RECURSO ESPECIAL Nº 1822034 - SC (2019/0181839-6)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. ARRESTO EXECUTIVO ELETRÔNICO. TENTATIVA DE
LOCALIZAÇÃO DO EXECUTADO FRUSTRADA. ADMISSIBILIDADE.
EXAURIMENTO DAS TENTATIVAS DE CITAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE.
JULGAMENTO: CPC/15.
1. Ação de execução de título extrajudicial ajuizada em 10/08/2018, da qual
foi extraído o presente recurso especial, interposto em 26/12/2018 e
distribuído ao gabinete em 25/06/2019. Julgamento: CPC/15.
2. O propósito recursal consiste em decidir acerca da admissibilidade de
arresto executivo na modalidade on-line, antes de esgotadas as tentativas de
citação do devedor.
3. O arresto executivo, previsto no art. 830 do CPC/15, busca evitar que os
bens do devedor não localizado se percam, a fim de assegurar a efetivação de
futura penhora na ação de execução. Com efeito, concretizada a citação, o
arresto se converterá em penhora.
4. Frustrada a tentativa de localização do devedor, é possível o arresto de
seus bens na modalidade on-line, com base na aplicação analógica do art. 854
do CPC/15. Manutenção dos precedentes desta Corte, firmados na vigência
do CPC/73.
5. Hipótese dos autos em que o deferimento da medida foi condicionado ao
exaurimento das tentativas de localização da devedora não encontrada para
citação, o que, entretanto, é prescindível.
6. Recurso especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília, 15 de junho de 2021. MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora
RELATÓRIO
Cuida-se de recurso especial interposto por BANCO DO BRASIL S/A, com
fundamento nas alíneas "a" e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do
TJ/SC.
Recurso especial interposto em: 26/12/2018.
Concluso ao gabinete em: 25/06/2019.
Ação: de execução de título extrajudicial proposta por BANCO DO BRASIL
S/A contra FÓRMULA IMPORTAÇÃO EXPORTAÇÃO E COMÉRCIO DE PRODUTOS
NAVAIS LTDA. E OUTROS, lastreada em cédula de crédito bancário, em razão do
descumprimento das obrigações assumidas.
Decisão interlocutória: na parte impugnada, indeferiu o pedido
formulado pelo BANCO DO BRASIL S/A de arresto eletrônico, em relação à
executada não citada [INGRID DRIESNACK], sob o argumento de que é inviável
efetuar o bloqueio de valores via sistema Bacenjud quando pendente a citação.
Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo
BANCO DO BRASIL S/A, nos termos da seguinte ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA
CONTRA DEVEDOR SOLVENTE. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE ARRESTO "ON LINE"
DE ATIVOS FINANCEIROS ANTES DA CITAÇÃO. BLOQUEIO DE VALORES PELO
SISTEMA BACENJUD QUE RECLAMA O ESGOTAMENTO DAS TENTATIVAS DE CITAÇÃO
DO EXECUTADO. REQUISITO NÃO DEMONSTRADO NO CASO CONCRETO. RECURSO
DESPROVIDO.
Embargos de declaração: opostos pelo BANCO DO BRASIL S/A,
foram rejeitados.
Recurso especial: alega violação aos arts. 830 e 854 do CPC/15, bem
como dissídio jurisprudencial.
Sustenta, em síntese, a necessidade de reforma do acórdão recorrido,
porque é possível o arresto de bens antes da citação, na hipótese em que o
executado não foi localizado pelo Oficial de Justiça, conforme entendimento
firmado pelo STJ.
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SC admitiu o recurso especial
na origem.
Decisão monocrática: não conheceu do recurso especial, dando azo
à interposição do agravo interno, provido, em juízo de reconsideração, para
determinar novo julgamento do recurso especial.
É o relatório.
VOTO
O propósito recursal consiste em decidir acerca da possibilidade de
arresto executivo na modalidade on-line, antes de esgotadas as tentativas de
citação do devedor.
DO ARRESTO EXECUTIVO NA MODALIDADE ON-LINE
1. Nos termos do caput do art. 830 do CPC/15, na hipótese de o oficial
de justiça, ao tentar realizar a citação, não encontrar o executado, mas localizar
bens penhoráveis, poderá promover o arresto de tantos quantos bastem para
garantir a execução. Tal constrição apenas busca evitar que os bens do devedor
não localizado se dissipem, para assegurar a efetivação de futura penhora.
2. Nesse contexto, verifica-se que, diferentemente do arresto cautelar,
previsto no art. 301 do CPC/15, o qual exige a comprovação dos elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e perigo de dano ou o risco ao resultado útil
do processo, constantes no art. 300 do CPC/15, o único requisito para a concessão
do arresto executivo é o devedor não ser encontrado. A citação, por sua vez, é
condição apenas para a conversão do arresto executivo em penhora, e não para
sua efetivação.
3. Embora o CPC/2015, do mesmo modo que o revogado CPC/1973, não
mencione, expressamente, a possibilidade de realização do arresto na modalidade
on-line, também não há proibição. Assim, não existe qualquer impedimento para o
credor utilizar desse instrumento com a intenção de garantir a satisfação de seu
crédito, mesmo que o devedor não tenha sido citado.
4. A despeito disso, não se pode perder de vista que o juiz não poderá
deixar de decidir ainda que existam lacunas no ordenamento jurídico. Assim, na
falta de lei que regule a matéria em exame, “o juiz decidirá o caso de acordo
com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”, nos termos
do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Nesse sentido,
leciona Sílvio de Salvo Venosa:
"O ideal seria o ordenamento jurídico preencher todos os
acontecimentos, todos os fatos sociais. Sabido é que isto é impossível. Sempre
existirão situações não descritas ou previstas pelo legislador.
O juiz nunca pode deixar de decidir por não encontrar norma aplicável
no ordenamento, pois vigora o postulado da plenitude da ordem jurídica. Art. 126
do Código de Processo Civil:
“O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando
lacuna ou obscuridade na lei. No julgamento da lide, caber-lhe-á
aplicar as normas legais, não as havendo, recorrerá à analogia, aos
costumes e aos princípios gerais de direito.”
O art. 140 do CPC atual prossegue com a mesma ideia, embora não mais
se refira expressamente à analogia, costumes e princípios gerais de direito. Contudo,
essas modalidades de raciocínio pertencem ao pensamento ortodoxo do direito de
influência da Europa continental e continuam aplicáveis.
O magistrado deve decidir sempre. Na ausência de lei que regule a
matéria sob exame, o julgador recorrerá às fontes subsidiárias, vários métodos,
entre os quais a analogia está colocada. Advirta-se que a analogia não constitui
propriamente uma técnica de interpretação, como a princípio possa parecer, mas
verdadeira fonte do Direito, ainda que subsidiária e assim reconhecida pelo
legislador no art. 4º da Lei de Introdução. O processo analógico faz parte da
heurística jurídica, qual seja, a descoberta do Direito. A analogia, ao lado dos
princípios gerais, situa-se como método de criação e integração do Direito.
Cuida-se de um processo de raciocínio lógico pelo qual o juiz estende um
preceito legal a casos não diretamente compreendidos na descrição legal. O
julgador, juiz togado ou árbitro, pesquisa a vontade da lei, para transportá-la aos
casos que o texto legal não compreendera expressamente.
(...)
Conceitua Paulo Nader (2003:188): “A analogia é um recurso técnico
que consiste em se aplicar, a uma hipótese não prevista pelo legislador, a solução
por ele apresentada para um caso fundamentalmente semelhante à não prevista.”
Somente haverá esse processo de aplicação do Direito perante a
omissão do texto legal." (VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao estudo do direito.
São Paulo: Atlas, 2019. p. 195/196).
5. Nesse contexto, ressalta-se que, apesar da ausência de previsão
expressa na legislação, a jurisprudência desta Corte de Justiça, na vigência do
Código de Processo Civil de 1973, firmou-se no sentido de ser admissível, no
âmbito das execuções de títulos extrajudiciais, o arresto na modalidade on-line,
aplicando, por analogia, o art. 655-A do CPC/73, o qual, com o advento da Lei
11.382/2006, inseriu no sistema processual a figura da penhora on-line. Assim, de
acordo com o entendimento consolidado pelo STJ, após a tentativa frustrada de
citação do devedor, é possível efetuar o arresto na modalidade on-line, via
constrição eletrônica por meio do Sistema Bacenjud. Nesse sentido, destaca-se os
seguintes julgados: REsp 1.370.687/MG, 4ª Turma, julgado em 04/04/2013, DJe
15/08/2013; REsp 1.338.032/SP, 3ª Turma, julgado em 05/11/2013, DJe
29/11/2013.
6. Frise-se, por oportuno, que, em harmonia com esse posicionamento,
o art. 854 do CPC/15 [correspondente do art. 655-A do CPC/73], consigna que: “
para possibilitar a realização de penhora de dinheiro ou aplicação
financeira por meio eletrônico, o juiz, a requerimento do exequente, sem
dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições
financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade
supervisora do sistema financeiro nacional, torne indisponíveis ativos
financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a
indisponibilidade ao valor indicado na execução”. Ou seja, de acordo com o
CPC vigente, o devedor não precisa ser cientificado previamente acerca da
realização da penhora on-line, o que, aplicado à hipótese em exame, por analogia,
reforça o entendimento no sentido de que basta o devedor não ser encontrado
para que seja efetivado o arresto de seus bens na modalidade on-line.
7. Ressalte-se, além disso, a aplicação do princípio da efetividade, que,
especialmente no que concerne ao processo de execução, conforme prevê a lei,
realiza-se “no interesse do credor” (art. 797 do CPC/15).
8. Assim, com o objetivo de garantir a celeridade do processo e a
efetividade do resultado da execução, além de estimular a modernização dos atos
executórios, revela-se oportuna a manutenção do entendimento firmado por esta
Corte de Justiça, nos julgados acima mencionados, que admitem a realização do
arresto executivo na modalidade on-line.
9. Sobre o tema, se manifesta, de maneira favorável, a doutrina:
"Tratando-se, portanto, de ato executivo de pré-penhora ou penhora
antecipada, conclui-se que não existe qualquer exigência em se provar perigo de
ineficácia do resultado do processo para a concessão do arresto executivo; basta
não localizar o executado para sua citação. Justamente por isso, é acertado o
posicionamento do Superior Tribunal de Justiça em admitir o arresto executivo online pelo sistema BacenJud.
(...)
Apesar do procedimento previsto em lei, com a realização da constrição
judicial por meio de oficial de justiça, o Superior Tribunal de Justiça acertadamente
entende ser cabível o arresto on-line com a utilização do sistema BacenJud. Dessa
forma, sendo devolvido o mandado de citação negativo pelo oficial de justiça,
caberá a tentativa de arresto de dinheiro do executado mantido em instituições
financeiras pelo sistema BacenJud, até porque, se o arresto executivo é uma prépenhora ou penhora antecipada, não teria sentido impedir a utilização de forma
eletrônica de penhora a tal ato de constrição." (NEVES, Daniel Amorim Assumpção.
Manual de direito processual civil: volume único. 8ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm,
2016. p. 2070/2071)
DA HIPÓTESE DOS AUTOS
10. No particular, colhe-se dos autos que, ao analisar o pedido de arresto
executivo na modalidade on-line formulado pelo credor/recorrente, o TJ/SC
condicionou o deferimento da medida ao exaurimento das tentativas de citação da
devedora/recorrida, o que, nos termos da fundamentação, é prescindível. Por
oportuno, destaca-se o seguinte trecho: “O bloqueio de numerário via sistema
Bacenjud antes da citação não é vedado pela legislação processual civil.
Mas o deferimento da medida reclama o exaurimento das tentativas de
citação da parte executada (...)” (fl. 192, eSTJ).
11. Observa-se, ademais, que a devedora/recorrida não foi encontrada
para citação não apenas uma, mas duas vezes. É o que se extrai do próprio acórdão
recorrido: “o agravante não esgotou as tentativas de citação da executada
Ingrid. E assim se diz porque o pedido de arresto de ativos financeiros via
Bacenjud foi precedido de apenas 2 (duas) tentativas de citação (...)” (fl.
192, e-STJ).
12. Logo, em conclusão, merece reforma o acórdão recorrido para o fim
de acolher o pedido de arresto executivo na modalidade on-line, em relação à
devedora/recorrida [INGRID DRIESNACK] não encontrada para citação, sem a
necessidade de que tenha o credor/recorrente esgotado as diligências para
localizá-la.
CONCLUSÃO
Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e DOU-LHE
PROVIMENTO, para autorizar o arresto executivo na modalidade on-line requerido
pelo credor/recorrente, a ser efetivado pelo Juízo de origem.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos
termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas
Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
C5425065154070740;0188@ 2019/0181839-6 - REsp 1822034