a satisfação do direito subjetivo em virtude de sua violação, estando, pois, diretamente referida à exigibilidade de uma prestação. 

De fato, como definiu o mestre PONTES DE MIRANDA, a pretensão é “a posição subjetiva de poder exigir de outrem alguma prestação positiva ou negativa” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1955. p. 451. Vol. V, § 615). 

O professor ÁLVARO VILAÇA DE AZEVEDO ressalta, quanto ao ponto, a distinção germânica entre débito (Schuld) e responsabilidade (Haftung), estando a primeira relacionada ao direito subjetivo obrigacional, e a segunda à violação desse direito. 

Esclarece o ilustre professor essa mencionada distinção, asseverando que “se a relação jurídica originária não for cumprida, ou seja, se o devedor, por ato espontâneo, não efetivar a prestação jurídica a que se obrigou junto a seu credor, surge, em razão desse descumprimento, desse inadimplemento obrigacional, a responsabilidade”, a qual é “uma relação jurídica derivada do inadimplemento da obrigação jurídica originária (obrigação)” (AZEVEDO, Álvaro Vilaça. Teoria Geral das Obrigações. 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p. 39). 

Assim, a pretensão está ligada intimamente à responsabilidade (haftung), de modo que “não se pode cogitar de pretensão se não estiver presente a exigibilidade” (Silva, Ovídio Baptista da. Direito subjetivo, pretensão de direito material e ação. Ajuris. n. 29. ano X. p. 102. Porto Alegre: Ajuris, nov. 1983). 

A distinção entre o direito subjetivo e a pretensão é, portanto, a de que o primeiro nasce com o estabelecimento da relação jurídica, com a previsão com base no direito objetivo do nascimento dos feixes obrigacionais, ao passo que a segunda somente surge no momento em que a prestação, decorrente do direito subjetivo, passa a ser exigível, com sua violação. 

2.3. Direito de ação e sua relação com a pretensão 

Uma vez exigível a prestação, dando origem à pretensão, cabe averiguar sua relação com o direito de ação. No ponto, a doutrina vislumbra a existência de um direito de ação de cunho material, o qual surge no momento em que a pretensão é exigida pelo próprio sujeito ativo ao passivo, que se nega a adimpli-la. 

Esse direito de ação de cunho material é, portanto, o agir do próprio titular para a realização do direito em relação ao sujeito passivo e independentemente da vontade do último. Realmente, a ação de direito material pode ser definida como “exercício do próprio direito por ato de seu titular, independentemente de qualquer atividade voluntária do obrigado” (NERY JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014). 

2.4. Do direito de ação, de natureza material e processual 

O campo de atuação do direito de ação de cunho material é, todavia, bastante reduzido em razão da proibição da justiça com as próprias mãos e do monopólio estatal da violência e da força física institucionalizada, característicos do Estado Democrático de Direito. 

Assim, segundo a lição de OVÍDIO BATISTA “pode-se afirmar que [...] ocorreu uma duplicação do direito de ação que pode ser tanto a material (possibilidade de obrigar o sujeito passivo a cumprir/adimplir a pretensão) quanto a processual, que não é dirigida contra o particular obrigado a cumprir a pretensão, mas sim contra o Estado, para que este, por meio do juiz, pratique a ação cuja realização privada, pelo titular do direito, o próprio Estado proibiu” (Apud: NERY JUNIOR, Nelson. ABBOUD, Georges. Pontes de Miranda e o processo civil: a importância do conceito da pretensão para compreensão dos institutos fundamentais do processo civil. Revista de Processo: RePro, v. 39, n. 231, p. 89-107, maio 2014, sem destaque no original). 

No Estado Democrático de Direito há, portanto, o desdobramento do direito de ação e a consequente previsão de um direito processual e abstrato de agir, de titularidade de qualquer sujeito e que é dirigido ao Estado, como forma de obtenção da prestação jurisdicional. 

Esse direito de ação processual é, segundo a mais moderna doutrina, abstrato, pois não deriva diretamente da exigibilidade da prestação (pretensão), mas sim da impossibilidade da exigência de quaisquer prestações pela atuação autônoma do sujeito (ação de direito material) e, assim, independe da procedência ou não do pedido deduzido pelo autor, não tendo relação com o mérito da demanda. 

Portanto, se de um lado o direito de ação material dirige-se contra o particular sujeito passivo da relação de direito material, por outro, a ação processual é dirigida em face do Estado, em razão do monopólio da jurisdição, e conduz a que o Estado forneça a prestação jurisdicional e, somente se for cabível, faça o uso da força para tornar efetiva a pretensão de direito material. 

Com efeito, sempre que o Judiciário é provocado e pronuncia-se, ainda que para julgar improcedente a demanda, a ação processual foi exercida, porque se obteve do Judiciário um pronunciamento, ainda que desfavorável. 

Assim, o direito processual de ação: a) é dirigido contra o Estado, e não contra o sujeito passivo da relação de direito material; b) não exige que o sujeito que o exerce seja o efetivo titular do direito subjetivo material; c) não é um poder de obter uma sentença favorável, senão unicamente o direito de obter uma decisão; d) é uma relação e, nisso, distingue-se da pretensão, que é um ato, uma exigência de subordinação. 

2.5. Do direito público subjetivo e abstrato de ação e sua relação com a passagem do tempo 

É preciso, nesse ponto, verificar se o direito público subjetivo e abstrato de ação, de cunho processual, dirigido ao Estado, se submete aos efeitos da passagem do tempo e em quais circunstâncias, sobretudo porque, por ser abstrato, não tem qualquer relação com o direito material deduzido pelo sujeito que movimenta a máquina jurisdicional estatal. 

É oportuna, novamente, a lição de OVÍDIO BATISTA, que, em homenagem à concepção abstrata e ao Estado Democrático de Direito, esclarece que o “direito subjetivo público de ação nasce no exato momento em que é estabelecido o monopólio da jurisdição pelo Estado, ou seja, quando da própria constituição deste; não necessita de norma expressa, por conseguinte, para que reste plenamente caracterizado, já que a vedação à autotutela é pressuposto da própria existência do Estado” (SILVA, Ovídio Baptista da; GOMES, Fábio. Teoria geral do processo civil. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2002, p. 133). 

Segundo essa definição mais moderna, portanto, o direito subjetivo público e processual de ação está relacionado unicamente à ideia de inércia do Poder Judiciário, de forma que o exercício desse direito público processual representa a mera provocação do Judiciário para que saia de sua imobilidade e se manifeste sobre o direito aplicável à relação jurídica deduzida em juízo. 

Ao direito subjetivo público e processual de ação corresponde, via de consequência, uma obrigação do Estado d e manifestar-se sobre o pedido formulado, para, se chegar a examinar o mérito, conforme o caso, deferi-lo ou indeferi-lo, segundo esteja ou não tutelado pelo direito objetivo. 

Assim, a conclusão necessária e inafastável é de que, como não depende da efetiva existência do direito subjetivo de cunho material vindicado por aquele que o exerce, decorrendo do próprio Estado Democrático de Direito, o direito subjetivo público de ação não se submete a passagem do tempo nos moldes estabelecidos para o direito material. 

Sendo uma consequência do próprio Estado Democrático de Direito, o direito público subjetivo e processual de ação deve ser considerado, em si, imprescritível, haja vista ser sempre possível requerer a manifestação do Estado sobre um determinado direito e obter a prestação jurisdicional, mesmo que ausente, por absoluto, o direito material. 

De fato, o direito de obter do Estado uma manifestação jurisdicional é imperecível, de forma que o máximo que pode que ocorrer é a impossibilidade da satisfação de uma determinada pretensão por meio de um específico procedimento processual, ante a passagem do tempo qualificada pela inércia do titular, apta a caracterizar a preclusão, a qual, todavia, por si só, não impossibilita o uso abstrato da específica ação ou procedimento. 

Um dos mais ilustrativos exemplos dessa circunstância é a da obrigação consubstanciada em cheque, cuja prestação pode ser exigida pelos procedimentos específicos da a) execução do art. 47 da Lei 7.357/85, no prazo de 6 (seis) meses contados do término do prazo para apresentação; b) ação de enriquecimento, no prazo de 2 anos do término do prazo para a apresentação; c) por meio de ação monitória (art. 1.102-A do CPC/73 e 700 do CPC/15, no prazo de 5 (cinco) anos (Súmula 503/STJ); ou ainda d) por meio de ação cobrança, de rito ordinário. 

Esse é o entendimento desta 2ª Seção, que vaticina que “prescrita a ação executiva do cheque, assiste ao credor a faculdade de ajuizar a ação cambial por locupletamento ilícito, no prazo de 2 (dois) anos (art. 61 da Lei 7.357/85); ação de cobrança fundada na relação causal (art. 62 do mesmo diploma legal) e, ainda, ação monitória, no prazo de 5 (cinco) anos, nos termos da Súmula 503/STJ” (REsp 1677772/RJ, Terceira Turma, DJe 20/11/2017). No mesmo sentido: REsp 926.312/SP, Quarta Turma, DJe 17/10/2011. 

A cobrança da dívida inscrita no cheque ilustra que, de fato, o direito abstrato de ação e a pretensão não se confundem, porquanto a prestação continua a ser exigível, a despeito da perda do direito de utilização de um específico procedimento e, de outro lado, o direito de requerer a prestação jurisdicional (de ação) não está vinculado ao direito material vindicado (dívida inscrita em cheque), que pode ser exercido por meio de diversas ações submetidas a diversos ritos. 

2.6. Da inexistência de prazo para o ajuizamento de ação coletiva de consumo 

A aplicação analógica o prazo de cinco anos do art. 21 da Lei de Ação Popular para a ação coletiva de consumo, reconhecida pela jurisprudência esta e. Corte (AgInt no AREsp 872.801/SP, Terceira Turma, DJe 25/11/2016; REsp 1392449/DF, Segunda Seção, DJe 02/06/2017; AgRg nos EREsp 1070896/SC, Corte Especial, DJe 10/05/2013 ), tem como pressuposto o fato de não existir na Lei de Ação Civil Pública expresso prazo para o exercício dessa modalidade de direito subjetivo público ação, tampouco a previsão expressa de perda da possibilidade de uso desse específico rito processual pela mera passagem do tempo. 

Todavia, conforme consigna a doutrina especializada e ao contrário do entendimento prevalente, esse “silêncio do ordenamento é eloquente, ao não estabelecer direta e claramente prazos para o exercício dos interesses metaindividuais e para o ajuizamento das respectivas ações, permitindo o reconhecimento da não ocorrência da prescrição” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 385, sem destaque no original). 

Realmente, o silêncio do ordenamento deve ser considerado intencional, pois o prazo de 5 anos para o ajuizamento da ação popular, contido no art. 21 da Lei 4.717/65, foi previsto com vistas à concretização de uma única e específica prestação jurisdicional. 

Conforme dispõe expressamente o art. 1º da Lei 4.717/65, o desígnio da ação popular é a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público em sentido amplo, constatado a partir dos vícios enumerados no art 2º de referido diploma legal, que consubstanciam as causas de pedir passíveis de serem apuradas em referida modalidade de ação, a saber: a) incompetência; b) vício de forma; c) ilegalidade do objeto; d) inexistência dos motivos; e e) desvio de finalidade. 

As ações coletivas de consumo, por sua vez, atendem a um espectro de prestações de direito material muito mais amplo, podendo não só anular ou declarar a nulidade de atos, como também quaisquer outras providências ou ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos consumidores, nos termos do art. 83 do CDC. 

Desse modo, ainda que a ação popular e a ação coletiva de consumo componham o microssistema de defesa de interesses coletivos em sentido amplo, é substancial a disparidade existente entre os objetos e causas de pedir de cada uma dessas ações, o que demonstra a impossibilidade do emprego da analogia, que pressupõe a “aplicação de um princípio jurídico estatuído para determinado caso a outro que, apesar de não ser igual, é semelhante ao previsto pelo legislador”, de modo que seja realizada a “extensão do tratamento jurídico, previsto expressamente para determinado caso, a um semelhante, não previsto” (GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à Ciência do Direito. 7ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1976, p.278, sem destaque no original). 

É, assim, necessária a superação (overruling) da atual orientação jurisprudencial desta Corte, pois não há razão para se limitar o uso da ação coletiva ou desse especial procedimento coletivo de enfrentamento de interesses individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos, sobretudo porque o escopo desse instrumento processual é o tratamento isonômico e concentrado de lides de massa relacionadas a questões de direito material que afetem uma coletividade de consumidores, tendo como resultado imediato beneficiar a economia processual. 

De fato, submeter a ação coletiva de consumo a prazo determinado tem como única consequência impor aos consumidores os pesados ônus do ajuizamento de ações individuais, em prejuízo da razoável duração do processo e da primazia do julgamento de mérito, princípios expressamente previstos no atual CPC em seus arts. 4º e 6º, respectivamente, além de prejudicar a isonomia, ante a possibilidade de julgamentos discrepantes. 

Portanto, como consignei em recentíssimo julgado, ainda não concluído, a interpretação mais consentânea com o atual desenvolvimento do direito processual é a de que, em regra, somente as pretensões de direito material ficam submetidas à extinção pela inércia do titular por determinado tempo, haja vista que: 

[...] os direitos individuais homogêneos são os mesmos direitos comuns ou afins, cuja defesa coletiva se legitima apenas do ponto de vista instrumental, objetivando conferir maior efetividade à prestação jurisdicional. Nesse aspecto, os direitos homogêneos são, por motivos exclusivamente pragmáticos, transformados em estruturas moleculares, não como fruto de sua indivisibilidade inerente ou natural ou da organização ou da existência de uma relação jurídica base, mas por razões d e facilitação de acesso à justiça, pela priorização da eficiência e da economia processuais. (Resp 1.774.637/SP, 3ª Turma, pendente de publicação). 

Ressalte-se, por fim, ser desnecessário, para a revisão dessa orientação, a observância de procedimento específico, haja vista que o único entendimento fixado sob o rito dos repetitivos pela e. Segunda Seção é o de que “no âmbito do Direito Privado, é de cinco anos o prazo prescricional para ajuizamento da execução individual em pedido de cumprimento de sentença proferida em Ação Civil Pública” (REsp 1273643/PR, Segunda Seção, DJe 04/04/2013), não havendo, assim, tese repetitiva sobre prazo para ajuizamento de ação coletiva de consumo de conhecimento. 

3. DA PRESCRIÇÃO E DA TEORIA DA ACTIO NATA NA FEIÇÃO SUBJETIVA 

O Código Civil de 1916 ainda não albergava os avanços da moderna ciência processual, assinalando, em seu art. 177, que a prescrição estaria relacionada às “ações pessoais”, adotando, assim, a teoria imanentista da ação, segundo a qual o direito de ação era indissociavelmente ligado ao direito material. A Súmula 150/STF, de igual maneira, adotava a teoria imanentista, ao consignar que “prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação” (sem destaque no original). 

O atual Código Civil adequou-se, todavia, à atual teoria do direito subjetivo público e abstrato de ação, passando a prever, em seu art. 189, que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição” (sem destaque no original). 

Como se vê, a perspectiva normativa foi modificada, haja vista no CC/16 ser feita referência à ação do tempo sobre as “ações pessoais”, ao passo que o CC/02 faz menção à prescrição da pretensão. 

Com efeito, a doutrina ressalta no ponto que “o novo Código Civil brasileiro esposou o entendimento antes consagrado pelo direito alemão, no sentido de conectar a ideia de prescrição ao fenômeno da pretensão, ou da 'Anspruch', na linguagem tedesca” (Theodoro Júnior, Humberto. Prescrição: ação, exceção e pretensão. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 9, n. 51, p. 22-39, nov./dez. 2012). 

Trata-se, pois, de um notável refinamento conceitual. 

Nesse contexto, a prescrição gera a extinção da pretensão e se relaciona unicamente à pretensão e, assim, a esse específico aspecto do direito material violado, haja vista que o direito subjetivo material em si quanto o direito subjetivo processual de ação permanecem incólumes. 

De fato, a prescrição fulmina a pretensão, mantendo a existência do direito subjetivo material, mas sem proteção jurídica para solucioná-lo. Tanto isso é verdade que uma dívida prescrita pode ser paga, apesar de não poder ser exigida, e, sendo paga, não caberá a ação de repetição de indébito, conforme previsão expressa do art. 882 do CC/02. 

Diante desses esclarecimentos, “a prescrição pode ser conceituada como a perda da pretensão pelo seu não exercício em determinado lapso temporal, estando relacionada a direitos subjetivos de cunho patrimonial” (TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Prescrição. Conceito e princípios regentes. Início do prazo e teoria da Actio Nata, em sua feição subjetiva. Eventos continuados ou sucessivos que geram o enriquecimento sem causa. Lucro da atribuição. Termo a quo contado da ciência do último ato lesivo. Análise de julgado do Superior Tribunal de Justiça e relação com eventos descritos. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 12, n. 70, p. 98-126, jan./fev. 2016). 

3.1. Da Teoria da actio nata 

A Teoria da actio nata tem intrínseca relação com a distinção, no campo material, entre o direito subjetivo e a pretensão, haja vista ter como pedra fundamental o momento da exigibilidade da prestação – ou seja, a pretensão – para marcar o termo inicial da fluência do prazo prescricional. 

Realmente, segundo referida teoria, o prazo prescricional somente pode iniciar seu curso a partir do momento em que a prestação se torne exigível, com a violação do direito subjetivo. 

Desse modo, como afirmado por esta e. Terceira Turma, “o prazo prescricional subordina-se ao princípio da actio nata: o prazo tem início a partir da data em que a credora pode demandar [...] a satisfação do direito”, razão pela qual “antes que exista uma pretensão exercitável, não pode correr a prescrição” (REsp 949.434/MT, Terceira Turma, DJe 10/06/2010, sem destaque no original). 

De igual forma, a Quarta Turma pontua que “o termo inicial da contagem dos prazos de prescrição encontra-se na lesão ao direito, da qual decorre o nascimento da pretensão, que traz em seu bojo a possibilidade de exigência do direito subjetivo violado” (AgInt no REsp 1388503/RJ, Quarta Turma, DJe 18/02/2019, sem destaque no original). 

3.1. Da vertente subjetiva da teoria da actio nata 

Embora, em regra, o início do prazo prescricional tenha início com o nascimento da pretensão – ou seja, com a exigibilidade da prestação –, a vertente subjetiva da teoria da actio nata ensina que a contagem do prazo prescricional exige a efetiva inércia do titular do direito, a qual somente se verifica diante da inexistência de óbices ao exercício da pretensão e a partir do momento em que o titular tem ciência inequívoca do dano, de sua extensão, e da autoria da lesão. 

Elaborando a ideia de “pretensão exercitável”, a doutrina salienta, quanto ao tema, que “não basta surgir a ação (actio nata), mas é necessário o conhecimento do fato” e que “trata-se de situação excepcional, pela qual o início do prazo, de acordo com a exigência legal, só se dá quando a parte tenha conhecimento do ato ou fato do qual decorre o seu direito de exigir”, de modo que “não basta assim, que o ato ou fato violador do direito exista para que surja para ela [a pretensão]” (SIMÃO, José Fernando. Tempo e Direito Civil. Prescrição e Decadência. São Paulo: USP 2011, p. 268, sem destaque no original). 

Assim, conforme reconheceu esta e. 3ª Turma, adotando o escólio de CÂMARA LEAL (Da Prescrição e da Decadência. 4ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro. 1982. p. 20-24), são quatro as condições para o início do prazo prescricional “a) existência de uma ação exercitável; b) inércia do titular da ação pelo seu não-exercício; c) continuidade dessa inércia durante um certo lapso de tempo; d) ausência de causas preclusivas de seu curso” (REsp 1.347.715/RJ, Terceira Turma, DJe 04/12/2014, sem destaque no original). 

A aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva – e a contagem do prazo a partir do momento em que o titular tem o total conhecimento dos fatores que compõe a lesão e o dano – é, contudo, excepcional.

Com efeito, segundo a jurisprudência desta 3ª Turma, “admite-se a aplicação da chamada teoria da actio nata em seu viés subjetivo que, em síntese, confere ao conhecimento da lesão pelo titular do direito subjetivo violado a natureza de pressuposto indispensável para o início do prazo de prescrição”, mas “essa teoria tem sido aplicada por esta Corte em casos de ilícitos extracontratuais nos quais a vítima não tem como conhecer a lesão a sua esfera jurídica no momento em que ocorrida” (REsp 1711581/PR, Terceira Turma, DJe 25/06/2018, sem destaque no original). No mesmo sentido: REsp 1.645.746/BA, Terceira Turma, DJe 10/08/2017; e REsp 1354348/RS, Quarta Turma, DJe 16/9/2014. 

4. DO INQUÉRITO CIVIL 

O inquérito civil, inscrito pelo art. 129, III, da CF/88 entre as funções institucionais do Ministério Público, é “uma investigação administrativa [...] destinada basicamente a colher elementos de convicção para eventual propositura de ação civil pública”, sobretudo para “determinar a materialidade e a autoria de fatos que possam ensejar o ajuizamento de processo coletivo” (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 28ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p.511, sem destaque no original). 

Ainda que não se trate de procedimento marcado pelo formalismo, é imprescindível a presença de justa causa para a investigação, de modo que “pressuposto material ou substancial para sua instauração é a notícia da existência de fatos ou situação determinada, que, ao menos em tese [...] sejam aptos a justificar a propositura de determinada demanda coletiva, se comprovados indiciariamente” (LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do Processo Coletivo, 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 340) 

Nos termos da jurisprudência desta Corte, “o inquérito civil, promovido para apurar indícios que passam dar sustentação a uma eventual ação civil pública, funciona como espécie de produção antecipada de prova, a fim de que não ingresse o autor da ação civil em demanda por denúncia infundada, o que levaria ao manejo de lides com caráter temerário” e que tem, pois, “por escopo viabilizar o ajuizamento da ação civil pública” (REsp 1101949/DF, Quarta Turma, DJe 30/05/2016, sem destaque no original). 

Todavia, se o Ministério Público entender já possuir elementos suficientes para dar suporte a sua atuação, pode, desde logo, ajuizar a ação coletiva de consumo, pois “a instauração de Inquérito Civil não é obrigatória para a propositura de Ação Civil Pública” (AgRg no REsp 1225110/RS, Primeira Turma, DJe 15/10/2015, sem destaque no original). 

5. DA HIPÓTESE DOS AUTOS 

Na hipótese em exame, o Ministério Público recebeu denúncia sobre suposta prática de publicidade abusiva relacionada ao produto Suplan Mistura em 08/07/2003. 

Como consignado no acórdão recorrido, “diante disso, em 15.07.2003 foi instaurado inquérito civil (fl. 19) para a devida apuração, com conclusão em 29.07.2008 (fl. 274) e, entendendo o Parquet, nessa ocasião, caracterizada a veiculação de propaganda enganosa pelo investigado, em 27.11.2009 o órgão ministerial competente aforou a ação civil pública” (e-STJ, fl. 655). 

O Tribunal a quo concluiu que “apenas ao final das investigações sobre a legalidade ou não da propaganda veiculada pelo Sr. José Brito da Cunha Neto, o Ministério Público se convenceu da sua natureza enganosa em razão do produto, cuja produção é de responsabilidade da apelante” (e-STJ, fl. 655), razão pela qual a preliminar de prescrição foi rejeitada. 

A pretensão do recorrente, de que fosse reconhecido que o Ministério Público possuiria, desde o pedido de abertura de inquérito civil, em 08/07/2003, todas as informações necessárias para o ajuizamento de ação coletiva de consumo, esbarra, portanto, no óbice da Súmula 7/STJ, haja vista a revisão das conclusões da Corte de origem no ponto demandar o reexame de fatos e provas. 

Assim, a aspiração do reconhecimento da prescrição da ação coletiva como um todo não encontra respaldo na legislação de regência e na jurisprudência desta Corte, pois, como demonstrado a) não há prazo de natureza processual para o ajuizamento de ação coletiva de consumo ou para a utilização de seu rito especial, não sendo possível a aplicação analógica do prazo do art. 21 da Lei 4.717/65; e, mesmo que houvesse, b) o termo inicial do prazo prescricional, relacionado às pretensões ligadas a ilícitos extracontratuais – como o que foi verificado na hipótese dos autos, consistente em propaganda abusiva e venda de produto sem registro na ANVISA – somente é contabilizado a partir do efetivo conhecimento de todos os elementos da lesão, do dano e de sua extensão, nos termos da teoria da actio nata, em sua vertente subjetiva. 

Assim, não merece reforma o acórdão recorrido no ponto. 

6. CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao presente recurso especial. 

10 de abril de 2021

RESPONSABILIDADE CIVIL (PERDA DE UMA CHANCE): O termo inicial da prescrição da pretensão de obter o ressarcimento pela perda de uma chance decorrente da ausência de apresentação de agravo de instrumento é a data do conhecimento do dano

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-689-stj.pdf

Exemplo hipotético: João contratou Marcelo para ajuizar uma ação ordinária contra o plano de saúde. Foi ajuizada a ação, mas o juiz negou o pedido de tutela provisória de urgência. Marcelo, sem uma razão justificável, deixou de interpor agravo de instrumento. Em 06/06/2016, transcorreu in albis o prazo recursal. O processo continuou tramitando, no entanto, Marcelo sempre se mostrava negligente e sem compromisso para com seu cliente. Assim, em 07/07/2017, João revogou os poderes conferidos a Marcelo e contratou outro advogado para acompanhar o processo. O termo inicial do prazo prescricional para a ação de indenização pela perda de uma chance é 07/07/2017. 

No caso, não é razoável considerar como marco inicial da prescrição a data limite para a interposição do agravo de instrumento, haja vista inexistirem elementos nos autos - ou a comprovação por parte do causídico - de que o cliente tenha sido cientificado da perda de prazo para apresentar o recurso cabível. Portanto, o prazo prescricional não pode ter início no momento da lesão ao direito da parte (dia em que o advogado perdeu o prazo), mas sim na data do conhecimento do dano, aplicando-se excepcionalmente a actio nata em sua vertente subjetiva. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1.622.450/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/03/2021 (Info 689). 

O que é a teoria da perda de uma chance? 

Trata-se de teoria inspirada na doutrina francesa (perte d’une chance). Na Inglaterra é chamada de lossof-a-chance. Segundo esta teoria, se alguém, praticando um ato ilícito, faz com que outra pessoa perca uma oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, esta conduta enseja indenização pelos danos causados. Em outras palavras, o autor do ato ilícito, com a sua conduta, faz com que a vítima perca a oportunidade de obter uma situação futura melhor. Com base nesta teoria, indeniza-se não o dano causado, mas sim a chance perdida. 

A teoria da perda de uma chance é adotada no Brasil? 

SIM, esta teoria é aplicada pelo STJ, que exige, no entanto, que o dano seja REAL, ATUAL e CERTO, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no espectro da responsabilidade civil, em regra não é indenizável (REsp 1.104.665-RS, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 9/6/2009). Em outros julgados, fala-se que a chance perdida deve ser REAL e SÉRIA, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada (AgRg no REsp 1220911/RS, Segunda Turma, julgado em 17/03/2011). 

O dano resultante da aplicação da teoria da perda de uma chance pode ser classificado como dano emergente ou como lucros cessantes? 

Trata-se de uma terceira categoria. Com efeito, a teoria da perda de uma chance visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa, que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. (REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/11/2010) 

Enunciado da V Jornada de Direito Civil do CJF: 

Enunciado 444, CJF: “A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos”. 

Como o tema já foi cobrado em provas: 

 (Promotor de Justiça - MPE-SC - 2014) A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. (certo) 

 (Juiz de Direito Substituto - TJDFT - CESPE - 2014) A perda de uma chance, caracterizada pela violação direta ao bem juridicamente protegido, qual seja, a chance concreta, real, com alto grau de probabilidade de gerar um benefício ou de evitar um prejuízo, consubstancia modalidade autônoma de indenização. (certo) 

 (Procurador do Trabalho MPT 2020 banca própria) Segundo a teoria da perda de uma chance, fica obrigado a indenizar aquele que obsta a probabilidade real de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo, desde que a perda da oportunidade de ganho ou de evitar um prejuízo sob o aspecto do dano material seja séria e real, devendo haver prova do nexo causal entre o ato do ofensor e a perda de uma chance. Seu fundamento legal encontra-se no artigo 402 do Código Civil. (certo) 

 (Procurador do Trabalho MPT 2020 banca própria) Caracterizada a perda de uma chance, a compensação devida à vítima deverá corresponder à integralidade do lucro perdido ou do prejuízo sofrido. (errado) 

Feita esta breve revisão sobre o tema, imagine a seguinte situação hipotética: 

João contratou Marcelo para ajuizar uma ação ordinária contra o plano de saúde. Foi ajuizada a ação, mas o juiz negou o pedido de tutela provisória de urgência. Contra essa decisão interlocutória caberia a interposição de agravo de instrumento (art. 1.015, I, do CPC). Ocorre que Marcelo, sem uma razão justificável, deixou de interpor o recurso. Em 06/06/2016, transcorreu in albis o prazo recursal. O processo continuou tramitando, no entanto, Marcelo sempre se mostrava negligente e sem compromisso para com seu cliente. Assim, em 07/07/2017, João revogou os poderes conferidos a Marcelo e contratou outro advogado para acompanhar o processo. 

Ação de indenização 

João descobriu que Marcelo perdeu o prazo para interpor o recurso. Diante disso, ele deseja ingressar com ação contra seu antigo advogado pedindo o pagamento de indenização pela perda de uma chance. Surgiram, no entanto, dúvidas a respeito da prescrição. 

Qual é o prazo prescricional, neste caso? 

10 anos, nos termos do art. 205 do Código Civil: 

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. 

Consoante a orientação desta Corte, nas ações de indenização do mandante contra o mandatário, incide o prazo prescricional de dez anos previsto no artigo 205 do CC. STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1.460.668/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/10/2015. 

Nas controvérsias relacionadas à responsabilidade contratual, aplica-se a regra geral (art. 205 CC/02) que prevê dez anos de prazo prescricional e, quando se tratar de responsabilidade extracontratual, aplica-se o disposto no art. 206, § 3º, V, do CC/02, com prazo de três anos. Para o efeito da incidência do prazo prescricional, o termo “reparação civil” não abrange a composição da toda e qualquer consequência negativa, patrimonial ou extrapatrimonial, do descumprimento de um dever jurídico, mas, de modo geral, designa indenização por perdas e danos, estando associada às hipóteses de responsabilidade civil, ou seja, tem por antecedente o ato ilícito. Por observância à lógica e à coerência, o mesmo prazo prescricional de dez anos deve ser aplicado a todas as pretensões do credor nas hipóteses de inadimplemento contratual, incluindo o da reparação de perdas e danos por ele causados. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.280.825/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/6/2018. 

O termo inicial do prazo será 07/06/2016, um dia depois de esgotado o prazo para o recurso, ou seja, data em que ocorreu o dano? 

NÃO. 

Em regra, o termo inicial da prescrição é data da violação do direito (teoria da actio nata) 

Na legislação civil brasileira, prevalece a noção clássica de que o termo inicial da prescrição se dá com o próprio nascimento da ação (actio nata), sendo este determinado pela violação de um direito atual, suscetível de ser reclamado em juízo. Tanto é assim que o Código Civil de 2002, em seu art. 189, dispõe expressamente que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.” Sob essa ótica, o prazo prescricional é contado, em regra, a partir do momento em que configurada lesão ao direito subjetivo, sendo desinfluente para tanto ter ou não seu titular conhecimento pleno do ocorrido ou da extensão dos danos (art. 189 do CC/2002). 

Exceções 

Tal regra, contudo, é mitigada em duas situações: 

a) nas hipóteses em que a própria legislação vigente estabeleça que o cômputo do lapso prescricional se dê a partir de termo inicial distinto (como ocorre, por exemplo, nas ações que se originam de fato que deva ser apurado no juízo criminal - art. 200 do Código Civil) e 

b) nas excepcionalíssimas situações em que, pela própria natureza das coisas, seria impossível ao autor pleitear a reparação do dano considerando que ele ainda não sabe que ocorreu. Ex: uma pessoa que se submete a transfusão de sangue, vindo a descobrir, anos mais tarde, ter sido naquela oportunidade contaminada pelo vírus HIV. 

A primeira exceção mencionada não apresenta grandes dificuldades de aplicação, pois a regra jurídica explicita o diferenciado termo inicial do prazo prescricional. Por sua vez, a segunda deve ser admitida com mais cautela e vem sendo solucionada na jurisprudência do STJ a partir da aplicação pontual da chamada teoria da actio nata em seu viés subjetivo, que, em síntese, confere ao conhecimento da lesão pelo titular do direito subjetivo violado a natureza de pressuposto indispensável ao início do prazo de prescrição. Nesse sentido: 

Aplicação excepcional da teoria da “actio nata” em seu viés subjetivo, segundo a qual, antes do conhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo pelo seu titular, não se pode considerar iniciado o cômputo do prazo prescricional. STJ. 3ª Turma. REsp 1605483/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23/02/2021. 

(...) 13. Pelo viés objetivo da teoria da actio nata, a prescrição começa a correr com a violação do direito, assim que a prestação se tornar exigível. 14. Por outro lado, segundo a vertente subjetiva da actio nata, a contagem do prazo prescricional exige a efetiva inércia do titular do direito, a qual somente se verifica diante da inexistência de óbices ao exercício da pretensão e a partir do momento em que o titular tem ciência inequívoca do dano, de sua extensão, e da autoria da lesão. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1736091/PE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/05/2019. 

No caso concreto, deve-se aplicar a segunda exceção: teoria da actio nata em seu viés subjetivo 

No caso, não é razoável considerar como marco inicial da prescrição a data limite para a interposição do agravo de instrumento, haja vista inexistirem elementos nos autos - ou a comprovação por parte do causídico - de que o cliente tenha sido cientificado da perda de prazo para apresentar o recurso cabível. A relação entre advogado e cliente se baseia na confiança recíproca e na legítima expectativa de que o profissional defenderá com zelo o mandato que lhe foi outorgado, conforme o art. 16 do Código de Ética e Disciplina da OAB, motivo pelo qual não se pode exigir do outorgante (cliente) o conhecimento de eventual erro ou da negligência do patrono (outorgado) durante a tramitação do processo. Como a relação contratual entre as partes se encerrou em 07/07/2017, é possível concluir que apenas neste momento o cliente lesionado teve (ou poderia ter tido) ciência da atuação negligente do advogado anterior. Tal conclusão se deve pelo fato de que o novo patrono, nomeado com base na confiança, deve ter tido a devida diligência que se espera do profissional da advocacia e, com isso, levado ao conhecimento do cliente as condições do processo e outras eventuais circunstâncias. Portanto, na hipótese, o prazo prescricional não pode ter início no momento da lesão ao direito da parte (dia em que o advogado perdeu o prazo), mas sim na data do conhecimento do dano, aplicando-se excepcionalmente a actio nata em sua vertente subjetiva. 

Nesse sentido confira esse trecho da ementa: 

(...) 3. O prazo prescricional é contado, em regra, a partir do momento em que configurada lesão ao direito subjetivo, sendo desinfluente para tanto ter ou não seu titular conhecimento pleno do ocorrido ou da extensão dos danos (art. 189 do CC/2002). 4. O termo inicial do prazo prescricional, em situações específicas, pode ser deslocado para o momento de conhecimento da lesão ao seu direito, aplicando-se excepcionalmente a actio nata em seu viés subjetivo. 5. Na hipótese, não é razoável considerar como marco inicial da prescrição a data limite para a interposição do agravo de instrumento, visto inexistirem elementos nos autos - ou a comprovação do advogado - evidenciando que o cliente tenha sido cientificado da perda de prazo para apresentar o recurso cabível. STJ. 3ª Turma. REsp 1622450/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/03/2021. 

Em suma: O termo inicial da prescrição da pretensão de obter o ressarcimento pela perda de uma chance decorrente da ausência de apresentação de agravo de instrumento é a data do conhecimento do dano. STJ. 3ª Turma. REsp 1.622.450/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/03/2021 (Info 689). 

Se não tivesse havido rompimento do contrato de prestação de serviços advocatícios, qual seria o termo inicial do prazo prescricional? 

Caso não tivesse ocorrido o rompimento do contrato de prestação de serviços advocatícios durante o transcurso da demanda judicial, os danos resultantes de má atuação de advogado apenas teriam se consolidado definitivamente com o trânsito em julgado, momento em que o prazo prescricional para obter o ressarcimento começaria a fluir: 

A prescrição da ação para reparação por danos causados por advogado, em patrocínio judicial, flui do trânsito em julgado do provimento jurisdicional resultante do erro profissional apontado. STJ. 3ª Turma. REsp 645.662/SP, Rel. Min. Humberto Gomes De Barros, julgado em 28/6/2007.