RECURSO ESPECIAL Nº 1.761.543 - DF (2018/0214657-7)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CRÉDITOS VINCULADOS AO FIES.
IMPENHORABILIDADE. PRECEDENTES DA TERCEIRA TURMA DO STJ. DISTINÇÃO.
VALORES DECORRENTES DA RECOMPRA DE CFT-E. POSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO.
NÃO APLICAÇÃO DO ART. 833, IX, DO CPC/2015. PENHORA DE PERCENTUAL DO
FATURAMENTO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS SUPOSTAMENTE
VIOLADOS. SÚMULA 284/STF. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO PARA,
NESSA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO.
1. Cinge-se a controvérsia em definir, além da necessidade de redução do percentual de
constrição do faturamento, a possibilidade, ou não, de penhora de recursos oriundos de
recompra do FIES, ante a sua aplicabilidade compulsória na área da educação.
2. Conforme a legislação de regência, na medida em que há a prestação do serviço
educacional, os títulos Certificados Financeiros do Tesouro - Série E (CFT-E), emitidos pelo
Tesouro Nacional, são repassados às Instituições de Ensino Superior (IES) para pagamento
exclusivo de contribuições sociais previdenciárias e, subsidiariamente, dos demais tributos
administrados pela Receita Federal do Brasil (art. 10, caput e § 3º, da Lei n. 10.260/2001).
2.1. Após o pagamento dos referidos débitos previdenciários e tributários, o FIES recomprará
os valores de titularidade das instituições de ensino que eventualmente sobrepujam as
obrigações legalmente vinculadas, resgatando os títulos CFT-E junto às mantenedoras das
IES, e entregará o valor financeiro equivalente ao resgate, atualizado pelo Índice Geral de
Preços – Mercado (IGP-M).
2.2. A Terceira Turma do STJ firmou a tese de que os recursos públicos recebidos por
instituição de ensino superior privada são impenhoráveis, pois são verbas de aplicação
compulsória em educação. Precedentes.
2.3. Contudo, deve-se fazer uma distinção entre os valores impenhoráveis e aqueles
penhoráveis. Os certificados emitidos pelo Tesouro Nacional (CFT-E), de fato, não são
penhoráveis, haja vista a vinculação legal da sua aplicação.
2.4. De outro lado, ao receber os valores decorrentes da recompra de CFT-E, as instituições
de ensino incorporam essa verba definitivamente ao seu patrimônio, podendo aplicá-la da
forma que melhor atenda aos seus interesses, não havendo nenhuma ingerência do poder
público. Assim, havendo disponibilidade plena sobre tais valores, é possível a constrição de
tais verbas para pagamento de obrigações decorrentes das relações privadas da instituição
de ensino.
3. Quanto à penhora de percentual do faturamento, ressalta-se que o recurso especial é
reclamo de natureza vinculada e, para o seu cabimento, inclusive quando apontado o
dissídio jurisprudencial, é imprescindível que se aponte, de forma clara, os dispositivos
supostamente violados pela decisão recorrida, sob pena de inadmissão, ante a aplicação
analógica da Súmula 284/STF.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer
em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr.
Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e
Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 23 de março de 2021 (data do julgamento).
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Cuida-se, na origem, de agravo de instrumento interposto por Fortium - Editora e Treinamento Ltda. contra decisão que, nos autos da execução de título
extrajudicial ajuizada por Sociedade Educacional Brasília S/C Ltda., indeferiu a reunião de
diversos processos executivos envolvendo as mesmas partes e determinou a penhora
diária de 5% de todo e qualquer ativo financeiro creditado em favor da executada, na conta
bancária discriminada, até a satisfação da dívida vindicada nos autos.
Nas razões do referido inconformismo, a agravante aduziu a existência de
conexão com outras execuções, a necessidade de limitação da penhora a 10% do seu
faturamento mensal e a impenhorabilidade do crédito oriundo do Fundo de Financiamento
Estudantil (FIES).
A Sexta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios negou provimento à insurgência, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fls.
432-446):
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO
INTERNO. NEGATIVA DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO.
PENHORA DE FATURAMENTO. PERCENTUAL. RAZOABILIDADE.
POSSIBILIDADE DE PENHORA DE CRÉDITOS DO PROGRAMA DE
FINANCIAMENTO ESTUDANTIL QUANDO NÃO UTILIZADOS PARA O
PAGAMENTO DE TRIBUTOS. AUSÊNCIA DE COMPULSORIEDADE DE
APLICAÇÃO EM EDUCAÇÃO. DECISÃO MANTIDA.
1. Os agravantes não trouxeram argumentos aptos a modificar a
decisão proferida, inexistindo também qualquer fato novo que possa
alterar o entendimento esposado por ocasião do r. .decisum
2. Se há previsão de recompra pelo próprio FIES de certificados,
conclui-se que há possibilidade de sobra de títulos não usados para
pagar contribuições sociais e os demais tributos referidos no artigo 10
da Lei nº 10.260/2001 e, desse modo, as instituições educacionais,
por fim, acabam ficando com quantias em dinheiro do Fundo, as quais
são perfeitamente passíveis de penhora.
3. Os recursos oriundos do FIES podem sofrer constrição para
satisfazer obrigação do devedor. Ou seja, a partir do momento que o
valor, ainda que proveniente dessas verbas, é creditado na conta
corrente, não são de aplicação compulsória em educação, passível de penhora ou de bloqueio.
4. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. Agravo Interno
Prejudicado.
Irresignada, a executada interpõe recurso especial, fundamentado na alínea
a do permissivo constitucional, apontando violação aos arts. 833, IX, do CPC/2015; e 1º,
7º, 9º, 10, § 1º, e 13 da Lei 10.260/2001.
Sustenta, em síntese, a impenhorabilidade dos créditos correspondentes à
recompra dos certificados representativos dos títulos da dívida pública emitidos em favor
do FIES para pagamento de encargos educacionais, haja vista sua aplicação compulsória
à área da educação.
Pugna, ainda, pela redução do percentual de penhora sobre o seu
faturamento, ante a violação do princípio da razoabilidade, pois já incidem diversas
constrições, as quais totalizam 45% da sua receita e poderão inviabilizar o exercício de
sua atividade empresária.
Contrarrazões às fls. 493-506 (e-STJ).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):
Cinge-se a controvérsia em definir, além da necessidade de redução do
percentual de constrição do faturamento, a possibilidade, ou não, de penhora de recursos
oriundos de recompra do FIES, ante a sua aplicabilidade compulsória na área da
educação.
1. Penhora de recursos advindos do FIES
Inicialmente, para melhor compreensão da controvérsia, torna-se imperioso
o detalhamento do programa Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) desenvolvido no
âmbito do Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pelo Ministério da Educação.
Sua finalidade primordial é a concessão de financiamento a estudantes de
cursos superiores não gratuitos da educação profissional, técnica e tecnológica, e em
programas de mestrado e doutorado com avaliação positiva, conforme determinado pelo
art. 1º, caput e § 1º, da Lei n. 10.260/2001.
Nota-se, portanto, a importância fundamental do programa, pois busca
concretizar o direito fundamental de acesso à educação para todos, previsto no art. 205 da
CRFB, principalmente por se tratar de uma política pública que prioriza a promoção de
acesso de famílias de baixa renda à educação superior.
Para custear o referido fundo, há autorização orçamentária estabelecida na
Lei Orçamentária Anual para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)
conceder os financiamentos de acordo com o número de alunos financiados, o percentual
de financiamento contratado pelo beneficiário e o valor da semestralidade do curso.
Em seguida, o FNDE solicita ao Tesouro Nacional a emissão de Certificados
Financeiros do Tesouro - Série E (CFT-E), o que enseja o endividamento público, pois se
caracteriza como um empréstimo da União, por meio de instituição bancária (Banco do
Brasil ou Caixa Econômica Federal), nos termos do art. 7º da Lei n. 10.260/2001.
Assim, na medida em que há a prestação do serviço educacional, os títulos CFT-E são repassados às Instituições de Ensino Superior (IES) para pagamento exclusivo
de contribuições sociais previdenciárias e, subsidiariamente, dos demais tributos
administrados pela Receita Federal do Brasil, conforme determinam o art. 10, caput e § 3º,
da Lei n. 10.260/2001.
Entretanto, o art. 13 da legislação de regência prevê que, após o pagamento
dos referidos débitos previdenciários e tributários, o FIES recomprará os valores de
titularidade das instituições de ensino que eventualmente sobrepujam as obrigações
legalmente vinculadas, resgatando os títulos CFT-E junto às mantenedoras das IES, e
entregará o valor financeiro equivalente ao resgate, atualizado pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M).
No julgamento do REsp n. 1.840.737/DF, a Ministra Nancy Andrighi citou
trecho do relatório de auditoria proferido pelo Tribunal de Contas da União (TC
011.884/2016-9, sessão do Plenário de 23/11/2016), que bem delineia a sistemática de
funcionamento do FIES e que ora se pede vênia para também transcrever:
II.3. Funcionamento do Fies
50. É possível explicar o funcionamento do Fies sob duas óticas: a
primeira em relação ao estudante beneficiário e a segunda em relação
às mantenedoras das IES, referente a operacionalização do
mecanismo de financiamento e pagamento dos encargos devidos às
IES.
51. A seguir será explicitado, resumidamente, o funcionamento do
programa sob as duas óticas citadas. Para mais detalhes do
funcionamento, remete-se ao Mapa de Processo (Apêndices IX.1 e
IX.2).
II.3.1. Ótica do beneficiário do programa
52. O estudante beneficiário, para participar do programa, deverá
fazer sua pré-inscrição em sistema próprio disponibilizado pela
Diretoria de Tecnologia da Informação do MEC (DTI/MEC) – FiesSeleção –, momento em que informará os seus dados, a IES em
que deseja estudar e o curso desejado.
53. Caso o estudante atenda aos critérios estabelecidos nos
normativos do MEC – atualmente: nota igual ou superior a 450 pontos
no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), nota maior que zero na
redação e renda familiar de até 3 salários mínimos de renda bruta
familiar mensal per capita –, poderá ser selecionado para obter o
financiamento conforme a lista de classificação divulgada pela
Secretaria de Ensino Superior do MEC (Sesu/MEC). O curso
pretendido deverá, necessariamente, ser ofertado por mantenedora
de IES que já tenha, previamente, aderido ao Fies.
54. Após ter sido selecionado na classificação divulgada pela
Sesu/MEC, o estudante deverá confirmar sua inscrição por meio do
Sistema Informatizado do Fies (Sisfies), o qual também é mantido pela DTI/MEC. Feito isso, ele deverá comparecer ao agente financeiro
escolhido (BB ou Caixa) para formalizar o contrato de financiamento
do Fies.
55. A partir daí o estudante estará apto para começar seus estudos
com recursos do Fies. Durante o curso, ele pagará, a cada três
meses, somente taxa específica relativa a juros (atualmente, R$
150,00). Ao término de cada semestre, ele deverá realizar o
aditamento de seu contrato para o próximo semestre letivo, podendo
ser de forma simplificada, quando não há necessidade de novo
comparecimento ao agente financeiro, ou não simplificada, quando há
necessidade de comparecimento do estudante ao agente financeiro
em virtude de alguma alteração contratual mais relevante (por
exemplo, troca dos fiadores).
56. Após a conclusão do curso, o beneficiário terá um período de
carência para que comece a pagar as parcelas relativas à amortização
do seu financiamento; devendo, contudo, continuar arcando com as
taxas trimestrais relativas a juros (atualmente o período de carência é
de dezoito meses).
57. Terminado o período de carência, o estudante inicia o pagamento
das parcelas mensais de seu financiamento, cujo prazo de pagamento
poderá ser de até três vezes o período do curso objeto de
financiamento.
II.3.2. Ótica das mantenedoras de IES
58. A fim de participar do Fies, as mantenedoras de IES devem
atender as condições estabelecidas no art. 15 da Portaria Normativa
MEC 1, de 22 de janeiro de 2010, e assinar o Termo de Adesão ao
programa, procedimento realizado por meio do SisFies.
Posteriormente, antes do início de cada semestre letivo, deverão
firmar o Termo de Participação, no qual detalharão os cursos e as
vagas que serão ofertadas no âmbito do programa.
59. Após os estudantes estarem matriculados nas IES, iniciam-se os
cursos financiados pelo programa. Em contrapartida à prestação de
serviços realizadas pelas IES, as mantenedoras recebem títulos
públicos (CFT-E).
60. Tais títulos são emitidos pela STN após solicitação do agente
operador do Fies (FNDE); em contrapartida, o agente operador
repassa à STN recursos financeiros equivalentes ao valor dos títulos
emitidos. Esses títulos são repassados às mantenedoras na medida
em que estas prestam serviços aos estudantes do Fies. De posse dos
títulos, as mantenedoras os utilizam no pagamento de débitos de
caráter previdenciário ou de tributos federais.
61. Caso a mantenedora não possua débitos relativos a esses tributos
ou, ainda, caso, após a quitação dos tributos, reste algum excedente
em títulos em sua posse, poderá oferecê-los no processo de recompra
realizado pelo agente operador. Nesse caso, o FNDE resgata esses
títulos junto às mantenedoras e entrega o valor financeiro equivalente
ao resgate atualizado pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) – conforme dispõe o art. 22 do Decreto 3.859/2001.
62. Ocorridas as etapas acima, o processo se repete enquanto a
mantenedora for participante do Fies e enquanto houver alunos do
Fies estudando nas IES a ela vinculadas. (Informações extraídas de
https://portal.tcu.gov.br/data/files/08/43/F7/B1/51B98510784389852A2 818A 8/011.884-2016-9%20_FIES_.pdf, acesso em 15/10/2019)
Portanto, nota-se que a Terceira Turma do STJ, no julgamento do recurso
especial acima referido, assim como no julgamento do REsp n. 1.588.226/DF, firmou a
tese de que os recursos públicos recebidos por instituição de ensino superior privada são
impenhoráveis, pois são verbas de aplicação compulsória em educação.
Entretanto, ao revisitar o tema, constata-se que deve haver uma distinção
entre os valores tidos como impenhoráveis, apreciados pelos referidos precedentes,
daqueles penhoráveis, conforme se passará a demonstrar.
Relembre-se que o art. 833, IX, do CPC/2015 reconhece a impenhorabilidade
dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em
educação, saúde ou assistência social.
Contudo, a interpretação desse dispositivo não pode ser extensiva, de modo
a vedar a constrição de qualquer valor que decorra de repasses públicos às IES privadas,
assim como não pode implicar uma impenhorabilidade perpétua, pois isso desvirtuaria a
lógica do sistema, ante a possibilidade da execução de manobras capazes de inviabilizar a
satisfação do crédito dos credores das mantenedoras das IES.
Importante reafirmar que, por disposição legal, não é possível a constrição
de CFT-E, haja vista que a legislação de regência determina expressamente que tais
títulos somente poderão ser utilizados para pagamento de débitos previdenciários e
tributários das mantenedoras das IES, sendo vedada, inclusive, a negociação dos
certificados com outras pessoas jurídicas de direito privado, consoante a redação do art.
10, § 3º, da Lei n. 10.260/2001.
Assim, além dessa previsão específica da lei, os certificados emitidos pelo
Tesouro Nacional se encaixam perfeitamente na regra geral de impenhorabilidade prevista
no art. 833, IX, do CPC/2015, já que esses, sim, são recursos públicos recebidos por
instituições privadas para aplicação compulsória em educação.
Ademais, o art. 10, § 1º, da Lei 10.260/2001, ao vedar a negociação pelas
IES com outras pessoas jurídicas de direito público dos certificados de dívida pública
emitidos em favor do FIES, nada dispõe sobre o valores oriundos da recompra dos títulos
e que serão incorporados definitivamente ao patrimônio da instituição de ensino.
Conforme salientado em trecho anterior deste voto, adimplidos os débitos
previdenciários e tributários, eventual saldo credor dos CFT-E de titularidade das
mantenedoras das IES serão resgatados pelo FIES, e o valor equivalente ao resgate será
entregue em moeda corrente, atualizado pelo IGP-M, cabendo à instituição de ensino
aplicar tais valores da forma como bem entender.
Nota-se, ainda, que se fosse outro o raciocínio adotado, seria necessário que
a IES prestasse contas aos órgãos de controle do poder público sobre as quantias
recebidas da recompra dos CFT-E, por se tratar de verba pública de aplicação obrigatória,
demonstrando que tais valores foram efetivamente aplicados em educação, o que não
ocorre.
Ao receber os valores decorrentes da recompra dos CFT-E, as instituições
de ensino incorporam essa verba ao patrimônio, podendo aplicá-la da forma que melhor
atenda aos seus interesses, não havendo nenhuma ingerência do poder público.
Por conseguinte, vedar a constrição dos valores oriundos da recompra
frustraria as expectativas dos credores da instituição de ensino, haja vista que atualmente
boa parte de sua renda é proveniente dos repasses do FIES e do processo de recompra
dos CFT-E, pois, de acordo com informações colhidas do site oficial do Governo Federal,
"as matrículas Fies passaram de aproximadamente 5% do total das matrículas na rede
privada em 2009, para 39%, em 2015" (disponível em
https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/apresentacoes/arquivos/2017/diag
nosticofies_junho2017.pdf - acessado em 11/2/2021).
Dessa forma, não se vislumbra nenhum óbice legal à penhora dos valores
oriundos da recompra dos CFT-E, pelo contrário, mostra-se, inclusive, salutar aos
ordenamentos jurídico e econômico que essas verbas possam ser objeto de constrição
em caso de inadimplemento das obrigações decorrentes das relações privadas das IES,
dando maior credibilidade ao sistema jurídico e garantindo aos credores que haverá
opções para se buscar o crédito na eventual configuração da mora da instituição de
ensino.
De outro lado, importante consignar que não se está alterando a
jurisprudência da Terceira Turma do STJ, citada acima, mas apenas fazendo uma
distinção acerca de quais verbas são realmente impenhoráveis e aquelas que podem ser penhoradas, a fim de adimplir débitos decorrentes das relações privadas das IES.
Nesse contexto, permanece a impenhorabilidade dos recursos públicos
recebidos do FIES pelas instituições privadas de ensino superior, consubstanciados no
CFT-E, em razão da aplicação compulsória em educação.
Entretanto, é plenamente possível a constrição dos valores decorrentes da
recompra do CFT-E pelo FIES, pois tais verbas se incorporam ao patrimônio jurídico da
instituição financeira, que poderá dele dispor livremente, sem nenhuma ingerência estatal.
Desse modo, verifica-se que o acórdão recorrido decidiu em harmonia com
o entendimento acima delineado, de modo que não merece nenhuma alteração.
2. Redução do percentual de penhora sobre o faturamento
No que tange ao pleito de redução do percentual de penhora sobre o
faturamento da recorrente, verifica-se que as razões recursais não apontam os
dispositivos de lei federal tidos por violados a fim de viabilizar o conhecimento da
insurgência a respeito da tese de mérito.
Dessa forma, constata-se que a argumentação apresentada no recurso
mostra-se deficiente, atraindo, assim, a incidência do verbete n. 284 da Súmula do
Supremo Tribunal Federal.
Importa ponderar que o recurso especial é reclamo de natureza vinculada e,
para o seu cabimento, é imprescindível que a parte recorrente demonstre, de forma clara,
os dispositivos apontados como malferidos pela decisão recorrida ou que tiveram
interpretações divergentes por tribunais diversos, sob pena de inadmissão.
A propósito:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO
SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE
CLÁUSULA CONTRATUAL. CÉDULA RURAL. CAPITALIZAÇÃO
MENSAL DOS JUROS. EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL.
COBRANÇA. LEGALIDADE. SÚMULA Nº 93 DO STJ. DECISÃO
RECORRIDA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA
CORTE. PRECEDENTES. ALTERAÇÃO. SÚMULA Nº 7 DO STJ.
DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL NÃO
INDICADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 284 DO STF. AGRAVO
INTERNO NÃO PROVIDO.
[...]
4. Inviável análise de recurso especial interposto pela alínea c do
permissivo constitucional que não indica, com clareza e precisão, os dispositivos de lei federal em relação aos quais haveria dissídio
jurisprudencial. Incidência da Súmula nº 284 do STF.
5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1.566.235/DF, Rel. Min.
Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 09/12/2019, DJe
11/12/2019)
3. Dispositivo
Diante dessas considerações, conheço parcialmente do recurso especial
para, nessa extensão, negar-lhe provimento.
É como voto.