RECURSO ESPECIAL Nº 1.866.148 - RS (2020/0059032-1)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE ARMA DE FOGO.
POSSIBILIDADE. BEM ALIENÁVEL. AQUISIÇÃO REGULAMENTADA
PELA LEI 10.826/2003. HIPÓTESE NÃO INCLUÍDA NO ROL DE BENS
IMPENHORÁVEIS DO ART. 833 DO CPC/2015. ALIENAÇÃO EM HASTA
PÚBLICA. OBSERVÂNCIA DAS MESMAS RESTRIÇÕES IMPOSTAS
PARA A COMERCIALIZAÇÃO.
1. Em Execução Fiscal promovida pela Anatel, o Tribunal de origem decidiu que
a "aquisição de arma de fogo, pelo interessado, deve atender aos requisitos do art.
4º da Lei 10.826/03, o que inviabiliza a penhora e a respectiva alienação por
iniciativa particular ou por leilão judicial eletrônico ou presencial".
2. Entre as excepcionais hipóteses de impenhorabilidade descritas no art. 833 do
CPC/2015 não se inclui a arma de fogo. O inciso I da norma estabelece de forma
geral que são impenhoráveis os bens inalienáveis, mas esse não é o caso das
armas e munições, cuja comercialização e aquisição são regulamentadas, com
diversas restrições, pela Lei 10.826/2003.
3. A alienação judicial de armas de fogo em procedimentos executivos é prevista
pela Portaria 036-DMB, de 9.12.1999, do Ministério da Defesa, que, em seu art.
48, parágrafo único, estabelece: "A participação em leilões de armas e munições
só será permitida às pessoas físicas ou jurídicas, que preencherem os requisitos
legais vigentes para arrematarem tais produtos controlados."
4. Não se incluindo nas excepcionais hipóteses legais de impenhorabilidade, a
arma de fogo pode ser penhorada e expropriada, desde que assegurada pelo Juízo
da execução a observância das mesmas restrições impostas pela legislação de
regência para a sua comercialização e aquisição.
5. Recurso Especial provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: ""A Turma, por
unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a).
Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques,
Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator."
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se
de Recurso Especial interposto contra acórdão assim ementado:
TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA DE ARMA DE
FOGO. IMPOSSIBILIDADE.
A aquisição de arma de fogo deve atender aos requisitos do art. 4º da Lei
10.825/03, o que inviabiliza a penhora e a respectiva alienação por iniciativa
particular ou por leilão judicial eletrônico ou presencial.
Os Embargos de Declaração foram rejeitados (fls. 59-62, e-STJ).
Alega-se no Recurso Especial ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, aos arts. 7º,
11 e 797 da Lei 6.830/1980, aos arts. 833, 835 e 824 do CPC/2015 e ao art. 4º da Lei 10.
826/2003.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos
foram recebidos no Gabinete em 24 de março de 2020.
O Tribunal de origem entendeu que a "aquisição de arma de fogo, pelo
interessado, deve atender aos requisitos do art. 4º da Lei 10.826/03, o que inviabiliza a
penhora e a respectiva alienação por iniciativa particular ou por leilão judicial eletrônico ou
presencial".
Entre as hipóteses de impenhorabilidade descritas no art. 833 do CPC/2015
não se inclui a arma de fogo. Como anota a doutrina, "a regra é a da penhorabilidade, e as
exceções têm de ser expressas” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Novo Processo
Civil Brasileiro. 29 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 238).
O inciso I do art. 833 do CPC/2015 estabelece de forma geral que são
impenhoráveis os bens inalienáveis, mas esse não é o caso das armas de fogo, cuja
comercialização e aquisição são regulamentadas nos seguintes preceitos da Lei 10.826/2003:
Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além
de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:
I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de
antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e
Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal,
que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos;(Redação dada pela Lei nº
11.706, de 2008) II – apresentação de documento comprobatório de ocupação
lícita e de residência certa;
III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o
manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta
Lei.
§ 1o O Sinarm expedirá autorização de compra de arma de fogo após atendidos
os requisitos anteriormente estabelecidos, em nome do requerente e para a arma
indicada, sendo intransferível esta autorização.
§ 2o A aquisição de munição somente poderá ser feita no calibre correspondente
à arma registrada e na quantidade estabelecida no regulamento desta Lei.
(Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) § 3o A empresa que comercializar
arma de fogo em território nacional é obrigada a comunicar a venda à autoridade
competente, como também a manter banco de dados com todas as características
da arma e cópia dos documentos previstos neste artigo.
§ 4o A empresa que comercializa armas de fogo, acessórios e munições responde legalmente por essas mercadorias, ficando registradas como de sua
propriedade enquanto não forem § 5o A comercialização de armas de fogo,
acessórios e munições entre pessoas físicas somente será efetivada mediante
autorização do Sinarm.
§ 6o A expedição da autorização a que se refere o § 1o será concedida, ou
recusada com a devida fundamentação, no prazo de 30 (trinta) dias úteis, a contar
da data do requerimento do interessado.
§ 7o O registro precário a que se refere o § 4o prescinde do cumprimento dos
requisitos dos incisos I, II e III deste artigo.
§ 8o Estará dispensado das exigências constantes do inciso III do caput deste
artigo, na forma do regulamento, o interessado em adquirir arma de fogo de uso
permitido que comprove estar autorizado a portar arma com as mesmas
características daquela a ser adquirida.
Quanto à alienação judicial em procedimentos executivos, a Portaria
036-DMB, de 9.12.1999, do Ministério da Defesa, dispõe:
Art. 48. É permitido o leilão de armas e munições, nas seguintes situações:
I - quando determinado por autoridade judicial; e,
II - nas alienações promovidas pelas Forças Armadas e Auxiliares.
Parágrafo único. A participação em leilões de armas e munições só será
permitida às pessoas físicas ou jurídicas, que preencherem os requisitos legais
vigentes para arrematarem tais produtos controlados.
Não se incluindo nas excepcionais hipóteses legais de impenhorabilidade, a
arma de fogo pode ser expropriada, desde que asseguradas pelo Juízo da execução a
observância das mesmas restrições impostas pela legislação de regência à sua aquisição.
Ante o exposto, dou provimento ao Recurso Especial.
É como voto.