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19 de agosto de 2021

A inexistência jurídica da sentença pode ser declarada em ação autônoma (querela nullitatis insanabilis) e também no próprio processo em que proferida, na fase de cumprimento de sentença ou até antes dela, se possível, especialmente na hipótese em que a matéria foi previamente submetida ao crivo do contraditório e não havia a necessidade de dilação probatória

RECURSO ESPECIAL Nº 1.904.374 - DF (2020/0143768-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. OMISSÕES. INOCORRÊNCIA. QUESTÕES DECIDIDAS PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. QUESTÃO CONSTITUCIONAL QUE DEVE SER EXAMINADA EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. EFEITO EX TUNC COMO REGRA. MODULAÇÃO TEMPORAL DE EFEITOS E EFICÁCIA EX NUNC COMO EXCEÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA MODULAÇÃO DE EFEITOS. NECESSIDADE. TEMA 809/STF. APLICABILIDADE AOS PROCESSOS EM QUE NÃO TENHA HAVIDO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA DE PARTILHA. TUTELA DA CONFIANÇA E PREVISIBILIDADE DAS RELAÇÕES PROCESSUAIS FINALIZADAS SOB A ÉGIDA DO ART. 1.790 DO CC/2002. PRÉ-EXISTÊNCIA DE DECISÃO EXCLUINDO HERDEIRO DA SUCESSÃO À LUZ DO DISPOSITIVO POSTERIORMENTE DECLARADO INCONSTITUCIONAL. IRRELEVÂNCIA. AÇÃO DE INVENTÁRIO SEM SENTENÇA DE PARTILHA E SEM TRÂNSITO EM JULGADO. EQUIPARAÇÃO COM DECISÃO PROFERIDA NO CURSO DO INVENTÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE DE ARGUIÇÃO EM IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE IMPLICA NA POSSIBILIDADE DE SEU EXAME NA FASE DE CONHECIMENTO. 

1- Ação proposta em 03/02/2004. Recurso especial interposto em 25/11/2019 e atribuído à Relatora em 07/10/2020. 

2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o acórdão recorrido possui omissões relevantes; (ii) se a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema 809, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”, deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. 

3- Inexiste omissão quando o acórdão recorrido enfrenta amplamente a questão controvertida, ainda que contrariamente aos interesses da parte recorrente, bem como inexiste omissão quando a questão que se alega deveria ter sido enfrentada possui natureza constitucional e não houve a interposição de recurso extraordinário pela parte. 

4- Considerando que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade, a declaração de sua inconstitucionalidade, de regra, produz efeito ex tunc, ressalvadas as hipóteses em que, no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, houver a modulação temporal dos efeitos, que é excepcional. 

5- Da excepcionalidade da modulação decorre a necessidade de que o intérprete seja restritivo, a fim de evitar inadequado acréscimo de conteúdo sobre aquilo que o intérprete autêntico pretendeu proteger e salvaguardar. 

6- Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 (tema 809), o Supremo Tribunal Federal modulou temporalmente a aplicação da tese para apenas “os processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha”, de modo a tutelar a confiança e a conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (ou seja, às ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002). 

7- Aplica-se a tese fixada no tema 809/STF às ações de inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002, excluiu herdeiro da sucessão e que a ela deverá retornar após a declaração de inconstitucionalidade e a consequente aplicação do art. 1.829 do CC/2002. 

8- Não são equiparáveis, para os fins da aplicação do tema 809/STF, as sentenças de partilha transitadas em julgado e as decisões que, incidentalmente, versam sobre bens pertencentes ao espólio, uma vez que a inconstitucionalidade de lei, enquanto questão de ordem pública, é matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença e que, com muito mais razão, pode ser examinada na fase de conhecimento. 

9- Recurso especial conhecido e desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Dr. GUSTAVO HENRIQUE CAPUTO BASTOS, pela parte RECORRENTE: TIAGO BASTOS DE MIRANDA RIBEIRO e Outro 

Brasília (DF), 13 de abril de 2021(Data do Julgamento) 

MINISTRA NANCY ANDRIGHI Relatora 


RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): 

Cuida-se de recurso especial interposto por VITOR BASTOS DE MIRANDA RIBEIRO e TIAGO BASTOS DE MIRANDA, com base no art. 105, III, alínea “a” do permissivo constitucional, contra o acórdão do TJ/DFT que, por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento por eles interposto. 

Recurso especial interposto e m: 25/11/2019. 

Atribuído ao gabinete e m: 07/10/2020. 

Ação: de inventário e partilha de bens de SADY CARNOT ASSIS DE MIRANDA RIBEIRO. 

Decisão interlocutória: diante da declaração de inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 pelo Supremo Tribunal Federal (tema 809/STF), que equiparou o regime sucessório entre cônjuges e companheiros, determinou fosse aplicado ao inventário e partilha de bens de SADY a regra do art. 1.829 do CC/2002, razão pela qual a recorrida ROSANE DE AZAMBUJA VILLANOVA, companheira de SADY, passou a concorrer com os descendentes em relação aos bens particulares deixados pelo falecido (fls. 843/844 e fl. 849, e-STJ). 

Acórdão do TJ/DFT: por unanimidade, negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelos recorrentes, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISTINÇÃO DE REGIME SUCESSÓRIO ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS. INCONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 1829 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS Nº 646.721/RS E Nº 878.694/MG. DECISÃO MANTIDA. 1. A hipótese consiste em verificar se determinado bem imóvel deve, ou não, ser incluído na herança da ex-companheira do falecido. 2. Ressalta-se que por ocasião do julgamento realizado no dia 10 de maio de 2017, ao apreciar os Recursos Extraordinários nº 646.721/RS e nº 878694/MG, o Excelso Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil e fixou a seguinte tese: “É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. 3. No caso, o processo principal ainda não foi sentenciado, razão pela qual os efeitos da mencionada declaração de inconstitucionalidade certamente atingiram a decisão que aplicou o art. 1790 do Código Civil e excluiu a ex-companheira da partilha referente ao bem imóvel questionado, tendo em vista que ela foi fundamentada essencialmente na aplicação de disposição que deixou de ser válida perante o sistema normativo pátrio. 4. Frise-se que a consequência prática dessa afirmação é a aplicação do art. art. 1829, e seguintes, do Código Civil e não o art. 1790 anteriormente mencionado. Isso porque o companheiro passou a ser tratado de forma isonômica, atraindo para si o mesmo regime jurídico aplicável ao cônjuge. 5. Recurso conhecido e desprovido (fls. 875/881, e-STJ). 

Embargos de declaração: opostos pelos recorrentes, foram rejeitados, por unanimidade (fls. 883/888, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se, em síntese: (i) violação ao art. 1.022, I e parágrafo único, II, e ao art. 489, §1º, IV e V, ambos do CPC/15, ao fundamento de que o acórdão recorrido possuiria omissões relevantes acerca da existência de coisa julgada formal e de impossibilidade de a decisão do STF produzir efeitos vinculantes; (ii) violação aos arts. 203, §2º, 503, §1º, 505, 507 e 927, todos do CPC/15, ao fundamento de que, em decisão interlocutória acobertada pela preclusão, a recorrida ROSANE foi excluída da concorrência com os herdeiros em relação a um determinado bem imóvel, razão pela qual a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no tema 809 não se aplicaria à hipótese e não poderia ela ser considerada, posteriormente, herdeira do referido bem (fls. 401/431, e-STJ). 

Parecer do Ministério Público Federal: opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 908/924, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): 

Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o acórdão recorrido possui omissões relevantes; (ii) se a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema 809, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”, deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. 

EXISTÊNCIA DE OMISSÕES RELEVANTES. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.022, I E PARÁGRAFO ÚNICO, II, E ART. 489, §1º, IV E V, AMBOS DO CPC. 

01) De início, anote-se que os recorrentes alegaram a violação aos arts. 1.022, I, parágrafo único, II, e 489, §1º, IV e V, ambos do CPC/15, especialmente ao fundamento de que existiriam duas omissões relevantes no acórdão recorrido, que não teria examinado: (i) a existência de coisa julgada formal decorrente de decisão versando sobre a concorrência hereditária proferida antes da fixação da tese pelo Supremo Tribunal Federal e acobertada pela preclusão temporal; (ii) a inexistência de efeito vinculante na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade por ocasião do julgamento do tema 809. 

02) Em relação ao primeiro ponto, não há omissão, na medida em que a questão controvertida – existência de coisa julgada formal ou de preclusão que impediria novo exame da matéria – foi amplamente enfrentada pelo acórdão recorrido, que, interpretando a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do tema 809, concluiu ser ela aplicável em virtude de ainda não existir, na hipótese, sentença de partilha transitada em julgado. 

03) No que se refere ao segundo aspecto, sublinhe-se que que a eficácia vinculante da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade, a despeito de positivada nos arts. 525, §12, e 535, §5º, ambos do CPC/15, é matéria de índole constitucional – os próprios recorrentes afirmam que o acórdão recorrido deveria ter se pronunciado sobre os arts. 52, X, e 102, III e §2º, ambos da Constituição Federal – razão pela qual eventual omissão sobre a questão constitucional deveria ter sido objeto de oportuna impugnação em recurso extraordinário não interposto pelas partes. 

04) Diante desse cenário, não há que se falar em existência de omissões relevantes no acórdão recorrido. 

DA APLICABILIDADE DA TESE FIXADA NO JULGAMENTO DO TEMA 809/STF À HIPÓTESE. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. ALEGADA VIOLAÇÃO AOS ARTS. 203, §2º, 503, §1º, 505, 507 E 927, TODOS DO CPC/15. 

05) Para melhor contextualizar a controvérsia, sublinhe-se que o juízo do inventário de SADY CARNOT ASSIS DE MIRANDA RIBEIRO, diante de sentença que reconheceu a existência de união estável entre o falecido e a recorrida ROSANE no período entre 1997 e janeiro de 2004, proferiu em 09/10/2014 a decisão de fl. 517 (e-STJ) que, aplicando expressamente o art. 1.790 do CC/2002, reconheceu que ROSANE apenas teria direito aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável com o falecido, a serem identificados pelo inventariante e pelos demais herdeiros. 

06) Sobrevieram, então, petições do inventariante e das partes em cumprimento das referidas determinações judiciais e, após o contraditório, o juízo do inventário proferiu em 22/05/2015 a decisão de fls. 534/535 (e-STJ), vazada nos seguintes termos: 

Em relação ao imóvel de fl. 167, está evidenciada a data de sua aquisição conforme certidão de matrícula em referência, não participando a Sra. Rosane da sua aquisição visto que o registro de compra e venda data o ano de 1995, anterior ao início de sua relação com o inventariado. Consequentemente os valores decorrentes da locação do imóvel também serão devidos somente aos filhos. 

07) Por ocasião do julgamento do RE 878.694/MG com repercussão geral reconhecida (tema 809), cujo acórdão foi publicado no DJe de 06/02/2018, o Pleno do Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”. 

08) Naquela assentada, o Supremo Tribunal Federal, levando em “consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas)”, entendeu por bem modular temporalmente os efeitos da aplicação da tese acima enunciada, de modo que a referida solução deve “ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública”. 

09) Em face dessa nova realidade, o juízo do inventário proferiu a decisão de fls. 843/844 (e-STJ) em que determinou a inclusão, no rol de bens partilháveis entre a recorrida e os recorrentes, do bem imóvel que havia sido outrora excluído da partilha mediante a aplicação do art. 1.790 do CC/2002. Ao julgar os embargos de declaração opostos pelos recorrentes (fl. 849, e-STJ), o juízo do inventário consignou expressamente a aplicação do precedente do Supremo Tribunal Federal: 

O Supremo Tribunal Federal, em decisão proferida no julgamento dos Recursos Extraordinários nos 646721 e 878694, ambos com repercussão geral reconhecida, declarou inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no artigo 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do artigo 1.829 do CC/2002. Assim, a companheira concorre com os descendentes em relação aos bens particulares deixados pelo falecido, nos termos do inciso I do artigo 1.829 do Código Civil de 2002. 

10) O acórdão recorrido, mantendo a decisão acima reproduzida, assim se pronunciou quanto ao ponto: 

A decisão de fl. 12 (Id. 7177331), proferida em 9 de outubro de 2014, aplicou o art. 1790 do Código Civil e excluiu a ex-companheira da partilha referente ao bem imóvel questionado, pois o referido bem foi adquirido pelo falecido antes da constância da união estável. Dessa forma, sob o fundamento da aludida regra, a ex-companheira não poderia ter sido incluída na partilha do mencionado bem imóvel, seja na posição de meeira ou de herdeira. Ocorre que por ocasião do julgamento realizado no dia 10 de maio de 2017, ao apreciar os Recursos Extraordinários nº 646.721/RS e nº 878694/MG, o Excelso Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil... (...) Na ocasião, excepcionou-se a regra geral da invalidade da norma inconstitucional (efeitos ex tunc) com a modulação dos efeitos do acórdão, em respeito ao princípio da segurança jurídica. Assim, a afirmada inconstitucionalidade do art. 1790 do Código Civil produz efeitos apenas em relação aos inventários não acobertados pela eficácia do trânsito em julgado da sentença. O processo principal ainda não foi sentenciado, como os próprios agravantes ressaltaram nas razões do agravo. Portanto, os efeitos da supracitada declaração de inconstitucionalidade certamente atingiram a decisão de fl. 12 (Id. 7177331), tendo em vista que esse provimento jurisdicional foi fundamentado essencialmente na aplicação do dispositivo que não mais se afigura válido em nosso sistema normativo. A consequência prática dessa conclusão é a aplicação do art. 1829, e seguintes, do Código Civil ao presente caso e não o art. 1790 acima referido. Isso porque o companheiro passou a ser tratado de forma isonômica, atraindo para si o mesmo regime jurídico aplicável ao cônjuge. Por isso, a recorrida deve ser admitida como herdeira para concorrer com os descendentes na sucessão do falecido, inclusive em relação ao bem imóvel situado no (...), de acordo com o art. 1829, inc. I, do Código Civil. 

11) A tese dos recorrentes é de que as decisões que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002, excluíram o bem imóvel da concorrência hereditária entre a recorrida e os recorrentes estariam acobertadas pelo manto da imutabilidade decorrente da preclusão e da coisa julgada formal, motivo pelo qual não poderiam ser alcançadas pela superveniente declaração de inconstitucionalidade da regra legal pelo Supremo Tribunal Federal. 

12) A esse respeito, registre-se que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade e que a consequência disso é que, como regra, a declaração de inconstitucionalidade de lei produz efeito ex tunc. Quanto ao ponto, leciona Luís Roberto Barroso: 

A lógica do raciocínio é irrefutável. Se a Constituição é a lei suprema, admitir a aplicação de uma lei com ela incompatível é violar sua supremacia. Se uma lei inconstitucional puder reger dada situação e produzir efeitos regulares e válidos, isso representaria a negativa de vigência da Constituição naquele mesmo período, em relação àquela matéria. A teoria constitucional não poderia conviver com essa contradição sem sacrificar o postulado sobre o qual se assenta. Daí por que a inconstitucionalidade deve ser tida como uma forma de nulidade, conceito que denuncia o vício de origem e a impossibilidade de convalidação do ato. Corolário natural da teoria da nulidade é que a decisão que reconhece a inconstitucionalidade tem caráter declaratório – e não constitutivo – limitando-se a reconhecer uma situação preexistente. Como consequência, seus efeitos se produzem retroativamente, colhendo a lei desde o momento de sua entrada no mundo jurídico. Disso resulta que, como regra, não serão admitidos efeitos válidos à lei inconstitucional, devendo todas as relações jurídicas constituídas com base nela voltar ao status quo ante. (BARROSO, Luís Roberto. Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 16). 

13) Todavia, é conhecida a lição e o entendimento que conferem eficácia prospectiva (efeito ex nunc) às decisões que declaram a inconstitucionalidade de lei, fundando-se em razões de diversas ordens – proteção à boa-fé, tutela da confiança, previsibilidade, pragmatismo e consequencialismo jurídico são algumas delas. A partir desses ideais é que se concebeu a denominada modulação temporal dos efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade. 

14) Não se pode perder de vista, entretanto, que a retroatividade é a regra e que a modulação de efeitos é a exceção. Nesse sentido, leciona Teresa Arruda Alvim: 

Importante consignar, todavia, que a utilização indevida da modulação, transformando-a em regra, quando, na verdade, é exceção, pode ensejar mais insegurança jurídica e estimular a edição de leis inconstitucionais. A excepcionalidade desse instituto exige fundamentação qualificada. Trata-se de instituto que deve ser excepcionalmente usado, tanto no ambiente do controle concentrado, quanto no da alteração de precedentes/jurisprudência firme, sendo este último o objeto principal deste estudo. À época de sua concepção, foi visto como algo tão excepcional que o quórum para modular era (é) maior do que o exigido para a própria declaração de inconstitucionalidade. (ALVIM, Teresa Arruda. Modulação: na alteração da jurisprudência firme ou de precedentes vinculantes. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 27). 

15) Diante desse cenário, é correto afirmar que as interpretações subsequentes da modulação de efeitos devem ser restritivas, a fim de que não haja inadequado acréscimo de conteúdo exatamente aquilo que o intérprete autêntico pretendeu, em caráter excepcional, proteger e salvaguardar. 

16) Estabelecidas essas premissas, é preciso examinar o acórdão do Supremo Tribunal que deu origem à tese fixada no tema 809, especificamente no que tange à modulação de efeitos: 

Por fim, não se pode esquecer que o tema possui enorme repercussão na sociedade, em virtude da multiplicidade de sucessões de companheiros ocorridas desde o advento do CC/2002. Levando-se em consideração o fato de que as partilhas judiciais e extrajudiciais que versam sobre as referidas sucessões encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento (muitas já finalizadas sob as regras antigas), entendo ser recomendável modular os efeitos da aplicação do entendimento ora afirmado. Assim, com o intuito de reduzir a insegurança jurídica, a solução ora alcançada deve ser aplicada apenas aos processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, assim como às partilhas extrajudiciais em que ainda não tenha sido lavrada escritura pública. 

17) Como se percebe, a preocupação do Supremo Tribunal Federal é tutelar a confiança e conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (isto é, nas ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002), razão pela qual se fixou a tese de que a declaração de inconstitucionalidade somente deverá alcançar os processos judiciais em que não houve trânsito em julgado da sentença de partilha. 

18) É incontroverso que, na hipótese, ainda não houve trânsito em julgado da sentença de partilha, mas, ao revés, somente a prolação de decisões que versaram sobre a concorrência hereditária sobre um bem específico. 

19) Considerando ser incontroverso que a inconstitucionalidade é uma questão de ordem pública, conclui-se que era lícito ao juízo do inventário, que havia deliberado, em anteriores decisões, pela exclusão da recorrida da sucessão hereditária em virtude da regra do art. 1.790 do CC/2002, rever seu posicionamento, incluindo-a na sucessão, antes da prolação da sentença de partilha, em virtude do reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo legal pelo Supremo Tribunal Federal. 

20) Isso porque, desde a reforma promovida pela Lei 11.232/2005, a declaração superveniente de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal torna inexigível o título que nela se funda, tratando-se de matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença – ou seja, após o trânsito em julgado da sentença (art. 475, II e §1º, do CPC/73) –, motivo pelo qual, com muito mais razão, deverá o juiz deixar de aplicar a lei inconstitucional antes da sentença de partilha, marco temporal eleito pelo Supremo Tribunal Federal para modular os efeitos da tese fixada no julgamento do tema 809. 

21) Assim, aplica-se à hipótese, por analogia, o recente entendimento desta Corte, que, também interpretando o tema 809/STF, concluiu que “a inexistência jurídica da sentença pode ser declarada em ação autônoma (querela nullitatis insanabilis) e também no próprio processo em que proferida, na fase de cumprimento de sentença ou até antes dela, se possível, especialmente na hipótese em que a matéria foi previamente submetida ao crivo do contraditório e não havia a necessidade de dilação probatória”. (REsp 1.857.852/SP, 3ª Turma, DJe 22/03/2021). 

CONCLUSÃO. 

22) Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. 

CERTIDÃO DE JULGAMENTO TERCEIRA TURMA 

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu e negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

10 de maio de 2021

SUCESSÕES - Aplica-se a tese fixada no Tema 809/STF ao inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC, excluiu herdeiro da sucessão

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-692-stj.pdf


SUCESSÕES - Aplica-se a tese fixada no Tema 809/STF ao inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC, excluiu herdeiro da sucessão 

Compare com o Info 689 do STJ 

A tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema n. 809/STF, segundo a qual "é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002", deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. STJ. 3ª Turma. REsp 1.904.374/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 


Imagine a seguinte situação hipotética: 

João faleceu e deixou como herdeiros Regina (com quem vivia em união estável) e três filhos. Em 2016, iniciou-se o inventário. Vale ressaltar que, na época, os direitos sucessórios da companheira (união estável) eram regidos pelo art. 1.790 do Código Civil: 

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. 

O juiz proferiu decisão na qual, aplicando expressamente o art. 1.790 do Código Civil, afirmou que Regina teria direito apenas aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável com o falecido, a serem identificados pelo inventariante e pelos demais herdeiros. 

Ocorre que, alguns dias depois disso, houve um novo fato que mudou tudo: a decisão do STF no Tema 809 (RE 646721/RS). 

Tema 809/STF 

O STF, ao julgar o RE 646721/RS e o RE 878694/MG, ambos com repercussão geral reconhecida, fixou a tese de que: 

É inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil. STF. Plenário RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (Repercussão Geral – Tema 809) (Info 864). 

O STF disse: o art. 1.790 do CC é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade, a dignidade da pessoa humana, o princípio da proporcionalidade (na modalidade de proibição à proteção deficiente) e o princípio da vedação ao retrocesso. Já que o art. 1.790 é inconstitucional, o que se deve fazer no caso de sucessão de companheiro? Quais as regras que deverão ser aplicadas caso um dos consortes da união estável morra? O STF entendeu que a união estável deve receber o mesmo tratamento conferido ao casamento. Logo, em caso de sucessão causa mortis do companheiro deverão ser aplicadas as mesmas regras da sucessão causa mortis do cônjuge, regras essas que estão previstas no art. 1.829 do CC: 

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. 

Logo, no caso concreto que estamos analisando: 

• a situação antes era enquadrada no art. 1.790 do CC: a companheira não tinha nenhum direito sobre os imóveis adquiridos antes da união estável. 

• com a decisão do STF, a situação passa a se enquadrar no art. 1.829: a companheira (por ser equiparada a cônjuge) passa a ter também direitos sobre os imóveis adquiridos antes da união estável. Isso porque a companheira concorre com os descendentes em relação aos bens particulares deixados pelo falecido, nos termos do inciso I do art. 1.829 do Código Civil. 

Voltando ao caso concreto: 

O juiz, que sempre acompanhava os Informativos do STF, aplicou imediatamente o entendimento fixado no RE 646721/RS, consignando que Regina também passaria a concorrer com os demais herdeiros em relação aos bens que o falecido já tinha antes do início da união estável. Os demais herdeiros recorreram alegando que a decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC, excluiu Regina dos bens anteriores estaria acobertada pelo manto da imutabilidade decorrente da preclusão e da coisa julgada formal, motivo pelo qual não poderia ser alcançada pela superveniente declaração de inconstitucionalidade da regra legal pelo STF. 

O STJ deu provimento ao recurso dos demais herdeiros? NÃO. 

Considerando que a lei incompatível com o texto constitucional padece do vício de nulidade, a declaração de sua inconstitucionalidade, de regra, produz efeito ex tunc, ressalvadas as hipóteses em que, no julgamento pelo STF, houver a modulação temporal dos efeitos, que é excepcional. Ao declarar a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002 (Tema 809), o STF modulou temporalmente a aplicação da tese para apenas “os processos judiciais em que ainda não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha”, de modo a tutelar a confiança e a conferir previsibilidade às relações finalizadas sob as regras antigas (ou seja, às ações de inventário concluídas nas quais foi aplicado o art. 1.790 do CC/2002). 

Dessa forma, aplica-se a tese fixada no Tema 809/STF às ações de inventário em que ainda não foi proferida a sentença de partilha, ainda que tenha havido, no curso do processo, a prolação de decisão que, aplicando o art. 1.790 do CC/2002, excluiu herdeiro da sucessão e que a ela deverá retornar após a declaração de inconstitucionalidade e a consequente aplicação do art. 1.829 do CC/2002. Isso porque, desde a reforma promovida pela Lei nº 11.232/2005, a declaração superveniente de inconstitucionalidade de lei pelo Supremo Tribunal Federal torna inexigível o título que nela se funda, tratando-se de matéria suscetível de arguição em impugnação ao cumprimento de sentença - ou seja, após o trânsito em julgado da sentença (art. 475, II e §1º, do CPC/1973) -, motivo pelo qual, com muito mais razão, deverá o juiz deixar de aplicar a lei inconstitucional antes da sentença de partilha, marco temporal eleito pelo Supremo Tribunal Federal para modular os efeitos da tese fixada no julgamento do tema n. 809/STF. 

Em suma: A tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do tema n. 809/STF, segundo a qual “é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002”, deve ser aplicada ao inventário em que a exclusão da concorrência entre herdeiros ocorreu em decisão anterior à tese. STJ. 3ª Turma. REsp 1.904.374/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/04/2021 (Info 692).

11 de abril de 2021

DIREITO SUCESSÓRIO: Declarada a inexistência jurídica da sentença na própria ação de inventário, deve ser aplicada a tese firmada pelo STF no julgamento do Tema 809, por meio da qual foi declarada a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-689-stj.pdf

É imperiosa a aplicação da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 809/STF, que impõe a igualdade de tratamento no regime sucessório entre cônjuges e companheiros, em processo cuja inexistência jurídica da sentença de partilha, ante a ausência de citação de litisconsorte necessário, impede a formação da coisa julgada material. STJ. 3ª Turma. REsp 1.857.852/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/03/2021 (Info 689). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João faleceu sem deixar filhos e cônjuge. Deixou, contudo, três irmãos: Pedro, Paulo e Tiago. Pedro ajuizou ação de inventário e partilha dos bens deixados por João. Na ação, Pedro indicou como únicos herdeiros ele mesmo, Paulo e Tiago, pedindo a citação dos dois. Pedro, Paulo e Tiago fizeram um acordo dividindo a herança. O juiz proferiu sentença homologando a partilha e atribuindo aos três os devidos quinhões. Não houve recurso contra a sentença, tendo transcorrido o prazo recursal. Ocorre que, logo em seguida, antes que o formal de partilha fosse expedido, apareceu uma nova personagem que iria mudar a história: Maria. Maria peticionou nos autos informando que vivia em união estável com João até a data do óbito e, como consequência, pediu a sua habilitação. Em razão desse fato, o juízo do inventário suspendeu a expedição do formal de partilha e, após regular contraditório e oitiva do Ministério Público, declarou insubsistente a sentença homologatória anteriormente proferida, consignando que “deverá o inventário prosseguir com a elaboração de nova partilha, com a inclusão de Maria como meeira e herdeira dos bens adquiridos onerosamente na constância da união.” Desse modo, o processo de inventário voltou a tramitar. Vale ressaltar que Pedro, Paulo e Tiago, mesmo chateados com o aparecimento da nova herdeira, ainda tinham a plena convicção de que iriam receber uma parte da herança. Isso porque a sucessão dos companheiros, nessa época, ainda era regida pelo art. 1.790 do Código Civil: 

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: 

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; 

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; 

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

 IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. 

Assim, Pedro, Paulo e Tiago estavam pensando: ora, nos termos do inciso III do art. 1.790, Maria terá direito a 1/3 da herança e nós ficaremos com o restante. Ocorre que, alguns dias depois disso, houve um novo fato que mudou tudo: a decisão do STF no Tema 809 (RE 646721/RS) . 

Tema 809/STF 

O STF, ao julgar o RE 646721/RS e o RE 878694/MG, ambos com repercussão geral reconhecida, fixou a tese de que: 

É inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil. STF. Plenário RE 646721/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso e RE 878694/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, julgados em 10/5/2017 (Repercussão Geral – Tema 809) (Info 864). 

O STF disse: o art. 1.790 do CC é inconstitucional porque viola o princípio da igualdade, a dignidade da pessoa humana, o princípio da proporcionalidade (na modalidade de proibição à proteção deficiente) e o princípio da vedação ao retrocesso. Já que o art. 1.790 é inconstitucional, o que se deve fazer no caso de sucessão de companheiro? Quais as regras que deverão ser aplicadas caso um dos consortes da união estável morra? O STF entendeu que a união estável deve receber o mesmo tratamento conferido ao casamento. Logo, em caso de sucessão causa mortis do companheiro deverão ser aplicadas as mesmas regras da sucessão causa mortis do cônjuge, regras essas que estão previstas no art. 1.829 do CC: 

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: 

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; 

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; 

III - ao cônjuge sobrevivente; 

IV - aos colaterais. 

Logo, no caso concreto que estamos analisando: 

• a situação antes era enquadrada no inciso III do art. 1.790 do CC: a companheira receberia 1/3 da herança e os irmãos (colaterais) ficariam com 2/3. 

• com a decisão do STF, a situação passa a se enquadrar no inciso IV do art. 1.829: a companheira (por ser equiparada a cônjuge) fica com tudo. Os irmãos (colaterais) não terão mais direito a nada. 

Voltando ao caso concreto: 

O juiz, que sempre acompanhava os Informativos do STF, aplicou imediatamente o entendimento fixado no RE 646721/RS, consignando que “Maria, a companheira supérstite, além da meação, sucede também no restante do patrimônio, em razão da ausência de descendentes ou ascendentes do de cujus, conforme estabelece o art. 1.829 do Código Civil, em seu inciso III”. Os colaterais interpuseram agravo de instrumento contra a decisão. O Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso e afastou a aplicação da tese firmada pelo STF no Tema 809 sob o fundamento de que o juízo do inventário não poderia ter declarado a insubsistência da sentença homologatória outrora proferida, uma vez que ela estaria acobertada pelo manto da coisa julgada material. 

Agiu corretamente o TJ? 

O STJ entendeu que não. Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o STF modulou os efeitos da decisão proferida no RE 646721/RS (Tema 809). Na ementa oficial constou o seguinte: 

“3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.” 

Ocorre que o STJ afirmou o seguinte: no caso concreto, “não há sentença de partilha transitada em julgado”. Isso porque o juízo do inventário, ao declarar a insubsistência da sentença homologatória de acordo de partilha entre os colaterais, nada mais fez do que declarar a sua inexistência jurídica em virtude da ausência de citação daquela que, à época, seria litisconsorte necessária, a saber, a companheira Maria. Não há que se falar em coisa julgada na sentença proferida em processo em que não se formou a relação jurídica apta ao seu desenvolvimento. 

Para a declaração de inexistência jurídica da sentença em virtude da ausência de citação não seria necessário o ajuizamento da querela nullitatis insanabilis? 

NÃO. Na forma do art. 525, §1º, I, do CPC/2015, a falta ou a nulidade da citação, desde que tenha havido a revelia da parte que deveria figurar no polo, são suscetíveis de reconhecimento em impugnação ao cumprimento de sentença (isto é, após a sentença irrecorrida), de modo que, a fortiori, esses gravíssimos vícios podem ser igualmente cognoscíveis antes de iniciada essa fase procedimental. Anote-se, por oportuno, que ainda que se pudesse cogitar da formação de coisa julgada material a partir de sentença homologatória de acordo de partilha e consequente possibilidade de execução do formal de partilha que, na hipótese, sequer foi expedido, não se pode olvidar que a execução seria ineficaz em relação à companheira, que, relembre-se, apenas ingressou na ação de inventário após a prolação da sentença homologatória de acordo entre os colaterais. 

A esse respeito, sublinhe-se que há regra específica quanto à ação de inventário e partilha, como bem pontua Rodrigo Frantz Becker: 

“De início, é importante observar que o formal e a certidão de partilha serão títulos executivos judiciais tão somente em relação ao inventariante, aos herdeiros e aos sucessores a título singular ou universal, não alcançando terceiros. Trata-se de limitação subjetiva estabelecida pelo código, evidenciando que, assim como toda sentença, a sentença que julga a partilha fará coisa julgada apenas entre as partes, ou seja, a eficácia será executiva perante os que forem partes na ação de inventário – o inventariante, os herdeiros e sucessores do de cujus.” (BECKER, Rodrigo Frantz. Manual do processo de execução dos títulos judiciais e extrajudiciais. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 205). 

Diante desse cenário, inexistindo sentença de partilha com trânsito em julgado, é imperiosa a aplicação da tese firmada pelo STF no julgamento do tema 809, de modo a reconhecer a companheira Maria como única herdeira dos bens deixados por João, na forma do art. 1.829, III, do CC/2002. 

Em suma: É imperiosa a aplicação da tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 809/STF, que impõe a igualdade de tratamento no regime sucessório entre cônjuges e companheiros, em processo cuja inexistência jurídica da sentença de partilha, ante a ausência de citação de litisconsorte necessário, impede a formação da coisa julgada material. STJ. 3ª Turma. REsp 1.857.852/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/03/2021 (Info 689).