Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/07/info-699-stj.pdf
FRANQUIA - É válido o contrato de franquia, ainda que não assinado pela franqueada,
quando o comportamento das partes demonstra a aceitação tácita
A lei exige que o contrato de franquia seja escrito.
No caso concreto, a franqueadora enviou à franqueada o instrumento contratual de franquia.
A franqueada não assinou nem restituiu o documento. Apesar disso, colocou em prática os
termos contratados, tendo recebido treinamento da franqueadora, utilizado a sua marca e
instalado as franquias. Vale ressaltar, inclusive, que pagou à franqueadora as
contraprestações estabelecidas no contrato. Posteriormente, a franqueada alegou a
invalidade do ajuste porque o contrato não foi assinado.
Assim, a alegação de nulidade por vício formal configura-se comportamento contraditório
com a conduta praticada anteriormente. Por essa razão, a boa-fé tem força para impedir a
invocação de nulidade do contrato de franquia por inobservância da forma prevista na lei.
A conservação do negócio jurídico, nessa hipótese, significa dar primazia à confiança
provocada na outra parte da relação contratual.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.881.149-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/06/2021 (Info 699).
O caso concreto, com adaptações, foi o seguinte:
Next Level S/A é uma empresa que oferece franquia de centros de treinamento de futebol.
Determinada empresa (TB Ltda) interessou-se por se tornar uma franqueada.
A franqueadora encaminhou o instrumento contratual à franqueada (TB Ltda), mas esta última acabou
não assinando nem devolvendo o documento.
Mesmo sem a assinatura do contrato, as partes se comportaram como franqueadora e franqueada,
cumprindo as obrigações do ajuste.
A relação entre as partes perdurou por longa data, até que a empresa TB passou a não mais cumprir certas
obrigações que tinha para com a Next Level.
Diante disso, a franqueadora ajuizou ação de rescisão contratual contra a TB por conta do suposto
inadimplemento.
A ré contestou a demanda afirmando que esse ajuste entre as empresas não pode ser considerado um
contrato de franquia válido. Isso porque foi verbal e a Lei de Franquia exige que o contrato seja escrito.
Logo, o suposto contrato de franquia seria nulo devido à inobservância da forma prescrita em lei. Sendo
ele nulo, é incapaz de gerar obrigações às partes.
A tese da ré foi acolhida pelo STJ?
NÃO. Vamos entender com calma.
Origem
O contrato de franquia originou-se nos Estados Unidos da América no ano de 1860, com a implantação de
máquinas de costura Singer Sewing Machine (CONRADO, Halisson Rodrigues. Franquia: vantagens e
desvantagens. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4285, mar./2015).
Como essa experiência foi bem-sucedida, o modelo passou a ser adotado por empresários de inúmeros
países. Em 1910, surgiu a primeira franquia no Brasil, a Calçados Stella. Na época, a franquia foi vista como
uma oportunidade para expandir o negócio sem que, para tanto, fosse necessário um alto investimento.
O contrato de franquia está atualmente regido pela Lei nº 13.966/2019, que revogou a Lei nº 8.955/94.
Conceito
A franquia é um contrato por meio do qual uma empresa (franqueador) transfere a outra (franqueado) o
direito de usar a sua marca ou patente e de comercializar seus produtos ou serviços, podendo, ainda,
haver a transferência de conhecimentos do franqueador para o franqueado.
O art. 1º da Lei nº 13.966/2019 assim conceitua franquia:
Art. 1º Esta Lei disciplina o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza
por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual,
sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos
ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração
de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante
remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em
relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento.
Natureza jurídica
Os contratos de franquia têm natureza de contrato de adesão. Porém, isso não significa que se trata de
relação de consumo. Na verdade, cuida-se de relação de fomento econômico, visando ao estímulo da
atividade empresarial:
O contrato de franquia, por sua natureza, não está sujeito às regras protetivas previstas no CDC, pois não
há relação de consumo, mas de fomento econômico.
STJ. 3ª Turma. REsp 1602076/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/09/2016.
STJ. 4ª Turma. AgInt no AgInt no AREsp 1029480/SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 06/06/2017.
Classificação
Contrato de franquia qualifica-se como sendo um contrato:
• típico;
• consensual;
• bilateral;
• oneroso;
• comutativo;
• de execução continuada;
• solene ou formal.
O contrato de franquia precisa ser escrito?
SIM. Tanto o art. 6º da Lei nº 8.955/94 como a Lei nº 13.966/2019, exigem que o contrato de franquia seja
escrito. Em outras palavras, a lei não prevê o contrato de franquia por consenso tácito. Veja:
Lei 8.955/94
(antiga Lei de Franquias)
Art. 6º O contrato de franquia deve ser sempre escrito e assinado na presença de 2 (duas) testemunhas e terá validade independentemente de ser levado a registro perante cartório ou órgão público.
Lei 13.966/2019
(nova Lei de Franquias)
Art. 7º Os contratos de franquia obedecerão às seguintes
condições:
I - os que produzirem efeitos exclusivamente no
território nacional serão escritos em língua portuguesa e
regidos pela legislação brasileira;
II - os contratos de franquia internacional serão escritos
originalmente em língua portuguesa ou terão tradução
certificada para a língua portuguesa custeada pelo
franqueador, e os contratantes poderão optar, no
contrato, pelo foro de um de seus países de domicílio.
Obs: uma novidade da Lei nº 13.966/2019 é que ela não mais exige a assinatura de testemunhas.
Voltando ao caso concreto: houve declaração tácita de vontade
A forma do negócio jurídico é o modo pelo qual a vontade das partes é exteriorizada.
No ordenamento jurídico pátrio, vigora o princípio da liberdade de forma. Assim, em regra, a forma é livre,
salvo quando a lei requerer expressamente forma especial:
Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a
lei expressamente a exigir.
A declaração de vontade pode ser feita de forma:
• expressa;
• tácita; ou
• pelo silêncio (art. 111).
A manifestação de vontade tácita “dá-se por meio de um comportamento concludente, assim configurado
quando incompatível com a não aceitação” (MOTA PINTO, Paulo. Declaração tácita e comportamento
concludente no negócio jurídico. Coimbra: Almedina, 1995, p. 546).
Nas palavras de Pontes de Miranda, a manifestação de vontade tácita configura-se “por atos ou omissões
que se hajam de interpretar, conforme as circunstâncias, como manifestação de vontade do ofertante ou
do aceitante” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Tomo XXXVIII.
Atualizado por Claudia Lima Marques e Bruno Miragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 88).
O STJ entendeu que, à luz da boa-fé objetiva, a execução do contrato pela ré TB Ltda. por tempo
considerável configurou verdadeiro comportamento concludente, exprimindo a sua aceitação com as
condições previamente acordadas com a franqueadora.
Em outras palavras, houve declaração tácita de vontade.
Impossibilidade de se alegar vício formal porque isso configuraria comportamento contraditório
Não há dúvida de que a lei exige forma escrita para o contrato de franquia e que esse vício formal acarreta,
em princípio, a nulidade do negócio jurídico:
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
(...)
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
Entretanto, a doutrina ensina que a nulidade meramente formal (art. 166, IV, do CC) não deve acarretar a
invalidade do negócio jurídico “quando implicar a contraditoriedade desleal” (MARTINS-COSTA, Judith. A
Boa-fé no Direito Privado: critérios para sua aplicação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 697).
A boa-fé tem uma função limitadora do exercício de direito subjetivo e mitigadora do rigor legal.
A boa-fé objetiva proíbe a prática de condutas contraditórias que importem em quebra da confiança
legitimamente depositada no parceiro contratual.
Segundo a lição da Prof. Judith Martins-Costa, a proibição à contraditoriedade desleal no exercício de
direitos manifesta-se por intermédio de duas figuras:
a) nemo potest venire contra factum proprium: não é permitido o exercício de posição jurídica que seja
contraditória com o comportamento adotado anteriormente.
b) nemo auditur propriam turpitudinem allegans: trata-se da rejeição à malícia daquele que adotou certa
conduta, contribuiu para certo resultado e depois pretende escapar aos efeitos do comportamento
malicioso com base na alegação da própria malícia para a qual contribuiu. Menezes Cordeiro esclarece que isso não significa “conferir validade ao nulo”, mas simplesmente
conservar o negócio jurídico em razão da confiança provocada na outra parte da relação contratual.
Assim, quando há violação à boa-fé objetiva, o STJ rejeita a pretensão de declaração de nulidade do
negócio deduzida por quem contribuiu com o vício.
No caso, a franqueadora enviou à franqueada o instrumento contratual de franquia. Embora a franqueada
não tenha assinado e restituído o documento àquela (franqueadora), colocou em prática os termos
contratados, tendo recebido treinamento da franqueadora, utilizado a sua marca e instalado as franquias.
Inclusive, pagou à franqueadora as contraprestações estabelecidas no contrato.
Assim, a alegação, agora, de nulidade por vício formal configura-se como comportamento contraditório
com a conduta praticada anteriormente. Por essa razão, a boa-fé tem força para impedir a invocação de
nulidade do contrato de franquia.
Em suma
É válido o contrato de franquia, ainda que não assinado pela franqueada, quando o comportamento das
partes demonstra a aceitação tácita.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.881.149-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 01/06/2021 (Info 699).