Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/12/info-1036-stf.pdf
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
É constitucional lei estadual do trote telefônico
É constitucional norma estadual que determine que as prestadoras de serviço telefônico são
obrigadas a fornecer, sob pena de multa, os dados pessoais dos usuários de terminais
utilizados para passar trotes aos serviços de emergência.
STF. Plenário. ADI 4924/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/11/2021 (Info 1036).
A situação concreta foi a seguinte:
No Estado do Paraná foi editada a Lei nº 17.107/2012, que prevê multa para quem passar trotes
telefônicos envolvendo remoções ou resgates, combate a incêndios, ocorrências policiais ou atendimento
de desastres.
Veja os principais dispositivos da Lei:
Art. 1º Fica instituída a aplicação de multa ao proprietário de linha telefônica responsável pelo
acionamento indevido dos serviços telefônicos de atendimento a emergências envolvendo
remoções ou resgates, combate a incêndios, ocorrências policiais ou atendimento de desastres.
Parágrafo único. Entende-se por acionamento indevido aquele originado de má-fé ou que não
tenha como objeto o atendimento a emergência ou situação real que venha a justificar o
acionamento, salvo nos casos de erro justificável.
Art. 2º Os órgãos e instituições públicas, responsáveis pela prestação dos serviços de emergência
aqui tratados, deverão anotar o número telefônico de onde se originou o trote e enviar ofício às
empresas prestadoras de serviços telefônicos para que essas informem os dados do proprietário.
§ 1º As empresas prestadoras de serviços telefônicos terão o prazo de 30 (trinta) dias para
fornecer as informações, sob pena de multa de 20 UPF/PR (Unidade Padrão Fiscal do Paraná),
duplicando-se tal valor em caso de reincidência.
§ 2º As ligações originadas de telefones públicos serão anotadas em relatório separado para futuro
levantamento de incidência geográfica e posterior identificação pelo órgão competente, podendo
ser adotadas medidas preventivas.
§ 3º Havendo possibilidade da identificação do autor do acionamento indevido por telefones
públicos, esse será responsabilizado e deverá ser penalizado na forma desta Lei.
Art. 3º Identificados os proprietários da linha telefônica ou os responsáveis pelo acionamento
indevido, na forma prevista no artigo anterior, serão enviados os relatórios ao órgão estadual competente que adotará as medidas cabíveis, inclusive a lavratura do Auto de Infração e o envio
da multa ao endereço do infrator.
Parágrafo único. Após o recebimento do Auto de Infração, os proprietários da linha telefônica ou
os responsáveis pelo acionamento indevido terão o prazo de 30 (trinta) dias para apresentar
defesa por escrito junto ao órgão competente, que poderá acatar o pedido cancelando a aplicação
da multa.
ADI
A Associação Nacional das Operadoras Celulares – ACEL ajuizou ADI contra essa lei.
Para a autora, a norma seria formalmente inconstitucional por invasão de competência da União para
legislar sobre serviços de telecomunicações, prevista no art. 22, IV, da CF/88:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
(...)
IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
Além disso, segundo a Associação, as normas seriam materialmente inconstitucionais, por violarem o sigilo
de dados sem ordem judicial, tendo em vista que a norma prescreve que devem ser reveladas às
autoridades administrativas estaduais as informações dos usuários do telefone, mediante simples ofício
enviado à empresa concessionária.
Seria materialmente inconstitucional por violar também a privacidade e o sigilo das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, constantes no art. 5º, X e XII, da CF/88, matérias
que recaem no campo da reserva da jurisdição.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que
a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
O STF concordou com esses argumentos? A referida lei é inconstitucional?
NÃO. A Lei é constitucional, conforme decidiu o STF:
É constitucional norma estadual que determine que as prestadoras de serviço telefônico são obrigadas
a fornecer, sob pena de multa, os dados pessoais dos usuários de terminais utilizados para passar trotes
aos serviços de emergência.
STF. Plenário. ADI 4924/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 4/11/2021 (Info 1036).
Inconstitucionalidade formal
Sob o aspecto formal, não há se falar em violação aos arts. 21, XI, e art. 22, IV, da Constituição Federal.
Isso porque a lei estadual não traz regras sobre a prestação dos serviços de telecomunicações, sobre as
relações da concessionária com o usuário ou ainda sobre o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
A norma impugnada trata, na verdade, de questão de direito administrativo relativa à assistência e à
segurança pública que se encontra dentro da competência legislativa residual dos Estados-membros, nos
termos do art. 25, §1º, da CF/88:
Art. 25 (...)
§ 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta
Constituição.
Além disso, a competência material para cuidar dessas questões é atribuída a todos os entes federativos,
conforme previsão do art. 23, II, c/c art. 144, ambos da CF/88.
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de
deficiência;
Assim, a lei estadual é uma norma de direito administrativo que prevê o compartilhamento de
informações cadastrais já existentes nos bancos de dados das empresas concessionárias para apurar
ilícitos administrativos.
Inconstitucionalidade material
No mesmo sentido, não há qualquer inconstitucionalidade material por violação à intimidade, à vida
privada ou ao direito de proteção dos dados dos usuários, bem como à cláusula de reserva de jurisdição,
nos termos estabelecidos pelo art. 5º, X e XII, da CF/88.
Não se deve ignorar a importância dos referidos direitos fundamentais. Contudo, é igualmente relevante
asseverar que não existem direitos fundamentais absolutos, sendo legítima a imposição de restrições por
parte do legislador em hipóteses de conflitos com outros direitos e princípios de natureza constitucional,
desde que observados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
O afastamento parcial desses preceitos constitucionais em casos de “trotes telefônicos” constitui medida
proporcional e necessária à garantia da prestação eficiente dos serviços de emergência contra a prática
de ilícitos administrativos, inexistindo qualquer outra medida que favoreça a higidez dessas atividades,
que envolvem o atendimento a direitos fundamentais de terceiros, com um menor grau de afetação dos
direitos contrapostos.
Destaque-se que a autorização legislativa para o acesso administrativo de dados cadastrais não significa
que o Poder Executivo estadual esteja autorizado a monitorar ou acessar indiscriminadamente os dados
pessoais de todos os cidadãos. A lei deve estabelecer uma finalidade claramente delimitada para acesso
aos dados, com hipóteses legais específicas e a possibilidade de controle posterior que devem ser
interpretadas de acordo com os dispositivos constitucionais indicados, de modo a se manter hígida a
norma e o objetivo previsto pelo legislador estadual.
Conclusão
Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, conheceu em parte da ação direta e, na
parte conhecida, julgou improcedente o pedido formulado para declarar a constitucionalidade do art. 2º,
caput e § 1º, da Lei nº 17.107/2012 do Estado do Paraná.