RECURSO ESPECIAL Nº 1.759.015 - RS (2018/0199587-3)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE
PEDIDO DE SUSPENSÃO DO PROCESSO POR PREJUDICIALIDADE EXTERNA.
RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO COM BASE
NO ART. 1.015, I, DO CPC/15. IMPOSSIBILIDADE. INSTITUTOS JURÍDICOS
ONTOLOGICAMENTE DISTINTOS. AUSÊNCIA DE CAUTELARIDADE.
INEXISTÊNCIA DE RISCO AO RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO. SUSPENSÃO
POR PREJUDICIALIDADE EXTERNA QUE NÃO SE FUNDA EM URGÊNCIA, MAS
EM SEGURANÇA JURÍDICA E NO RISCO DE PROLAÇÃO DE DECISÕES
CONFLITANTES. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO QUE DEPENDE DA CONCESSÃO
DE TUTELA PROVISÓRIA NA AÇÃO DE CONHECIMENTO AJUIZADA PELO
EXECUTADO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.
1- Recurso especial interposto em 29/05/2018 e atribuído à Relatora em
12/09/2018.
2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que indefere o
pedido de suspensão do processo em razão de questão prejudicial externa
equivale à tutela provisória de urgência de natureza cautelar e, assim, se é
imediatamente recorrível por agravo de instrumento com fundamento no
art. 1.015, I, do CPC/15.
3- Embora o conceito de “decisão interlocutória que versa sobre tutela
provisória” seja bastante amplo e abrangente, não se pode incluir nessa
cláusula de cabimento do recurso de agravo de instrumento questões
relacionadas a institutos jurídicos ontologicamente distintos, como a
suspensão do processo por prejudicialidade externa.
4- Da existência de natural relação de prejudicialidade entre a ação de
conhecimento em que se impugna a existência do título e a ação executiva
fundada nesse mesmo não decorre a conclusão de que a suspensão do
processo executivo em virtude dessa prejudicialidade externa esteja fundada
em urgência, nem tampouco a decisão que versa sobre essa matéria diz
respeito à tutela de urgência, na medida em que o valor que se pretende
tutelar nessa hipótese é a segurança jurídica, a fim de evitar a prolação de
decisões conflitantes, sem, contudo, descuidar dos princípios constitucionais
da celeridade e da razoável duração do processo.
5- Cabe ao executado, na ação de conhecimento por ele ajuizada,
demonstrar a presença dos requisitos processuais para a concessão de tutela provisória que suste a produção de efeitos do título em que se funda a
execução, sendo essa decisão interlocutória – a que conceder ou não a
tutela provisória pretendida – que poderá ser impugnada pelo agravo de
instrumento com base no art. 1.015, I, do CPC/15.
6- Não se conhece do recurso especial interposto pela divergência
jurisprudencial quando ausente o cotejo analítico entre o acórdão
paradigma e o acórdão recorrido.
7- Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso
especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra
Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco
Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 17 de setembro de 2019(Data do Julgamento)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cuida-se de recurso especial interposto por FV COMÉRCIO,
IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO DE CEREAIS LTDA., com base nas alíneas “a” e “c”
do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/RS que, por unanimidade,
negou provimento ao agravo interno interposto em face da decisão unipessoal que
não conheceu do agravo de instrumento por ela interposto.
Recurso especial interposto e m: 29/05/2018.
Atribuído ao gabinete e m: 12/09/2018.
Ação: de rescisão de contrato de compra e venda de soja, ajuizada
pela recorrente em face da recorrida CÂMERA AGROALIMENTOS S.A.
Decisão interlocutória: indeferiu o pedido de suspensão do
processo de execução até decisão da ação de rescisão contratual.
Acórdão: por unanimidade, negou-se provimento ao agravo interno
interposto em face da decisão unipessoal que não conheceu do agravo de
instrumento por ela interposto, nos termos da seguinte ementa:
AGRAVO INTERNO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. DIREITO
PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO.
INDEFERIMENTO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO EM APENSO.
A decisão que indefere o pedido de suspensão à execução que
tramita em apenso à demanda de rescisão contratual, formulado com base em
prejudicialidade externa, não está elencada em hipóteses do art. 1.015 do NCPC.
Rol restritivo. Recurso não conhecido, nos termos do art. 932, inciso III do NCPC, em decisão monocrática.
DECISÃO QUE SE MANTÉM POR SEUS PRÓPRIOS
FUNDAMENTOS, TENDO EM VISTA A AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CAPAZES DE
ALTERAR A CONVICÇÃO FORMADA.
NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. UNÂNIME. (fls.
1.396/1.400, e-STJ).
Recurso especial: alega-se violação ao art. 1.015, I, do CPC/15, ao
fundamento de que a suspensão do processo executivo por prejudicialidade
externa seria equivalente à tutela provisória de urgência e de que seria admissível
a interpretação extensiva do rol do art. 1.015 do CPC/15, bem como dissídio
jurisprudencial (fls. 1.406/1.423, e-STJ).
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que indefere
o pedido de suspensão do processo em razão de questão prejudicial externa
equivale à tutela provisória de urgência de natureza cautelar e, assim, se é
imediatamente recorrível por agravo de instrumento com fundamento no art.
1.015, I, do CPC/15.
1. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE
SUSPENSÃO DO PROCESSO POR PREJUDICIALIDADE EXTERNA. ALEGADA
VIOLAÇÃO DO ART. 1.015, I, DO CPC/15.
Em primeiro lugar, sublinhe-se que a Corte Especial do Superior
Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento dos recursos especiais
representativos da controvérsia nº 1.696.396/MT e 1.704.520/MT, ambos com
acórdãos publicados no DJe de 19/12/2018, pronunciou-se expressamente pela
impossibilidade de uso da interpretação extensiva e da analogia para alargar as
hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento.
Anote-se, aliás, que houve unanimidade da Corte Especial nesse
particular, na medida em que os e. Ministros que foram contrários à tese
vencedora se filiaram ao entendimento de que o rol do art. 1.015 do CPC/15 era taxatividade irrestrita, negando, por consequência, a possibilidade de
interpretação extensiva ou de analogia.
Desse modo, afasta-se, desde logo, a tese recursal subsidiária de que
o agravo de instrumento seria admissível com base nessas técnicas
hermenêuticas, inclusive porque, na hipótese, o recorrente sequer apontou o
inciso do art. 1.015 que seria suscetível de extensão ou de analogia, tornando
incognoscível o recurso por ser deficiência a sua fundamentação, na forma da
Súmula 284/STF.
De todo modo, a tese principal que fora veiculada no recurso especial
não está fundada na extensão ou na analogia, mas, sim, no próprio conteúdo e na
incidência, na hipótese, da regra contida no art. 1.015, I, do CPC/15, que assim
dispõe, in verbis:
Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões
interlocutórias que versarem sobre:
I – tutelas provisórias;
De início, anote-se que o entendimento desta 3ª Turma se consolidou
no sentido de que “o conceito de “decisão interlocutória que versa sobre tutela
provisória” abrange as decisões que examinam a presença ou não dos
pressupostos que justificam o deferimento, indeferimento, revogação ou alteração
da tutela provisória e, também, as decisões que dizem respeito ao prazo e ao modo
de cumprimento da tutela, a adequação, suficiência, proporcionalidade ou
razoabilidade da técnica de efetivação da tutela provisória e, ainda, a necessidade
ou dispensa de garantias para a concessão, revogação ou alteração da tutela
provisória”.
Por esse motivo, “é possível concluir que o art. 1.015, I, do CPC/15, deve ser lido e interpretado como uma cláusula de cabimento de amplo espectro,
de modo a permitir a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias que
digam respeito não apenas ao núcleo essencial da tutela provisória, mas também
que se refiram aos aspectos acessórios que estão umbilicalmente vinculados a ela,
porque, em todas essas situações, há urgência que justifique o imediato reexame
da questão em 2º grau de jurisdição”. Nesse sentido: REsp 1.752.049/PR, 3ª
Turma, DJe 15/03/2019; REsp 1.811.976/AL, 3ª Turma, DJe 28/06/2019 e, ainda,
REsp 1.827.553/RJ, 3ª Turma, DJe 29/08/2019.
No mesmo sentido, assim se pronunciou a doutrina:
Qualquer decisão interlocutória que verse sobre tutela provisória
permite a interposição do recurso de agravo de instrumento. O dispositivo é
suficientemente claro em submeter ao âmbito dos agravos as decisões
interlocutórias que versarem sobre tutelas provisórias. Desde que a decisão
interlocutória enfrente o tema da tutela provisória, independentemente da
consequência, viável a interposição do recurso de agravo de instrumento. Sem
pretensão de exaurimento, podemos lembrar das decisões que:
deferem o pedido de tutela provisória; rejeitem o pedido de tutela
provisória; determinem medidas para efetivação da tutela provisória;
modifiquem a tutela provisória antes concedida; revoguem a tutela
provisória anteriormente deferida; determinem a conversão do rito
antecedente de cautelar para antecipação de tutela ou vice-versa;
designem audiência de justificação antes da apreciação da tutela
provisória; estabeleçam caução para a concessão da tutela
provisória. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André
Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução e recursos: comentários ao CPC de
2015. São Paulo: Método, 2017. p. 1.071/1.072).
Todavia, por maior que seja o espectro da referida cláusula de
cabimento, não se pode incluir nela questões que não se relacionem minimamente
com o núcleo essencial da tutela provisória, sob pena de serem desnaturados
institutos jurídicos ontologicamente distintos e verdadeiramente inconfundíveis.
Na hipótese, está em debate a possibilidade de ser suspensa a execução de título extrajudicial em virtude de alegada prejudicialidade externa
gerada por ação de rescisão contratual ajuizada pelo recorrente, que sustenta que
“a decisão ora recorrida versa sobre pedido de tutela provisória em que se busca a
eficácia suspensiva da ação de execução, cujo título executivo pode vir a não
existir em caso de sucesso do recorrido, formulada com base na prejudicialidade
externa existente, na forma do art. 313, V, “a”, do CPC” (fl. 1.413, e-STJ).
Embora exista, evidentemente, uma natural relação de
prejudicialidade entre a ação de conhecimento em que se impugna a existência do
título e a ação executiva fundada nesse mesmo título, é preciso esclarecer que a
suspensão do processo executivo em virtude dessa prejudicialidade externa não
está fundada em urgência, nem tampouco a decisão que versa sobre a
suspensão do processo versa sobre tutela de urgência.
Com efeito, o valor que se pretende tutelar quando se admite
suspender um processo ao aguardo de resolução de mérito a ser examinada em
outro processo é a segurança jurídica.
No ponto, ensinam Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque e Zulmar Duarte de Oliveira Jr.:
9.6. O grande objetivo da suspensão pela prejudicialidade
externa, como se pode vislumbrar, é evitar que haja a prolação de decisões
confliantes, especialmente porque, para decidir a questão principal, o juiz terá de
enfrentar a questão prejudicial – que é objeto de discussão em outro processo,
por outro juiz. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André
Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Teoria geral do processo: comentários ao
CPC de 2015. São Paulo: Forense, 2015. p. 937).
De fato, em nome da segurança jurídica e visando evitar a prolação
de decisões conflitantes é que se admite a paralisação temporária do
andamento processual, o que subverte a lógica do sistema e mitiga a incidência dos princípios constitucionais da celeridade e da razoável duração do
processo.
A suspensão processual por prejudicialidade externa, além de
excepcional, é regra não cogente. A esse respeito, ensina José Roberto dos
Santos Bedaque:
Não se trata de regra cogente, pois, ainda que admissível, pode
não ser conveniente a suspensão, especialmente se o processo em que se
discute a questão prejudicial esteja ainda em fase inicial e o outro pronto para
julgamento. Cabe ao juiz avaliar as circunstâncias e escolher pela solução mais
adequada ao caso concreto, fundamentando-a. Às vezes é preferível optar pela
celeridade, mesmo havendo risco de contradição entre julgados. (BEDAQUE,
José Roberto dos Santos. Comentários ao Novo Código de Processo Civil
(Coords: Antonio do Passo Cabral e Ronaldo Cramer). Rio de Janeiro: Forense,
2015. p. 496).
Desse modo, a decisão interlocutória que versa sobre suspensão do
processo por prejudicialidade externa, fundada em segurança jurídica, em nada se
relaciona com a decisão interlocutória que versa sobre tutela provisória, fundada
em urgência ou evidência, não sendo o mero risco de prolação de decisões
conflitantes ou a hipotética e superveniente perda de objeto elementos hábeis a
comprometer o resultado útil do processo.
Se porventura vingasse a tese recursal, bastaria o ajuizamento de ação
autônoma de impugnação do título em que se funda a execução para criar,
inclusive artificialmente, o suposto risco ao resultado útil do processo e, assim,
paralisar o andamento da ação executiva, o que, além de contrariar expressa
disposição de lei – art. 784, §1º, do CPC/15 –, também representaria inegável
retrocesso em termos de efetividade da execução e consequente violação à
norma fundamental prevista no art. 4º do CPC/15.
Daí porque o simples ajuizamento da ação autônoma de impugnação, conquanto crie situação de prejudicialidade externa, não gera, por si só, o dever de
suspensão do processo executivo, cabendo ao executado requerer e comprovar,
na ação de conhecimento por ele ajuizada, que estão presentes os requisitos
processuais próprios para a concessão de uma tutela provisória que suste a
produção de efeitos do título em que se funda a execução.
Será essa decisão interlocutória, que conceder ou não a tutela
provisória pretendida, que poderá ser objeto de imediata impugnação por agravo
de instrumento fundado no art. 1.015, I, do CPC/15, não violado, pois, pelo acórdão
recorrido.
2. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO APTO A CONFIGURAR O
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.
Finalmente, constata-se que o recurso especial é incognoscível pela
alínea “c” do permissivo constitucional, na medida em que não promoveu a
recorrente o indispensável cotejo analítico entre a fundamentação de fato e de
direito dos acórdãos paradigmas e do acórdão recorrido, não servindo a mera
transcrição de ementas e de trechos desconexos à adequada demonstração do
dissídio jurisprudencial, nos termos do art. 1.029, §1º, do CPC/15.
3. CONCLUSÕES.
Forte nessas razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e,
nessa extensão, NEGO-LHE PROVIMENTO.