RECLAMAÇÃO Nº 37.521 - SP (2019/0061080-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
CIVIL. PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECLAMAÇÃO.
ACÓRDÃO DO STJ QUE DETERMINOU INVESTIGAÇÃO EXAURIENTE SOBRE
FRAUDE EM EXAME DE DNA. SENTENÇA QUE, COM BASE NO MESMO
DOCUMENTO JÁ EXAMINADO PELA CORTE, CONCLUIU PELA PREVALÊNCIA
DE COISA JULGADA ANTERIORMENTE FORMADA E QUE HAVIA SIDO
AFASTADA PELO STJ. OFENSA À DECISÃO PROFERIDA PELA CORTE. RECUSA
TÁCITA AO FORNECIMENTO DE MATERIAL GENÉTICO PELO HERDEIRO E POR
TERCEIROS. SENTENÇA QUE AFASTA A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 301/STJ.
ERRO DE JULGAMENTO. INAPLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO SUMULAR
QUE DEPENDE, DE IGUAL MODO, DO EXAURIMENTO DA ATIVIDADE
INSTRUTÓRIA. ADOÇÃO DE MEDIDAS INDUTIVAS, COERCITIVAS E
MANDAMENTAIS AO HERDEIRO QUE SE NEGA A FORNECER MATERIAL
BIOLÓGICO. POSSIBILIDADE, QUANDO INAPLICÁVEL DESDE LOGO O
ENTENDIMENTO DA SÚMULA 301/STF OU QUANDO VERIFICADA POSTURA
ANTICOOPERATIVA QUE RESULTE EM PREJUÍZO AO PRETENSO FILHO.
ADOÇÃO DAS MEDIDAS INDUTIVAS, COERCITIVAS E MANDAMENTAIS A
TERCEIROS QUE IGUALMENTE SE RECUSAM A FORNECER MATERIAL
BIOLÓGICO. POSSIBILIDADE. LEGITIMAÇÃO PROCESSUAL AD ACTUM. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E, POR ANALOGIA, DO PROCEDIMENTO
APLICÁVEL À EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO OU COISA EM PODER DE TERCEIRO.
1- O propósito da presente reclamação é definir se a sentença que extinguiu
o processo sem resolução de mérito ao fundamento de que deveria ser
respeitada a coisa julgada formada em anterior ação investigatória de
paternidade afrontou a autoridade de decisão proferida por esta Corte por
ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP, por meio da qual se
determinou a apuração de eventual fraude no exame de DNA realizado na
primeira ação investigatória e a realização de novo exame de DNA para a
apuração de eventual existência de vínculo biológico entre as partes.
2- Tendo o acórdão desta Corte concluído que o documento apresentado
pela parte configurava prova indiciária da alegada fraude ocorrida em anterior exame de DNA e, em razão disso, determinado a reabertura da fase
instrutória, não pode a sentença, valendo-se apenas daquele documento,
extrair conclusão diversa, no sentido de não ser ele suficiente para a
comprovação da fraude, sob pena de afronta à autoridade da decisão
proferida pelo Superior Tribunal de Justiça.
3- Determinado, pelo acórdão desta Corte, que fosse realizado novo exame
de DNA para apuração da existência de vínculo biológico entre as partes,
não pode a sentença, somente com base na ausência das pessoas que
deveriam fornecer o material biológico, concluir pelo restabelecimento da
coisa julgada que se formou na primeira ação investigatória (e que foi
afastada por esta Corte), nem tampouco concluir pela inaplicabilidade da
presunção contida na Súmula 301/STJ, sem que sejam empreendidos todas
as providências necessárias para a adequada e exauriente elucidação da
matéria fática. Aliás, é preciso enfatizar que maior do que o direito de ter
um pai é o direito de saber quem é o pai.
4- A impossibilidade de condução do investigado “debaixo de vara” para a
coleta de material genético necessário ao exame de DNA não implica na
impossibilidade de adoção das medidas indutivas, coercitivas e
mandamentais autorizadas pelo art. 139, IV, do novo CPC, com o propósito
de dobrar a sua renitência, que deverão ser adotadas, sobretudo, nas
hipóteses em que não se possa desde logo aplicar a presunção contida na
Súmula 301/STJ ou quando se observar a existência de postura
anticooperativa de que resulte o non liquet instrutório em desfavor de quem
adota postura cooperativa, pois, maior do que o direito de um filho de ter
um pai, é o direito de um filho de saber quem é o seu pai.
5- Aplicam-se aos terceiros que possam fornecer material genético para a
realização do novo exame de DNA as mesmas diretrizes anteriormente
formuladas, pois, a despeito de não serem legitimados passivos para
responder à ação investigatória (legitimação ad processum), são eles
legitimados para a prática de determinados e específicos atos processuais
(legitimação ad actum), observando-se, por analogia, o procedimento em
contraditório delineado nos art. 401 a 404, do novo CPC, que, inclusive,
preveem a possibilidade de adoção de medidas indutivas, coercitivas,
sub-rogatórias ou mandamentais ao terceiro que se encontra na posse de
documento ou coisa que deva ser exibida.
6- Reclamação julgada procedente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Superior
Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos
autos, por unanimidade, julgar procedente a reclamação, para que seja cassada a
sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, determinando-se a reabertura e exaurimento da fase instrutória para apuração da alegada fraude ocorrida
no primeiro exame de DNA e para que se esgotem as possibilidades de realização de novo
exame de DNA, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Houve ressalva parcial de fundamentação do Sr. Ministro Raul Araújo. Os
Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Antonio
Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura
Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
Brasília (DF), 13 de maio de 2020(Data do Julgamento).
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cuida-se de reclamação proposta por F D G contra ato praticado pelo
Juízo da 7ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central da Comarca da Capital do
Estado de São Paulo que acolheu preliminar de coisa julgada em alegado
desrespeito ao acórdão proferido pela 3ª Turma desta Corte.
Ação: investigatória de paternidade ajuizada pelo reclamante em face
de R M, em que pretende ser reconhecido como filho de F T M, pré-morto.
Acórdão do TJ/SP: extinguiu o processo sem resolução de mérito,
ao fundamento de que não se trataria de hipótese excepcional em que se poderia
admitir a relativização da coisa julgada formada em anterior ação investigatória de
paternidade.
Recurso especial: a 3ª Turma do STJ, no REsp 1.632.750/SP, por
maioria, deu provimento ao recurso especial, afastando o óbice da coisa julgada na
hipótese, a fim de que fossem apurados os indícios de fraude no primeiro exame
de DNA e de que fosse investigada novamente a paternidade mediante a
realização de novo exame de DNA.
Decisão reclamada: o Juízo da 7ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, diante do não
comparecimento dos familiares do suposto genitor pré-morto à perícia técnica
designada e tendo como base apenas a declaração indiciária da fraude existente no
exame anterior, entendeu não ser aplicável a presunção de paternidade
decorrente da Súmula 301/STJ e, novamente, extinguiu o processo sem resolução
de mérito em virtude da coisa julgada formada na ação investigatória de
paternidade anterior (fls. 547/551, e-STJ).
Reclamação: sustenta que a sentença que novamente extinguiu o
processo sem resolução de mérito em razão da coisa julgada que se formou em
anterior ação investigatória desrespeitou o acórdão proferido por esta Corte por
ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP (fls. 3/9).
Informações: oficiado, o Juízo reclamado prestou informações às fls.
581/586 (e-STJ).
Contestação: citado, o requerido R M deixou transcorrer in albis o
prazo para constestar (fls. 607/608, e-STJ).
Ministério Público Federal: opina pela procedência da reclamação
(fls. 593/598, e-STJ).
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
O propósito da presente reclamação é definir se a sentença que
extinguiu o processo sem resolução de mérito ao fundamento de que deveria ser
respeitada a coisa julgada formada em anterior ação investigatória de paternidade
afrontou a autoridade de decisão proferida por esta Corte por ocasião do
julgamento do REsp 1.632.750/SP, por meio da qual se determinou a apuração de
eventual fraude no exame de DNA realizado na primeira ação investigatória e a
realização de novo exame de DNA para a apuração de eventual existência de
vínculo biológico entre as partes.
ALEGADO DESRESPEITO AO ACÓRDÃO QUANTO À
DETERMINAÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA SUPOSTA FRAUDE EM EXAME DE
DNA REALIZADO NA PRIMEIRA AÇÃO INVESTIGATÓRIA.
01) A sentença reclamada está assim fundamentada no que tange à
fraude no exame de DNA realizado na primeira ação investigatória:
No mais, a declaração de fl. 47 não constitui prova de fraude no
exame realizado com o falecido, tratando-se de declaração de pessoa que sequer
participou da colheita e análise do material genético daquele. Ou seja, cuide-se
de simples alegação de fraude, desacompanhada de prova, porquanto exarada
por pessoa estranha ao procedimento objeto da alegação.
02) Trata-se, como desde logo se vê, de uma mera reprodução de
trecho do acórdão proferido pelo TJ/SP e que foi reformado por esta Corte por
ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP, o que sugere que o D. Juízo de 1º
grau não empreendeu nenhum esforço na apuração da alegada fraude, como havia
sido expressamente determinado por esta Corte.
03) Com efeito, a declaração de terceira pessoa em que se baseou a
sentença reclamada para afirmar não ter havido a alegada fraude é exatamente a
mesma em que esta Corte se baseou, no julgamento do recurso especial apontado
como violado, para concluir que se tratava, na verdade, de prova indiciária
suficiente para provocar a reabertura da fase instrutória e a efetiva
apuração da veracidade da declaração contida no referido documento.
04) Acrescente-se, ademais, que esta Corte, por ocasião do
julgamento do REsp 1.632.750/SP, adotou fundamentação analítica de modo a
explicitar, pormenorizadamente, quais providências deveriam ser adotadas para a
exauriente apuração da suposta fraude. Confira-se:
Verifica-se que o recorrente, para provar a sua alegação de fraude
no primeiro exame de DNA, noticia ter sido procurado por uma pessoa – Angelo
Tadao Kawazoi – que afirma saber e ter efetivamente participado da suposta
fraude ocorrida no exame de DNA por ocasião da 1ª ação investigatória – concordando com a declaração destes fatos em escritura pública.
Ocorre que a referida pessoa sequer foi ouvida em juízo
para melhor esclarecer sobre o que efetivamente sabe sobre este
assunto, a despeito de requerimento expresso do recorrente nesse
sentido (fls. 247, e-STJ).
Além disso, se a fraude, segundo se alega, teria ocorrido com a
participação de pessoas com nome e sobrenome – Silvio Fernando Tiritilli e Sérgio Danilo Pena – é evidente que a oitiva dessas pessoas
seria igualmente imprescindível, devendo o julgador determinar a
colheita da prova testemunhal inclusive de ofício e com base em seus
poderes instrutórios. Nesse contexto – de insuficiência probatória causada pela
incorreta e prematura extinção do feito – não se poderia exigir do recorrente,
desde logo, uma “prova clara e convincente”, para usar a feliz expressão referida
por Michele Taruffo. O standard probatório aplicável, até mesmo diante da
nítida dificuldade de comprovar uma fraude ocorrida há quase 25
(vinte e cinco) anos no âmbito de uma empresa privada que
monopolizava os exames de DNA no Brasil naquele momento, é o da
“preponderância da prova”, sendo crível e razoável, em princípio, a versão
apresentada pelo recorrente, salvo se o contrário for apurado em regular
e exauriente instrução.
Isso porque exigir da parte a prova cabal da fraude para
viabilizar o afastamento da coisa julgada e, ao mesmo tempo, não
permitir que haja a exauriente instrução probatória configuraria uma
situação verdadeiramente kafkiana, em que se impõe à parte o ônus de
provar sem que lhe seja facultado o meio e o poder de dele se desvencilhar.
Anote-se que a profunda investigação acerca da
existência ou não de fraude no exame de DNA realizado
anteriormente é de grande relevância, seja por se tratar da única causa de
pedir deduzida pelo recorrente para afastar a coisa julgada material formada na
1ª ação e, então, viabilizar um novo exame de DNA, seja em razão dos
reflexos de natureza cível, administrativa e penal que da eventual
comprovação da fraude surgirão, seja ainda, e até mesmo, porque
também é direito do recorrente saber se o possível genitor F T M teve
participação neste hipotético ato ilícito. Por isso mesmo, observa-se não ter sido completamente
adequada a decisão, posteriormente reformada pelo acordão recorrido, de
determinar desde logo a realização de novo exame de DNA, antes mesmo de
apurar com mais detalhes a existência da alegada fraude, na medida
em que a prova pericial não esclarecerá a causa, mas tão somente
atingirá um determinado resultado, que coincide com o bem da vida
pretendido pelo recorrente – reconhecimento da paternidade. Significa dizer que
a realização pura e simples de um novo exame de DNA, como determinado em
1º grau de jurisdição, e o eventual resultado positivo, no sentido de que o
recorrente possui vinculo biológico com F T M, não constituirá prova
convincente acerca da existência ou não de fraude, elemento causal
que demanda investigação própria. Nesse contexto, a eventual comprovação de vínculo genético
entre o recorrente e F T M trará, evidentemente, mais um indício de que
houve o uso de expediente espúrio para burlar o reconhecimento da
relação paterno-filial, mas, nessa hipótese, não se descobrirá se o
resultado negativo de 1993 foi causado, por exemplo, por um erro na
interpretação dos resultados, por uma falha técnica ou, até mesmo,
pela reclamada fraude. Verifica-se que o recorrente, para provar a sua alegação de fraude no primeiro exame de DNA, noticia ter sido procurado por uma pessoa – Angelo
Tadao Kawazoi – que afirma saber e ter efetivamente participado da suposta
fraude ocorrida no exame de DNA por ocasião da 1ª ação investigatória – concordando com a declaração destes fatos em escritura pública.
Ocorre que a referida pessoa sequer foi ouvida em juízo
para melhor esclarecer sobre o que efetivamente sabe sobre este
assunto, a despeito de requerimento expresso do recorrente nesse
sentido (fls. 247, e-STJ).
Além disso, se a fraude, segundo se alega, teria ocorrido com a
participação de pessoas com nome e sobrenome – Silvio Fernando
Tiritilli e Sérgio Danilo Pena – é evidente que a oitiva dessas pessoas
seria igualmente imprescindível, devendo o julgador determinar a
colheita da prova testemunhal inclusive de ofício e com base em seus
poderes instrutórios. Nesse contexto – de insuficiência probatória causada pela
incorreta e prematura extinção do feito – não se poderia exigir do recorrente,
desde logo, uma “prova clara e convincente”, para usar a feliz expressão referida
por Michele Taruffo. O standard probatório aplicável, até mesmo diante da
nítida dificuldade de comprovar uma fraude ocorrida há quase 25
(vinte e cinco) anos no âmbito de uma empresa privada que
monopolizava os exames de DNA no Brasil naquele momento, é o da
“preponderância da prova”, sendo crível e razoável, em princípio, a versão
apresentada pelo recorrente, salvo se o contrário for apurado em regular
e exauriente instrução.
Isso porque exigir da parte a prova cabal da fraude para
viabilizar o afastamento da coisa julgada e, ao mesmo tempo, não
permitir que haja a exauriente instrução probatória configuraria uma
situação verdadeiramente kafkiana, em que se impõe à parte o ônus de
provar sem que lhe seja facultado o meio e o poder de dele se desvencilhar.
Anote-se que a profunda investigação acerca da
existência ou não de fraude no exame de DNA realizado
anteriormente é de grande relevância, seja por se tratar da única causa de
pedir deduzida pelo recorrente para afastar a coisa julgada material formada na
1ª ação e, então, viabilizar um novo exame de DNA, seja em razão dos
reflexos de natureza cível, administrativa e penal que da eventual
comprovação da fraude surgirão, seja ainda, e até mesmo, porque
também é direito do recorrente saber se o possível genitor F T M teve
participação neste hipotético ato ilícito. Por isso mesmo, observa-se não ter sido completamente
adequada a decisão, posteriormente reformada pelo acordão recorrido, de
determinar desde logo a realização de novo exame de DNA, antes mesmo de
apurar com mais detalhes a existência da alegada fraude, na medida
em que a prova pericial não esclarecerá a causa, mas tão somente
atingirá um determinado resultado, que coincide com o bem da vida
pretendido pelo recorrente – reconhecimento da paternidade. Significa dizer que
a realização pura e simples de um novo exame de DNA, como determinado em
1º grau de jurisdição, e o eventual resultado positivo, no sentido de que o
recorrente possui vinculo biológico com F T M, não constituirá prova convincente acerca da existência ou não de fraude, elemento causal
que demanda investigação própria. Nesse contexto, a eventual comprovação de vínculo genético
entre o recorrente e F T M trará, evidentemente, mais um indício de que
houve o uso de expediente espúrio para burlar o reconhecimento da
relação paterno-filial, mas, nessa hipótese, não se descobrirá se o
resultado negativo de 1993 foi causado, por exemplo, por um erro na
interpretação dos resultados, por uma falha técnica ou, até mesmo,
pela reclamada fraude.
05) O acórdão desta Corte, pois, é didático, na medida em que indica
ao 1º grau de jurisdição o motivo pelo qual a apuração da fraude era
imprescindível (por se tratar de causa de pedir autônoma, com inúmeros
reflexos para as partes, para terceiros e para o Poder Público) e, inclusive, indica
também o meio de prova a ser adotado (testemunhal) e as pessoas que
deverão ser inquiridas (o declarante e os médicos supostamente envolvidos),
sem prejuízo, por óbvio, de outras providências a serem adotadas pelo juízo para,
repise-se uma vez mais, exaurir a atividade instrutória relacionada ao
mencionado fato.
06) Considerando que nenhuma das medidas determinadas no
acórdão desta Corte foi adotada pelo 1º grau de jurisdição, é preciso concluir que
houve absoluta afronta à autoridade desta Corte e manifesto desrespeito ao
comando contido no acórdão do REsp 1.632.750/SP, devendo a decisão reclamada
ser cassada para que seja realizada a exauriente instrução do processo
para apuração da alegada fraude e, somente após, seja proferida outra decisão
de mérito.
ALEGADO DESRESPEITO AO ACÓRDÃO QUANTO À
DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME DE DNA.ALEGADO
DESRESPEITO AO ACÓRDÃO QUANTO À DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME DE DNA.
07) No que se refere à determinação de realização de novo exame de
DNA para investigação da existência de vínculo biológico entre o reclamante e o
suposto genitor F T M, faz-se necessária a realização de uma breve
contextualização fática.
08) A ação investigatória de paternidade foi ajuizada pelo reclamante
em face do interessado R M, eis que o suposto genitor biológico, F T M, faleceu em
janeiro de 2002. Anote-se que R M é filho de F T M e, até o momento, é o único
herdeiro necessário de F T M de que se tem notícia.
09) Após a propositura da ação, foram localizados dois irmãos vivos do
suposto genitor e, a requerimento da reclamante, foi deferida a intimação de todos
os envolvidos (os irmãos e o herdeiro necessário) para fornecerem material
genético para a realização do novo exame de DNA.
10) Ocorre que, na data designada para a colheita do material
genético, somente o reclamante compareceu ao IMESC – Instituto de Medicina
Social e de Criminologia de São Paulo – e, se não bastasse, os irmãos vivos do
genitor e o seu herdeiro necessário sequer justificaram a ausência.
11) Diante desse cenário, a sentença reclamada extinguiu sem
resolução de mérito a ação investigatória em razão da coisa julgada que se formou
na primeira investigatória, adotando as seguintes razões de decidir: (i) não seria
viável a integração do polo passivo pelos irmãos do falecido, eis que não são eles
herdeiros necessários; (ii) que a recusa dos envolvidos em fornecer material
genético não pode induzir à presunção de paternidade estampada na Súmula
301/STJ, especialmente na hipótese em que há coisa julgada formada em ação
investigatória anterior, que teria sido afastada por esta Corte apenas para a realização de novo exame de DNA, mas não para que se possa inferir a paternidade
a partir de outros elementos probatórios, inclusive inexistentes na hipótese.
12) Em primeiro lugar, anote-se que, somente se houvesse sido
exaurida a atividade instrutória acerca da existência ou não de fraude no exame de
DNA realizado na primeira ação investigatória, como expressamente determinado
por esta Corte por ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP, é que se poderia
cogitar de aplicação ou não da presunção de paternidade pela negativa de
fornecimento de material biológico pelos demais familiares próximos,
especialmente na hipótese em que há coisa julgada formada em anterior ação
investigatória.
13) Com efeito, conquanto a jurisprudência desta Corte tenha se
firmado no sentido de que “a recusa imotivada da parte investigada em se
submeter ao exame de DNA, no caso, os sucessores do autor da herança, gera a
presunção iuris tantum de paternidade à luz da literalidade da Súmula nº 301/STJ”
(REsp 1.531.093/RS, 3ª Turma, DJe 10/08/2015), a hipótese em exame envolve,
como destacado, relativização de coisa julgada formada em ação anterior, motivo
pelo qual, com muito mais razão, devem ser empreendidas todas as providências
necessárias para a adequada e exauriente elucidação da matéria fática.
14) Em segundo lugar, ressalte-se que existem precedentes do
Supremo Tribunal Federal no sentido de ser impossível a condução do investigado
(ou de quem lhe faça as vezes) “debaixo de vara” para a coleta do material
genético necessário ao exame de DNA (HC 71.373/RS, Pleno, DJ 22/11/1996 e
RHC 95.183/BA, 1ª Turma, DJe 17/10/2013), por se tratar de medida sub-rogatória
que viola a liberdade de locomoção do suposto genitor.
15) Isso não significa, todavia, que possa a parte ou o terceiro colocar
o magistrado de mãos atadas, desrespeitando injustificadamente a ordem judicial de comparecimento ao local da perícia sem que haja nenhuma espécie de
instrumento eficaz para dobrar a renitência de quem adota postura
anticooperativa e anticolaborativa, sobretudo quando a inércia se revela apta a
gerar o non liquet instrutório justamente em desfavor de quem coopera e de quem
colabora para o descobrimento da verdade.
16) Sobre a conduta que se espera das partes no processo civil
contemporâneo, anote-se a lição de Marcelo Mazzola:
Sob o prisma das partes, diferentemente do que se possa pensar,
a colaboração não representa um abraço fraterno de inimigos, mas sim uma
aproximação leal e distanciada, com foco convergente. Há uma confluência de
interações, não de interesses.
Como pontua Júlio Muller, “a adversariedade quanto aos
interesses de mérito não deve se confundir quanto à cooperação em termos de
processo”.
Da mesma forma, não se espera que uma parte forneça munição
à outra, reconheça a providência do direito alheio ou cometa o chamado
sincericídio. Isso, obviamente, não faria muito sentido. Se fosse assim, o réu,
“vislumbrando a fragilidade de sua posição, cogitaria ficar revel ao invés de
contestação a ação”.
Na verdade, o espírito do NCPC é alçar a ética, a honestidade e
lealdade das partes como standards de conduta, facilitando a gestão do
processo pelo juiz e permitindo que se chegue à solução de mérito mais justa e
efetiva. Em outras palavras, o que se preconiza é uma atuação proba e correta
dos indivíduos na exposição dos fatos, na defesa dos seus direitos e na
identificação das questões que reclamam a intervenção judicial, colaborando
com o juiz para que o mérito seja resolvido em tempo razoável.
A individualidade e os objetivos de cada litigante devem ser
respeitados, mas o percurso até a vitória não pode ser uma disputa meramente
individual e egoísta, sem qualquer preocupação com o resultado da prestação
jurisdicional. Ou seja, as partes não podem se portar como “antagonistas que
aguardam uma decisão, mas como protagonistas que constroem a decisão”.
Embora interesses conflitantes traduzam posições divergentes,
jamais podem constituir barreiras para a ética e a lealdade, impedindo o fair play
processual. (MAZZOLA, Marcelo. Tutela jurisdicional colaborativa: a cooperação
como fundamento autônomo de impugnação. Curitiba: CRV, 2017. p. 53/54).
17) Nessas hipóteses, não apenas pode, como deve o juiz, de modo criativo e inovador, adotar todas as medidas indutivas, mandamentais e
coercitivas, como autoriza o art. 139, IV, do novo CPC, com vistas a refrear a
renitência de quem deva fornecer o material, especialmente quando a Súmula
301/STJ se revelar claramente insuficiente para bem resolver a controvérsia, como
na hipótese em exame.
18) Em outras palavras, o entendimento materializado na Súmula
301/STJ não pode ser considerado como absoluto e insuscetível de relativização,
pois, maior do que o direito de um filho de ter um pai, é o direito de um filho de
saber quem é o seu pai.
19) Sublinhe-se que o acórdão desta Corte que fora desrespeitado
pela sentença reclamada anota a necessidade de valoração da conduta das partes
na atividade instrutória. Confira-se:
Nesse sentido, a par de todas as questões de índole patrimonial e
hereditária que do reconhecimento da filiação do recorrente eventualmente
possam surgir, fato é que o exame dos autos revela ter o recorrido adotado uma
postura inerte, quase descompromissada e indiferente, no tocante ao
esclarecimento dos fatos que diretamente lhe dizem respeito.
Ocorre que, como bem destaca a doutrina, na ação de
investigação de paternidade “o ônus da prova curiosamente é bipartido: o autor
pretende provar e demonstrar que o réu é seu pai; este, por sua vez, tentará
demonstrar o contrário” (KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e
tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 191).
Significa dizer, portanto, que a conduta da parte que,
escorando-se no ônus da prova supostamente atribuído com exclusividade ao
autor, exime-se do “dever de colaborar com o Poder Judiciário para o
descobrimento da verdade” (art. 379 do CPC/15) e adota postura nitidamente
anticooperativa que não mais se admite no sistema processual brasileiro (art. 6º
do CPC/15), deve ser valorada e, inclusive, deve ser levada em consideração na
escolha do standard da “preponderância da prova” e na valoração das provas
até aqui produzidas – afinal, a versão de quem coopera e adota postura ativa na
atividade instrutória, municiando o juízo com tudo que estiver ao seu alcance
para o descobrimento da verdade, tende normalmente a ser mais verossímil do
que a versão de quem não coopera e adota postura inerte e renitente na ativa
instrutória, dificultando sobremaneira o descobrimento desta mesma verdade.
Daí porque a cooperação no âmbito processual, espontânea ou
estimulada, desenvolve-se também mediante a adoção de técnicas coercitivas e, em certos ordenamentos ou situações, até mesmo de técnicas sub-rogatórias,
pois o que se deve buscar no litígio – por ambas as partes – é a mais completa
elucidação dos fatos que conduza a uma decisão de mérito justa e efetiva.
(...)
Em síntese, revela-se mais verossímil neste momento a versão de
quem, na medida de suas possibilidades, contribuiu ativamente para o
descobrimento da verdade e para a elucidação das questões de fato até aqui
ocultas, apresentando os elementos de prova de que dispunha (cheques
emitidos pelo falecido, declaração em forma de escritura pública, fotografias que
comprovariam a semelhanças – e que, aliás, deveriam ser submetidas a um
exame prosopográfico, pleiteando a oitiva de testemunhas e dispondo-se a
realização de novo exame de DNA), criando, sim, um cenário de dúvida razoável
sobre o que de fato ocorreu no fatídico exame de DNA realizado em 1993.
20) Como se vê, esta Corte, por ocasião do julgamento do REsp
1.632.750/SP, já havia identificado a inércia e a postura anticooperativa do
herdeiro necessário do suposto genitor, agravada, agora, com a informação de que
não apenas ele, mas também os irmãos do falecido, negam-se, de modo
sistemático e injustificado, a fornecer o material biológico para a realização do
novo exame de DNA determinado naquele julgamento, buscando impor ao Poder
Judiciário que decida de acordo com os ônus e as presunções que
convenientemente lhes favorecem.
21) Assim, como forma de dobrar a renitência das únicas pessoas
aptas a elucidar adequadamente a questão fática controvertida, bem como
conferir efetividade e autoridade à decisão proferida por esta Corte no REsp
1.632.750/SP, impõe-se a cassação da sentença reclamada para determinar, uma
vez mais, que seja também exaurida a atividade instrutória quanto à filiação
biológica do reclamante, devendo o julgador de 1º grau, se necessário, adotar as
medidas indutivas, mandamentais e coercitivas autorizadas pelo art. 139, IV, do
novo CPC, para, somente então, se impossível a elucidação da questão, decidir
com base em ônus e presunções.
22) Finalmente, sublinhe-se, por oportuno, que tais medidas devem ser adotadas em relação ao herdeiro necessário (que é interessado nessa
reclamação) e, também, em relação aos irmãos do falecido cuja existência foi
descoberta no curso da ação.
23) De fato, conquanto os irmãos do falecido não sejam legitimados
passivos para responder à ação investigatória de paternidade ajuizada pelo
reclamante, eis que não são herdeiros do suposto genitor biológico, não se pode
olvidar que a doutrina tem demonstrado a necessidade de ressignificação do
conceito de legitimidade processual, que não mais deverá se referir apenas à
clássica hipótese de legitimidade para a demanda (ad causam), mas também à
legitimidade para específicos e determinados atos processuais (ad actum).
24) A esse respeito, leciona Antonio do Passo Cabral:
Como pertine ao exercício de um poder jurídico, o ordenamento
remete a legitimidade à específica situação concreta onde tal poder será
exercido. Se a legitimidade é um atributo transitivo, verificado em relação a um
determinado estado de fato, pensamos que, a partir do conceito de situação
legitimante, enquadrado no pano de fundo da relação processual dinâmica, é
possível reduzir a análise da legitimidade a certos momentos processuais
específicos, vale dizer, não mais um juízo de pertinência subjetiva da demanda (a
legitimatio ad causam), mas referente ao ato processual específico (a legitimatio
ad actum).
Em razão do dinamismo da relação processual, é só na sua
verificação casuística que a legitimidade encontra sua completa e mais pura
finalidade. Se a função desse limite subjetivo ao exercício de funções processuais
é analisar a correspondência entre o modelo legal e a situação de fato, a
legitimidade só pode ser precisa em cada caso concreto e para cada ato
processual.
Como afirma Fazzalari, a par das discussões sobre a abstração ou
concretude da ação, devemos reputar que a situação material pretérita deve ser
abstraída quando da análise dos atos processuais, e estes não pressupõem
necessariamente a relação material. A situação substancial é relevante como
pressuposto de alguns atos processuais, mas não todos, e a ela se juntam outros
requisitos processuais definidores de situações legitimantes não
necessariamente vinculadas a um direito subjetivo ou a uma relação jurídica
material.
Na verdade, a colocação dos atos em seqüência faz com que, com
exclusão do primeiro ato da série, cada ato processual dependa, para ser
praticado, de requisitos e pressupostos que somente poderão ser corretamente compreendidos a partir da análise da cadeia formativa dos atos anteriores e da
múltipla e difusa implicação entre eles. Além disso, as situações legitimantes são
todas cambiantes ao longo do processo, e o controle da legitimidade não pode
se dar senão na dinâmica do contraditório. (CABRAL, Antonio do Passo.
Legitimidade e despolarização da demanda in Revista da AJUFE, São Paulo, v. 25,
n. 92, jan./jun. 2012., p. 288/289).
25) Assim, é correto afirmar que um terceiro, independentemente da
existência de circunstância que o legitime a ser parte ou interveniente, poderá ser
instado a participar apenas de determinados atos processuais, inclusive na seara
instrutória, o que, na verdade, não é sequer uma grande novidade, na medida em
que terceiros, observado o contraditório, poderão ser obrigados a exibir
documento ou coisa que se encontre em seu poder, sob pena de busca e
apreensão em que se admitirá a adoção de medidas indutivas, coercitivas,
sub-rogatórias ou mandamentais (art. 401 a 404, do novo CPC), procedimento que
igualmente deve ser aplicado à hipótese.
CONCLUSÃO.
26) Forte nessas razões, JULGO PROCEDENTE a presente reclamação,
para o fim de que seja cassada a sentença que extinguiu o processo sem resolução
do mérito, determinando-se a reabertura e exaurimento da fase instrutória para
apuração da alegada fraude ocorrida no primeiro exame de DNA e para que se
esgotem as possibilidades de realização de novo exame de DNA, nos termos da
fundamentação acima.
27) Condeno o interessado ao pagamento das custas e dos honorários
advocatícios, que fixo em R$ 10.000,00 (dez mil reais).
VOTO-VOGAL
O SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Sra. Presidente, cumprimento V. Exa. e os eminentes Pares, em especial a eminente
Relatora, Ministra Nancy Andrighi, pela qualidade do voto que nos traz.
Penso que a solução apresentada, de julgar procedente a reclamação, está correta.
Porém, divirjo quanto à possibilidade de adoção de medidas coercitivas contra aqueles que não
participam da lide, no caso, os possíveis tios, tanto do réu como do promovente da ação (conforme o
resultado da demanda). Isso não é, a meu ver, possível no nosso ordenamento jurídico.
Diante da relativização da coisa julgada, promovida no julgamento da Terceira
Turma, e da recusa do réu, supostamente irmão do promovente, em se submeter ao exame de DNA,
comportamento desafiador e desrespeitoso para com o prestígio do Judiciário, penso que, nessa
hipótese, se solucionaria com facilidade a pendência com a aplicação da presunção referida na
Súmula n. 301/STJ (Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame
de DNA induz presunção juris tantum de paternidade), por analogia. Neste caso, o réu, pretenso
irmão, seria instado a se submeter ao exame de DNA sob pena de se entender realmente
fraudulenta a realização do exame anterior, ficando, assim, comprovada a alegada irmandade e, via
de consequencia, a paternidade daquele suposto pai, conforme o objeto da investigação.
Isso, a meu ver, solucionaria a questão sem necessidade de envolvimento de
terceiros que não integram a lide e que não podem sofrer condução coercitiva para doação
obrigatória de material para exame de DNA. Essa providência invasiva não me parece possível,
nem proporcional, nem necessária. Contraria frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, que, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana, não permite que alguém seja
forçado a produzir prova contra seus interesses.
No caso em análise, essa garantia está presente e, por isso, foi originalmente
concebida pelo STJ a Súmula n. 301. Quando um suposto pai, demandado, se recusava a se
submeter ao exame de DNA, não era obrigado a fazê-lo, mas, em contrapartida, vinha a presunção
de que agia assim por ser o pai realmente.
Aqui, também, se esse pretenso irmão resiste à realização do exame de DNA é
porque, provavelmente, sabe que a demanda é movida por um meio-irmão.
Nesse caso, excepcionalmente, por analogia, aplicaríamos a presunção referida na Súmula n. 301/STJ ao irmão unilateral, porque é ele que está sendo demandado, é o réu, e, como
tal, é a pessoa que imediatamente deveria fornecer o material genético. Além disso, é quem terá o
interesse patrimonial eventualmente contrariado, com a perda de parte da herança do pai falecido,
no caso de reconhecimento da paternidade buscada pelo promovente.
Então, se autorizarmos a aplicação da presunção tratada na Súmula n. 301, aqui por
analogia, para considerar meio-irmãos os litigantes, a querela seria resolvida, pois o promovido,
devida e previamente advertido das consequências de sua opção, se veria suficientemente
estimulado a se submeter ao exame de DNA.
Desse modo, a incidência da presunção constante da Súmula n. 301, neste caso,
afetando somente o réu, pessoa diretamente envolvida na lide, melhor solucionaria a questão do que
cogitar-se da adoção de medida invasiva contra terceiros, em contrariedade à jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal.
Entendo inviável, inconstitucional, forçar terceiros a fornecer material para exame de
DNA, máxime num processo de natureza cível e de interesse não só existencial mas também, no
final das contas, de índole patrimonial. Não podemos autorizar ou sugerir ao julgador da instância
ordinária a adoção de medidas coercitivas contra os tios do réu, terceiros que não participam da lide,
o que me parece uma demasia. Não podemos chegar a tanto e não precisamos disso. Basta ensejar
a aplicação, por analogia, da presunção da Súmula n. 301 na hipótese. Isso já resolveria bem a
questão, porque a resistência do promovido, a meu ver, é muito mais para não ter afetado o
patrimônio recebido na herança do pai.
E, por fim, lembro que não temos coisa julgada que obrigue os tios do réu, pois não
participaram do processo e não há formação de coisa julgada contra quem não participa da lide.
A reclamação, assim, é procedente, estou acompanhando a eminente Relatora,
mas com a ressalva de que não podemos afirmar, no voto condutor, algo que contraria
frontalmente a jurisprudência da Corte Constitucional e que, portanto, violaria claramente a
Constituição, o devido processo legal, the due process of law, em sua dimensão substantiva.
Então, registrando a ressalva quanto ao item 25 do voto, no mais muito bem
produzido, muito bem elaborado, da eminente Ministra Nancy Andrighi, estou acompanhando pela
procedência da reclamação.