Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-689-stj.pdf
Falecendo o titular do plano de saúde coletivo, seja este empresarial ou por adesão, nasce para
os dependentes já inscritos o direito de pleitear a sucessão da titularidade, nos termos dos
arts. 30 ou 31 da Lei nº 9.656/98, a depender da hipótese, desde que assumam o seu
pagamento integral.
A conduta da operadora, de impor à dependente a obrigação de assumir eventual dívida do
falecido titular, sob pena de ser excluída do plano de saúde, configura, em verdade, o exercício
abusivo do direito de exigir o respectivo pagamento, na medida em que, valendo-se da
situação de fragilidade da beneficiária e sob a ameaça de causar-lhe um prejuízo, constrange
quem não tem o dever de pagar a fazê-lo, evitando, com isso, todos os trâmites de uma futura
cobrança dirigida ao legítimo responsável (espólio).
STJ. 3ª Turma. REsp 1.899.674/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/03/2021 (Info 689).
Imagine a seguinte situação hipotética:
João era cliente de um plano de saúde coletivo. Ele era titular e sua esposa Regina, sua dependente no
plano.
O plano previa a coparticipação. Assim, 10% das despesas com internação hospitalar deveriam ser
custeadas pelo usuário o plano.
Essa previsão é abusiva? Em princípio, a cláusula que preveja a coparticipação do usuário nas despesas
médico-hospitalares afronta direitos do consumidor e a legislação dos planos de saúde?
NÃO.
• Regra: não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a
coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares em percentual sobre o custo de tratamento
médico realizado sem internação.
• Exceção: esta cláusula será abusiva em dois casos:
1) Se a coparticipação do usuário financiar integralmente o procedimento médico-hospitalar;
2) Se o percentual exigido do usuário representar, no caso concreto, uma restrição severa aos serviços
médico-hospitalares.
Não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação
do usuário nas despesas médico-hospitalares em percentual sobre o custo de tratamento médico
realizado sem internação, desde que a coparticipação não caracterize financiamento integral do
procedimento por parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos serviços.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.566.062-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 21/6/2016 (Info 586).
Voltando ao caso concreto
João passou meses internado no hospital tratando de uma grave doença.
Ao final, ele acabou falecendo.
Regina foi chamada até o escritório do plano de saúde e lhe explicaram o seguinte:
As despesas da internação de João totalizaram R$ 300 mil.
Pelo sistema de coparticipação, João teria que pagar R$ 30 mil ao plano (10% do total).
Ocorre que João faleceu. Diante disso, a operadora propôs a Regina que ela continuasse no plano, agora como titular, sem nova
carência, no entanto, para que fosse aceita, ela deveria assumir a dívida do seu falecido marido. Caso não
aceitasse, seria excluída do plano.
Regina aceitou e assinou o contrato com o plano, constando essa cláusula de assunção da dívida.
Indaga-se: essa cláusula é válida?
NÃO.
É abusiva cláusula contratual de plano de saúde que impõe à dependente a obrigação de assumir
eventual dívida do falecido titular, sob pena de exclusão do plano.
STJ. 3ª Turma. REsp 1.899.674/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/03/2021 (Info 689).
O art. 30 da Lei nº 9.656/98 versa sobre a hipótese de perda do vínculo empregatício por rescisão ou
exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, e prevê, expressamente, que, em caso de morte do
titular, o direito de permanência é assegurado aos dependentes cobertos pelo plano ou seguro privado
coletivo de assistência à saúde:
Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º
desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato
de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas
mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de
trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.
(...)
§ 3º Em caso de morte do titular, o direito de permanência é assegurado aos dependentes
cobertos pelo plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, nos termos do disposto
neste artigo.
Já o art. 31 da referida lei trata da hipótese de aposentadoria do titular e estabelece o direito de
manutenção do contrato, inclusive na hipótese de morte do titular:
Art. 31. Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º
desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado
o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de
que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento
integral.
Na mesma toada, o art. 8º da Resolução ANS nº 279/2011 prevê que, “em caso de morte do titular é
assegurado o direito de manutenção aos seus dependentes cobertos pelo plano privado de assistência à
saúde, nos termos do disposto nos artigos 30 e 31 da Lei n. 9.656/1998”.
A conduta de impor à dependente a obrigação de assumir eventual dívida do falecido titular, sob pena de
ser excluída do plano de saúde, configura, em verdade, o exercício abusivo do direito de exigir o respectivo
pagamento, na medida em que, valendo-se da situação de fragilidade da beneficiária e sob a ameaça de
causar-lhe um prejuízo, constrange quem não tem o dever de pagar a fazê-lo, evitando, com isso, todos
os trâmites de uma futura cobrança dirigida ao legítimo responsável (espólio).
Aliás, a pretexto de exercer regularmente um direito amparado no contrato, o plano de saúde também
desvirtua o fim econômico e social dos arts. 30 e 31 da Lei nº 9.656/98, pois se vale da garantia neles
assegurada como moeda de troca para coagir a dependente à quitação da dívida deixada pelo titular que
morreu.