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5 de junho de 2021

TF determinou, em julgamento de mandado de injunção, que o governo federal implemente, a partir de 2022, o programa de renda básica de cidadania, previsto na Lei nº 10.835/2004

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-1014-stf.pdf

DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 

STF determinou, em julgamento de mandado de injunção, que o governo federal implemente, a partir de 2022, o programa de renda básica de cidadania, previsto na Lei nº 10.835/2004 

A Lei nº 10.835/2004 instituiu um programa denominado “renda básica de cidadania”. Segundo esse programa, todas as pessoas residentes no Brasil, não importando a sua condição socioeconômica, deverão receber um benefício cujo valor deve ser fixado pelo Poder Executivo. O pagamento do benefício deverá ser de igual valor para todos, e suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde. Como esse programa ainda não havia sido implementado, em 2020 o Defensor Público-Geral Federal ajuizou mandado de injunção contra o Presidente da República. O STF decidiu que, como está presente estado de mora inconstitucional, deve ser fixado o valor da renda básica de cidadania para o estrato da população brasileira em condição de vulnerabilidade socioeconômica — pobreza e extrema pobreza — a ser efetivado, pelo Presidente da República, no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento de mérito (2022). STF. Plenário. MI 7300/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/4/2021 (Info 1014). 

Lei nº 10.835/2004 

A Lei nº 10.835/2004 instituiu um programa denominado “renda básica de cidadania”. Segundo esse programa, todas as pessoas residentes no Brasil, não importando a sua condição socioeconômica, deverão receber um benefício cujo valor deve ser fixado pelo Poder Executivo. O pagamento do benefício deverá ser de igual valor para todos, e suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde. Confira o que diz a Lei: 

Art. 1º É instituída, a partir de 2005, a renda básica de cidadania, que se constituirá no direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário. § 1º A abrangência mencionada no caput deste artigo deverá ser alcançada em etapas, a critério do Poder Executivo, priorizando-se as camadas mais necessitadas da população. § 2º O pagamento do benefício deverá ser de igual valor para todos, e suficiente para atender às despesas mínimas de cada pessoa com alimentação, educação e saúde, considerando para isso o grau de desenvolvimento do País e as possibilidades orçamentárias. § 3º O pagamento deste benefício poderá ser feito em parcelas iguais e mensais. § 4º O benefício monetário previsto no caput deste artigo será considerado como renda nãotributável para fins de incidência do Imposto sobre a Renda de Pessoas Físicas. 

Art. 2º Caberá ao Poder Executivo definir o valor do benefício, em estrita observância ao disposto nos arts. 16 e 17 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal. 

Art. 3º O Poder Executivo consignará, no Orçamento-Geral da União para o exercício financeiro de 2005, dotação orçamentária suficiente para implementar a primeira etapa do projeto, observado o disposto no art. 2º desta Lei. 

Art. 4º A partir do exercício financeiro de 2005, os projetos de lei relativos aos planos plurianuais e às diretrizes orçamentárias deverão especificar os cancelamentos e as transferências de despesas, bem como outras medidas julgadas necessárias à execução do Programa. 

Mandado de injunção 

Como esse programa ainda não havia sido implementado, em 2020 o Defensor Público-Geral Federal ajuizou mandado de injunção contra o Presidente da República. Na ação, o autor pediu o deferimento da renda básica, adotando-se como valor o montante de, ao menos, um salário mínimo mensal ou, subsidiariamente, meio salário, enquanto não suprida a lacuna. 

De quem é a competência para julgar esse mandado de injunção? 

Do STF, nos termos do art. 102, I, “q”, da CF/88: 

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: (...) q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República (...) 

O que é o mandado de injunção? 

Mandado de injunção é... - uma ação (instrumento processual) - de cunho constitucional (remédio constitucional) - que pode ser proposta por qualquer interessado - com o objetivo de tornar viável o exercício de - direitos e liberdades constitucionais ou - de prerrogativas relacionadas com nacionalidade, soberania ou cidadania - e que não estão sendo possíveis de ser exercidos - em virtude da falta, total ou parcial, de norma regulamentando estes direitos. 

“O mandado de injunção (MI) é instrumento processual instituído especialmente para fiscalizar e corrigir, concretamente, as omissões do Poder Público em editar as normas necessárias para tornar efetivos direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXI, da Constituição).” (BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional. Tomo II - Direito Constitucional Positivo. 5ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 230). 

Veja como este instrumento foi previsto na CF/88 e na Lei nº 13.300/2016: 

Art. 5º (...) LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; 

Art. 2º Conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta total ou parcial de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Parágrafo único. Considera-se parcial a regulamentação quando forem insuficientes as normas editadas pelo órgão legislador competente. 

Cabe mandado de injunção, neste caso? Ele pode ser impetrado contra o Presidente da República? 

SIM. Cabe mandado de injunção em face da ausência de fixação do valor da renda básica de cidadania, instituída pela Lei nº 10.835/2004, cuja omissão é atribuída ao Presidente da República. A ausência de fixação do valor é forma de esvaziar o mandamento constitucional de combate à pobreza, além de fazer letra morta ao disposto no referido diploma legal. 

Vale ressaltar, no entanto, que o mandado de injunção foi conhecido apenas quanto ao benefício para as pessoas em situação de vulnerabilidade 

Como vimos acima, esse benefício deveria ser pago a todas as pessoas residentes no Brasil, independentemente da sua condição socioeconômica. Assim, pela lei, mesmo que a pessoa seja milionária, ela teria direito de receber o benefício em valor igual a uma pessoa miserável. O STF afirmou que esse mandado de injunção ajuizado pelo Defensor Público-Geral deveria ser parcialmente conhecido. Para o STF, o mandado de injunção somente deveria ser conhecido no que tange à implementação do benefício para pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Em outras palavras, o STF afirmou que só iria analisar e determinar providências para garantir o benefício em favor das pessoas em vulnerabilidade socioeconômica. Qual foi o argumento jurídico do STF para isso? Um dos objetivos da República brasileira é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III, da CF/88), cuja determinação é repassada a todos os níveis da Federação (art. 23, X), com auxílio da sociedade. A assistência aos desamparados é direito social básico (art. 6º). Assim, existem direitos constitucionais das pessoas em situação de vulnerabilidade que não estão sendo desempenhados pela falta da norma regulamentadora. Esse direito, contudo, não existe para as pessoas com boa situação econômica. Não se pode extrair, da Constituição Federal, o dever do Estado de pagar um benefício social para as pessoas com boa situação econômica. O Estado não pode ser segurador universal e distribuir renda a todos os brasileiros, independentemente de critério socioeconômico. Na CF/88, não há qualquer determinação de atuação estatal nesse sentido. 

Qual foi o argumento do STF para julgar procedente o MI no que tange às pessoas em situação de vulnerabilidade? 

No Brasil verifica-se uma situação de proteção insuficiente no combate à pobreza. Isso precisa ser corrigido. É necessário que haja uma correção de rumos. Os direitos fundamentais também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela. Conforme o Decreto 5.209/2004, caracteriza-se renda familiar mensal em situação de pobreza e de extrema pobreza o valor per capita de até R$ 178,00 (cento e setenta e oito reais) e de até R$ 89,00 (oitenta e nove reais), respectivamente (Decreto 5.209/2004). Nas atualizações ao longo do tempo, houve indiretamente diminuição real do valor limite para fins de enquadramento na linha de corte. Milhões de pessoas foram excluídas dele, embora estivessem abaixo da linha da pobreza, segundo critérios socioeconômicos mundiais. Como se não fosse o bastante, houve perda significativa do poder de compra em si dos benefícios — básico e variáveis — concedidos. Diante de distorções verificadas, é caso de fazer-se apelo aos Poderes Legislativo e Executivo a fim de que reformulem os programas sociais de transferência de renda em vigor e atualizem as quantias do Programa Bolsa Família. 

Conclusão 

Presente estado de mora inconstitucional, deve ser fixado o valor da renda básica de cidadania para o estrato da população brasileira em condição de vulnerabilidade socioeconômica — pobreza e extrema pobreza — a ser efetivado, pelo Presidente da República, no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento de mérito (ou seja, em 2022). A inércia do Poder Executivo em implementar a renda básica ocasiona efeitos deletérios ao sistema de proteção social instituído pela CF/88. Apesar de a Lei nº 10.835/2004 trazer uma determinação muito clara e mesmo já tendo se passado mais de dezessete anos de sua promulgação, o certo é que o Programa Renda Básica de Cidadania permanece desprovido de qualquer regulamentação. Programas sociais de transferência de renda servem, fundamentalmente, para reduzir o fosso de desigualdade. A lacuna deve ser colmatada com o objetivo de atender à camada da população que necessita do auxílio estatal e não possui meios de autossubsistência. A atuação do STF foi voltada à realidade econômica e social, na quadra atual vivenciada e agravada pelas consequências da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). No mais, a essencialidade do sistema de proteção social não afasta o dever de consideração das possibilidades materiais e financeiras do Estado. Agrega-se a isso que o diploma legislativo impõe a necessidade de observância das condições econômicas do País e da Lei de Responsabilidade Fiscal. É preciso reconhecer que, em determinados casos, a implementação de políticas públicas unilateralmente pelo Poder Judiciário, em substituição ao crivo político dos representantes eleitos, pode conduzir a um estado de coisas ainda mais inconstitucional que a falta de norma regulamentadora. Evidentemente, eventual concessão da tutela invocada pelo impetrante, mediante fixação arbitrária dos valores da renda básica de cidadania e dos critérios de elegibilidade das primeiras etapas, fatalmente levaria ao desarranjo das contas públicas e, no limite, à desordem do sistema de proteção social brasileiro. 

Dispositivo 

O Plenário, por maioria, concedeu parcialmente a ordem em mandado de injunção, para: a) determinar ao Presidente da República que, nos termos do art. 8º, I, da Lei nº 13.300/2016 (Lei do MI), implemente, no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento do mérito (2022), a fixação do valor disposto no art. 2º da Lei nº 10.835/2004 para o estrato da população brasileira em situação de vulnerabilidade socioeconômica (extrema pobreza e pobreza — renda per capita inferior a R$ 89,00 e R$ 178,00, respectivamente — Decreto 5.209/2004), devendo adotar todas as medidas legais cabíveis, inclusive alterando o Plano Plurianual, além de previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual de 2022; e b) realizar apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem as medidas administrativas e/ou legislativas necessárias à atualização dos valores dos benefícios básico e variáveis do Programa Bolsa Família (Lei 10.836/2004), isolada ou conjuntamente, e, ainda, para que aprimorem os programas sociais de transferência de renda atualmente em vigor, mormente a Lei nº 10.835/2004, unificando-os, se possível. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski

Filigrana doutrinária: Mandado de Injunção - Juliano Taveira Bernardes

 “O mandado de injunção (MI) é instrumento processual instituído especialmente para fiscalizar e corrigir, concretamente, as omissões do Poder Público em editar as normas necessárias para tornar efetivos direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, LXXI, da Constituição).” 

(BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Direito Constitucional. Tomo II - Direito Constitucional Positivo. 5ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 230). 

1 de maio de 2021

Cabe mandado de injunção em face da ausência de fixação do valor da renda básica de cidadania, instituída pela Lei 10.835/2004, cuja omissão é atribuída ao Presidente da República.

DIREITO CONSTITUCIONAL – ORDEM SOCIAL

DIREITO CONSTITUCIONAL – PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS; DIREITOS SOCIAIS

 

Programa Renda Básica de Cidadania e combate à pobreza - MI 7300/DF 

 

Resumo:

Cabe mandado de injunção em face da ausência de fixação do valor da renda básica de cidadania, instituída pela Lei 10.835/2004, cuja omissão é atribuída ao Presidente da República.

A ausência de fixação do valor é forma de esvaziar o mandamento constitucional de combate à pobreza, além de fazer letra morta ao disposto no referido diploma legal. Compete ao Supremo Tribunal Federal (STF) processar e julgar mandado de injunção quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição do Presidente da República [Constituição Federal (CF), art. 102, I, q].

A falta de norma disciplinadora dá ensejo ao conhecimento do mandado de injunção apenas quanto à implementação do referido benefício assistencial para pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Um dos objetivos da República brasileira é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (CF, art. 3º, III), cuja determinação é repassada a todos os níveis da Federação [CF, art. 23, X (1)], com auxílio da sociedade. Na forma da CF e do ordenamento jurídico, a assistência aos desamparados é direito social básico [CF, art. 6º (2)].

Com a Lei 10.835/2004, adveio uma das formas de concretização do mandamento constitucional. Contudo, não se considera que decorra omissão inconstitucional para as demais hipóteses previstas na lei “não importando sua condição socioeconômica” [art. 1º, caput (3)]. O Estado não pode ser segurador universal e distribuir renda a todos os brasileiros, independentemente de critério socioeconômico. Na CF, não há qualquer determinação de atuação estatal nesse sentido.

Constata-se existir proteção insuficiente de combate à pobreza, a recomendar a correção de rumos.

Não se desconhece que a Lei 10.836/2004 estabeleceu o Programa Bolsa Família como um conjunto de “ações de transferência de renda com condicionalidade” e que, dentre seus objetivos básicos, está o de “combater a pobreza” (Decreto 5.209/2004, art. 5º, IV). Entretanto, há tutela insuficiente quanto ao combate à pobreza e à extrema pobreza. A respeito, registra-se que os direitos fundamentais também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela.

Conforme o Decreto 5.209/2004, caracteriza-se renda familiar mensal em situação de pobreza e de extrema pobreza o valor per capita de até R$ 178,00 (cento e setenta e oito reais) e de até R$ 89,00 (oitenta e nove reais), respectivamente (Decreto 5.209/2004). Nas atualizações ao longo do tempo, houve indiretamente diminuição real do valor limite para fins de enquadramento na linha de corte. Milhões de pessoas foram excluídas dele, embora estivessem abaixo da linha da pobreza, segundo critérios socioeconômicos mundiais. Como se não fosse o bastante, houve perda significativa do poder de compra em si dos benefícios — básico e variáveis — concedidos.

Diante de distorções verificadas, é caso de fazer-se apelo aos Poderes Legislativo e Executivo a fim de que reformulem os programas sociais de transferência de renda em vigor e atualizem as quantias do Programa Bolsa Família.

Presente estado de mora inconstitucional, deve ser fixado o valor da renda básica de cidadania para o estrato da população brasileira em condição de vulnerabilidade socioeconômica — pobreza e extrema pobreza — a ser efetivado, pelo Presidente da República, no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento de mérito (2022).

A inércia do Poder Executivo em implementar a renda básica ocasiona efeitos deletérios ao sistema de proteção social instituído pela CF. Não obstante a clareza da determinação legal, passados mais de dezessete anos da promulgação da Lei 10.835/2004, o Programa Renda Básica de Cidadania remanesce desprovido de qualquer regulamentação. Programas sociais de transferência de renda servem, fundamentalmente, para reduzir o fosso de desigualdade. A lacuna deve ser colmatada com o objetivo de atender à camada da população que necessita do auxílio estatal e não possui meios de autossubsistência.

A atuação do STF foi voltada à realidade econômica e social, na quadra atual vivenciada e agravada pelas consequências da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). No mais, a essencialidade do sistema de proteção social não afasta o dever de consideração das possibilidades materiais e financeiras do Estado. Agrega-se a isso que o diploma legislativo impõe a necessidade de observância das condições econômicas do País e da Lei de Responsabilidade Fiscal. É preciso reconhecer que, em determinados casos, a implementação de políticas públicas unilateralmente pelo Poder Judiciário, em substituição ao crivo político dos representantes eleitos, pode conduzir a um estado de coisas ainda mais inconstitucional que a falta de norma regulamentadora. Evidentemente, eventual concessão da tutela invocada pelo impetrante, mediante fixação arbitrária dos valores da renda básica de cidadania e dos critérios de elegibilidade das primeiras etapas, fatalmente levaria ao desarranjo das contas públicas e, no limite, à desordem do sistema de proteção social brasileiro.

Afinal, a fixação de prazo razoável para a elaboração da norma regulamentadora encontra amparo na legislação do mandado de injunção e se revela providência capaz de realizar a vocação constitucional do writ e de preservar as bases da democracia representativa. Com a determinação do prazo estabelecido, objetiva-se preservar o exercício fiscal em andamento.

Na espécie, trata-se de ação constitucional em que requerida a colmatação de omissão administrativa do Poder Executivo federal em implementar renda básica de cidadania instituída pela Lei 10.835/2004, consistente, em suma, no pagamento de benefício de igual valor a todos brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos cinco anos, independentemente da condição socioeconômica. Dentre outros pedidos, foi postulado o deferimento da renda básica ao autor, adotando-se como valor o montante de, ao menos, um salário mínimo mensal ou, subsidiariamente, meio salário, enquanto não suprida a lacuna.

O Plenário, por maioria, concedeu parcialmente a ordem em mandado de injunção, para: (i) determinar ao Presidente da República que, nos termos do art. 8º, I, da Lei 13.300/2016 (4), implemente, no exercício fiscal seguinte ao da conclusão do julgamento do mérito (2022), a fixação do valor disposto no art. 2º da Lei 10.835/2004 (5) para o estrato da população brasileira em situação de vulnerabilidade socioeconômica (extrema pobreza e pobreza — renda per capita inferior a R$ 89,00 e R$ 178,00, respectivamente — Decreto 5.209/2004), devendo adotar todas as medidas legais cabíveis, inclusive alterando o Plano Plurianual, além de previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual de 2022; e (ii) realizar apelo aos Poderes Legislativo e Executivo para que adotem as medidas administrativas e/ou legislativas necessárias à atualização dos valores dos benefícios básico e variáveis do Programa Bolsa Família (Lei 10.836/2004), isolada ou conjuntamente, e, ainda, para que aprimorem os programas sociais de transferência de renda atualmente em vigor, mormente a Lei 10.835/2004, unificando-os, se possível. Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.

(1) CF/1988: “Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;”

(2) CF/1988: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

(3) Lei 10.835/2004: “Art. 1º É instituída, a partir de 2005, a renda básica de cidadania, que se constituirá no direito de todos os brasileiros residentes no País e estrangeiros residentes há pelo menos 5 (cinco) anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário.”

(4) Lei 13.300/2016: “Art. 8º Reconhecido o estado de mora legislativa, será deferida a injunção para: I – determinar prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora;”

(5) Lei 10.835/2004: “Art. 2º Caberá ao Poder Executivo definir o valor do benefício, em estrita observância ao disposto nos arts. 16 e 17 da Lei Complementar 101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal.”

MI 7300/DF, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 26.4.2021 (segunda-feira), às 23:59