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14 de agosto de 2021

É inconstitucional a alteração legislativa que excluiu o menor sob guarda do rol de dependentes para fins previdenciários

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/08/info-1020-stf.pdf


DIREITO PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE: É inconstitucional a alteração legislativa que excluiu o menor sob guarda do rol de dependentes para fins previdenciários

Menor sob guarda é dependente para fins previdenciários. A interpretação conforme a ser conferida ao art. 16, § 2º, da Lei nº 8213/1991 deve contemplar os “menores sob guarda” na categoria de dependentes do Regime Geral de Previdência Social, em consonância com o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos da legislação previdenciária. STF. Plenário. ADI 4878/DF e ADI 5083/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgados em 7/6/2021 (Info 1020). 

BENEFICIÁRIOS 

Em um regime de previdência, seja o regime geral (administrado pelo INSS), seja o regime próprio (destinado aos servidores públicos), quando falamos em “beneficiários da previdência”, essa expressão abrange duas espécies: segurados e dependentes. 

Segurados 

São pessoas que, em razão de exercerem um trabalho, emprego ou cargo, ficam vinculadas diretamente ao Regime de Previdência.

Estão vinculados diretamente ao Regime de Previdência. 

Ex: o servidor público federal, em virtude do cargo por ele desempenhado, vincula-se ao regime próprio de previdência dos servidores federais. 


Dependentes 

São as pessoas que recebem uma proteção previdenciária pelo fato de terem uma relação com o segurado. 

Estão vinculados de forma reflexa, em razão da relação que possuem com o segurado. 

Ex: a esposa do servidor público federal é beneficiária do regime previdenciário próprio, na qualidade de dependente. 

DEPENDENTES 

O que são os dependentes para fins previdenciários? 

Os dependentes são pessoas que, embora não contribuindo para a seguridade social, podem vir a receber benefícios previdenciários, em virtude de terem uma relação de afeto (cônjuge/companheiro) ou parentesco com o segurado. 

Quais os benefícios que os dependentes receberão? 

Quem define isso é a lei. Em geral, todos os regimes de previdência preveem a pensão por morte como um benefício que os dependentes recebem quando ocorre o falecimento do segurado. 

É o segurado quem escolhe quem são seus dependentes para fins previdenciários? 

NÃO. A relação dos dependentes é definida pela legislação previdenciária. Assim, não é o segurado quem os indica. É a própria lei quem já prevê taxativamente quem tem direito de ser considerado dependente (art. 16 da Lei nº 8.213/91). 

Os dependentes precisam se cadastrar no INSS? 

Somente no momento em que forem receber o benefício. Antes de terem direito ao benefício, os dependentes do segurado não se inscrevem na autarquia previdenciária. 

Classes de dependentes: 

A Lei divide os dependentes em três classes: 

1ª CLASSE a) Cônjuge b) Companheiro (hétero ou homoafetivo) c) Filho menor de 21 anos, desde que não tenha sido emancipado; d) Filho inválido (não importa a idade); e) Filho com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (não importa a idade). Para que recebam os benefícios previdenciários, os membros da 1ª classe NÃO precisam provar que eram dependentes economicamente do segurado (a dependência econômica é presumida pela lei). 

____________

2ª CLASSE Pais do segurado. 

3ª CLASSE a) Irmão menor de 21 anos, desde que não tenha sido emancipado; b) Irmão inválido (não importa a idade); c) Irmão com deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave (não importa a idade). 

Para que recebam os benefícios previdenciários, os membros da 2ª e 3ª classes PRECISAM provar que eram dependentes economicamente do segurado. 

GUARDA 

Concessão da guarda para pessoa diversa dos pais 

A legislação prevê algumas hipóteses em que a criança ou o adolescente pode ser colocado sob a guarda de uma pessoa que não seja nem seu pai nem sua mãe. A concessão da guarda é uma das formas de colocação do menor em família substituta, sendo concedida quando os pais não apresentarem condições de exercer, com plenitude, seus deveres inerentes ao poder familiar, seja por motivos temporários ou permanentes. 

A concessão da guarda para terceiros implica, necessariamente, a perda do poder familiar pelos pais? 

NÃO. A concessão da guarda, diferentemente da tutela, “não implica em destituição do poder familiar, mas sim, transfere a terceiros componentes de uma família substituta provisória a obrigação de cuidar da manutenção da integridade física e psíquica da criança e do adolescente.” (ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente. Comentado artigo por artigo. 6. ed. São Paulo: RT, 2014, p. 187). 

Hipóteses 

Existem três hipóteses em que a guarda poderá ser deferida a outras pessoas que não sejam os pais da criança ou adolescente: 

a) quando tramitar processo judicial para que a criança ou adolescente seja adotado ou tutelado, situação em que poderá ser colocado, liminar ou incidentalmente, sob a guarda do adotante ou tutor (art. 33, § 1º, do ECA). Nesse caso, a guarda destina-se a regularizar juridicamente a situação de quem já está, na prática, cuidando do menor. O ECA fala que a guarda “destina-se a regularizar a posse de fato”; 

b) quando essa transferência da guarda for necessária para atender a situações peculiares ou para suprir a falta eventual dos pais ou responsável (art. 33, § 2º, do ECA). Ex: pais irão fazer uma longa viagem para o exterior, ficando a criança no Brasil; 

c) quando o juiz verificar que nem o pai nem a mãe estão cumprindo adequadamente o dever de guarda do filho, situação em que deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade (art. 1.584, § 5º, do CC). 

Responsabilidades do guardião 

A pessoa que recebe a guarda, chamada de “guardião” (ou “detentor da guarda”), tem a obrigação de prestar assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente. O guardião, no exercício de suas responsabilidades inerentes à guarda, tem o direito de fazer prevalecer suas decisões em relação ao menor, podendo, para isso, opor-se em relação a terceiros, inclusive aos próprios pais da criança ou adolescente (art. 33, caput, do ECA). 

GUARDA E EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS 

A criança ou adolescente que está sob guarda é considerada dependente do guardião? 

Para responder a esta pergunta, é necessário fazer um histórico da legislação. 

Lei 8.069/90 

Em 1990, foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) prevendo que sim. Veja o que estabelece o § 3º do art. 33 do ECA: 

§ 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários. 

Redação original da Lei 8.213/91 

Em 1991, foi publicada a Lei nº 8.213/91, que trata sobre os Planos de Benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Essa Lei elencou, em seu art. 16, quem seriam as pessoas consideradas dependentes dos segurados. O § 2º do art. 16 previu que o menor que estivesse sob guarda judicial deveria ser equiparado a filho e, portanto, considerado como dependente do segurado. Em outras palavras, a redação original da Lei nº 8.213/91 dizia que o menor sob guarda era considerado dependente previdenciário do guardião. 

MP 1.523/96 e Lei 9.528/97 

Em 1996, foi editada a MP 1.523/96, que alterou a redação do § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91 e excluiu o menor sob guarda do rol de dependentes. A justificativa dada para esta alteração foi a de que estavam ocorrendo muitas fraudes. O avô(ó), já aposentado, obtinha a guarda de seu neto(a) apenas para, no futuro, deixar para ele(a) pensão por morte, quando falecesse. A criança continuava morando com seus pais e esta guarda era obtida apenas para fins previdenciários. Dessa forma, a intenção do Governo foi a de acabar com os efeitos previdenciários da guarda. A referida MP foi, posteriormente, convertida na Lei nº 9.528/97. 

ECA não foi alterado, o que gerou polêmica 

Ocorre que o legislador alterou a Lei nº 8.213/91, mas não modificou o § 3º do art. 33 do ECA. Assim, os advogados continuaram defendendo a tese de que o menor sob guarda permanece com direitos previdenciários por força do ECA. O INSS, por sua vez, argumentava que o art. 33, § 3º do ECA foi derrogado implicitamente pela Lei nº 9.528/97. Segundo a autarquia, a Lei nº 8.213/91, com redação dada pela Lei nº 9.528/97, é lei posterior e mais especial do que o ECA. Assim, no conflito entre a atual redação do art. 16 da Lei nº 8.213/91 e o art. 33, § 3º da Lei nº 8.069/90 deveria prevalecer o primeiro diploma, ante a natureza específica da norma previdenciária. Antes, a jurisprudência oscilava, ora em um sentido, ora em outro, até a questão ser pacificada no STJ: 

O menor sob guarda tem direito à concessão do benefício de pensão por morte do seu mantenedor, comprovada sua dependência econômica, nos termos do art. 33, § 3º do Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda que o óbito do instituidor da pensão seja posterior à vigência da Medida Provisória 1.523/96, reeditada e convertida na Lei n. 9.528/97. Funda-se essa conclusão na qualidade de lei especial do Estatuto da Criança e do Adolescente (8.069/90), frente à legislação previdenciária. STJ. 1ª Seção. REsp 1.411.258-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 11/10/2017 (recurso repetitivo) (Info 619). 

O ECA não é uma simples lei, uma vez que representa política pública de proteção à criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento do mandamento previsto no art. 227 da CF/88. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo que atente contra a dignidade da pessoa humana e, consequentemente, contra o princípio de proteção integral e preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados são a base do Estado Democrático de Direito e devem orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico. Desse modo, embora a lei previdenciária seja norma específica da previdência social, não menos certo é que a criança e adolescente contam com proteção de norma específica que confere ao menor sob guarda a condição de dependente para todos os efeitos, inclusive previdenciários. Logo, prevalece a previsão do ECA trazida pelo art. 33, § 3º, mesmo sendo anterior à lei previdenciária. 

Exemplo: João, avô de Beatriz, de 10 anos, tem a guarda de sua neta, concedida judicialmente. Vale ressaltar que João é servidor público do Estado do Mato Grosso. O Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Mato Grosso, editado em 2004, traz, em seu art. 245, a relação das pessoas que podem ser consideradas dependentes dos servidores. O art. 245 não incluiu no rol de dependentes para fins previdenciários o menor sob guarda. João morreu. Beatriz terá direito à pensão por morte. Se ocorrer o óbito do segurado de regime previdenciário que seja detentor da guarda judicial de criança ou adolescente, será assegurado o benefício da pensão por morte ao menor sob guarda, ainda que este não tenha sido incluído no rol de dependentes previsto na lei previdenciária aplicável. 

Qual é a posição do STF? Para a Corte, o menor sob guarda pode ser dependente para fins previdenciários? 

SIM. O menor sob guarda é dependente para fins previdenciários. O STF conferiu interpretação conforme ao § 2º do art. 16 da Lei nº 8.213/91 para contemplar, em seu âmbito de proteção, o “menor sob guarda”. A Corte afirmou o seguinte: 

A interpretação conforme a ser conferida ao art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91 deve contemplar os “menores sob guarda” na categoria de dependentes do Regime Geral de Previdência Social, em consonância com o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos da legislação previdenciária. STF. Plenário. ADI 4878/DF e ADI 5083/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, redator do acórdão Min. Edson Fachin, julgados em 7/6/2021 (Info 1020). 

A doutrina da proteção integral, consagrada no art. 227 da CF/88 e nos tratados internacionais vigentes sobre o tema (ex: Convenção dos Direitos das Crianças - Decreto 99.710/1990), estabelece o estatuto protetivo de crianças e adolescentes, conferindo-lhes status de sujeitos de direito. Seus direitos e garantias devem ser universalmente reconhecidos, com absoluta prioridade, sendo dever que se impõe não apenas à família e à sociedade, mas também ao Estado. Além disso, o art. 33, § 3º, do ECA, ao tratar do “menor sob guarda”, confere a ele condição de dependente, para todos os efeitos jurídicos, abrangendo, também, a esfera previdenciária. Nesse sentido, a interpretação que assegura ao “menor sob guarda” o direito à proteção previdenciária deve prevalecer, não apenas porque assim dispõem a CF/88 e o ECA, mas porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia. A redação dada ao art. 16, § 2º, da Lei 8.213/90 pela Lei nº 9.528/97 priva crianças e adolescentes de seus direitos e garantias fundamentais. Assim, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos em que exige a legislação previdenciária (art. 16, § 2º, Lei 8.213/1991 e Decreto 3.048/1999), assegura-se a prevalência do compromisso constitucional contido no art. 227, § 3º, VI, da CF. Excluir o menor sob guarda do rol de dependentes para fins previdenciários ao argumento de que haveria muitas fraudes em processo de guarda, seria presumir má-fé. Além disso, pretensas fraudes supostamente ocorridas em processos de guarda não são justificativas para impedir o acesso de crianças e adolescentes a seus direitos previdenciários, assegurados pelo ordenamento jurídico, especialmente quando há meios de combater as fraudes sem que, com isso, haja privação de direitos. Os casos de guarda deferida judicialmente, seja na hipótese do § 5º do art. 1584 do Código Civil, seja nas hipóteses descritas no art. 33 do ECA, observam as formalidades legais, com intervenção obrigatória do Ministério Público. A observância dos requisitos legais evita a ocorrência de fraudes, ou seja, de hipóteses em que os avós requeiram a guarda tão somente para que os netos permaneçam beneficiários da Previdência Social na falta deles. 

Reforma da Previdência (EC 103/2019) 

A Reforma da Previdência buscou superar essa jurisprudência. Nesse sentido, veja o que previu o § 6º do art. 23 da EC 103/2019: 

Art. 23 (...) § 6º Equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte, exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica. 

O STF, ao julgar as ações acima explicadas, não analisou a constitucionalidade do art. 23 da EC 103/2019. Isso porque o dispositivo não foi contemplado nos pedidos formulados nas ADIs 5083 e 4878, razão pela qual não poderia ser examinado, sob pena de afronta ao princípio da demanda. Apesar disso, o Min. Edson Fachin deu a entender que os argumentos expostos acima são em todo aplicáveis ao § 6º do art. 23 da EC 103/2019. Em outras palavras, o Ministro deu a entender que considera inconstitucional o § 6º do art. 23 da EC 103/2019. Confira: 

“Os pedidos formulados nas ADIs 5083 e 4878, contudo, não contemplaram a redação do art. 23 da EC 103/2019, razão pela qual, ao revés do e. Ministro Relator, não procedo à verificação da constitucionalidade do dispositivo, em homenagem ao princípio da demanda. De toda sorte, os argumentos veiculados na presente manifestação são em todo aplicáveis ao art. 23 referido.”