RECURSO ESPECIAL Nº 1.848.993 - SP (2019/0343405-3)
RELATOR : MINISTRO GURGEL DE FARIA
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO FISCAL.
SUCESSÃO EMPRESARIAL, POR INCORPORAÇÃO.
OCORRÊNCIA ANTES DO LANÇAMENTO, SEM PRÉVIA
COMUNICAÇÃO AO FISCO. REDIRECIONAMENTO.
POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA CDA.
DESNECESSIDADE.
1. A interpretação conjunta dos arts. 1.118 do Código Civil e 123 do
CTN revela que o negócio jurídico que culmina na extinção na pessoa
jurídica por incorporação empresarial somente surte seus efeitos na
esfera tributária depois de essa operação ser pessoalmente comunicada
ao fisco, pois somente a partir de então é que Administração Tributária
saberá da modificação do sujeito passivo e poderá realizar os novos
lançamentos em nome da empresa incorporadora (art. 121 do CTN) e
cobrar dela, na condição de sucessora, os créditos já constituídos (art.
132 do CTN).
2. Se a incorporação não foi oportunamente informada, é de se
considerar válido o lançamento realizado em face da contribuinte original
que veio a ser incorporada, não havendo a necessidade de modificação
desse ato administrativo para fazer constar o nome da empresa
incorporadora, sob pena de permitir que esta última se beneficie de sua
própria omissão.
3. Por outro lado, se ocorrer a comunicação da sucessão empresarial ao
fisco antes do surgimento do fato gerador, é de se reconhecer a nulidade
do lançamento equivocadamente realizado em nome da empresa extinta
(incorporada) e, por conseguinte, a impossibilidade de modificação do
sujeito passivo diretamente no âmbito da execução fiscal, sendo vedada
a substituição da CDA para esse propósito, consoante posição já
sedimentada na Súmula 392 do STJ.
4. Na incorporação empresarial, a sucessora assume todo o passivo
tributário da empresa sucedida, respondendo em nome próprio pela
quitação dos créditos validamente constituídos contra a então
contribuinte (arts. 1.116 do Código Civil e 132 do CTN).
5. Cuidando de imposição legal de automática responsabilidade, que não está relacionada com o surgimento da obrigação, mas com o seu
inadimplemento, a empresa sucessora poderá ser acionada
independentemente de qualquer outra diligência por parte da Fazenda
credora, não havendo necessidade de substituição ou emenda da CDA
para que ocorra o imediato redirecionamento da execução fiscal.
Precedentes.
6. Para os fins do art. 1.036 do CPC, firma-se a seguinte tese: "A
execução fiscal pode ser redirecionada em desfavor da empresa
sucessora para cobrança de crédito tributário relativo a fato gerador
ocorrido posteriormente à incorporação empresarial e ainda lançado em
nome da sucedida, sem a necessidade de modificação da Certidão de
Dívida Ativa, quando verificado que esse negócio jurídico não foi
informado oportunamente ao fisco."
7. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os
Srs. Ministros Francisco Falcão, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes,
Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães, Sérgio Kukina e Regina Helena Costa votaram
com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 26 de agosto de 2020 (Data do julgamento).
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto pelo MUNICÍPIO DE SÃO
PAULO, com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado (e-STJ fl. 150):
EXECUÇÃO FISCAL – EXTINÇÃO – Taxa de fiscalização de estabelecimentos – Exercício de 2009 – Município de São Paulo – Ajuizamento em face de pessoa
jurídica incorporada em 2008 – Ausência dos pressupostos de regular
constituição e desenvolvimento do processo e de legitimidade passiva – Art.
485, incisos IV e VI do NCPC – Alteração no polo passivo – Impossibilidade – Substituição da CDA admissível somente nas hipóteses de erro material ou
formal – Súmula nº 392 do STJ – Apelação não provida.
Nas razões do especial (e-STJ fls. 158/170), o recorrente, apontando
divergência jurisprudencial e violação do art. 227 da Lei n. 6.404/1976, do art. 1.116 do Código
Civil e do art. 132 do Código Tributário Nacional, sustenta, em síntese, que é cabível o
redirecionamento da execução fiscal em desfavor da empresa que incorporou a devedora e não
informou oportunamente essa operação à Administração Tributária, visto que responde por todos
os débitos da sucedida, não sendo o caso de aplicação da Súmula 392 do STJ, pois essa
substituição no polo passivo não importa em modificação do lançamento realizado com base nos
dados então disponibilizados ao fisco.
Após a apresentação de contrarrazões (e-STJ fls. 180/191), o Tribunal
de origem admitiu o apelo nobre (e-STJ fls. 208/210), determinando a subida dos autos para esta
Corte Superior.
O Presidente da Comissão Gestora de Precedentes, Ministro Paulo de
Tarso Sanseverino, qualificou o presente recurso especial como representativo de controvérsia
(e-STJ fls. 218/220).
O Ministério Público Federal manifestou-se pela admissão do recurso
como representativo de controvérsia (e-STJ fls. 223/229).
Por meio de petição e documentos juntados às e-STJ fls. 231/271, a
empresa recorrida, CLARO S.A., aduz que tem em seu favor decisão judicial transitada em
julgado, proferida em sede de mandado de segurança, a qual a dispensa do pagamento do tributo
exigido na execução em comento (Taxa de Fiscalização de Estabelecimento), decisum que,
segundo ela, também aproveitaria à empresa incorporada (Vésper).
Na sequência, o Ministro Presidente da Comissão Gestora de
Precedentes do STJ, ratificando a sua compreensão de que este recurso está qualificado como
candidato à afetação pela sistema dos repetitivos, determinou a distribuição do feito (e-STJ fls.
274/276).
A recorrida ainda apresentou nova petição para se opôr à referida
afetação (e-STJ fls. 281/321), reiterando as alegações já deduzidas na petição de e-STJ fls.
231/271.
Em julgamento datado de 07/04/2020, a Primeira Seção afetou o
presente apelo nobre à sistemática dos repetitivos para o fim de solucionar a controvérsia assim
delimitada: "definir se, em casos de sucessão empresarial por incorporação não oportunamente
informada ao fisco, a execução fiscal de créditos tributários pode ser redirecionada à sociedade
incorporadora, sem necessidade de alteração da certidão de dívida ativa" (e-STJ fls. 327/332),
que veio a ser identificada como Tema n. 1.049 do STJ.
Em nova manifestação, agora em relação à referida questão de direito, o
Ministério Público Federal opina que, "em casos de sucessão empresarial por incorporação não
oportunamente informada ao fisco, a execução fiscal de créditos tributários possa, sim, ser
redirecionada à sociedade incorporadora mediante mera retificação da CDA já existente
(dispensando-se, neste caso, a sua substituição por motivo de nulidade insanável)", concluindo
que, no presente caso, o recurso especial fazendário deve ser parcialmente provido, com a
determinação de devolução do processo ao Tribunal de origem, para que, considerando a aludida
diretriz interpretativa, "aprecie a existência de oportuna comunicação da incorporação ao ente
municipal, a fim de se analisar a validade da presente CDA" (e-STJ fls. 336/344).
Por meio de decisão proferida em 23/08/2020, deferi o pedido do
ESTADO DE SÃO PAULO de ingresso no feito, na condição de amicus curiae. Em sua
petição (e-STJ fls. 347/359), a Fazenda estadual alega, preliminarmente, "a inutilidade de
afetação do tema para julgamento sob a forma dos recursos repetitivos, na medida em que esta
e. Primeira Seção, recentemente, assentou seu entendimento sobre a matéria nos autos dos
EREsp 1.695.790/SP". Quanto ao mérito, sustenta a inaplicabilidade do entendimento
sedimentado na Súmula 392 do STJ em relação aos pedidos de redirecionamento da execução
fiscal em face de incorporação empresarial, "tendo em vista que o patrimônio da empresa
incorporada se confunde com o patrimônio da incorporadora", e, subsidiariamente, a possibilidade
de tal redirecionamento quando a incorporação não for cientificada ao fisco.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO GURGEL DE FARIA (Relator):
O recurso especial se origina de execução fiscal ajuizada em 05/05/2015
pelo MUNICÍPIO DE SÃO PAULO em desfavor da empresa VÉSPER, em que se cobra a
Taxa de Fiscalização de Estabelecimento do exercício de 2009, AII n. 2068783-4 (e-STJ fls. 1/2).
No curso do processo, a empresa CLARO S.A., ora recorrida,
informando que a empresa originalmente apontada como devedora, VÉSPER, foi inicialmente
incorporada pela EMBRATEL S.A., no ano de 2003, e, posteriormente, por si, no ano de 2014,
opôs exceção de pré-executividade, com base nas seguintes alegações: (i) extinção do crédito em
face da decadência; (ii) existência de coisa julgada em favor da CLARO S.A. que impediria a
inscrição do referido crédito em dívida ativa; (iii) impossibilidade de ajuizamento de execução
fiscal em desfavor de empresa já incorporada, com registro dos atos negociais na Junta
Comercial do Estado de São Paulo, e de substituição da CDA para a inclusão, a posteriori, da
empresa incorporadora no polo passivo (e-STJ fls. 12/19).
O magistrado de primeiro grau, salientando a existência de cerca de
duzentas demandas semelhantes a esta, ajuizadas em desfavor da empresa VÉSPER, extinguiu a
execução fiscal ao fundamento de que o lançamento se deu irregularmente contra pessoa jurídica
extinta por incorporação empresarial, não sendo possível reconhecer a responsabilidade da
empresa incorporadora pelo pagamento do crédito cobrado, porquanto este não teria sido validamente constituído (e-STJ fls. 85/89).
Na sequência, o TJ/SP negou provimento à apelação fazendária,
mantendo a sentença com a seguinte motivação:
A presente execução, fundada em taxa de fiscalização de estabelecimentos, do
exercício de 2009, foi ajuizada em 05/05/2015. O sujeito passivo deste processo,
Vésper S/A, já havia sido incorporado por Embratel S/A há mais de 07 (sete)
anos (fls. 40/45).
Posteriormente, a ora excipiente Claro S/A realizou a incorporação daquela
última sociedade (fls. 22/26).
Assim, a Municipalidade de São Paulo ajuizou a presente execução em face de
pessoa jurídica inexistente, de maneira que é indiscutível, no presente caso, a
ausência de pressupostos de constituição e desenvolvimento regular do
processo, bem como a ausência de uma das condições da ação, qual seja a
legitimidade passiva ad causam (art. 485, incisos IV e VI do NCPC).
E ao requerer a retificação do polo passivo par dela fazer constar a sociedade
incorporadora, na verdade, a Municipalidade pretendeu alterar o lançamento
tributário.
Por outro lado, ao interpretar a autorização prevista no § 8º do art. 2º da Lei nº
6.830/80, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça vem, de fato, se orientando pela
possibilidade da substituição ou emenda da CDA, com vistas à correção de
erros materiais, inclusive os relacionados ao valor da dívida, e de defeitos
formais, não permitindo, todavia, quando voltada à identificação do sujeito
passivo da obrigação tributária, diverso do originalmente apontado.
Essa, aliás, a posição que acabou prevalecendo com a edição, pelo Egrégio STJ,
da Súmula nº 392, nos seguintes termos: "A Fazenda Pública pode substituir a certidão da Dívida Ativa (CDA)
até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção
de erro material ou formal vedada a modificação do sujeito passivo da
execução".
Daí porque, no presente caso, não se poderia, mesmo, permitir ao exequente a
alteração do título executivo para tal fim, sendo plenamente aplicável o teor da
referida súmula. Além disso, seria possível, em tese, o redirecionamento da
execução fiscal, mas desde que a execução houvesse sido corretamente
proposta no início.
Pela mesma razão mostram-se inaplicáveis, no presente caso, as disposições da
Lei das Sociedades Anônimas e do Código Civil invocadas pela exequente.
Bem por isso, não merece qualquer reparo a decisão que extinguiu o feito sem
resolução de mérito.
A esse respeito, esta Décima Quinta Câmara de Direito Público mais de uma vez
decidiu pela extinção de execuções fiscais movidas pelo Município de São Paulo
em face de Vésper S/A, para a cobrança da taxa de fiscalização de
estabelecimentos, após a sua incorporação.
[...]
Por fim, a falta de atualização dos dados cadastrais pelo contribuinte, ou por
quem o suceda, pode ensejar, se o caso, a imposição de multa, mas não autoriza
a alteração do polo passivo na forma pretendida pela Municipalidade.
Do que se observa, a fundamentação consignada no julgado estadual é
no sentido de que é inviável a alteração da CDA para o fim de incluir a empresa incorporadora
no polo passivo da execução fiscal, porquanto tal providência representaria a modificação do
próprio lançamento quanto à correta identificação do sujeito passivo da obrigação tributária, o que
é vedado pela Súmula 392 do STJ.
Conforme relatado, defende a Fazenda Pública recorrente a
possibilidade de prosseguir na cobrança do crédito tributário contra a empresa incorporadora,
notadamente quando essa operação de incorporação não foi oportunamente informada ao fisco.
Tem-se, assim, que a discussão agora submetida ao Superior Tribunal de
Justiça cinge-se à aplicabilidade ou não do entendimento sedimentado na Súmula 392 do STJ
como obstáculo ao redirecionamento da execução fiscal em desfavor da empresa que incorporou
o sujeito passivo identificado no lançamento.
Essa questão jurídica de direito federal foi efetivamente decidida no
acórdão recorrido, estando, pois, atendido o requisito do prequestionamento, ainda que de maneira
implícita, dos dispositivos de lei federal indicados como violados pelo recorrente.
Pois bem.
Inicialmente, tenho que a preliminar suscitada pelo ESTADO DE SÃO
PAULO, referente à pertinência de afetação do presente recurso à sistemática dos repetitivos,
encontra-se prejudicada, pois tal questão já foi decidida pela Primeira Seção, consoante o inteiro
do acórdão constante às e-STJ fls. 326/331.
P
asso ao exame do mérito recursal.
Na minha compreensão, conforme explicarei a seguir, é cabível o
redirecionamento da execução fiscal em desfavor da empresa incorporadora para que ela
responda por crédito tributário oriundo de fato gerador posterior à incorporação e ainda lançado
em nome da sucedida, desde que a extinção da contribuinte (sucedida) em razão desse negócio
jurídico não tenha sido informada ao fisco antes do surgimento da obrigação tributária em
questão.
Inicialmente, analiso a questão sob o enfoque da validade do lançamento.
É bem verdade que, de acordo com o que dispõem os arts. 1.118 do
Código Civil e 219, II, da Lei n. 6.404/1976, a incorporação empresarial é causa de extinção da
pessoa jurídica incorporada.
Art. 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta
a incorporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio.
......................................................................................................................................
Art. 219. Extingue-se a companhia:
[...]
II - pela incorporação ou fusão, e pela cisão com versão de todo o patrimônio em
outras sociedades.
Todavia, considerando que essa específica hipótese de extinção da
pessoa jurídica decorre de negócio jurídico, ou seja, de vontade livremente manifestada pelas
empresas envolvidas, a produção de seus efeitos, na esfera tributária, há de se compatibilizar com
a norma geral de natureza de lei complementar (art. 146, III, "a", da Constituição Federal) contida
no art. 123 do Código Tributário Nacional, segundo o qual "salvo disposições de lei em contrário,
as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem
ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes".
Assim, para que a extinção da pessoa jurídica resultante de incorporação
surta seus efeitos também no âmbito tributário, faz-se necessário que essa operação seja
oportunamente comunicada ao fisco, pois somente a partir da ciência da realização desse negócio
inter partes é que a Administração Tributária saberá oficialmente da modificação do sujeito
passivo e poderá realizar os novos lançamentos em nome da empresa incorporadora (art. 121 do
CTN) e cobrar dela, sucessora, os créditos já constituídos (art. 132 do CTN).
Em outras palavras, se a incorporação não foi oportunamente informada,
é de se considerar válido o lançamento realizado contra a contribuinte original que veio a ser
incorporada, não havendo a necessidade de modificação desse ato administrativo para fazer
constar o nome da empresa incorporadora, sob pena de permitir que esta última se beneficie de
sua própria omissão.
Frise-se que compete a ela (incorporadora) dar publicidade desse
negócio jurídico, porquanto isso é de seu exclusivo interesse, sendo certo que o simples registro
na Junta Comercial não alcança essa finalidade em relação à administração tributária, visto que
não há na Lei n. 8.934/1994 previsão expressa de que esta (a administração tributária) seja
pessoalmente cientificada desses assentamentos:
CAPÍTULO II
Da Publicidade do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins
SEÇÃO I
Das Disposições Gerais
Art. 29. Qualquer pessoa, sem necessidade de provar interesse, poderá
consultar os assentamentos existentes nas juntas comerciais e obter certidões,
mediante pagamento o preço devido.
Art. 30. A forma, prazo e procedimento de expedição de certidões serão
definidos no regulamento desta lei.
SEÇÃO II
Da Publicação dos Atos
Art. 31. Os atos decisórios serão publicados em sítio da rede mundial de
computadores da junta comercial do respectivo ente federativo.
Por outro prisma, não se mostra razoável exigir dos fiscos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a prévia consulta do registro dos atos constitutivos
das empresas contribuintes sempre que realizarem um lançamento.
Constata-se, portanto, que a comunicação da incorporação empresarial
não representa apenas mero cumprimento de obrigação acessória: configura, além disso,
pressuposto específico para que a extinção da pessoa jurídica incorporada passe a ter eficácia
perante o fisco.
A propósito, não desconheço a orientação jurisprudencial de que não é
possível o redirecionamento de execução fiscal em desfavor dos sucessores para a cobrança de
crédito lançado em nome de pessoa já falecida.
Essa diretriz, todavia, não se aplica à hipótese em comento.
Digo isso porque, enquanto o evento morte da pessoa natural cuida de fato jurídico que opera seus efeitos desde logo, independentemente da vontade de seus
sucessores, a extinção da pessoa jurídica por incorporação resulta de negócio jurídico, de sorte
que, em respeito à disposição contida no art. 123 do CTN, seus efeitos quanto à modificação da
sujeição passiva somente vincularão o fisco depois que este for pessoalmente cientificado da
operação.
Por outro lado, se ocorrer a comunicação da sucessão empresarial ao
fisco antes do surgimento do fato gerador, é de se reconhecer a nulidade do lançamento
equivocadamente realizado em nome da pessoa incorporada e, por conseguinte, a impossibilidade
de modificação do sujeito passivo diretamente no âmbito da execução fiscal, sendo vedada a
substituição da CDA para esse propósito, consoante posição já sedimentada na Súmula 392 do
STJ ("A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da
sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modifi
cação do sujeito passivo da execução.")
Diante dessas ponderações, em sendo verificada a ausência da referida
comunicação ao fisco e, por conseguinte, reconhecida a validade do crédito lançado em nome da
empresa incorporada, cabe analisar a necessidade de alteração da Certidão de Dívida Ativa
(CDA) para viabilizar redirecionamento da execução fiscal em desfavor da empresa
incorporadora.
Penso ser desnecessária essa providência.
Como cediço, a sucessora assume todo o passivo tributário da empresa
sucedida, respondendo em nome próprio pela dívida de terceiro (sucedida). Essa é a inteligência
dos arts. 1.116 do Código Civil e 132 do CTN, in verbis:
Art. 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra,
que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na
forma estabelecida para os respectivos tipos.
....................................................................................................................................
Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão,
transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos
tributos devidos até à data do ato pelas pessoas jurídicas de direito privado
fusionadas, transformadas ou incorporadas.
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se aos casos de extinção de
pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva
atividade seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob
a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.
Conforme já explanado, é com a efetiva comunicação do negócio
jurídico que o fisco toma conhecimento do novo sujeito passivo a ser considerado no lançamento,
razão pela qual esse momento deve ser entendido, para fins de responsabilização da empresa
sucessora, como a data do ato da incorporação de que trata o caput do art. 132 do CTN.
E por se tratar de imposição automática – expressamente determinada
na lei – do dever de pagar os créditos tributários validamente lançados em nome da sucedida, a
sucessora pode ser acionada independentemente de qualquer outra diligência por parte da
Fazenda credora, visto que a sua responsabilidade não está relacionada com o surgimento da
obrigação tributária (art. 121 do CTN), mas com o seu inadimplemento (art. 132 do CTN).
Para esses casos, então, não há necessidade de substituição ou emenda
da CDA, de modo que é inaplicável o entendimento consolidado na Súmula 392 do STJ, sendo o
caso de apenas permitir o imediato redirecionamento.
Por fim, destaco que a conclusão ora alcançada coincide com a atual
orientação jurisprudencial desta Corte Superior, conforme se verifica dos seguintes julgados:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULO
AUTOMOTOR - IPVA. EXECUÇÃO FISCAL. SUCESSÃO EMPRESARIAL,
POR INCORPORAÇÃO. OCORRÊNCIA ANTES DO LANÇAMENTO, SEM
PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO FISCO. SUBSTITUIÇÃO DA CDA.
DESNECESSIDADE.
1. Na sucessão empresarial, por incorporação, a sucessora assume todo o
passivo tributário da empresa sucedida, respondendo em nome próprio pela
dívida de terceiro (sucedida), consoante inteligência do art. 132 do CTN - cuidando-se de imposição automática de responsabilidade tributária pelo
pagamento de débitos da sucedida, assim expressamente determinada por lei - e,
por isso, pode ser acionada independentemente de qualquer outra diligência por
parte do credor.
2. Se o fato gerador ocorre depois da incorporação mas o lançamento é feito
contra a contribuinte/responsável originária, não há falar em necessidade de
alteração do ato de lançamento, porque a incorporação não foi oportunamente
comunicada, não podendo o incorporador obter proveito de sua própria torpeza.
3. A efetiva comunicação aos órgãos/entidades competentes, pela
incorporadora, da ocorrência da incorporação da sociedade empresária
proprietária do veículo é o exato momento em que o fisco toma conhecimento do
novo sujeito passivo a ser considerado no lançamento, razão pela qual, in casu,
esse momento deve ser entendido, para fins tributários, como a data do ato da
incorporação (arts. 123 e 132 do CTN).
4. Embargos de divergência providos.
(EREsp 1695790/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO,
julgado em 13/03/2019, DJe 26/03/2019)
TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO
ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. ICMS. SUCESSÃO EMPRESARIAL POR
INCORPORAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA CDA. DESNECESSIDADE.
ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NESSE E.STJ. AGRAVO INTERNO NÃO
PROVIDO.
1. A decisão recorrida traduz a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça,
cujo teor afirma que a sucessão empresarial por incorporação, ocorrida antes do
lançamento tributário, permite o redirecionamento da execução à sociedade
incorporadora, sem que haja necessidade de alteração do ato de lançamento.
2. Os arts. 132 e 133 do CTN impõem à empresa sucessora, a responsabilidade
integral pelos tributos devidos de forma que, praticado o fato gerador pela
empresa sucedida, não se pode falar em ilegitimidade passiva ou nulidade da
CDA.
3. Cabível o prosseguimento da execução proposta contra a empresa
incorporada, na medida em que essa, já extinta na ocasião do lançamento, se
confunde com a sucessora.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt nos EDcl no REsp 1820732/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL
MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 09/03/2020)
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. IPVA. TRIBUTO ESTADUAL.
INCORPORAÇÃO DE EMPRESAS. POSSIBILIDADE DE
REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL PARA SUBSTITUIR A
PESSOA JURÍDICA EXTINTA POR INCORPORAÇÃO, DIANTE DA
APLICAÇÃO DO INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE POR SUCESSÃO,
EXPRESSAMENTE PREVISTO NOS ARTS. 130 A 133 DO CTN. AGRAVO
INTERNO DE MERCEDES-BENZ LEASING DA BRASIL ARRENDAMENTO
MERCANTIL S.A. A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A Primeira Seção desta Corte Superior consagrou entendimento vedando a
alteração do polo passivo da imputação tributária no curso da Execução Fiscal,
ainda que em decorrência de sucessão tributária focada no art. 130 do CTN, a
teor da Súmula 392/STJ (A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida
ativa - CDA até a prolação da sentença de Embargos, quando se tratar de
correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da
execução).
2. Todavia, verifica-se que a questão referente à possibilidade de substituição
da CDA para a alteração do sujeito passivo da execução, quando ocorre a
incorporação da empresa executada, confere ao caso elemento diferenciador
relevante (distinguishing) dos paradigmas que originaram a edição da Súmula
392/STJ, na medida em que as hipóteses tratadas nesses julgados não
apreciaram o tema ora em exame, em que uma sociedade é absorvida pela outra,
que lhe sucede em todos os direitos e obrigações, nos termos do art. 227 da Lei
6.404/1976 e do art. 1.116 do Código Civil/2002, e o patrimônio da empresa
incorporada, que deixa de existir, confunde-se com o próprio patrimônio da
empresa incorporadora. Peculiaridades do caso concreto, que afastam a
incidência da orientação jurisprudencial sumulada nesta Corte Superior,
relativamente ao tema dos autos. 3. O fenômeno da incorporação de uma
empresa por outra, por ato jurídico privado celebrado inter partes, é típico da
moderna economia empresarial, visando ao fortalecimento, ao aprimoramento e à
expansão de sua estrutura, para aumentar a participação no mercado
competitivo. 4. Mediante esse ajuste, a empresa incorporadora absorve todo o
acervo patrimonial ativo e passivo da empresa incorporada, de sorte que também
migra para o seu patrimônio (da empresa incorporadora) a responsabilidade pelo
pagamento integral dos tributos devidos por esta (a empresa incorporada), na
data da operação de incorporação.
5. Sendo assim, como a incorporadora recebe tanto o ativo como o passivo da
empresa incorporada, torna-se automaticamente responsável também pelas
dívidas tributárias da extinta empresa, diante da aplicação do instituto da
responsabilidade por sucessão, expressamente prevista nos arts. 130 a 133 do
CTN.
6. Impende ressaltar que, em seu art. 121 e parágrafo único, o CTN elegeu como
sujeito passivo da relação jurídica tributária tanto o devedor originário (sujeição
passiva direta), que tem relação pessoal e direta com o fato gerador, como o
responsável tributário (sujeição passiva indireta), que, embora não tenha relação
direta com o fato gerador, tem obrigação de pagar por expressa determinação
legal.
7. Logo, são completamente improducentes de efeitos jurídicos tributários em
relação ao Fisco os acordos, ajustes ou contratos de qualquer natureza,
concertados entre particulares, que disponham sobre deveres e
responsabilidades fiscais. 8. Também não se pode impor ao Fisco qualquer
penalidade por propor a Execução Fiscal contra pessoa jurídica já extinta, mesmo
porque a inclusão da empresa incorporada no polo passivo foi consequência da
conduta omissiva da incorporadora em proceder à alteração dos dados da
titularidade do veículo perante o DETRAN. Nesses termos, impedir o
redirecionamento, nessa hipótese, equivale a premiar a incorporadora pela sua própria desídia em cumprir a obrigação tributária acessória de atualizar o
cadastro do veículo nos órgãos competentes pela arrecadação do IPVA e nos
órgãos de trânsito.
9. Assim, em observância aos princípios da celeridade e economia processuais,
deve-se conceder à Fazenda Pública a oportunidade de retificação da CDA, a fim
de dar prosseguimento à Execução contra a responsável pela sucessão
tributária, ou mesmo de prosseguir com a execução proposta contra o devedor
originário, que se confunde como incorporador, haja vista a extinção daquela
pessoa jurídica executada, à época do lançamento, em razão de incorporação
empresarial. Precedentes: REsp. 1.682.834/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN,
DJe 9.10.2017; AgRg no REsp. 1.452.763/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL
MARQUES, DJe 17.6.2014.
10. Agravo Interno da MERCEDES-BENZ LEASING DO BRASIL
ARRENDAMENTO MERCANTIL S.A. a que se nega provimento.a
(AgInt no REsp 1778944/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/05/2019, DJe 30/05/2019)
Ponderados esses elementos, para os fins previstos no art. 1.036 do
CPC, proponho a definição da seguinte tese: "A execução fiscal pode ser redirecionada em
desfavor da empresa sucessora para cobrança de crédito tributário relativo a fato gerador
ocorrido posteriormente à incorporação empresarial e ainda lançado em nome da sucedida, sem a
necessidade de modificação da Certidão de Dívida Ativa, quando verificado que esse negócio
jurídico não foi informado oportunamente ao fisco."
Neste processo piloto, e analisando o caso concreto, o tribunal local,
partindo da compreensão de que a falta de comunicação da incorporação empresarial seria mero
descumprimento de obrigação acessória que não permitiria a alteração do sujeito passivo, não
esclareceu se ela aconteceu ou não, de modo que o acórdão recorrido deve ser cassado, com a
determinação de devolução dos autos ao TJ/SP para que, esclarecendo essa premissa fática,
possa aplicar a diretriz jurisprudencial ora traçada à realidade do processo.
Na eventualidade de, nesse novo julgamento, a Corte estadual entender
pelo cabimento do redirecionamento da execução fiscal em desfavor da incorporadora, deverá
ela ainda se manifestar sobre as demais causas de pedir apresentadas na exceção de
pré-executividade (decadência e coisa julgada), prestando, assim, a jurisdição vindicada em sua
inteireza.
Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial
para, cassando o acórdão recorrido, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para
que proceda a novo julgamento da apelação, observada a diretriz jurisprudencial ora estabelecida,
de que é cabível o redirecionamento da execução fiscal em desfavor da empresa sucessora para
a cobrança de crédito tributário oriundo de fato gerador ocorrido posteriormente à incorporação
empresarial e ainda lançado em nome da sucedida, sem a necessidade de modificação da
Certidão de Dívida Ativa, caso esse negócio jurídico não tenha sido informado ao fisco antes do
surgimento da obrigação tributária em questão.
É como voto.