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24 de março de 2022

Atendidos os requisitos previstos em lei, é legítima a submissão de empresas a Regime Especial de Fiscalização, salvo comprovação de que as medidas inviabilizem indevidamente o livre exercício da atividade econômica

Processo

RMS 65.714-SE, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 22/02/2022, DJe 03/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO TRIBUTÁRIO

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Regime Especial de Fiscalização. Restrição ou inviabilidade ao exercício da atividade empresarial. Ausência de prova pré-constituída. Inexistência de direito líquido e certo. Precedentes do STF e do STJ.





DESTAQUE

Atendidos os requisitos previstos em lei, é legítima a submissão de empresas a Regime Especial de Fiscalização, salvo comprovação de que as medidas inviabilizem indevidamente o livre exercício da atividade econômica.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na origem, trata-se de mandado de segurança impetrado perante o Tribunal de Justiça, em face do Secretário da Fazenda do Estado visando impugnar, dentre outros, a inclusão da impetrante no Regime Especial de Fiscalização, na modalidade de prazo especial e sumário de recolhimento do ICMS, motivada por situação de reiterada inadimplência, quanto a baixa de sua inscrição no Cadastro de Contribuintes do Estado.

O Tribunal de Justiça denegou os pedidos de sua exclusão do Regime Especial de Fiscalização. No Recurso Ordinário a impetrante sustenta que sua inclusão no Regime Especial de Fiscalização, violam os princípios constitucionais da razoabilidade e do devido processo legal, como também o direito ao livre exercício da atividade econômica, (...) previstos no art. 170, parágrafo único, CF/1988 e nas Súmulas ns. 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal.

O Superior Tribunal de Justiça, inicialmente, decidia pela ilegitimidade da sujeição de contribuinte a regime especial de fiscalização, ao entendimento de que ele representaria meio coercitivo indireto para pagamento de tributos (AgRg no REsp 734.364/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJe de 29/08/2005; REsp 281.588/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJe de 02/02/2006).

Mais recentemente, a jurisprudência desta Corte passou a orientar-se pela possibilidade de imposição de regime especial de fiscalização, desde que haja previsão legal, inadimplemento reiterado de obrigações tributárias e tal regime não configure obstáculo desarrazoado à atividade empresarial, a ponto de coagir o contribuinte ao pagamento de seus débitos tributários, tendo em vista que, para esse mister, possui o Fisco meios próprios. (REsp 1.236.622/MG, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe de 16/03/2012; RMS 57.784/CE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 18/11/2019).

O Plenário do STF, ao julgar Embargos de Divergência no RE 115.452/SP, entendeu que "o regime especial do ICM, autorizado em lei estadual, porque impõe restrições e limitações à atividade comercial do contribuinte, viola a garantia constitucional da liberdade de trabalho (CF/1967, art.153, § 23; CF/1988, art. 5º, XIII), constituindo forma oblíqua de cobrança do tributo, assim execução política, que a jurisprudência do Supremo Tribunal sempre repeliu (Súmulas ns. 70, 323 e 547)" (STF, RE 115.452 ED-EDv / SP, Rel. Ministro Carlos Veloso, DJU de 05/12/90).

No referido julgamento, porém, ficou evidenciada a existência de sanção política, porquanto o regime especial lá em questionamento resultava nas seguintes restrições à atividade empresarial do contribuinte, dentre outras: vedação, aos negociantes compradores, de utilizarem o crédito a que têm direito, quando desacompanhados de guia especial de pagamento de tributo, e retenção de talonários de nota fiscal. No STF também há precedente no sentido de que a imposição de regime especial de fiscalização encontra amparo no Código Tributário Nacional (STF, RE 114.878/SP, Rel. Ministro Célio Borja, Segunda Turma, DJU de 29/04/88).

Na Corte Suprema há outros julgados, pela impossibilidade de imposição de regime especial de fiscalização, embora os votos condutores de alguns deles indiquem não ter havido juízo de ponderação sobre os contornos do regime especial de fiscalização, no caso concreto, a restringir ou limitar indevidamente a atividade empresarial do contribuinte (RE 471.800 AgR / MG, Rel. Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe de 07/04/2016).

Após os dois precedentes qualificados invocados pela impetrante (STF, RE 565.048 RG / RS, Rel. Ministro Marco Aurélio, DJe de 09/10/2014; ARE 914.045 RG / MG, Rel. Ministro Edson Fachin, DJe de 19/11/2015) - os quais, enfatize-se, não fixaram tese jurídica a respeito de regime especial de fiscalização, embora vedassem a restrição ilegítima à atividade empresarial ou profissional, quando imposta como meio de cobrança indireta de tributos -, a Segunda Turma do STF assentou que "a submissão de contribuinte a regime fiscal diferenciado, em virtude do inadimplemento reiterado não constitui sanção política condenada pela jurisprudência desta Corte, quando não inviabiliza o exercício da atividade empresarial" (STF, ARE 1.084.307 AgR / SP, Rel. Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 18/03/2019).

Posteriormente aos dois aludidos precedentes, firmados pelo STF, sob o regime de repercussão geral (RE 565.048 e ARE 914.045) e de modo consentâneo com o entendimento neles fixado, a Primeira Turma do STJ proclamou que, "a depender do caso concreto, este Tribunal Superior tem permitido a inclusão de contribuintes/responsáveis em Regimes Especiais de Fiscalização quando habituados a infrações tributárias, não se admitindo, porém, que as medidas fiscais impostas pelo respectivo regime possam inibir a regular atividade empresarial" (STJ, RMS 51.523/CE, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe de 07/08/2017).

Também a Segunda Turma desta Corte assentou que "a disciplina do Regime Especial de Fiscalização não constitui medida alternativa ou excludente à cobrança judicial do crédito tributário vencido e não pago, mas sim consiste em medida preventiva, destinada a acompanhar o quotidiano da empresa que possua histórico de inadimplência contumaz, para evitar que novas ocorrências de fatos geradores sejam sucedidas por novos atos omissivos no que se refere ao dever de pagar os respectivos tributos. Nesse sentido, a jurisprudência do STJ considera legítima a submissão de empresas ao Regime Especial de Fiscalização, excetuando-se apenas a hipótese em que este possua medidas que comprovadamente impliquem indevida restrição à atividade empresarial" (STJ, RMS 57.784/GO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 18/11/2019).

No caso, a impetrante reconhece que se encontra em situação de inadimplência e que possui vários débitos. As informações prestadas pela autoridade impetrada mostraram que (a) "o impetrante, em função do descumprimento de obrigações (principais e acessórias), fora enquadrado na condição de ser fiscalizado de forma minuciosa em razão dos diversos descumprimentos"; (b) "após constatação de vários descumprimentos, fora o impetrante enquadrado nos limites da Portaria 290/2018, que tem finalidade, entre outras coisas, de recebimento de tributo em lapso temporal menor e evitar que se materialize uma concorrência desleal entre contribuintes que cumprem suas obrigações e aqueles que não as cumprem"; (c) "o impetrante insiste em não cumprir suas obrigações, seus débitos (regularmente constituídos) não são pagos e o Estado não pode se manter inerte, ante tais irregularidades"; (d) "no caso em análise, o impetrante acumula débitos tributários e muitas outras infrações, registradas nos sistemas fazendários.

E, assim sendo, fora enquadrada nos termos da Portaria n. 290/2018, que encontra amparo nos arts. 194 a 196 do CTN, 26, II, da Lei Complementar n. 87/1996 e 76 da Lei n. 3.796/1996 do Estado de Sergipe, e tem por finalidade fixar prazo para o recolhimento do imposto devido em lapso temporal menor (pagamentos diários do imposto devido), evitar que se materialize uma concorrência desleal entre contribuintes que cumprem suas obrigações e aqueles que não as cumprem, e acompanhar os contribuintes nela especificados, inclusive a impetrante, a qual continuava, reiteradamente, realizando fatos geradores de ICMS, sem recolhimento do tributo, aumentando os débitos tributários já existentes e concorrendo desigualmente com os contribuintes que recolhem os tributos.

Conclui-se, por fim, que a impetrante, após reiterados descumprimentos da legislação tributária estadual, não logrou êxito em demonstrar, mediante prova pré-constituída, que o Regime Especial de Fiscalização, na modalidade de prazo especial e sumário de recolhimento do ICMS, seria desarrazoado ou desproporcional ou estaria a inviabilizar indevidamente o livre exercício da sua atividade econômica, não se vislumbrando, assim, a presença de direito líquido e certo, a amparar a concessão do writ, quanto ao aludido Regime Especial de Fiscalização.