Mostrando postagens com marcador Art. 1.015 inciso II do CPC. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Art. 1.015 inciso II do CPC. Mostrar todas as postagens

15 de outubro de 2021

A decisão que deixa de homologar pedido de extinção consensual da lide retrata decisão interlocutória de mérito a admitir recorribilidade por agravo de instrumento, interposto com fulcro no art. 1.015, II, do CPC/2015

Processo

REsp 1.817.205-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 05/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Homologação de acordo extrajudicial. Indeferimento. Decisão interlocutória de mérito. Agravo de instrumento. Cabimento. Art. 1.015, II, do CPC.

DESTAQUE

A decisão que deixa de homologar pedido de extinção consensual da lide retrata decisão interlocutória de mérito a admitir recorribilidade por agravo de instrumento, interposto com fulcro no art. 1.015, II, do CPC/2015.


INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 203, conceitua sentença como "o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução" e, de modo residual, decisão interlocutória como "todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre" no conceito de sentença.

Ademais, é cediço que as regras insertas no artigo 1.015 da Lei n. 13.105/2015 (Código de Processo Civil), passaram a restringir a interposição do agravo de instrumento a um rol taxativo de hipóteses de cabimento.

De modo inovador, o novel diploma prevê as interlocutórias de mérito, qualificadas pela doutrina como o pronunciamento judicial que, sem estar nominado como sentença, resolve parcialmente o âmago na controvérsia, sem encerrar o processo, e desafia a interposição de agravo de instrumento.

Na hipótese de rejeição de ato autocompositivo das partes, o juiz proferirá decisão que versa inequivocamente sobre o mérito do processo, posto que, se o chancelar, resolve o mérito, mediante ato judicial qualificado como sentença e passível de apelação (arts. 203, §1º e 1.009 do CPC/2015).

O indeferimento do pedido de extinção consensual do conflito manifesta pronunciamento jurisdicional que encarna, em sua essência, natureza decisória, sem, no entanto, enquadrar-se como sentença. Esta é, aliás, a definição de decisão interlocutória atribuída pelo legislador.

Assim, por não extinguir o processo, admite perfeitamente a interposição de agravo de instrumento, hipótese taxativamente prevista no inciso II do art. 1.015 do Código de Processual Civil, segundo o qual cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre o mérito do processo.

 

6 de maio de 2021

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE REJEITA A ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO ARGUIDA PELO RÉU. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSIBILIDADE. CABIMENTO DO RECURSO COM BASE NO ART. 1.015, II, DO CPC/2015. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. QUESTÕES DE MÉRITO, SEJA NO ACOLHIMENTO, SEJA NA REJEIÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.738.756 - MG (2018/0102683-6) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE REJEITA A ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO ARGUIDA PELO RÉU. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSIBILIDADE. CABIMENTO DO RECURSO COM BASE NO ART. 1.015, II, DO CPC/2015. PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA. QUESTÕES DE MÉRITO, SEJA NO ACOLHIMENTO, SEJA NA REJEIÇÃO. 

1- Ação proposta em 27/10/2007. Recurso especial interposto em 26/09/2017 e atribuído à Relatora em 08/05/2018. 

2- O propósito recursal consiste em definir se a decisão interlocutória que afasta a alegação de prescrição é recorrível, de imediato, por meio de agravo de instrumento interposto com fundamento no art. 1.015, II, do CPC/2015. 

3- O CPC/2015 colocou fim às discussões que existiam no CPC/73 acerca da existência de conteúdo meritório nas decisões que afastam a alegação de prescrição e de decadência, estabelecendo o art. 487, II, do novo Código, que haverá resolução de mérito quando se decidir sobre a ocorrência da prescrição ou da decadência, o que abrange tanto o reconhecimento, quanto a rejeição da alegação. 

4- Embora a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser apreciadas somente na sentença, não há óbice para que essas questões sejam examinadas por intermédio de decisões interlocutórias, hipótese em que caberá agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, do CPC/2015, sob pena de formação de coisa julgada material sobre a questão. Precedente. 

5- Provido o recurso especial pela violação à lei federal, fica prejudicado o exame da questão sob a ótica da divergência jurisprudencial. 

6- Recurso especial conhecido e provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 19 de fevereiro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por MARCOS HENRIQUE DE PAULA PEREIRA, com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/MG que, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno interposto em face de decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento interposto pelo recorrente. 

Recurso especial interposto e m: 26/09/2017. Atribuído ao gabinete e m: 08/05/2018. 

Ação: indenizatória, ajuizada por MARIA ELIS DOS SANTOS, fundada em erro médico alegadamente causado por MARCOS HENRIQUE DE PAULA e MATERNIDADE P. P. DOUTOR EUGÊNIO GOMES DE CARVALHO. 

Decisão interlocutória: em saneamento e organização do processo, foi indeferido o pedido de inversão do ônus da prova e foi rejeitada a alegação de prescrição suscitada pelos réus (fls. 17/18, e-STJ). 

Acórdão: por unanimidade, negou provimento ao agravo interno interposto em face de decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento interposto pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO INTERNO – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO – HIPÓTESE NÃO PREVISTA NO ART. 1.015 DO CPC/2015 – ROL TAXATIVO – RECURSO NÃO PROVIDO. Não há que se falar em reforma da decisão monocrática que negou seguimento ao recurso, ante a ausência de previsão da hipótese dos autos no rol do art. 1.015 do CPC/2015, na medida em que tal rol estabelece taxativamente os casos de cabimento do agravo de instrumento. (fls. 127/132, e-STJ). 

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados, por unanimidade, com imposição de multa (fls. 151/157, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se violação aos arts. 487, II, e 1.015, II, ambos do CPC/2015, bem como dissídio jurisprudencial (fls. 160/169, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal consiste em definir se a decisão interlocutória que afasta a alegação de prescrição é recorrível, de imediato, por meio de agravo de instrumento interposto com fundamento no art. 1.015, II, do CPC/2015. 

1. DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AFASTA A ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 487, II, E 1.015, II, AMBOS DO CPC/2015. 

Afastada, por intermédio de decisão interlocutória, a alegação de prescrição suscitada em 1º grau de jurisdição, foi interposto o recurso de agravo de instrumento pelo recorrente com fundamento nos arts. 487, II, e 1.015, II, ambos do CPC/2015, que assim dispõem: 

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: II – decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; (...) Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: V – mérito do processo. 

O agravo de instrumento não foi conhecido por intermédio de decisão unipessoal do Relator ao fundamento de que o conteúdo da decisão interlocutória não se enquadrava no art. 1.015, II, do CPC/2015. A decisão foi mantida pela Câmara Julgadora por ocasião do desprovimento do agravo interno interposto pelo recorrente, assentando-se o seguinte fundamento: 

Neste sentido, não pode, de fato, a irresignação do agravante ser objeto de análise por esta Instância Recursal, eis que a decisão que rejeitou a preliminar de prescrição suscitada em contestação não encontra guarida no mencionado rol, sendo importante esclarecer apenas que tal matéria, sob nenhuma ótica, pode ser vista como julgamento do mérito da ação, não se subsumindo na hipótese prevista no inciso II do mencionado dispositivo legal, tal como pretende fazer crer o recorrente. (fls. 129/130, e-STJ). 

Em primeiro lugar, não há dúvida de que a decisão que reconhece a existência da prescrição ou da decadência, no CPC/73 e também no CPC/2015, é um pronunciamento jurisdicional de mérito. 

Seja como uma “falsa” decisão de mérito (como defende Cássio Scarpinella Bueno), seja como uma “atípica” decisão de mérito (nos ensinamentos de Teresa Arruda Alvim), seja ainda como uma “preliminar” ou “prejudicial” de mérito (como afirma Fredie Didier Jr.), fato é que houve uma indiscutível opção do legislador por qualificar as decisões que pronunciam a prescrição ou a decadência como decisões de mérito, não havendo, nesse particular, nenhuma inovação significativa da recém-aprovada legislação processual. Contudo, no que se refere à decisão que rejeita a prescrição ou a decadência, hipótese do presente recurso especial, havia divergência doutrinária em virtude do conteúdo do art. 269, IV, do CPC/73, que, literalmente, limitava a qualificação da decisão como de mérito somente à hipótese em que o juiz pronunciava a prescrição ou decadência, o que, a contrario sensu, levaria à conclusão de que a decisão que as rejeitava não seria de mérito (posição sustentada, por exemplo, por Enrico Tullio Liebman, dentre outros). 

É preciso estar atento, todavia, que a nova legislação processual modificou substancialmente os dispositivos legais que regem a prescrição, a decadência e o conceito de mérito, o que se refletirá, evidentemente, no cabimento do recurso de agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, do CPC/2015. 

A esse respeito, registre-se que o art. 487, II, do CPC/2015 (que corresponde, em parte, ao art. 269, IV, do CPC/73), não mais qualifica como de mérito apenas a decisão que pronuncia a prescrição ou decadência, mas, ao revés, afirma que haverá resolução de mérito quando o juiz “decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição”. 

O conceito de “decidir sobre a ocorrência” é claramente mais amplo do que apenas “reconhecer a existência de”, motivo pelo qual é correto afirmar que o art. 487, II, do CPC/2015, passou a abranger, indiscutivelmente, o acolhimento e também a rejeição da alegação de prescrição ou decadência, com aptidão inclusive para, em ambas as hipóteses, formar coisa julgada material sobre essas questões. 

Diante desse cenário, embora a ocorrência ou não da prescrição ou da decadência possam ser apreciadas somente por ocasião da prolação da sentença, não há vedação alguma para que essas questões sejam antecipadamente examinadas, por intermédio de decisões interlocutórias. 

A praxe forense, aliás, revela que as hipóteses de rejeição da alegação de prescrição ou de decadência ou de reconhecimento de sua ocorrência sobre parte ou sobre algum dos pedidos, na verdade, normalmente ocorrem antes da sentença, mais precisamente na decisão saneadora (como na hipótese do presente recurso especial), ocasião em que usualmente são decotadas as questões de fato e de direito relevantes da controvérsia para a subsequente fase instrutória. 

Nesse contexto, anote-se que o conteúdo do art. 1.015, caput, do CPC/2015 é suficientemente amplo - “cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre” -, de modo que, tendo sido proferida uma decisão interlocutória que diga respeito à prescrição ou à decadência (art. 487, II), o recurso de agravo de instrumento é cabível com base no inciso II do art. 1.015, pois a prescrição e a decadência são, na forma da lei, questões de mérito. 

Sublinhe-se que a doutrina já se debruçou exatamente sobre a questão debatida no presente recurso especial: 

No curso do procedimento, é possível haver decisões de mérito. O juiz pode, por exemplo, rejeitar a alegação de prescrição ou de decadência, determinando a instrução probatória. De decisões assim cabe agravo de instrumento, tal como prevê o art. 1.015, II, do CPC. O disposto no art. 1.015, II, do CPC, confirma a possibilidade de ser proferida, no processo civil brasileiro, decisão interlocutória de mérito definitiva. Se o dispositivo prevê agravo de instrumento contra decisão de mérito, está, em verdade, a admitir a existência de decisão interlocutória que trate do mérito com caráter de definitividade. Se o agravo de instrumento não for interposto, haverá coisa julgada. Não será possível impugnar a decisão interlocutória de mérito ou a decisão parcial de mérito na apelação a ser interposta da sentença que ainda será proferida. (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 15ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 252/253). (...) 

4.1. Outrossim, as decisões que rejeitarem incidentalmente questões afeitas ao mérito permitem o manejo do agravo de instrumento. Cogite-se da situação em que o juiz rejeite a alegação de prescrição em decisão interlocutória, tal provimento será atacável na via do agravo de instrumento, sob pena de ser coberto pela coisa julgada no particular. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. p. 1.072). 

Finalmente, registre-se que esta Corte, em recente julgado, posicionou-se no sentido de que “a decisão sobre prescrição e decadência é, consoante o art. 487, II, de mérito, não havendo razão para somente permitir a interposição de Agravo de Instrumento da decisão que reconhece os dois institutos” (REsp 1.695.936/MG, 2ª Turma, DJe 19/12/2017). 

Em síntese, o acórdão recorrido violou os arts. 487, II, e 1.015, II, ambos do CPC/2015. 

2. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. 

Acolhido o recurso especial pela alínea “a” do permissivo constitucional, fica prejudicado o exame da irresignação sob a ótica da divergência jurisprudencial. 

3. CONCLUSÃO 

Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, determinando o retorno do processo ao TJ/MG para que examine a alegação de existência de prescrição suscitada pelo recorrente, afastando-se, por decorrência lógica, as multas aplicadas ao recorrente pela interposição de agravo interno reputado como manifestamente inadmissível e pela oposição de embargos de declaração reputados como manifestamente protelatórios. 

Filigrana doutrinária: Cabimento de Agravo de Instrumento; Art. 1.015 inciso II do CPC e Prescrição - Fernando da Fonseca Gajardoni

 4.1. Outrossim, as decisões que rejeitarem incidentalmente questões afeitas ao mérito permitem o manejo do agravo de instrumento. Cogite-se da situação em que o juiz rejeite a alegação de prescrição em decisão interlocutória, tal provimento será atacável na via do agravo de instrumento, sob pena de ser coberto pela coisa julgada no particular. 

GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. p. 1.072. 

Filigrana doutrinária: Cabimento de Agravo de Instrumento; Art. 1.015 inciso II do CPC - Fredie Didier

No curso do procedimento, é possível haver decisões de mérito. O juiz pode, por exemplo, rejeitar a alegação de prescrição ou de decadência, determinando a instrução probatória. De decisões assim cabe agravo de instrumento, tal como prevê o art. 1.015, II, do CPC. O disposto no art. 1.015, II, do CPC, confirma a possibilidade de ser proferida, no processo civil brasileiro, decisão interlocutória de mérito definitiva. Se o dispositivo prevê agravo de instrumento contra decisão de mérito, está, em verdade, a admitir a existência de decisão interlocutória que trate do mérito com caráter de definitividade. Se o agravo de instrumento não for interposto, haverá coisa julgada. Não será possível impugnar a decisão interlocutória de mérito ou a decisão parcial de mérito na apelação a ser interposta da sentença que ainda será proferida. 

DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 15ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 252/253.  

5 de maio de 2021

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE MÉRITO. NECESSIDADE DE EXAME DOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM O PEDIDO E DA POSSIBILIDADE DE DECOMPOSIÇÃO DO PEDIDO. ASPECTOS DE MÉRITO DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CONDIÇÃO DA AÇÃO AO TEMPO DO CPC/73. SUPERAÇÃO LEGAL. ASPECTO DO MÉRITO APÓS O CPC/15. RECORRIBILIDADE IMEDIATA DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AFASTA A ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ADMISSIBILIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.757.123 - SP (2018/0190866-9) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE EXIGIR CONTAS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE MÉRITO. NECESSIDADE DE EXAME DOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM O PEDIDO E DA POSSIBILIDADE DE DECOMPOSIÇÃO DO PEDIDO. ASPECTOS DE MÉRITO DO PROCESSO. ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. CONDIÇÃO DA AÇÃO AO TEMPO DO CPC/73. SUPERAÇÃO LEGAL. ASPECTO DO MÉRITO APÓS O CPC/15. RECORRIBILIDADE IMEDIATA DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AFASTA A ALEGAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ADMISSIBILIDADE. ART. 1.015, II, CPC/15. 

1- Ação proposta em 03/04/2017. Recurso especial interposto em 23/02/2018 e atribuído à Relatora em 16/08/2018. 

2- O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, II, do CPC/15, contra a decisão interlocutória que afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido. 

3- Ao admitir expressamente a possibilidade de decisões parciais de mérito quando uma parcela de um pedido suscetível de decomposição puder ser solucionada antecipadamente, o CPC/15 passou a exigir o exame detalhado dos elementos que compõem o pedido, especialmente em virtude da possibilidade de impugnação imediata por agravo de instrumento da decisão interlocutória que versar sobre mérito do processo (art. 1.015, II, CPC/15). 

4- Para o adequado exame do conteúdo do pedido, não basta apenas que se investigue a questão sob a ótica da relação jurídica de direito material subjacente e que ampara o bem da vida buscado em juízo, mas, ao revés, também é necessário o exame de outros aspectos relacionados ao mérito, como, por exemplo, os aspectos temporais que permitem identificar a ocorrência de prescrição ou decadência e, ainda, os termos inicial e final da relação jurídica de direito material. Precedentes. 

5- O enquadramento da possibilidade jurídica do pedido, na vigência do CPC/73, na categoria das condições da ação, sempre foi objeto de severas críticas da doutrina brasileira, que reconhecia o fenômeno como um aspecto do mérito do processo, tendo sido esse o entendimento adotado pelo CPC/15, conforme se depreende de sua exposição de motivos e dos dispositivos legais que atualmente versam sobre os requisitos de admissibilidade da ação. 

6- A possibilidade jurídica do pedido após o CPC/15, pois, compõe uma parcela do mérito em discussão no processo, suscetível de decomposição e que pode ser examinada em separado dos demais fragmentos que o compõem, de modo que a decisão interlocutória que versar sobre essa matéria, seja para acolher a alegação, seja também para afastá-la, poderá ser objeto de impugnação imediata por agravo de instrumento com base no art. 1.015, II, CPC/15. 

7- Recurso especial conhecido e provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). MARIANA CUNHA GLIORIO GOZZANO, pela parte RECORRENTE: OLAVO GLIORIO GOZZANO E ADVOGADOS ASSOCIADOS e Outro. 

Brasília (DF), 13 de agosto de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por OLAVO GLIORIO GOZZANO E ADVOGADOS ASSOCIADOS e OLAVO GLIORIO GOZZANO, com base na alínea “a” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/SP que, por unanimidade, não conheceu do agravo de instrumento interposto pelos recorrentes. 

Recurso especial interposto em: 23/02/2018. Atribuído ao gabinete e m: 16/08/2018. 

Ação: de exigir contas ajuizada por RENATA CRISTINA OREFICE, recorrida, em face dos recorrentes. 

Decisão interlocutória: afastou a preliminar, arguida pelos recorrentes, de impossibilidade jurídica do pedido, “pois na inicial a autora relatou os fatos e especificou os motivos que a levaram a exigir contas” (fl. 19, e-STJ). 

Acórdão: por unanimidade, não conheceu do agravo de instrumento interposto pelos recorrentes, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE EXIGIR CONTAS – MANDATO – DECISÃO QUE NÃO ACOLHEU AS ALEGAÇÕES DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO, INTERESSE DE AGIR E INÉPCIA DA INICIAL – MATÉRIAS QUE NÃO SE ENQUADRAM NO ROL TAXATIVO DO ARTIGO 1.015 DO NOVO CPC – RECURSO DE QUE NÃO SE CONHECE. (fls. 1.468/1.470, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se violação ao art. 1.015, II, do CPC/2015, ao fundamento de que a decisão que não acolhe a arguição de impossibilidade jurídica do pedido passou, a partir da nova legislação processual, a ser considerada como uma decisão que diz respeito ao mérito do processo (fls. 1.473/1.492, e-STJ). 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal é definir se cabe agravo de instrumento, com base no art. 1.015, II, do CPC/15, contra a decisão interlocutória que afasta a arguição de impossibilidade jurídica do pedido. 

1. DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE AFASTA A ARGUIÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.015, II, DO CPC/15. 

Inicialmente, lembre-se que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento dos recursos especiais representativos da controvérsia nº 1.696.396/MT e 1.704.520/MT, ambos com acórdãos publicados no DJe de 19/12/2018, pronunciou-se expressamente pela impossibilidade de uso da interpretação extensiva e da analogia para alargar as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento. 

No ponto, aliás, anote-se ter havido unanimidade da Corte Especial, na medida em que os e. Ministros que foram contrários à tese vencedora – taxatividade mitigada – filiaram-se ao entendimento de que o rol do art. 1.015 do CPC/15 era de taxatividade irrestrita, negando, consequentemente, a possibilidade de interpretação extensiva ou de uso da analogia. 

A tese veiculada neste recurso especial, contudo, não está fundada na extensão ou na analogia, mas, sim, na abrangência e no exato conteúdo do art. 1.015, II, do CPC/15, merecendo trânsito o recurso, pois, sob esse enfoque. 

Estabelecida essa premissa, anote-se que o conceito de decisão interlocutória que versa sobre “mérito do processo” é composto por conceito jurídico indeterminado que, sobretudo após a entrada em vigor do CPC/15, precisa ser objeto profundas e renovadas reflexões, notadamente, em primeiro lugar, porque a nova legislação processual civil incorpora ao direito positivo, de modo expresso, a possibilidade de serem proferidas decisões parciais de mérito. 

Como se assentou em recente precedente desta 3ª Turma, o CPC/15 “passou a reconhecer, expressamente, o fenômeno segundo o qual pedidos ou parcelas de pedidos podem amadurecer em momentos processuais distintos, seja em razão de inexistir controvérsia sobre a questão, seja em virtude da desnecessidade de dilação probatória para resolução daquela matéria”, a fim de que “que tais questões possam ser solucionadas antecipadamente, por intermédio de uma decisão parcial de mérito com aptidão para a formação de coisa julgada material”. (REsp 1.798.975/SP, 3ª Turma, DJe 04/04/2019). No mesmo sentido: REsp 1.702.725/RJ, 3ª Turma, DJe 28/06/2019. 

Assim, é correto afirmar que algum dos pedidos cumulados ou parcela do pedido único suscetível de decomposição podem ser solucionados antecipadamente por intermédio de uma decisão parcial de mérito, como, aliás, leciona-se na melhor doutrina: 

2. Situações em que ocorre cumulação própria e simples de pedidos e formulação de pedido único decomponível. O NCPC não deixa mais qualquer dúvida, estabelecendo de forma clara a possibilidade de fracionamento do mérito ou, em outras palavras, de que a resolução do mérito possa ocorrer não só em sentença, ao final da fase cognitiva do procedimento comum, mas também no curso do processo. O desmembramento do julgamento de mérito em pronunciamentos distintos pressupõe que haja cumulação própria e simples de pedidos, que é aquela em que o autor formula mais de um pedido, no mesmo processo, esperando que todos sejam acolhidos simultaneamente (art. 327). Nessa espécie de cumulação, inexiste dependência lógica entre os pedidos, de maneira que é possível, por exemplo, que o réu reconheceu a procedência jurídica de um deles e impugne os demais. A fragmentação do julgamento de mérito pode ocorrer, ainda, quando há formulação de um único pedido, que permite ser decomposto. (ARRUDA ALVIM, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 687/688). (...) 

3. Fracionamento do mérito pode se referir a alguns pedidos ou parcela deles. O juiz decidirá de forma parcial o mérito quando alguns dos pedidos formulados (na demanda originária ou na reconvencional) se enquadrar nas hipóteses indicadas nos incisos do texto legal em destaque. O importante é que os pedidos em condições de imediato julgamento sejam independentes dos demais, não podendo haver, por exemplo, cumulação sucessiva de pedidos, sendo aquele que ainda depende de outras provas pressuposto lógico para o acolhimento do outro pedido, que já estaria em condições de ser apreciado. Assim, por exemplo, se o autor deduziu pedidos de indenização por danos morais e materiais, mas se apenas o primeiro está em condições de imediato julgamento, o juiz decidirá conclusivamente o pleito relativa aos danos morais, determinando o prosseguimento do processo quanto à indenização por danos materiais, para que outras provas sejam produzidas. 3.1. O fatiamento pode se dar dentro de um mesmo pedido. Assim, por exemplo, em ação de cobrança em que se postula o pagamento de cem mil reais, se o réu admite ser devido o valor de cinquenta mil reais, esse montante se torna incontroverso e poderá o juiz apreciar conclusivamente essa parcela, prosseguindo o processo para a fase instrutória, relativamente à diferença controvertida. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016. p. 163). 

Para melhor compreensão do fenômeno da possibilidade de decomposição do pedido em fragmentos, é preciso destacar que o pedido é inicialmente cindível em imediato e mediato. Como destaca Carlos Eduardo Stefen Elias: 

O pedido imediato corresponde ao tipo de providência solicitada (classicamente, no processo de conhecimento: declaração, constituição ou condenação do réu), o que determinará a natureza do processo e a forma do procedimento; enquanto o pedido mediato carreia o comportamento ou, conforme termo utilizado correntemente na doutrina, o “bem da vida” pleiteado pelo autor. (ELIAS, Carlos Eduardo Stefen. As reformas processuais e o princípio da congruência entre sentença e pedido in Revista de Processo: RePro, vol. 33, nº 158, São Paulo: Revista dos Tribunais, abr. 2008, p. 46/47). 

Daí porque, conforme lecionam Olavo de Oliveira Neto e Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira, “O objeto da ação, que entre nos tomou a denominação de pedido, nada mais é do que aquilo que o autor pretende obter ao ingressar com sua demanda em juízo, seja no tocante ao tipo de provimento jurisdicional que requer do Estado, seja no tocante ao bem da vida que requer do sujeito passivo da ação. É o próprio mérito da ação”. (OLIVEIRA NETO, Olavo de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. A necessidade de pedido específico na ação de indenização por dano moral in Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo: RIASP, v. 12, nº 23, jan./jun. 2009. p. 254). 

Para o adequado exame do pedido, não basta apenas que se investigue a questão sob a ótica da relação jurídica de direito material subjacente e que ampara o bem da vida buscado em juízo, mas, ao revés, também é necessário o exame de outros aspectos relacionados ao mérito. 

Nesse contexto, merece destaque o exame de aspectos temporais do pedido, como, por exemplo, se ele foi deduzido em tempo hábil para que se possa, ato contínuo, enfrentar o mérito sob a específica perspectiva da relação de direito material. 

Não é por outro motivo que esta Corte consolidou o entendimento de que as decisões interlocutórias sobre prescrição e decadência (art. 487, II, do CPC/15), por dizerem respeito a um aspecto temporal do pedido, versam sobre o mérito e, assim, são agraváveis com base no art. 1.015, II, do CPC/15. A esse respeito: REsp 1.738.756/MG, 3ª Turma, DJe 22/02/2019; REsp 1.695.936/MG, 2ª Turma, DJe 19/12/2017; REsp 1.778.237/RS, 4ª Turma, DJe 28/03/2019 e REsp 1.772.839/SP, 4ª Turma, DJe 23/05/2019. 

O aspecto da temporalidade do pedido pode ser visto ainda sob outros e diferentes enfoques, como nas hipóteses em que a resolução da controvérsia pressupõe a definição da data inicial e da data final da relação jurídica de direito material. É um aspecto temporal do pedido (e, consequentemente, do mérito) dizer, por exemplo, em ação em que se pretenda a partilha de bens, qual o termo inicial e o termo final da relação havida entre os cônjuges ou conviventes (REsp 1.798.795/SP, 3ª Turma, DJe 04/04/2019). 

É nesse contexto, pois, que deve ser examinado o correto enquadramento da possibilidade jurídica do pedido após a entrada em vigor da nova legislação processual e, consequentemente, a eventual recorribilidade imediata da decisão interlocutória que versa sobre o tema, a teor do art. 1.015, II, do CPC/15. 

Como é cediço, a inserção, no CPC/73, da possibilidade jurídica do pedido na categoria das condições da ação decorre da adoção, por Alfredo Buzaid, da teoria eclética da ação desenvolvida por Enrico Tullio Liebman e que se fundava, essencialmente, em apenas uma situação exemplificativa: o ajuizamento da ação de divórcio, ao tempo proibido na Itália. 

Ocorre que, como detalhadamente noticia a doutrina, Liebman, já na terceira edição de seu clássico Manual de Direito Processual Civil (publicado no ano em que foi aprovado o CPC/73), abandonou a possibilidade jurídica do pedido como uma terceira condição da ação, o que se deve, justamente, ao fato de ter sido aprovada a Lei nº 898 de 1970, que passou a permitir o divórcio na Itália, fazendo com que, na doutrina de Liebman, a possibilidade jurídica do pedido passasse a ser classificada, a partir daquele momento, conjuntamente com o interesse de agir. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1. 11ª edição. Bahia: JusPodivm, 2009. p. 201). 

Conclui-se, assim, que a possibilidade jurídica do pedido como terceira condição da ação foi obra exclusiva do legislador do CPC/73 (que decorria, em especial, do art. 267, VI) e que sofreu, desde a sua entrada em vigor, contundentes críticas da doutrina que, àquela época, já qualificava a possibilidade jurídica do pedido como uma questão de mérito. 

Nesse sentido, confira-se a precisa lição de Ovídio Araújo Baptista da Silva, Luiz Melíbio Uiraçaba Machado, Ruy Armando Gessinger e Fábio Luiz Gomes: 

Quanto à possibilidade jurídica do pedido, a lição de Calmon de Passos é insuperável. Demonstra ele que não há qualquer distinção entre a impossibilidade da tutela em abstrato e a pretendida no caso concreto, citando como exemplo uma ação de usucapião em que o autor declinasse na inicial estar na posse de determinado imóvel há oito anos com “animus” de dono, requerendo a final que o juiz lhe declarasse proprietário; obviamente, pela sistemática do Código seria julgado “carecedor da ação” ante a ausência de previsão legal para o atendimento do pedido; por igual não se poderia falar em julgamento de mérito. Contudo, segue Calmon, se este mesmo autor houvesse ingressado com a ação alegando possuir a área há mais de dez anos e invocasse o art. 156, §3º (da Constituição Federal de 1946), estaria presente a referida “condição” da ação, ainda que durante a instrução do feito viesse a ficar comprovada a posse só de oito anos; mas neste caso não haveria “carência” de ação e sim julgamento de improcedência, ainda que resultante da impossibilidade de aplicar a vontade da lei. Qual a diferença entre as duas decisões, pergunta Calmon; ao que responde: Nenhuma, rigorosamente nenhuma. (SILVA, Ovídio Araújo Baptista da; MACHADO, Luiz Melíbio Uiraçaba; GESSINGER, Ruy Armando; GOMES, Fábio Luiz. Teoria geral do processo civil. Porto Alegre: Letras Jurídicas, 1983. p. 122). 

É sintomático, pois, que o CPC/15 não tenha reproduzido a possibilidade jurídica do pedido no atual art. 485, VI (que corresponde ao revogado art. 267, VI, do CPC/73), limitando-se a dizer, agora, que o juiz não resolverá o mérito somente quando “verificar ausência de legitimidade ou de interesse processual”.

Nesse sentido, anote-se que a requalificação da possibilidade jurídica do pedido, de uma condição da ação para uma questão de mérito, consta expressamente da Exposição de Motivos do CPC/15: 

Com o objetivo de se dar maior rendimento a cada processo, individualmente considerado, e atendendo a críticas tradicionais da doutrina, deixou, a possibilidade jurídica do pedido, de ser condição da ação. A sentença que, à luz da lei revogada seria de carência da ação, à luz do Novo CPC é de improcedência e resolve definitivamente a controvérsia. 

No âmbito doutrinário, ensinam José Maria Rosa Tesheiner e Rennan Faria Krüger Thamay que “certo é que desapareceu a “possibilidade jurídica do pedido” como condição da ação, e com razão, porque a doutrina veio a concluir que ela não era senão uma hipótese de improcedência manifesta, tratando-se, pois, de questão de mérito”. (TESHEINER, José Maria Rosa; THAMAY, Rennan Faria Krüger. Condições da ação no novo CPC in Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 12, nº 68, set./out. 2015, p. 18). 

Ainda nesse sentido, o tema foi amplamente abordado por Adroaldo Furtado Fabrício, que assim leciona: 

Antes de qualquer outra dúvida suscitada pela possibilidade jurídica da demanda, uma primeira sempre inquietou a doutrina: seria mesmo logicamente possível apartar do mérito essa questão? Ainda antes: faria sentido, a respeito de qualquer objeto, indagar se ele é possível ou não, para só depois dirimir a questão de como ele é e o que é? E, sobretudo, seria razoável afirmar-se que, quando se diz que a coisa não pode ser, continua viva a questão de apurar se ela é? Algo assim como, em debate sobre haver o homem posto o pé na Lua, perguntar-se previamente, e sem responder àquela outra questão, se esse feito era ou não possível. Ora, se ele foi, era possível; se não foi, toda indagação sobre ser ou não possível cai no vazio da mais absoluta inutilidade. O impossível é aquilo que não se fez. A imprestabilidade do conceito é patente. Concluindo-se que sim, o pedido é compatível com o sistema, mas não se afirma desde logo sua procedência, ter-se-á um fútil exercício acadêmico, a brigar com o escopo prático do processo. Se a conclusão é negativa, frustram-se o esforço e o passivo processual já acumulado e tudo retorna à estaca zero, permanecendo aberta a porta à mesma demanda. Em um e outro caso, nada se ganhou ou progrediu; ao contrário, perde-se o que já se haja feito e retorna-se à situação existente antes da formação do processo. Argumentar-se que o exame prévio da possibilidade economizaria dispêndios talvez necessários à outra resposta seria inconclusivo: há todo um juízo de admissibilidade, com abrangência muito maior, a ser exercitado. A verificação prévia da razoabilidade da postulação (não apenas jurídica), permitindo o eventual indeferimento liminar, assim como as muitas hipóteses de julgamento sem resolução do mérito, asseguram ao julgador amplo instrumental de filtragem das demandas inviáveis. Não há razão para destacar-se desse conjunto o requisito em menção. Por que não, por exemplo, a impossibilidade material, física, que também se pode expor prima facie? É arbitrário o critério que erige em condição de existência (ou mesmo de regular exercício) da ação (como direito, faculdade) um requisito de sua procedência, vale dizer, do acolhimento à pretensão. O brilhante alvitre de restringir-se a verificação dessa condição ao pedido imediato (de prestação jurisdicional) não soluciona o impasse. Por certo, parcela considerável das objeções que oponho ao conceito resultaria afastada. Mas, de outra banda, esse mesmo conceito, assim desfigurado, já não corresponderia ao laboriosamente construído pela doutrina anterior e, o que é mais grave, o descaracterizaria como requisito ao qual se pretende subordinar o conceito de ação. À parte essas considerações, não há como sustentar-se que a decisão declaratória da impossibilidade jurídica seja estranha ao meritum causae – salvo, talvez, na modalidade atenuada que só contempla a inviabilidade da pretensão processual. Essa negativa envolve necessariamente a afirmação de que o autor não tem razão. Mais enfaticamente até do que ocorre na sentença de improcedência, que declara a inexistência em concreto do direito subjetivo invocado pelo autor: responde-lhe o juiz que esse pedido não se poderia atender em qualquer caso ou circunstância, porque contrário ao próprio sistema. Qualquer que seja o momento processual, e sem importar a extensão e natureza do material com que trabalhou o julgador, o resultado final é de improcedência da demanda porque estabelecido o convencimento judicial da sem-razão do autor. O ser impossível o objeto da postulação é apenas um dos motivos pelos quais ela pode ser repelida. Se dizemos ser impossível o homem ir à Lua, já fica dito que o homem não foi à Lua. Por outro lado, se afirmada a possibilidade jurídica, sem avaliar-se ainda a procedência, nada de útil se terá adiantado. Apenas estaria excluído um dos motivos possíveis de improcedência, em exercício estéril de raciocínio. Em regra, aliás, os juízes, sabiamente, não costumam entregar-se a esse onanismo intelectual: se não é caso de improcedência prima facie da demanda (entre cujos fundamentos cogitáveis está a impossibilidade), com evidência então já suficiente, remetem o exame da matéria à sentença final de mérito – sua sede natural (FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. O interesse de agir como pressuposto processual in Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 20, nº 1, jan./abr. 2018, p. 174/176). 

Finalmente, este também foi o entendimento desta Corte em recente precedente, no qual se consignou: 

“De se notar, ainda, que a terceira das tradicionais condições da ação, a possibilidade jurídica do pedido, deixou de ser prevista como requisito de admissibilidade da demanda, o que denota o acolhimento pelo legislador da corrente doutrinária que há muito contestava a possibilidade jurídica do pedido como categoria válida, pois que na verdade se trataria de matéria de mérito (posição que posteriormente chegou mesmo a ser adotada por Liebman). Com efeito, verifica-se que, no novo CPC, a possibilidade jurídica do pedido passou a integrar o mérito da causa”. (AR 3.667/DF, 1ª Seção, DJe 23/05/2016). 

A conclusão, pois, é de que a possibilidade jurídica do pedido compõe uma parcela do mérito em discussão no processo, suscetível de decomposição e que pode ser examinada em separado dos demais fragmentos que o compõem, razão pela qual a decisão interlocutória que versar sobre esse tema, seja para acolher a alegação, seja também para afastá-la, em verdade, versará sobre uma parte do mérito que se cristalizará após o julgamento. 

Na hipótese, a decisão interlocutória proferida em 1º grau de jurisdição afastou a alegada impossibilidade jurídica do pedido, qualificando-a ainda como preliminar, ao fundamento de que “na inicial a autora relatou os fatos e especificou os motivos que a levaram a exigir contas”. (fl. 19, e-STJ). 

O acórdão recorrido, por sua vez, não conheceu do agravo de instrumento interposto ao fundamento de que a preliminar de arguição de impossibilidade jurídica do pedido não se amoldaria às hipóteses de cabimento do referido recurso (fls. 1.468/1.470, e-STJ). 

Ocorre que, conforme amplamente exposto nas razões de decidir acima delineadas, a possibilidade jurídica do pedido, além de não ser mais uma condição da ação a ser examinada em caráter preliminar (como era no CPC/73 por expressa disposição legal), trata-se de parte da questão de mérito discutida no processo, pouco importando, a esse respeito, que se trate de situação não capitulada especificamente como hipótese de julgamento liminar de improcedência do pedido (art. 332 do CPC/15), sobretudo porque a questão pode não ser aferível ictu oculi, mas, ao revés, demandar a instauração de regular contraditório. 

Em síntese, por qualquer ângulo que se examine a questão em debate, conclui-se que o acórdão recorrido violou o art. 1.015, II, do CPC/15. 

2. CONCLUSÕES. 

Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, determinando o retorno do processo ao TJ/SP para que, afastado o óbice do cabimento, examine a alegação de que o pedido seria juridicamente impossível. 

24 de abril de 2021

Não cabe agravo de instrumento contra a decisão que nega o pedido para que ocorra o julgamento antecipado parcial do mérito

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2019/10/nao-cabe-agravo-de-instrumento-contra.html


Julgamento parcial antecipado do mérito
Caso sejam formulados dois ou mais pedidos, o juiz pode constar o seguinte:
• para eu decidir o pedido 1 (ex: danos emergentes) não é necessária a produção de outras provas (os documentos já são suficientes);
• para eu decidir o pedido 2 (ex: lucros cessantes) é indispensável a realização de outras provas (ex: perícia).
Diante desse cenário, o CPC/2015 autoriza que o magistrado faça o julgamento parcial antecipado do mérito, ou seja, que ele decida desde logo o pedido que estiver em condições de imediato julgamento e continue o processo somente quanto ao outro pedido que necessita de mais provas.
Essa possibilidade está prevista no art. 356 do CPC/2015:
Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:
I - mostrar-se incontroverso;
II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

A decisão que julga parcialmente o mérito, nos termos do art. 356, é classificada como decisão interlocutória ou sentença? Qual é o recurso cabível que pode ser interposto pela parte prejudicada?
Decisão interlocutória. Trata-se de uma decisão interlocutória de mérito.
A decisão proferida com base no art. 356 é impugnável por agravo de instrumento:
Art. 356 (...)
§ 5º A decisão proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento.

No mesmo sentido é o art. 1.015, II, do CPC:
Art. 1.015.  Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
(...)
II - mérito do processo;

Imagine agora a seguinte situação hipotética:
João ajuizou ação de rescisão contratual c/c indenização por danos materiais contra o Banco Itaú.
O autor pediu que uma parte do seu pedido fosse julgada antecipadamente porque não dependeria da produção outras provas, sendo suficiente a prova documental juntada aos autos. Em outras palavras, ele pediu o julgamento antecipado parcial do mérito.
O pedido foi baseado no art. 356, II c/c art. 355, I, do CPC/2015:
Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:
(...)
II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:
I - não houver necessidade de produção de outras provas;

O réu, contudo, pediu a produção de provas testemunhal e pericial.
O juiz da causa fixou o ponto controvertido da lide e deferiu a produção de provas testemunhal e pericial, negando o pedido do autor de julgamento antecipado do mérito por entender que a matéria não é unicamente de direito e que depende da produção de prova.
O autor interpôs agravo de instrumento contra essa decisão do magistrado. O recorrente afirmou que caberia agravo de instrumento neste caso com base no art. 356, § 5º do CPC.

O recurso foi conhecido? Cabe agravo de instrumento neste caso?
NÃO.
Não é cabível agravo de instrumento contra decisão que indefere pedido de julgamento antecipado do mérito por haver necessidade de dilação probatória.
STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1.411.485-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 01/07/2019 (Info 653).

Para que caiba agravo de instrumento com base no art. 356, § 5º do CPC, é necessário que o juiz tenha proferido decisão parcial de mérito.
Assim, o § 5º sóse aplica se o juiz proferiu decisão julgando antecipadamente parte do mérito.
Decidir o mérito significa acolher ou rejeitar, no todo ou em parte, o pedido deduzido na ação ou na reconvenção (art. 487, I, do CPC).
No caso concreto, o juiz não decidiu o mérito, mas apenas afirmou que era necessária dilação probatória, deferindo as provas testemunhal e pericial, decisão que não se enquadra no art. 365, § 5º assim como em nenhuma das hipóteses do art. 1.015 do CPC (que trata sobre o cabimento do agravo de instrumento).
Portanto, não confunda:
• decisão que julga antecipadamente, em parte, o mérito: cabe agravo de instrumento.


• decisão que afirma que não é o caso de julgamento antecipado do mérito: não cabe agravo de instrumento.