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15 de novembro de 2021

A possibilidade de complementação da legislação federal para o atendimento de interesse regional não permite que Estado-Membro simplifique o licenciamento ambiental para atividades de lavra garimpeira

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-1029-stf.pdf


COMPETÊNCIA A possibilidade de complementação da legislação federal para o atendimento de interesse regional não permite que Estado-Membro simplifique o licenciamento ambiental para atividades de lavra garimpeira 

É inconstitucional a legislação estadual que, flexibilizando exigência legal para o desenvolvimento de atividade potencialmente poluidora, cria modalidade mais simplificada de licenciamento ambiental. É inconstitucional lei estadual que regulamenta aspectos da atividade garimpeira, nomeadamente, ao estabelecer conceitos a ela relacionados, delimitar áreas para seu exercício e autorizar o uso de azougue (mercúrio) em determinadas condições. STF. Plenário. ADI 6672/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14/9/2021 (Info 1029). 

O caso concreto foi o seguinte: 

Em Roraima, foi editada a Lei nº 1.453/2021, que trata sobre o licenciamento necessário para a atividade de lavra garimpeira no Estado. Veja alguns dispositivos da Lei apenas para você entender melhor sobre o que ela versa: 

Art. 1º Esta Lei estabelece procedimentos e critérios específicos para o Licenciamento Ambiental da Atividade de Lavra Garimpeira no Estado de Roraima. 

Art. 3º O Licenciamento Ambiental para Atividade de Lavra Garimpeira far-se-á por meio de Licença de Operação Direta, a ser expedida pela Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos - FEMARH, devendo ser apresentado estudo ambiental para análise técnica, conforme Termo de Referência constante no Anexo II desta Lei e que dela é parte integrante. § 1º O estudo ambiental a ser apresentado à Fundação Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos – FEMARH para a solicitação da Licença de Operação, são: Plano de Controle Ambiental – PCA e Plano de Recuperação de Áreas Degradadas - PRAD. § 2º A FEMARH exigirá os estudos ambientais de acordo com o Termo de Referência do Projeto Ambiental a ser apresentado, dispostos nos Anexos I e II, respectivamente, desta Lei. 

Art. 5º São legitimados a requerer o Licenciamento Ambiental para Lavra Garimpeira, a pessoa física ou jurídica detentora de processo de direito minerário junto à Agência Nacional de Mineração - ANM. Parágrafo único. Caso o Empreendedor não seja o proprietário ou possuidor do imóvel deverá apresentar a autorização do real possuidor ou proprietário da área, por escrito, acompanhado de documento que comprove a posse ou propriedade, conforme dispõe o Decreto nº 19.725 -E, de 09 de outubro de 2015. 

Art. 6º O limite máximo da área para concessão de licenciamento ambiental, será de 50 (cinquenta) hectares, salvo quando outorgada a cooperativa de garimpeiros, neste caso, fica estabelecido o limite máximo de até 200 (duzentos) hectares e respeitará a extensão prevista no artigo 4º da Portaria DNPM nº 178, de 12 de abril de 2004 e Portaria nº 155 de 12/05/2016 DOU de 17/05/2016. 

Art. 8º Na lavra de ouro, só será permitido o uso de azougue (mercúrio) para a concentração caso seja apresentado projeto de solução técnica que contemple a utilização do mercúrio em circuito fechado de concentração e amalgamação do minério de ouro e a utilização de retortas e capelas na separação do amálgama e purificação do ouro, respectivamente, com todas as instalações necessárias para a eficiência técnica e ambiental do processo; caso o empreendedor opte por implementar outras técnicas para realizar a concentração do produto, por exemplo, concentração gravítica, concentração por mesa oscilatória, concentrador centrífugo, deverá apresentar a declaração do interessado de não uso de mercúrio e cianeto na atividade de garimpagem de ouro, conforme determina o Decreto n. 97.507/1989. 

ADI 

O Partido Rede Sustentabilidade ajuizou ADI no STF contra essa lei argumentando que, ao dispor sobre o licenciamento para a atividade de lavra garimpeira no Estado de Roraima, ela teria incorrido em inconstitucionalidades formal e material. Em síntese, aduziu afronta à competência comum dos entes federados para a proteção do meio ambiente e a preservação das florestas, da fauna e da flora (art. 23, VI e VII, da CF/88), à competência da União para estabelecer normas gerais de proteção e responsabilidade por danos ao meio ambiente (art. 24, VI e VIII, e § 1º, da CF/88), ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e ao dever estatal de promover a sua defesa e proteção para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput, da CF/88), aos princípios da precaução e da prevenção e à exigência de estudo de impacto ambiental prévio à instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação ambiental, bem como controle da produção que importe risco à vida ou ao meio ambiente (art. 225, § 1º, IV e V, da CF/88). Sob o aspecto material, arguiu que as normas questionadas afrontam os princípios da precaução e da prevenção, vulnerando, também, o próprio direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, caput, e § 1º, IV e V, da CF), sobretudo em razão da autorização para o uso do mercúrio na atividade da lavra garimpeira. 

O STF concordou com a tese de inconstitucionalidade? Essa lei é inconstitucional? 

SIM. O constituinte originário atribuiu a todos os entes federados competência comum para: 

Art. 23. (…) III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural; (…) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora. 

Conferiu-se à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência concorrente para legislar sobre matérias afetas à proteção e conservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado e à responsabilidade por dano ambiental: 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (…) VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. 

No exercício da competência para estabelecer normas gerais sobre direito ambiental, a União editou a Lei nº 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. A Lei nº 6.938/81 elegeu o licenciamento como relevante instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, atribuindo ao Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA a competência para estabelecer normas e critérios para o licenciamento de atividades potencialmente poluidoras (art. 9º, IV e art. 8º, I). No âmbito do exercício dessa atribuição, a Resolução do CONAMA 237/1997 estabeleceu diversas normas e critérios para o licenciamento dessas atividades. A expedição de licenças ambientais específicas para as fases de planejamento, instalação e operacionalização de empreendimentos potencialmente poluidores não é arbitrária ou juridicamente indiferente, já que representa uma cautela necessária para a efetividade do controle exercido pelo órgão ambiental competente. A regulação desses aspectos se situa no âmbito de competência da União para a edição de normas gerais, considerada a predominância do interesse na uniformidade de tratamento da matéria em todo o território nacional, ficando vedado aos Estados-Membros, em linha de princípio, dissentir da sistemática de caráter geral definida pelo ente central, salvo no que se relaciona ao estabelecimento de normas mais protetivas. O tema acima, conforme já vimos, não é de competência privativa da União. Logo, os entes regionais podem legislar de maneira suplementar sobre o licenciamento ambiental. Tal possibilidade, contudo, há de ser concretizada em conformidade com normas e padrões estabelecidos em âmbito federal. A Resolução CONAMA 237/1997 permite que se estabeleçam procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental (art. 12, § 1º, da Resolução). Isso exclui, por óbvio, a extração e o tratamento de minerais, considerando que tais atividades são previstas no Anexo VIII da Lei nº 6.938/81 como de alto potencial poluidor. A Lei do Estado de Roraima, ao simplificar o procedimento, desprezando as etapas estabelecidas em nível federal, trata, na prática, da lavra garimpeira que poderá recair sobre espaço de até 200 hectares, com a utilização de mercúrio, como de pequeno impacto ambiental. Desse modo, a lei estadual questionada destoou do modelo federal de proteção ambiental ao prever a existência de modalidade mais célere e simplificada de licenciamento ambiental único, chamada de “Licença de Operação Direta”, em prejuízo de normas gerais que possibilitam o exercício do poder de polícia ambiental sobre cada fase de implementação e operacionalização de empreendimentos potencialmente poluidores. Tal vício de inconstitucionalidade evidencia um flagrante prejuízo ao nível de proteção ambiental já estabelecido no âmbito federal, a caracterizar, assim, ofensa ao art. 225 da Constituição Federal. Em matéria de proteção ao meio ambiente, a jurisprudência do STF admite que a legislação dos demais entes federativos seja mais restritiva (mais protetiva) do que a legislação da União veiculadora de normas gerais. Nesse sentido: 

Em linha de princípio, admite-se que os Estados editem normas mais protetivas ao meio ambiente, com fundamento em suas peculiaridades regionais e na preponderância de seu interesse, conforme o caso. STF. Plenário. ADI 5996, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 15/04/2020. 

O que se tem, no caso concreto, entretanto, é situação inversa: a norma estadual fragiliza o exercício do poder de polícia ambiental, na medida em que busca a aplicação de procedimento de licenciamento ambiental menos eficaz para atividades de impacto significativo ao meio ambiente, como é o caso da lavra garimpeira, sobretudo com o uso de mercúrio. Dessa maneira, é inconstitucional a legislação estadual que, a título de complementar as normas gerais editadas pela União, flexibiliza exigência legal para o desenvolvimento de atividade potencialmente poluidora. 

É inconstitucional a legislação estadual que, flexibilizando exigência legal para o desenvolvimento de atividade potencialmente poluidora, cria modalidade mais simplificada de licenciamento ambiental. STF. Plenário. ADI 6672/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14/9/2021 (Info 1029). 

Inconstitucionalidade formal 

Além disso, a lei é também formalmente inconstitucional. Isso porque ela regulamentou aspectos da própria atividade de garimpo, nomeadamente ao estabelecer conceitos a ela relacionados, delimitar áreas para seu exercício e autorizar o uso de azougue (mercúrio), usurpando, assim, a competência privativa da União para legislar sobre “jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia” (art. 22, XII, da CF/88): 

É inconstitucional lei estadual que regulamenta aspectos da atividade garimpeira, nomeadamente, ao estabelecer conceitos a ela relacionados, delimitar áreas para seu exercício e autorizar o uso de azougue (mercúrio) em determinadas condições. STF. Plenário. ADI 6672/RR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 14/9/2021 (Info 1029). 

Recentemente o STF apreciou a questão e chegou à mesma conclusão: 

É inconstitucional norma estadual que estabelece hipóteses de dispensa e simplificação do licenciamento ambiental para atividades de lavra a céu aberto por invadir a competência legislativa da União para editar normas gerais sobre proteção do meio ambiente, nos termos previstos no art. 24, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal. Vale ressaltar também que o estabelecimento de procedimento de licenciamento ambiental estadual que torne menos eficiente a proteção do meio ambiente equilibrado quanto às atividades de mineração afronta o caput do art. 225 da Constituição por inobservar o princípio da prevenção. STF. Plenário. ADI 6650/SC, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 26/4/2021 (Info 1014).

5 de junho de 2021

Filigrana doutrinária: Competência Ambiental e Princípio da Subsidiariedade - Ingo Wolfgang Sarlet

“O exercício das competências constitucionais (legislativas e executivas) em matéria ambiental, respeitados os espaços político-jurídicos de cada ente federativo, deve rumar para a realização do objetivo constitucional expresso no art. 225 da CF/1988, inclusive sob a caracterização de um dever de cooperação entre os entes federativos no cumprimento dos seus deveres de proteção ambiental. Isso implica a adequação das competências constitucionais ambientais ao princípio da subsidiariedade, enquanto princípio constitucional implícito no nosso sistema constitucional, o qual conduz à descentralização do sistema de competências e ao fortalecimento da autonomia dos entes federativos inferiores (ou periféricos) naquilo em que representar o fortalecimento dos instrumentos de proteção ambiental e dos mecanismos de participação política, sob o marco jurídico-constitucional de um federalismo cooperativo ecológico.” 

(SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito Constitucional Ambiental. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 157).