Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/12/info-1035-stf.pdf
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
O proprietário de cão-guia ou seu instrutor/adestrador não estão
obrigados a se filiarem, ainda que indiretamente, a federação internacional
Caso concreto: o art. 81 da Lei estadual nº 12.907/2008, do Estado de São Paulo, exigiu que a
identificação do cão-guia seja expedida por escola de cães-guia vinculada à Federação
Internacional de Cães-Guia. De igual modo, o art. 85 afirmou que os instrutores e treinadores,
assim como as escolas de treinamento, devem ser reconhecidos e filiados à Federação
Internacional de Cães-Guia.
O STF julgou inconstitucionais tais exigências.
O art. 24, XIV, da CF/88 prevê que compete à União editar normas gerais de proteção às
pessoas com deficiência.
No exercício dessa competência, a União editou a Lei federal nº 11.126/2005, que dispõe sobre
o direito do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de uso
coletivo acompanhado de cão-guia. Essa Lei – que é a norma geral sobre o tema – não exige
essa filiação à Federação Internacional de Cães-Guia.
Além disso, tal exigência afronta o direito constitucional de livre associação garantido no art.
5º, XX, da CF/88.
STF. Plenário. ADI 4267/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/10/2021 (Info 1035).
O que é um cão-guia?
“Um cão-guia é um tipo de cão de assistência. É um animal adestrado para guiar pessoas cegas ou com
deficiência visual grave, ou auxiliá-los nas tarefas caseiras.
Durante a condução dos deficientes visuais, o cão deve ter a capacidade de discernir eventuais perigos
devidos a obstáculos ou outros, o que requer cães de inteligência bastante elevada com treino rigoroso e
adequado ao seu trabalho de cão-guia.” (https://www.wikiwand.com/pt/C%C3%A3o-guia)
Lei paulista disciplinou a entrada do cão-guia nos estabelecimentos públicos e privados
Os arts. 80 a 85 da Lei estadual nº 12.907/2008, do Estado de São Paulo, trataram sobre o ingresso e a
permanência, em qualquer local público ou privado, de pessoa com deficiência visual acompanhada de
cão-guia.
Houve, contudo, dois pontos polêmicos nessa disciplina: os arts. 81 e 85 da Lei. Veja a redação desses
dispositivos:
Art. 81. Todo cão-guia portará identificação, e seu condutor, sempre que solicitado, deverá
apresentar documento comprobatório de registro expedido por escola de cães-guia devidamente
vinculada à Federação Internacional de Cães-Guia, acompanhado de atestado de sanidade do
animal, fornecido pelo órgão competente, ou documento equivalente.
(...)
Art. 85. Aos instrutores e treinadores reconhecidos pela Federação Internacional de Cães-Guia e às
famílias de acolhimento autorizadas pelas escolas de treinamento filiadas à Federação
Internacional de Cães-Guia serão garantidos os mesmos direitos do usuário previstos nos artigos
80 a 84 desta lei.
(...)
Se você observar bem as partes destacadas, o art. 81 exigiu que a identificação do cão-guia seja expedida por escola de cães-guia vinculada à Federação Internacional de Cães-Guia.
De igual modo, o art. 85 afirmou que os instrutores e treinadores, assim como as escolas de treinamento,
devem ser reconhecidos e filiados à Federação Internacional de Cães-Guia.
Esses trechos destacados são válidos?
NÃO.
O STF, ao julgar ADI proposta pelo Procurador-Geral da República, julgou parcialmente procedente o
pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade dessas expressões.
Violação às normas gerais da União
O art. 24, XIV, da CF/88 prevê que compete à União editar normas gerais de proteção às pessoas com
deficiência:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;
(...)
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer
normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência
suplementar dos Estados.
(...)
No exercício dessa competência, a União editou a Lei federal nº 11.126/2005, que dispõe sobre o direito
do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado
de cão-guia:
Art. 1º É assegurado a pessoa com deficiência visual acompanhada de cão-guia o direito de
ingressar e de permanecer com o animal em todos os meios de transporte e em estabelecimentos
abertos ao público, de uso público e privados de uso coletivo, desde que observadas as condições
impostas por esta Lei.
§ 1º A deficiência visual referida no caput deste artigo restringe-se à cegueira e à baixa visão.
§ 2º O disposto no caput deste artigo aplica-se a todas as modalidades e jurisdições do serviço de
transporte coletivo de passageiros, inclusive em esfera internacional com origem no território
brasileiro.
Art. 2º (VETADO)
Art. 3º Constitui ato de discriminação, a ser apenado com interdição e multa, qualquer tentativa
voltada a impedir ou dificultar o gozo do direito previsto no art. 1º desta Lei.
Art. 4º Serão objeto de regulamento os requisitos mínimos para identificação do cão-guia, a forma
de comprovação de treinamento do usuário, o valor da multa e o tempo de interdição impostos à
empresa de transporte ou ao estabelecimento público ou privado responsável pela discriminação.
Art. 5º (VETADO)
Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Perceba que a norma geral editada pela União não prevê a obrigação de filiação à Federação Internacional
de Cães-Guia, tendo sido uma inovação da lei estadual que restringiu e dificultou o acesso das pessoas
com deficiência.
Direito de livre associação
Vale ressaltar, ainda, que a referida previsão ofende o direito constitucional de livre associação garantido no art. 5º, XX, da CF/88, uma vez que obriga o condutor de cão-guia a portar documento comprobatório
de registro expedido por escola vinculada à Federação Internacional de Cães-Guia.
Ademais, os dispositivos legais impugnados, ao imporem aos instrutores, treinadores e famílias de
acolhimento filiação compulsória a entidade privada, violam a liberdade negativa de não se associar, em
flagrante inconstitucionalidade.
Em suma:
O proprietário de cão-guia ou seu instrutor/adestrador não estão obrigados a se filiarem, ainda que
indiretamente, a federação internacional.
STF. Plenário. ADI 4267/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/10/2021 (Info 1035).