Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/10/info-1026-stf.pdf
DIREITO FINANCEIRO - São inconstitucionais atos de constrição, por decisão judicial, do patrimônio de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, para fins de quitação de suas dívidas
Os recursos públicos vinculados ao orçamento de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, não podem ser bloqueados ou sequestrados por decisão judicial para pagamento de suas dívidas, em virtude do disposto no art. 100 da CF/88, e dos princípios da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF/88), da separação dos poderes (arts. 2º, 60, § 4º, III, da CF/88) e da eficiência da administração pública (art. 37, caput, da CF/88). STF. Plenário. ADPF 789/MA, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 20/8/2021 (Info 1026).
A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte:
A Justiça do Trabalho proferiu diversas decisões judiciais determinando o bloqueio, arresto, penhora e sequestro de valores integrantes do orçamento da Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares - EMSERH, para pagamento de indenizações trabalhistas sem observância do regime de precatórios (art. 100 da CF/88). Vale ressaltar que a EMSERH é uma empresa pública prestadora de serviços gratuitos de assistência médico-hospitalar, ambulatorial e farmacêutica. O Governador ajuizou ADPF contra esse conjunto de decisões judiciais alegando que houve violação a diversos preceitos fundamentais, em especial àqueles referentes ao sistema orçamentário.
Primeira pergunta: cabe ADPF neste caso? SIM.
Mas essas decisões não poderiam ser impugnadas individualmente? Ex: não seria possível que o Estado interpusesse recursos contra essas decisões da Justiça do Trabalho? SIM. Essas decisões podem ser impugnadas individualmente.
O fato de as decisões poderem ser impugnadas individualmente prejudica o cabimento da ADPF? Um dos requisitos da ADPF é a subsidiariedade...
De fato, um dos requisitos da ADPF é a subsidiariedade. A subsidiariedade da ADPF está prevista expressamente no art. 4º, § 1º, da nº 9.882/99: “a arguição não será admitida quando houver qualquer outro meio de sanar a lesividade”. Assim, só cabe ADPF se não houver outro meio eficaz de sanar a lesão. Vale ressaltar, no entanto, que o fato de existirem ações, incidentes processuais ou recursos que poderiam ser manejados nas instâncias ordinária ou extraordinária não exclui, por si só, a admissibilidade de ADPF. Isso porque o requisito de subsidiariedade deve ser compreendido pela inexistência de meio processual apto a sanar a controvérsia de forma geral e imediata. Não havia outro meio eficaz para se declarar, de forma ampla, geral e imediata, a inconstitucionalidade desse conjunto de decisões. Desse modo:
A ADPF pode ser ajuizada para impugnar um conjunto de decisões judiciais tidas como violadoras de preceitos constitucionais fundamentais. STF. Plenário. ADPF 588/PB, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 26/4/2021 (Info 1014).
Superada a questão do cabimento, vamos ao mérito. Essa constrição das verbas públicas foi uma medida acertada? As decisões da Justiça do Trabalho foram mantidas?
NÃO. O STF considerou que são inconstitucionais os atos de constrição do patrimônio de estatal prestadora de serviço público essencial prestado em regime não concorrencial e sem finalidade lucrativa. A EMSERH é uma empresa que desempenha serviço público essencial (direito social à saúde), prestado em regime não concorrencial e sem finalidade lucrativa. Desse modo, o bloqueio e a penhora de seus recursos da EMSERH violam:
· o sistema constitucional de precatórios;
· o princípio da legalidade orçamentária;
· o princípio da separação dos Poderes; e
· o princípio da eficiência administrativa.
Precatório
A jurisprudência do STF afirma que o regime constitucional dos precatórios deve ser aplicado também para as empresas estatais que prestam serviço público em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário. Logo, as decisões judiciais que determinam o bloqueio e o sequestro de verbas dessas empresas são inconstitucionais por violarem o regime de precatórios (art. 100 da CF/88).
Princípio da legalidade orçamentária
A Constituição veda a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa:
Art. 167. São vedados: VI - a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa;
São balizas constitucionais para alocação e utilização de recursos públicos. Justamente por isso, quando a Justiça do Trabalho determina o uso de verbas alocadas para a execução de determinada finalidade (saúde) em finalidades diversas (pagamento de dívidas trabalhistas), isso viola normas constitucionais relacionadas com a legalidade orçamentária (art. 167, VI).
Princípio da separação dos Poderes
Ademais, o princípio da legalidade orçamentária está estreitamente vinculado ao princípio da separação dos Poderes (arts. 2º e 60, § 4º, III, da CF/88). A exigência de lei para a modificação da destinação orçamentária de recursos públicos tem por finalidade resguardar o planejamento chancelado pelos Poderes Executivo e Legislativo no momento de aprovação da lei orçamentária anual. É nessa ocasião que se definem as prioridades de atuação da Administração, isto é, que se apontam as políticas e os serviços públicos que deverão ser implementados ou aprimorados no exercício financeiro respectivo. A ordem constitucional rechaça a interferência do Judiciário na organização orçamentária dos projetos da Administração Pública, salvo, excepcionalmente, como fiscalizador.
Princípio da eficiência administrativa
Entende-se, por fim, que, no caso, os atos jurisdicionais impugnados, ao bloquearem verbas orçamentárias para o pagamento de indenizações trabalhistas, atuaram como obstáculos ao exercício eficiente da gestão pública, subvertendo o planejamento e a ordem de prioridades na execução de projetos sociais do Poder Executivo local, o que caracteriza desrespeito ao princípio da eficiência da Administração Pública (art. 37, caput, da CF/88).
Tese fixada pelo STF:
Os recursos públicos vinculados ao orçamento de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, não podem ser bloqueados ou sequestrados por decisão judicial para pagamento de suas dívidas, em virtude do disposto no art. 100 da CF/88, e dos princípios da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF/88), da separação dos poderes (arts. 2º, 60, § 4º, III, da CF/88) e da eficiência da administração pública (art. 37, caput, da CF/88). STF. Plenário. ADPF 789/MA, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 20/8/2021 (Info 1026).
ADPF
Com base nesse entendimento, o Plenário confirmou a cautelar anteriormente deferida e julgou procedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental para:
a) suspender as decisões judiciais nas quais se promoveram constrições patrimoniais por bloqueio, penhora, arresto, sequestro;
b) determinar a sujeição da Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares – EMSERH ao regime constitucional de precatórios; e
c) determinar a imediata devolução das verbas subtraídas dos cofres públicos, e ainda em poder do Judiciário, para as respectivas contas de que foram retiradas.
Caso correlato:
Os recursos públicos vinculados ao orçamento de estatais prestadoras de serviço público essencial, em regime não concorrencial e sem intuito lucrativo primário, não podem ser bloqueados ou sequestrados por decisão judicial para pagamento de verbas trabalhistas, em virtude do disposto no art. 100 da CF/1988, e dos princípios da legalidade orçamentária (art. 167, VI, da CF), da separação dos poderes (arts. 2º, 60, § 4º, III, da CF) e da eficiência da administração pública (art. 37, ‘caput’, da CF). STF. Plenário. ADPF 588/PB, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 26/4/2021 (Info 1014).