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18 de abril de 2021

É cabível multa cominatória para compelir provedor de acesso à internet ao fornecimento de dados para identificação de usuário

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2019/09/info-652-stj.pdf


MULTA COMINATÓRIA - É cabível multa cominatória para compelir provedor de acesso à internet ao fornecimento de dados para identificação de usuário 

É cabível multa cominatória para compelir provedor de acesso a internet ao fornecimento de dados para identificação de usuário. STJ. 4ª Turma. REsp 1.560.976-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 30/05/2019 (Info 652). 

Imagine a seguinte situação hipotética ocorrida ainda na vigência do CPC/1973: 

Em um blog na internet, um usuário identificado apenas pelo pseudônimo “Coronel” publicou diversas ofensas contra João. O ofendido conseguiu obter o endereço do IP utilizado pelo usuário e descobriu que ele utilizou os serviços de internet do provedor “Oi”. IP, abreviatura de “Internet Protocol”, é um número que identifica o dispositivo (computador, celular, impressora etc) conectado a uma rede (como a internet). É como se fosse um “RG” ou “CPF” do dispositivo que está conectado. João notificou a “Oi” para que fornecesse a identificação do usuário/ofensor, o que foi, expressamente, recusado. Diante disso, ele ajuizou ação cautelar contra a “Oi”, pedindo que ela fosse condenada a exibir, em juízo, os dados necessários (nome completo, CPF, endereço residencial ou comercial cadastrado e telefones de contato) para a identificação do blogueiro que ofendeu o autor, possibilitando a futura propositura das ações judiciais cabíveis. O juiz deferiu tutela antecipada determinando que a “Oi” (provedora de acesso à internet) forneça os dados para identificação do usuário, sob pena de multa diária de R$ 500,00. A “Oi” recorreu contra a decisão afirmando que o magistrado não poderia ter aplicado a multa cominatória na ação de exibição de documento, conforme entendimento sumulado do STJ: 

Súmula 372-STJ: Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de multa cominatória. 

Agiu corretamente o magistrado? É possível a imposição de multa cominatória, no âmbito de ação na qual se pretende o fornecimento de dados para identificação de usuário de provedor de acesso à internet, de modo a permitir eventual ação indenizatória futura? SIM. 

Multa cominatória 

A multa cominatória (também chamada de astreintes, multa coercitiva ou multa diária) é penalidade pecuniária que caracteriza medida executiva de coerção indireta, pois seu único escopo é compelir o devedor a realizar a obrigação de fazer ou a não realizar determinado comportamento. Cuida-se de uma medida atípica de apoio à decisão judicial, de caráter meramente persuasório e instrumental, não caracterizando um fim em si mesmo. A multa cominatória apresenta, portanto, feição meramente coercitiva/indutiva. Isso porque o magistrado, para sua aplicação, é movido por desígnios de ordem dissuasória e intimidatória, no intuito de que as astreintes se mostrem capazes de estimular o devedor a cumprir o comando judicial que lhe é imposto, ciente de que a incidência da multa causar-lhe-á dano maior. Nessa perspectiva, o propósito final do sistema jurídico processual é que a multa nem incida concretamente, priorizando-se o seu escopo de garantia da efetividade das decisões judiciais. 

Pedido do autor não é o mesmo que uma ação de exibição (de que trata a súmula 372) 

No presente caso, o autor pretendia o fornecimento de dados para identificação do indivíduo que estava ofendendo a sua honra. Tratava-se, portanto, de pedido para impor uma obrigação de fazer, consistente no ato de identificação do usuário do serviço de internet. Para o STJ, esse pedido (de obrigar o provedor a fornecer a identidade do usuário) não é o mesmo pedido que é formulado em uma ação de exibição de documento (que era regulada pelo art. 844 do CPC/1973) e que inspirou a Súmula 372 do STJ. Não são a mesma coisa. 

Razão de ser da súmula não se aplica no presente caso 

A razão de ser da súmula 372 do STJ está no fato de que não é cabível a multa porque existem outros instrumentos e sanções processuais que podem ser utilizados para suprir o descumprimento da ordem judicial. O juiz pode, por exemplo, presumir que as informações que estão supostamente presentes no documento são verdadeiras (art. 359 do CPC/1973; art. 400 do CPC/2015). Outra alternativa que o magistrado possui é a determinação de busca e apreensão. 

No entanto, o raciocínio presente na súmula não se aplica ao presente caso. Isso porque não se trata propriamente de uma ação de exibição de documentos. O que se pretende na ação é que se forneça a identificação do usuário, ou seja, uma informação que deverá ser buscada no sistema informatizado da empresa. Assim, a multa é a única forma de compelir a ré a cumprir a decisão, já que não seria viável ordenar uma busca e apreensão na empresa, considerando que esse dado não está escrito em um papel arquivado, estando nos sistemas informatizados do provedor de acesso à internet. Não é igualmente aplicável a determinação contida no art. 359 do CPC (presunção de veracidade dos fatos afirmados pela parte requerente da exibição dos documentos), pois não se busca a prova de fatos contra a demandada, mas a identificação do terceiro responsável pela autoria de atos ilícitos. A causa em tela é muito mais específica e deve ser vista sob outro prisma que não o do já sumulado pelo STJ na súmula 372, pois se trata de matéria eletrônica, onde as demais possibilidades legais, que não a multa cominatória, são inócuas. Assim, as sanções processuais aplicáveis à recusa de exibição de documento - presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor e busca e apreensão, revelam-se evidentemente inócuas na espécie. Logo, as citadas peculiaridades, extraídas do caso concreto, constituem distinguishing apto a afastar a incidência do entendimento plasmado na Súmula 372 do STJ. 

Obrigação dos provedores de acesso de guardar os dados 

Registre-se que, desde 2009, já havia recomendação do Comitê Gestor de Internet no Brasil no sentido de que os provedores de acesso mantivessem, por um prazo mínimo de três anos, os dados de conexão e comunicação realizadas por meio de seus equipamentos. 

Em suma: É cabível multa cominatória para compelir provedor de acesso à internet ao fornecimento de dados para identificação de usuário. STJ. 4ª Turma. REsp 1.560.976-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 30/05/2019 (Info 652). 

A Súmula 372 do STJ ainda permanece válida com o CPC/2015? 

A doutrina majoritária afirma que não. Com a entrada em vigor do CPC/2015, a Súmula 372 do STJ está SUPERADA. Nesse sentido é o enunciado nº 54 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Isso porque o novo CPC permite expressamente a fixação de multa de natureza coercitiva na ação de exibição de documento. Veja: 

Art. 400 (...) Parágrafo único. Sendo necessário, o juiz pode adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para que o documento seja exibido. 

Art. 403 (...) Parágrafo único. Se o terceiro descumprir a ordem, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência, pagamento de multa e outras medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar a efetivação da decisão. 

Sobre o tema, importante mencionar a lição de Guilherme Rizzo Amaral: “Na vigência do CPC de 1973, havia pacífico entendimento jurisprudencial pela inaplicabilidade da multa para a coerção do dever de exibição de documentos, entendimento esse consubstanciado na súmula 372 do STJ. Tal súmula resta superada com o CPC de 2015, que prevê em seu art. 400, parágrafo único, que poderá o juiz “adotar medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub- rogatórias' para a exibição do documento, incluindo-se aí, portanto, a multa periódica. É claro que, podendo valer-se da presunção de veracidade dos fatos decorrente da não apresentação do documento (art. 400, caput), deverá o juiz sempre por ela optar, deixando assim de aplicar a multa, que somente se presta àquelas situações em que a coerção se mostre estritamente necessária (como pode ocorrer, por exemplo, quando não se tiver a exata dimensão dos fatos que se pretendem provar com o documento).” (AMARAL, Guilherme Rizzo. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. [livro eletrônico]./Coordenadores Teresa Arruda Alvim Wambier, Fredie Didier Jr., Eduardo Talamini e Bruno Dantas. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, Capítulo VI, comentário 2 ao artigo 537) 

O Ministro Luís Felipe Salomão, em obiter dictum, revelou que concorda com o entendimento doutrinário no sentido de que está, de fato, superada. Veja: 

“A título meramente informativo – pois a presente controvérsia se estabeleceu durante a vigência do CPC de 1973 –, revela-se importante destacar que o verbete sumular parece ter sido superado pelo poder geral de efetivação das decisões judiciais conferido ao juiz pelos artigos 139, inciso IV, e 400, parágrafo único, do CPC de 2015.” 

Desse modo, o caso acima exposto, se ocorrido sob a égide do CPC/2015, não geraria polêmica porque, ainda que se considerasse que a demanda proposta por João era uma ação de exibição, mesmo assim seria cabível a imposição da multa cominatória.