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4 de maio de 2021

AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. PERDA DOS ATRIBUTOS CAMBIÁRIOS. POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.669.968 - RO (2017/0102648-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

DIREITO EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. PERDA DOS ATRIBUTOS CAMBIÁRIOS. POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI. 

1. Ação monitória fundada em cheques prescritos. 

2. Ação ajuizada em 16/04/2013. Recurso especial concluso ao Gabinete em 22/05/2017. Julgamento: CPC/2015. 

3. O propósito recursal, além de analisar acerca da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, é definir se, na hipótese, é aplicável o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao recorrente – portador dos cheques e terceiro de boa-fé. 

4. Não há que se falar em violação do art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. 

5. Nos termos do art. 25 da Lei 7.357/85, quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor, isto é, salvo se constatada a má-fé do portador do título. 

6. Na hipótese dos autos, contudo, verifica-se que os cheques, que embasaram o ajuizamento da ação monitória, já estavam prescritos, não havendo mais que se falar em manutenção das suas características cambiárias, tais quais a autonomia, a independência e a abstração. 

7. Perdendo o cheque prescrito os seus atributos cambiários, dessume-se que a ação monitória neste documento fundada admitirá a discussão do próprio fato gerador da obrigação, sendo possível a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes ou mesmo ao próprio emitente do título. 

8. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial, com majoração de honorários, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 08 de outubro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por RAY DOS SANTOS ARRUDA, fundamentado exclusivamente na alínea "a" do permissivo constitucional. 

Recurso especial interposto em: 13/02/2017. Concluso ao gabinete em: 22/05/2017. 

Ação: monitória, ajuizada pelo recorrente, em desfavor de EVALDO KRUMENAUER e LUCIDALVA APARECIDA DE OLIVEIRA KRUMENAUER, por meio da qual alega ser credor destes da quantia de R$ 12.000,00 (doze mil reais), representada por dois cheques prescritos (e-STJ fls. 2-3). Os recorridos, por sua vez, opuseram embargos monitórios (e-STJ fls. 15-21). 

Sentença: acolheu os embargos monitórios opostos pelos recorridos e, consequentemente, julgou improcedentes os pedidos iniciais formulados pelo autor da ação (ora recorrente) (e-STJ fls. 86-88). 

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa: Ação monitória. 

Cheques objeto da relação negocial desfeita. Princípio da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé. Relativização. Real devedor. Admite-se a mitigação dos princípios da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé, reconhecendo-se a relativização de tal princípio, quando comprovado que o título de crédito objeto dos autos da ação monitória ajuizada pelo portador foi sustado pelos emitentes em decorrência do descumprimento contratual cometido pelo real devedor (e-STJ fl. 120). 

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados (e-STJ fls. 134-136). 

Recurso especial de RAY DOS SANTOS ARRUDA: alega violação dos arts. 1.022, II, do CPC/2015; 8º, parágrafo único, e 25 da Lei 7.357/85. Além de negativa de prestação jurisdicional, sustenta que: 

a) os cheques foram emitidos ao portador, transmitindo-se, portanto, por mera tradição; o TJ/RO, contudo, considerou que os cheques seriam nominais; 

b) tratando-se de cheque ao portador, o recorrente só pode cobrar o seu emitente, pois inexiste endosso nas cártulas, e, tendo este circulado, veda-se ao devedor opor ao terceiro exceções pessoais com portadores anteriores; e 

c) quando o emitente do cheque não indica o beneficiário, o título poderá circular pela simples tradição da cártula, tornando-se credor aquele que a tem em mãos (e-STJ fls. 138-149). 

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/RS admitiu o recurso especial interposto por RAY DOS SANTOS ARRUDA, determinando a remessa dos autos a esta Corte Superior (e-STJ fls. 180-181). 

Decisão monocrática: conheceu parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, deu-lhe provimento, para determinar o retorno dos autos ao juízo de origem, a fim de seguir no regular processamento da ação monitória (e-STJ fls. 188-190). 

Agravo interno: foi interposto pelos recorridos, pugnando pela reforma da decisão monocrática (e-STJ fls. 193-198). 

Decisão monocrática: ensejou a reconsideração da decisão proferida às fls. 188-190 (e-STJ), tendo sido determinado às partes que aguardassem a inclusão em pauta para julgamento colegiado do recurso especial (e-STJ fl. 214). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR): O propósito recursal, além de analisar acerca da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, é definir se, na hipótese, é aplicável o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao recorrente – portador dos cheques e terceiro de boa-fé. 

Aplicação do Código de Processo Civil de 2015, pelo Enunciado administrativo n. 3/STJ. 

1. DOS CONTORNOS DA AÇÃO 

Inicialmente, convém salientar ser incontroverso nos autos que: 

a) os recorridos emitiram os cheques, ante a contratação de serviços da empresa CRIARE, como pagamento pela compra de móveis planejados (e-STJ fls. 87; e 123); 

b) os cheques foram sustados, tendo em vista o cancelamento do pedido junto à referida empresa, que deixou de cumprir com suas obrigações (e-STJ fl. 123); 

c) os cheques, contudo, foram repassados ao recorrente, expressamente reconhecido pelo TJ/RO como “terceiro de boa-fé” (e-STJ fl. 123); e 

d) o recorrente, portador das cártulas já prescritas, ajuizou a ação monitória em desfavor dos próprios emitentes (ora recorridos) (e-STJ fl. 86). 

2. DA VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 

É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. A propósito, confira-se: AgInt nos EDcl no AREsp 1.094.857/SC, 3ª Turma, DJe de 02/02/2018 e AgInt no AREsp 1.089.677/AM, 4ª Turma, DJe de 16/02/2018. 

No particular, verifica-se que o acórdão recorrido decidiu, fundamentada e expressamente, acerca da condição do recorrente como portador das cártulas (e-STJ fl. 136), de maneira que os embargos de declaração opostos, de fato, não comportavam acolhimento. 

Assim, observado o entendimento dominante desta Corte acerca do tema, não há que se falar em violação do art. 1.022 do CPC/2015, incidindo, quanto ao ponto, a Súmula 568/STJ. 

3. DA INOPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS DO EMITENTE DO CHEQUE AO PORTADOR/TERCEIRO DE BOA-FÉ (arts. 8º, parágrafo único, e 25 da Lei 7.357/85) 

Enquanto títulos de crédito, os cheques são regidos, dentre outros, pelo princípio da autonomia que “é uma garantia de negociabilidade do título, na medida em que a pessoa que o adquire não precisa saber se o credor anterior teria ou não direito de receber o valor do título” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. V 2. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 34). 

Do princípio da autonomia, surge o conhecido princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, consagrado pelo art. 25 da Lei do Cheque (Lei 7.357/85). 

Nos termos do referido dispositivo legal, quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor, isto é, salvo se constatada a má-fé do portador do título. 

Como mesmo anota Luiz Emygdio Franco da Rosa Junior: 

O art. 25 da LC consagra o princípio da inoponibilidade, pelo obrigado, das exceções fundadas em relações pessoais, apenas quando for demandado por terceiro de boa-fé. Este princípio visa a facilitar a circulação do título, ao proteger o terceiro adquirente de boa-fé, e resulta a autonomia das obrigações cambiárias. Por outro lado, o terceiro adquire direito originário, novo e autônomo, e não direito derivado (o mesmo direito do endossante), e, por essa razão, as relações pessoais entre os obrigados não se acumulam durante a circulação do título. Terceiro de má-fé é aquele que adquire o título conscientemente em detrimento do devedor, ou melhor, que tem conduta cambiariamente desonesta. Em outras palavras, age com má-fé o portador que adquire o cheque ciente das exceções pessoais que poderiam ser arguidas pelo devedor se o título não circulasse e, por isso, é sancionado pela lei. Em resumo, o devedor cambiário pode invocar a causa debendi quando acionado pelo credor com quem se relaciona diretamente no nexo cambiário ou por terceiro adquirente de má-fé. Não pode quando demandado por terceiro de boa-fé (Títulos de crédito. 8 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 654) (grifos acrescentados). 

Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte tem se firmado no sentido de que o devedor somente pode opor ao portador do cheque exceções fundadas na relação pessoal com o próprio portador ou em aspectos formais e materiais do título, a não ser que constatada a má-fé deste. 

Logo, se não for caracterizada a ma-fé do portador, deve ser preservada a autonomia do título cambial. A propósito, citam-se: AgInt no AREsp 1.252.159/SP, 3ª Turma, DJe 05/09/2018; AgRg no AREsp 724.963/DF, 3ª Turma, DJe 09/12/2015; AgRg no AREsp 574-717/SP, 3ª Turma, DJe 05/12/2014. 

Na hipótese dos autos, contudo, verifica-se que os cheques, que embasaram o ajuizamento da ação monitória, já estavam prescritos. 

É certo que a prescrição do título traduz apenas a extinção da declaração unilateral do crédito, não alcançando o negócio fundamental, se maior for o seu prazo de prescrição. Assim, com base no negócio fundamental, pode-se cobrar o valor da obrigação que esteve incorporada à cártula, mas que, com a prescrição do título, desincorporou-se. O credor pode aforar ação de cobrança, de enriquecimento sem causa ou, ainda, manejar a ação monitória, utilizando-se do título prescrito como prova escrita sem valor de título executivo judicial (MAMEDE, Gladston. Títulos de crédito. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 119). 

Entretanto, prescrito o cheque, não há mais que se falar em manutenção das suas características cambiárias, tais quais a autonomia, a independência e a abstração. 

Inclusive, em razão da prescrição do título de crédito, a pretensão fundar-se-á no próprio negócio subjacente, inviabilizando a propositura de ação de execução. 

Como mesmo anota Gladston Mamede, ao comentar sobre a exigibilidade do cheque prescrito: 

A prescrição do cheque não implica prescrição do negócio subjacente, tomando-se o princípio da autonomia por ângulo inverso, razão pela qual é possível ao credor aforar uma ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não pagamento da cártula (...). Trata-se de ação ordinária (processo de conhecimento). Prescrito o cheque, não há mais falar em declaração unilateral de vontade, nem nas garantias cambiais da autonomia, da independência e da abstração. A pretensão se funda no negócio subjacente, impedindo que uma parte enriqueça indevidamente à custa da outra. Não é mais o cheque, por si, o fundamento da pretensão, mas o fato jurídico no qual foi emitido. (...) A Lei nº 7.357/85, contudo, se desatualizou com a criação da ação monitória, agora regulada pelos artigos 700 e seguintes no novo Código de Processo Civil. Meio processual mais eficaz, a ação monitória passou a ser preferida como meio para se evitar o enriquecimento indevido do devedor em face do cheque prescrito. Prescrito o cheque, desaparecem as relações meramente cambiais, preservando-se apenas as obrigações resultantes dos negócios subjacentes à existência da cártula. (...) Parece-me que a denominação ação de locupletamento, assim como a ação monitória, deve obrigatoriamente girar em torno do negócio jurídico fundamental, descrevendo-o; o cheque prescrito vê-se rebaixado à mera condição de uma prova do fato do qual se originara a obrigação de pagar. A causa debendi ganha importância, já que, com a prescrição do cheque, não mais se aplicam os princípios do Direito Cambiário. Assim, a ação para impedir o enriquecimento sem causa do emissor do cheque torna-se um amplo espaço para a rediscussão do fato gerador da obrigação (Op. Cit., p. 194-195). 

Nesse mesmo sentido, citam-se precedentes da 4ª Turma deste STJ: 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CAMBIÁRIO. PROTESTO DE CHEQUE PRESCRITO. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES. RECURSO NEGADO. 1. É indevido o protesto na hipótese de cheque prescrito. O protesto tem por finalidade precípua comprovar o inadimplemento de obrigação originada em título executivo ou outro documento de dívida e visa, ainda, à salvaguarda dos direitos cambiários do portador em face de possíveis coobrigados. 2. O cheque prescrito serve apenas como princípio de prova da relação jurídica subjacente que deu ensejo a sua emissão, não detendo mais os requisitos que o caracterizam como título executivo extrajudicial e que legitimariam o portador a exigir seu imediato pagamento e, por conseguinte, a fazer prova do inadimplemento pelo protesto. Precedentes. 3. A Lei do Cheque - em seu art. 48 - dispõe que o protesto deve ser feito antes da expiração do prazo de apresentação (30 dias, se da mesma praça, ou 60, se de praça diversa, mais 6 meses, a contar da data de emissão do cheque), quando então o título perde a sua executividade. 4. A perda das características cambiárias do título de crédito, como autonomia, abstração e executividade, quando ocorre a prescrição, compromete a pronta exigibilidade do crédito nele representado, o que desnatura a função exercida pelo ato cambiário do protesto de um título prescrito. Precedentes. 5. O protesto do cheque dois anos após sua emissão, no caso, exsurge como meio de coação e cobrança, o que não é cabível diante da finalidade prevista em lei para o ato cambiário. Precedentes. 6. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp, 4ª Turma, DJe 19/12/2014) (grifos acrescentados). 

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM CHEQUES PRESCRITOS - EMBARGOS MONITÓRIOS PARA DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI - RECONHECIMENTO DA INEXIGIBILIDADE DOS TÍTULOS - DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL POR INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA DO STJ. INSURGÊNCIA DA AUTORA/EMBARGADA. 1. "Em ação monitória fundada em cheque prescrito, ajuizada em face do emitente, é dispensável menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula" (REsp 1094571/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 04/02/2013, DJe 14/02/2013). 2. No entanto, embora não seja exigida a prova da origem da dívida para admissibilidade da ação monitória fundada em cheque prescrito, nada impede que o emitente do título discuta, em embargos monitórios, a causa debendi. 3. No caso concreto, o Juízo de primeiro grau admitiu a ação monitória, mas julgou procedentes os embargos monitórios, por entender não demonstrada a origem da dívida. Não pode esta Corte, pois, na via estreita do recurso especial, reexaminar o conjunto fático-probatório dos autos para chegar a conclusão distinta, em razão do óbice do enunciado nº 7 da Súmula do STJ. 4. Não cabe falar em autonomia de títulos prescritos, uma vez que, com a prescrição, desaparece a abstração decorrente do princípio da autonomia e opera-se a perda da cambiariedade do título. 5. Agravo regimental desprovido (AgRg nos EDcl no REsp 1.115.609/ES, 4ª Turma, DJe 25/09/2014) (grifos acrescentados). 

DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA EMBASADA EM CHEQUE PRESCRITO. VIABILIDADE. MENÇÃO AO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. DESNECESSIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À MONITÓRIA DISCUTINDO O NEGÓCIO QUE ENSEJOU A EMISSÃO DO CHEQUE. POSSIBILIDADE. 1. O cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação, que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora. 2. Se ocorreu a prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito que, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente. Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo Diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação de cobrança fundada na relação causal. 3. No entanto, caso o portador do cheque opte pela ação monitória, como no caso em julgamento, o prazo prescricional será quinquenal, conforme disposto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil e não haverá necessidade de descrição da causa debendi. 4. Registre-se que, nesta hipótese, nada impede que o requerido oponha embargos à monitória, discutindo o negócio jurídico subjacente, inclusive a sua eventual prescrição, pois o cheque, em decorrência do lapso temporal, já não mais ostenta os caracteres cambiários inerentes ao título de crédito. 5. Recurso especial provido (REsp 926.312/SP, 4ª Turma, DJe 17/10/2011) (grifos acrescentados). 

Assim, perdendo o cheque prescrito os seus atributos cambiários, dessume-se que a ação monitória neste documento fundada admitirá a discussão do próprio fato gerador da obrigação, sendo possível a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes ou mesmo ao próprio emitente do título. 

Ressalte-se que tal entendimento vai ao encontro à jurisprudência firmada nesta Corte Superior no sentido de que, embora não seja exigida a prova da origem da dívida para a admissibilidade da ação monitória fundada em cheque prescrito (Súmula 531/STJ), nada impede que o emitente do título discuta, em embargos monitórios, a causa debendi (AgInt no AREsp 1.020.357/SP, 4ª Turma, DJe 01/06/2018; AgRg nos EDcl no REsp 1.115.609/ES, 4ª Turma, DJe 25/09/2014). 

Isso significa que, embora não seja necessário debater a origem da dívida, em ação monitória fundada em cheque prescrito, o réu pode formular defesa baseada em eventuais vícios ou na inexistência do negócio jurídico subjacente, mediante a apresentação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor – o que ocorreu na hipótese dos autos, senão veja-se o que reconhecido pela sentença: 

Os requeridos, em embargos, alegam que emitiram os cheques, ante a contratação dos serviços da empresa CRIARE, que por sua vez, não cumpriu com a sua parte (entrega dos móveis), conforme documento de fls. 24/26, que demonstra claramente que os cheques foram entregues para o preposto da mencionada empresa. Há comprovação nos autos de que os cheques efetivamente foram emitidos em favor da CRIARE, conforme documentos acima mencionados. Consta ainda que o pedido foi cancelado (fl. 27), sendo que apenas parte dos bens comprados foram entregues (fls. 38/42). Também há prova nos autos de que os requeridos procederam à sustação dos cheques, ante o descumprimento contratual (fl. 33). É certo que a empresa CRIARE, que recebeu incialmente os cheques dos requeridos, descumpriu o contrato que ensejou a emissão das cambiais. Destarte, os réus demonstraram fatos impeditivos do direito do autor, devendo este acionar àquele que efetivamente lhe deve, ou seja, a pessoa que lhe repassou os cheques (e-STJ fl. 87) (grifos acrescentados). 

Destarte, na espécie, em tendo os recorridos, no bojo dos embargos monitórios opostos, comprovado que o título de crédito objeto dos autos da ação monitória ajuizada pelo portador foi sustado pelos emitentes em decorrência do descumprimento contratual cometido pelo real devedor, deve ser mantido o acórdão recorrido. 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial interposto por RAY DOS SANTOS ARRUDA e NEGO-LHE PROVIMENTO, para manter o acórdão proferido pelo TJ/RO quanto ao acolhimento dos embargos monitórios opostos pelo recorrido e extinção da presente ação monitória. 

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado da parte recorrida em virtude da interposição deste recurso, majoro os honorários fixados anteriormente em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (e-STJ fl. 88) para 12% (doze por cento). 

Filigrana doutrinária: Exceção pessoal em Título de crédito - Luiz Emygdio Franco da Rosa Junior,

O art. 25 da LC consagra o princípio da inoponibilidade, pelo obrigado, das exceções fundadas em relações pessoais, apenas quando for demandado por terceiro de boa-fé. Este princípio visa a facilitar a circulação do título, ao proteger o terceiro adquirente de boa-fé, e resulta a autonomia das obrigações cambiárias. Por outro lado, o terceiro adquire direito originário, novo e autônomo, e não direito derivado (o mesmo direito do endossante), e, por essa razão, as relações pessoais entre os obrigados não se acumulam durante a circulação do título. Terceiro de má-fé é aquele que adquire o título conscientemente em detrimento do devedor, ou melhor, que tem conduta cambiariamente desonesta. Em outras palavras, age com má-fé o portador que adquire o cheque ciente das exceções pessoais que poderiam ser arguidas pelo devedor se o título não circulasse e, por isso, é sancionado pela lei. Em resumo, o devedor cambiário pode invocar a causa debendi quando acionado pelo credor com quem se relaciona diretamente no nexo cambiário ou por terceiro adquirente de má-fé. Não pode quando demandado por terceiro de boa-fé .

ROSA Jr., Luiz Emygdio Franco da. Títulos de crédito. 8 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 654.

18 de abril de 2021

É possível a oposição de exceção pessoal ao portador de cheque prescrito.

REsp 1.669.968-RO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019

Ação monitória. Cheque prescrito. Perda dos atributos cambiários. Possibilidade de oposição de exceção pessoal.

Enquanto títulos de crédito, os cheques são regidos, dentre outros, pelo princípio da autonomia. Desse princípio, surge o conhecido princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, consagrado pelo art. 25 da Lei do Cheque (Lei n. 7.357/1985). Entretanto, prescrito o cheque, não há mais que se falar em manutenção das suas características cambiárias, tais quais a autonomia, a independência e a abstração. Inclusive, em razão da prescrição do título de crédito, a pretensão fundar-se-á no próprio negócio subjacente, inviabilizando a propositura de ação de execução. Assim, perdendo o cheque prescrito os seus atributos cambiários, dessume-se que a ação monitória neste documento admitirá a discussão do próprio fato gerador da obrigação, sendo possível a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes ou mesmo ao próprio emitente do título. Ressalte-se que tal entendimento vai ao encontro da jurisprudência firmada nesta Corte Superior no sentido de que, embora não seja exigida a prova da origem da dívida para a admissibilidade da ação monitória fundada em cheque prescrito (Súmula 531/STJ), nada impede que o emitente do título discuta, em embargos monitórios, a causa debendi. Isso significa que, embora não seja necessário debater a origem da dívida, em ação monitória fundada em cheque prescrito, o réu pode formular defesa baseada em eventuais vícios ou na inexistência do negócio jurídico subjacente, mediante a apresentação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.