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17 de novembro de 2021

São absolutamente impenhoráveis os recursos públicos recebidos pela Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM)

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-709-stj.pdf


IMPENHORABILIDADE São absolutamente impenhoráveis os recursos públicos recebidos pela Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM) 

São impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas destinados exclusivamente ao fomento de atividades desportivas. Os recursos transferidos pela União para a CBTM a fim de que sejam aplicados nas atividades esportivas são quantias que se enquadram no inciso IX do art. 833 do CPC/2015: Art. 833. São impenhoráveis: (...) IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; STJ. 4ª Turma. REsp 1.878.051-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/09/2021 (Info 709). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

O banco ajuizou execução de título extrajudicial contra a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM). O juiz determinou a penhora on line de R$ 500 mil que estavam depositados em contas da executada. A devedora interpôs agravo de instrumento alegando que a penhora foi indevida porque este valor corresponderia a recursos públicos que foram repassados pela União (Ministério do Esporte) à CBTM e que seriam aplicados compulsoriamente em atividades de fomento ao tênis de mesa, além de constituírem patrimônio separado, indisponível e impenhorável. Logo, seriam verbas impenhoráveis, nos termos do art. 833, IX, do CPC: 

Art. 833. São impenhoráveis: (...) IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; 

O argumento da executada foi acolhido pelo STJ? Tais verbas são impenhoráveis? 

SIM. A Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM) é uma instituição privada sem fins lucrativos e o dinheiro penhorado consiste em recursos públicos recebidos pela devedora e destinados para aplicação exclusiva e integral em programas e em projetos de fomento do desporto nacional. De acordo com a doutrina, o inciso IX do art. 833 do CPC/2015 - que reproduziu o inciso IX do art. 649 do CPC de 1973 - contempla hipótese de impenhorabilidade absoluta fundada no interesse público, que exibe elevado espírito social e se harmoniza com os princípios político-constitucionais contidos no art. 1º da Carta Magna de 1988, os quais retratam os fundamentos do Estado brasileiro. Assim, a doutrina ensina que a impenhorabilidade das verbas públicas - recebidas por pessoas jurídicas de direito privado, com destinação compulsória a finalidades específicas albergadas pela Constituição - caracteriza uma projeção da intangibilidade dos recursos do próprio ente de direito público que os transfere a tais instituições. É como se fossem recursos públicos. Nessa ordem de ideias, as verbas públicas objeto de repasse para instituições privadas - com destinação especial atrelada à satisfação de tarefas públicas -, em razão dessa natureza, não se acham entregues à livre disposição da vontade de quem as possui e as administra, sobressaindo, inclusive, o dever de prestação de contas previsto no parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal. Em outras palavras, a CBTM terá o dever de prestar contas, inclusive para o TCU. Tal inferência não significa, decerto, uma blindagem de todo o patrimônio da pessoa jurídica de direito privado que receba verbas públicas atreladas compulsoriamente a uma destinação de cunho social. Isso porque os recursos públicos obtidos para fins de remuneração ou de contraprestação por serviços prestados, assim como os bens e os recursos privados (mesmo quando voltados a um desígnio social), continuarão sendo objeto de possível excussão forçada, por integrarem o patrimônio disponível da devedora obrigada. Postas tais premissas, é certo que, para além do princípio da supremacia do interesse público, o dinheiro repassado pelos entes estatais - para aplicação exclusiva e compulsória em finalidade de interesse social - não chega sequer a ingressar na “esfera de disponibilidade” da instituição privada, o que constitui fundamento apto a justificar a sua impenhorabilidade não apenas por força do disposto no inciso IX do artigo 833 do CPC (que remete, expressamente, às áreas de educação, saúde e assistência social), mas também em virtude do princípio da responsabilidade patrimonial enunciado nos arts. 789 e 790 do mesmo diploma. No caso, a natureza eminentemente pública das verbas - dadas a sua afetação a uma finalidade social específica estampada nos planos de trabalho a serem obrigatoriamente seguidos pela CBTM e a previsão dos deveres de prestação de contas e de restituição do saldo remanescente - torna evidente o fato de que a instituição privada não detém a disponibilidade das referidas quantias, as quais, por conseguinte, não se incorporam ao seu patrimônio jurídico para fins de subordinação ao processo executivo. 

Em suma: São impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas destinados exclusivamente ao fomento de atividades desportivas. STJ. 4ª Turma. REsp 1.878.051-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/09/2021 (Info 709)


5 de outubro de 2021

São impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas destinados exclusivamente ao fomento de atividades desportivas

Processo

REsp 1.878.051-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Saúde e Bem-Estar
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Execução de título extrajudicial contra a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM). Fomento de atividades desportivas. Repasses de recursos públicos. Afetação. Finalidade social. Impenhorabilidade.

 

DESTAQUE

São impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas destinados exclusivamente ao fomento de atividades desportivas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se, no âmbito de execução ajuizada em face da Confederação Brasileira de Tênis de Mesa (CBTM), podem ser penhorados os recursos públicos recebidos pela devedora (instituição privada sem fins lucrativos) e destinados para aplicação exclusiva e integral em programas e em projetos de fomento do desporto nacional.

Recentemente, a Quarta Turma, ao apreciar o Recurso Especial 1.691.882/SP, tratou da hipótese de mitigação da tutela executiva, apontando o intuito do legislador (em juízo ex ante de ponderação e numa perspectiva de sociabilidade) de prestigiar os recursos públicos com desígnios sociais e, por conseguinte, salvaguardar o direito coletivo de sujeitos indeterminados favorecidos pelos investimentos nas áreas de educação, saúde ou assistência social.

De acordo com a doutrina, o inciso IX do artigo 833 do CPC de 2015 - que reproduziu o inciso IX do artigo 649 do CPC de 1973 - contempla hipótese de impenhorabilidade absoluta fundada no interesse público, que exibe elevado espírito social e se harmoniza com os princípios político-constitucionais contidos no artigo 1º da Carta Magna de 1988, os quais retratam os fundamentos do Estado brasileiro.

No entanto, o dinheiro originariamente público - mas objeto de repasse - integra o patrimônio das pessoas jurídicas de direito privado, assim a necessidade da definição da "origem" e da "finalidade" dos recursos para a incidência da regra de impenhorabilidade.

Assim, a doutrina ensina que a impenhorabilidade das verbas públicas - recebidas por pessoas jurídicas de direito privado, com destinação compulsória a finalidades específicas albergadas pela Constituição - caracteriza, "no plano técnico-processual, uma projeção da intangibilidade dos recursos do próprio ente de direito público que os transfere a tais instituições".

Nessa ordem de ideias, as verbas públicas objeto de repasse para instituições privadas - com destinação especial atrelada à satisfação de tarefas públicas -, em razão dessa natureza, não se acham entregues à livre disposição da vontade de quem as possui e as administra, sobressaindo, inclusive, o dever de prestação de contas previsto no parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal.

Tal inferência não significa, decerto, uma blindagem de todo o patrimônio da pessoa jurídica de direito privado que receba verbas públicas atreladas compulsoriamente a uma destinação de cunho social. Isso porque os recursos públicos obtidos para fins de remuneração ou de contraprestação por serviços prestados, assim como os bens e os recursos privados (mesmo quando voltados a um desígnio social), continuarão sendo objeto de possível excussão forçada, por integrarem o patrimônio disponível da devedora obrigada.

Postas tais premissas, é certo que, para além do princípio da supremacia do interesse público, o dinheiro repassado pelos entes estatais - para aplicação exclusiva e compulsória em finalidade de interesse social - não chega sequer a ingressar na "esfera de disponibilidade" da instituição privada, o que constitui fundamento apto a justificar a sua impenhorabilidade não apenas por força do disposto no inciso IX do artigo 833 do CPC (que remete, expressamente, às áreas de educação, saúde e assistência social), mas também em virtude do princípio da responsabilidade patrimonial enunciado nos artigos 789 e 790 do mesmo diploma.

No caso, a natureza eminentemente pública das verbas - dadas a sua afetação a uma finalidade social específica estampada nos planos de trabalho a serem obrigatoriamente seguidos pela CBTM e a previsão dos deveres de prestação de contas e de restituição do saldo remanescente - torna evidente o fato de que a instituição privada não detém a disponibilidade das referidas quantias, as quais, por conseguinte, não se incorporam ao seu patrimônio jurídico para fins de subordinação ao processo executivo.

9 de maio de 2021

CRÉDITOS VINCULADOS AO FIES. IMPENHORABILIDADE. PRECEDENTES DA TERCEIRA TURMA DO STJ. DISTINÇÃO. VALORES DECORRENTES DA RECOMPRA DE CFT-E. POSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 833, IX, DO CPC/2015. PENHORA DE PERCENTUAL DO FATURAMENTO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.761.543 - DF (2018/0214657-7) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

 RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CRÉDITOS VINCULADOS AO FIES. IMPENHORABILIDADE. PRECEDENTES DA TERCEIRA TURMA DO STJ. DISTINÇÃO. VALORES DECORRENTES DA RECOMPRA DE CFT-E. POSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 833, IX, DO CPC/2015. PENHORA DE PERCENTUAL DO FATURAMENTO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS SUPOSTAMENTE VIOLADOS. SÚMULA 284/STF. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO PARA, NESSA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO. 

1. Cinge-se a controvérsia em definir, além da necessidade de redução do percentual de constrição do faturamento, a possibilidade, ou não, de penhora de recursos oriundos de recompra do FIES, ante a sua aplicabilidade compulsória na área da educação. 

2. Conforme a legislação de regência, na medida em que há a prestação do serviço educacional, os títulos Certificados Financeiros do Tesouro - Série E (CFT-E), emitidos pelo Tesouro Nacional, são repassados às Instituições de Ensino Superior (IES) para pagamento exclusivo de contribuições sociais previdenciárias e, subsidiariamente, dos demais tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (art. 10, caput e § 3º, da Lei n. 10.260/2001). 

2.1. Após o pagamento dos referidos débitos previdenciários e tributários, o FIES recomprará os valores de titularidade das instituições de ensino que eventualmente sobrepujam as obrigações legalmente vinculadas, resgatando os títulos CFT-E junto às mantenedoras das IES, e entregará o valor financeiro equivalente ao resgate, atualizado pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). 

2.2. A Terceira Turma do STJ firmou a tese de que os recursos públicos recebidos por instituição de ensino superior privada são impenhoráveis, pois são verbas de aplicação compulsória em educação. Precedentes. 

2.3. Contudo, deve-se fazer uma distinção entre os valores impenhoráveis e aqueles penhoráveis. Os certificados emitidos pelo Tesouro Nacional (CFT-E), de fato, não são penhoráveis, haja vista a vinculação legal da sua aplicação. 

2.4. De outro lado, ao receber os valores decorrentes da recompra de CFT-E, as instituições de ensino incorporam essa verba definitivamente ao seu patrimônio, podendo aplicá-la da forma que melhor atenda aos seus interesses, não havendo nenhuma ingerência do poder público. Assim, havendo disponibilidade plena sobre tais valores, é possível a constrição de tais verbas para pagamento de obrigações decorrentes das relações privadas da instituição de ensino. 

3. Quanto à penhora de percentual do faturamento, ressalta-se que o recurso especial é reclamo de natureza vinculada e, para o seu cabimento, inclusive quando apontado o dissídio jurisprudencial, é imprescindível que se aponte, de forma clara, os dispositivos supostamente violados pela decisão recorrida, sob pena de inadmissão, ante a aplicação analógica da Súmula 284/STF. 

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 23 de março de 2021 (data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Cuida-se, na origem, de agravo de instrumento interposto por Fortium - Editora e Treinamento Ltda. contra decisão que, nos autos da execução de título extrajudicial ajuizada por Sociedade Educacional Brasília S/C Ltda., indeferiu a reunião de diversos processos executivos envolvendo as mesmas partes e determinou a penhora diária de 5% de todo e qualquer ativo financeiro creditado em favor da executada, na conta bancária discriminada, até a satisfação da dívida vindicada nos autos. 

Nas razões do referido inconformismo, a agravante aduziu a existência de conexão com outras execuções, a necessidade de limitação da penhora a 10% do seu faturamento mensal e a impenhorabilidade do crédito oriundo do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). 

A Sexta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios negou provimento à insurgência, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fls. 432-446): 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO INTERNO. NEGATIVA DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO. PENHORA DE FATURAMENTO. PERCENTUAL. RAZOABILIDADE. POSSIBILIDADE DE PENHORA DE CRÉDITOS DO PROGRAMA DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL QUANDO NÃO UTILIZADOS PARA O PAGAMENTO DE TRIBUTOS. AUSÊNCIA DE COMPULSORIEDADE DE APLICAÇÃO EM EDUCAÇÃO. DECISÃO MANTIDA. 1. Os agravantes não trouxeram argumentos aptos a modificar a decisão proferida, inexistindo também qualquer fato novo que possa alterar o entendimento esposado por ocasião do r. .decisum 2. Se há previsão de recompra pelo próprio FIES de certificados, conclui-se que há possibilidade de sobra de títulos não usados para pagar contribuições sociais e os demais tributos referidos no artigo 10 da Lei nº 10.260/2001 e, desse modo, as instituições educacionais, por fim, acabam ficando com quantias em dinheiro do Fundo, as quais são perfeitamente passíveis de penhora. 3. Os recursos oriundos do FIES podem sofrer constrição para satisfazer obrigação do devedor. Ou seja, a partir do momento que o valor, ainda que proveniente dessas verbas, é creditado na conta corrente, não são de aplicação compulsória em educação, passível de penhora ou de bloqueio. 4. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. Agravo Interno Prejudicado. 

Irresignada, a executada interpõe recurso especial, fundamentado na alínea a do permissivo constitucional, apontando violação aos arts. 833, IX, do CPC/2015; e 1º, 7º, 9º, 10, § 1º, e 13 da Lei 10.260/2001. 

Sustenta, em síntese, a impenhorabilidade dos créditos correspondentes à recompra dos certificados representativos dos títulos da dívida pública emitidos em favor do FIES para pagamento de encargos educacionais, haja vista sua aplicação compulsória à área da educação. 

Pugna, ainda, pela redução do percentual de penhora sobre o seu faturamento, ante a violação do princípio da razoabilidade, pois já incidem diversas constrições, as quais totalizam 45% da sua receita e poderão inviabilizar o exercício de sua atividade empresária. 

Contrarrazões às fls. 493-506 (e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): Cinge-se a controvérsia em definir, além da necessidade de redução do percentual de constrição do faturamento, a possibilidade, ou não, de penhora de recursos oriundos de recompra do FIES, ante a sua aplicabilidade compulsória na área da educação. 

1. Penhora de recursos advindos do FIES 

Inicialmente, para melhor compreensão da controvérsia, torna-se imperioso o detalhamento do programa Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) desenvolvido no âmbito do Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pelo Ministério da Educação. 

Sua finalidade primordial é a concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores não gratuitos da educação profissional, técnica e tecnológica, e em programas de mestrado e doutorado com avaliação positiva, conforme determinado pelo art. 1º, caput e § 1º, da Lei n. 10.260/2001. 

Nota-se, portanto, a importância fundamental do programa, pois busca concretizar o direito fundamental de acesso à educação para todos, previsto no art. 205 da CRFB, principalmente por se tratar de uma política pública que prioriza a promoção de acesso de famílias de baixa renda à educação superior. 

Para custear o referido fundo, há autorização orçamentária estabelecida na Lei Orçamentária Anual para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) conceder os financiamentos de acordo com o número de alunos financiados, o percentual de financiamento contratado pelo beneficiário e o valor da semestralidade do curso. 

Em seguida, o FNDE solicita ao Tesouro Nacional a emissão de Certificados Financeiros do Tesouro - Série E (CFT-E), o que enseja o endividamento público, pois se caracteriza como um empréstimo da União, por meio de instituição bancária (Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal), nos termos do art. 7º da Lei n. 10.260/2001. 

Assim, na medida em que há a prestação do serviço educacional, os títulos CFT-E são repassados às Instituições de Ensino Superior (IES) para pagamento exclusivo de contribuições sociais previdenciárias e, subsidiariamente, dos demais tributos administrados pela Receita Federal do Brasil, conforme determinam o art. 10, caput e § 3º, da Lei n. 10.260/2001. 

Entretanto, o art. 13 da legislação de regência prevê que, após o pagamento dos referidos débitos previdenciários e tributários, o FIES recomprará os valores de titularidade das instituições de ensino que eventualmente sobrepujam as obrigações legalmente vinculadas, resgatando os títulos CFT-E junto às mantenedoras das IES, e entregará o valor financeiro equivalente ao resgate, atualizado pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). 

No julgamento do REsp n. 1.840.737/DF, a Ministra Nancy Andrighi citou trecho do relatório de auditoria proferido pelo Tribunal de Contas da União (TC 011.884/2016-9, sessão do Plenário de 23/11/2016), que bem delineia a sistemática de funcionamento do FIES e que ora se pede vênia para também transcrever: 

II.3. Funcionamento do Fies 50. É possível explicar o funcionamento do Fies sob duas óticas: a primeira em relação ao estudante beneficiário e a segunda em relação às mantenedoras das IES, referente a operacionalização do mecanismo de financiamento e pagamento dos encargos devidos às IES. 51. A seguir será explicitado, resumidamente, o funcionamento do programa sob as duas óticas citadas. Para mais detalhes do funcionamento, remete-se ao Mapa de Processo (Apêndices IX.1 e IX.2). II.3.1. Ótica do beneficiário do programa 52. O estudante beneficiário, para participar do programa, deverá fazer sua pré-inscrição em sistema próprio disponibilizado pela Diretoria de Tecnologia da Informação do MEC (DTI/MEC) – FiesSeleção –, momento em que informará os seus dados, a IES em que deseja estudar e o curso desejado. 53. Caso o estudante atenda aos critérios estabelecidos nos normativos do MEC – atualmente: nota igual ou superior a 450 pontos no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), nota maior que zero na redação e renda familiar de até 3 salários mínimos de renda bruta familiar mensal per capita –, poderá ser selecionado para obter o financiamento conforme a lista de classificação divulgada pela Secretaria de Ensino Superior do MEC (Sesu/MEC). O curso pretendido deverá, necessariamente, ser ofertado por mantenedora de IES que já tenha, previamente, aderido ao Fies. 54. Após ter sido selecionado na classificação divulgada pela Sesu/MEC, o estudante deverá confirmar sua inscrição por meio do Sistema Informatizado do Fies (Sisfies), o qual também é mantido pela DTI/MEC. Feito isso, ele deverá comparecer ao agente financeiro escolhido (BB ou Caixa) para formalizar o contrato de financiamento do Fies. 55. A partir daí o estudante estará apto para começar seus estudos com recursos do Fies. Durante o curso, ele pagará, a cada três meses, somente taxa específica relativa a juros (atualmente, R$ 150,00). Ao término de cada semestre, ele deverá realizar o aditamento de seu contrato para o próximo semestre letivo, podendo ser de forma simplificada, quando não há necessidade de novo comparecimento ao agente financeiro, ou não simplificada, quando há necessidade de comparecimento do estudante ao agente financeiro em virtude de alguma alteração contratual mais relevante (por exemplo, troca dos fiadores). 56. Após a conclusão do curso, o beneficiário terá um período de carência para que comece a pagar as parcelas relativas à amortização do seu financiamento; devendo, contudo, continuar arcando com as taxas trimestrais relativas a juros (atualmente o período de carência é de dezoito meses). 57. Terminado o período de carência, o estudante inicia o pagamento das parcelas mensais de seu financiamento, cujo prazo de pagamento poderá ser de até três vezes o período do curso objeto de financiamento. II.3.2. Ótica das mantenedoras de IES 58. A fim de participar do Fies, as mantenedoras de IES devem atender as condições estabelecidas no art. 15 da Portaria Normativa MEC 1, de 22 de janeiro de 2010, e assinar o Termo de Adesão ao programa, procedimento realizado por meio do SisFies. Posteriormente, antes do início de cada semestre letivo, deverão firmar o Termo de Participação, no qual detalharão os cursos e as vagas que serão ofertadas no âmbito do programa. 59. Após os estudantes estarem matriculados nas IES, iniciam-se os cursos financiados pelo programa. Em contrapartida à prestação de serviços realizadas pelas IES, as mantenedoras recebem títulos públicos (CFT-E). 60. Tais títulos são emitidos pela STN após solicitação do agente operador do Fies (FNDE); em contrapartida, o agente operador repassa à STN recursos financeiros equivalentes ao valor dos títulos emitidos. Esses títulos são repassados às mantenedoras na medida em que estas prestam serviços aos estudantes do Fies. De posse dos títulos, as mantenedoras os utilizam no pagamento de débitos de caráter previdenciário ou de tributos federais. 61. Caso a mantenedora não possua débitos relativos a esses tributos ou, ainda, caso, após a quitação dos tributos, reste algum excedente em títulos em sua posse, poderá oferecê-los no processo de recompra realizado pelo agente operador. Nesse caso, o FNDE resgata esses títulos junto às mantenedoras e entrega o valor financeiro equivalente ao resgate atualizado pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) – conforme dispõe o art. 22 do Decreto 3.859/2001. 62. Ocorridas as etapas acima, o processo se repete enquanto a mantenedora for participante do Fies e enquanto houver alunos do Fies estudando nas IES a ela vinculadas. (Informações extraídas de https://portal.tcu.gov.br/data/files/08/43/F7/B1/51B98510784389852A2 818A 8/011.884-2016-9%20_FIES_.pdf, acesso em 15/10/2019) 

Portanto, nota-se que a Terceira Turma do STJ, no julgamento do recurso especial acima referido, assim como no julgamento do REsp n. 1.588.226/DF, firmou a tese de que os recursos públicos recebidos por instituição de ensino superior privada são impenhoráveis, pois são verbas de aplicação compulsória em educação. 

Entretanto, ao revisitar o tema, constata-se que deve haver uma distinção entre os valores tidos como impenhoráveis, apreciados pelos referidos precedentes, daqueles penhoráveis, conforme se passará a demonstrar. 

Relembre-se que o art. 833, IX, do CPC/2015 reconhece a impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social. 

Contudo, a interpretação desse dispositivo não pode ser extensiva, de modo a vedar a constrição de qualquer valor que decorra de repasses públicos às IES privadas, assim como não pode implicar uma impenhorabilidade perpétua, pois isso desvirtuaria a lógica do sistema, ante a possibilidade da execução de manobras capazes de inviabilizar a satisfação do crédito dos credores das mantenedoras das IES. 

Importante reafirmar que, por disposição legal, não é possível a constrição de CFT-E, haja vista que a legislação de regência determina expressamente que tais títulos somente poderão ser utilizados para pagamento de débitos previdenciários e tributários das mantenedoras das IES, sendo vedada, inclusive, a negociação dos certificados com outras pessoas jurídicas de direito privado, consoante a redação do art. 10, § 3º, da Lei n. 10.260/2001. 

Assim, além dessa previsão específica da lei, os certificados emitidos pelo Tesouro Nacional se encaixam perfeitamente na regra geral de impenhorabilidade prevista no art. 833, IX, do CPC/2015, já que esses, sim, são recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação. 

Ademais, o art. 10, § 1º, da Lei 10.260/2001, ao vedar a negociação pelas IES com outras pessoas jurídicas de direito público dos certificados de dívida pública emitidos em favor do FIES, nada dispõe sobre o valores oriundos da recompra dos títulos e que serão incorporados definitivamente ao patrimônio da instituição de ensino. 

Conforme salientado em trecho anterior deste voto, adimplidos os débitos previdenciários e tributários, eventual saldo credor dos CFT-E de titularidade das mantenedoras das IES serão resgatados pelo FIES, e o valor equivalente ao resgate será entregue em moeda corrente, atualizado pelo IGP-M, cabendo à instituição de ensino aplicar tais valores da forma como bem entender. 

Nota-se, ainda, que se fosse outro o raciocínio adotado, seria necessário que a IES prestasse contas aos órgãos de controle do poder público sobre as quantias recebidas da recompra dos CFT-E, por se tratar de verba pública de aplicação obrigatória, demonstrando que tais valores foram efetivamente aplicados em educação, o que não ocorre. 

Ao receber os valores decorrentes da recompra dos CFT-E, as instituições de ensino incorporam essa verba ao patrimônio, podendo aplicá-la da forma que melhor atenda aos seus interesses, não havendo nenhuma ingerência do poder público. 

Por conseguinte, vedar a constrição dos valores oriundos da recompra frustraria as expectativas dos credores da instituição de ensino, haja vista que atualmente boa parte de sua renda é proveniente dos repasses do FIES e do processo de recompra dos CFT-E, pois, de acordo com informações colhidas do site oficial do Governo Federal, "as matrículas Fies passaram de aproximadamente 5% do total das matrículas na rede privada em 2009, para 39%, em 2015" (disponível em https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/apresentacoes/arquivos/2017/diag nosticofies_junho2017.pdf - acessado em 11/2/2021). 

Dessa forma, não se vislumbra nenhum óbice legal à penhora dos valores oriundos da recompra dos CFT-E, pelo contrário, mostra-se, inclusive, salutar aos ordenamentos jurídico e econômico que essas verbas possam ser objeto de constrição em caso de inadimplemento das obrigações decorrentes das relações privadas das IES, dando maior credibilidade ao sistema jurídico e garantindo aos credores que haverá opções para se buscar o crédito na eventual configuração da mora da instituição de ensino. 

De outro lado, importante consignar que não se está alterando a jurisprudência da Terceira Turma do STJ, citada acima, mas apenas fazendo uma distinção acerca de quais verbas são realmente impenhoráveis e aquelas que podem ser penhoradas, a fim de adimplir débitos decorrentes das relações privadas das IES. 

Nesse contexto, permanece a impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos do FIES pelas instituições privadas de ensino superior, consubstanciados no CFT-E, em razão da aplicação compulsória em educação. 

Entretanto, é plenamente possível a constrição dos valores decorrentes da recompra do CFT-E pelo FIES, pois tais verbas se incorporam ao patrimônio jurídico da instituição financeira, que poderá dele dispor livremente, sem nenhuma ingerência estatal. 

Desse modo, verifica-se que o acórdão recorrido decidiu em harmonia com o entendimento acima delineado, de modo que não merece nenhuma alteração.

 2. Redução do percentual de penhora sobre o faturamento 

No que tange ao pleito de redução do percentual de penhora sobre o faturamento da recorrente, verifica-se que as razões recursais não apontam os dispositivos de lei federal tidos por violados a fim de viabilizar o conhecimento da insurgência a respeito da tese de mérito. 

Dessa forma, constata-se que a argumentação apresentada no recurso mostra-se deficiente, atraindo, assim, a incidência do verbete n. 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 

Importa ponderar que o recurso especial é reclamo de natureza vinculada e, para o seu cabimento, é imprescindível que a parte recorrente demonstre, de forma clara, os dispositivos apontados como malferidos pela decisão recorrida ou que tiveram interpretações divergentes por tribunais diversos, sob pena de inadmissão. 

A propósito: 

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. CÉDULA RURAL. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGALIDADE. SÚMULA Nº 93 DO STJ. DECISÃO RECORRIDA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. PRECEDENTES. ALTERAÇÃO. SÚMULA Nº 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL NÃO INDICADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 284 DO STF. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. [...] 4. Inviável análise de recurso especial interposto pela alínea c do permissivo constitucional que não indica, com clareza e precisão, os dispositivos de lei federal em relação aos quais haveria dissídio jurisprudencial. Incidência da Súmula nº 284 do STF. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1.566.235/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 09/12/2019, DJe 11/12/2019) 

3. Dispositivo 

Diante dessas considerações, conheço parcialmente do recurso especial para, nessa extensão, negar-lhe provimento. 

É como voto. 

3 de maio de 2021

EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE REPASSE DE VERBA ORIUNDA DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA. ESCOLA DE SAMBA. CARNAVAL. EQUIPAMENTOS E MATERIAIS PERMANENTES. INALIENABILIDADE. VERBAS PARA A CONSECUÇÃO DE FINALIDADES DE INTERESSE PÚBLICO E RECÍPROCO. APLICAÇÃO COMPULSÓRIA EM EDUCAÇÃO OU ASSISTÊNCIA SOCIAL. NÃO OCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DAS IMPENHORABILIDADES. ESTÍMULO A CULTURA E A HISTÓRIA LOCAL. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.816.095 - SC (2019/0154017-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE REPASSE DE VERBA ORIUNDA DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA. ESCOLA DE SAMBA. CARNAVAL. EQUIPAMENTOS E MATERIAIS PERMANENTES. INALIENABILIDADE. VERBAS PARA A CONSECUÇÃO DE FINALIDADES DE INTERESSE PÚBLICO E RECÍPROCO. APLICAÇÃO COMPULSÓRIA EM EDUCAÇÃO OU ASSISTÊNCIA SOCIAL. NÃO OCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DAS IMPENHORABILIDADES. ESTÍMULO A CULTURA E A HISTÓRIA LOCAL. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. 

1. Execução de título extrajudicial da qual se extrai este recurso especial, interposto em 4/2/19 e concluso ao gabinete em 3/6/19. Julgamento: CPC/15. 

2. O propósito recursal consiste em definir se são penhoráveis as verbas recebidas por escola de samba a título de parceria com a administração pública. 3. O art. 35, §5º, da Lei 13.019/14 dispõe que os “equipamentos e materiais permanentes” adquiridos com recursos provenientes da celebração da parceria serão gravados com cláusula de inalienabilidade. Não são os recursos o objeto da restrição legal, mas o produto do seu investimento necessário à consecução do projeto de parceria. 

4. É inquestionável o valor social, cultural, histórico e turístico do carnaval brasileiro, uma das maiores expressões artísticas nacionais com alcance mundial, inclusive com bens reconhecidos pela UNESCO como patrimônio cultural imaterial da humanidade. 

5. A Lei 13.019/14 considera que a parceria entre a administração pública e as organizações da sociedade civil é feita “para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco” (art. 2º, III) jamais restringindo seu âmbito “para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social” (art. 833, IX, do CPC). 

6. No particular, o acórdão recorrido fez a interpretação do Edital de Seleção de Projetos Culturais do Município de Florianópolis para concluir que o objetivo do repasse das verbas públicas é o estímulo a cultura e história local, não havendo qualquer menção de que tais valores seriam aplicados em educação, saúde ou assistência social. Súmula 5/STJ. 

7. Recurso especial conhecido e não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). CAROLINE DA ROSA VIZEU DA SILVA, pela parte RECORRENTE: SOCIEDADE RECREATIVA E CULTURAL UNIDOS DA COLONINHA. 

Brasília (DF), 05 de novembro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por SOCIEDADE RECREATIVA E CULTURAL UNIDOS DA COLONINHA, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/SC. 

Ação: de execução de título extrajudicial, ajuizada por CARLOS ALBERTO SILVEIRA SCHNEIDER, em face de SOCIEDADE RECREATIVA E CULTURAL UNIDOS DA COLONINHA, na qual requer o cumprimento do contrato de prestação de serviços no valor de R$ 95 mil. 

Decisão interlocutória: suspendeu a ordem de penhora por reconhecer a impenhorabilidade da verba repassada à recorrente em regime de parceria com a administração pública. 

Acórdão: deu provimento ao agravo de instrumento interposto pelo recorrido, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE SUSPENDEU A ORDEM DE PENHORA DE VALORES. RECURSO DO EXEQUENTE ALEGAÇÃO DE IMPENHORABILIDADE DE VERBAS PÚBLICAS. INSUBSISTÊNCIA. REPASSE DE VALORES EM FAVOR DE ESCOLA DE SAMBA. VERBAS RECEBIDAS PELA AGRAVADA QUE NÃO SE ENQUADRAM NAS HIPÓTESES DO INCISO IX, DO ART. 833, DO NCPC. EDITAL PREVENDO O ESTÍMULO À CULTURA E HISTÓRIA LOCAL, SEM QUALQUER REFERÊNCIA ÀS ÁREAS DA EDUCAÇÃO, SAÚDE E/OU ASSISTÊNCIA SOCIAL. DESTINAÇÃO ESPECÍFICA DAS VERBAS INCAPAZ DE PREJUDICAR FUTUROS REPASSES DE VALORES À ESCOLA DE SAMBA, TENDO EM VISTA SER RELATIVA A PAGAMENTO DE SERVIÇO PRESTADO PELO EXEQUENTE EM BENEFÍCIO DA AGREMIAÇÃO. CARNAVALESCO QUE REALIZOU TRABALHO ARTÍSTICO EM PROL DA ESCOLA DE SAMBA, A QUAL SAGROU-SE VITORIOSA NO CARNAVAL DE 2016. ORDEM DE PENHORA QUE, POR ORA, DEVE SER MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 

Recurso especial: alega violação dos arts. 832, 833, I, IX, do CPC/15, 35, §5º, da Lei 13.019/14, bem como dissídio jurisprudencial. 

Sustenta a natureza impenhorável da verba pública obtida mediante projeto detalhado da sua destinação ao Carnaval de Florianópolis. 

Defende que o carnaval não se esgota enquanto fenômeno de cultura, lazer e turismo, atrelando-se também à finalidade educacional e de assistência social, haja vista que: 

i) os fins educacionais estão, indubitavelmente, ligados à cultura e folclore brasileiro, que, de modo incontroverso, fomentam a expressão artística, o turismo e a vivência histórica no Brasil, sobretudo por ser a oportunidade dada à comunidade e àqueles que assistem ao espetáculo cultural de aprimorarem o conhecimento acerca de temas como esporte, história, política, religiões, ou ainda um apelo popular desenvolvido pela escola de samba; 

ii) é visível a assistência social, pois o carnaval parte de um projeto social comunitário trabalhado o ano inteiro para que no início de cada ano seja disseminada toda atividade e produção artística desenvolvida pela comunidade que vive o samba, trazendo grande integração social e desenvolvimento comunitário. 

Assevera que os subsídios repassados pelo Município de Florianópolis para a realização do desfile oficial das Escolas de Samba do Carnaval na passarela “Nego Quirido” não podem ser objeto de bloqueio judicial para a quitação de dívidas pretéritas, de modo a defasar a imperiosa prestação de contas, pondo em risco a realização do Carnaval. 

Contrarrazões apresentadas às fls. 424-445 (e-STJ). 

Admissibilidade: o recurso foi admitido pelo TJ/SC. 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal consiste em definir se são penhoráveis as verbas recebidas por escola de samba a título de parceria com a administração pública. 

O Código de Processo Civil de 2015 estabelece que são impenhoráveis “os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução”, bem como “os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social” (art. 833, I, IX). Igualmente, “não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis” (art. 832). 

Por se tratar de artigos referentes a impenhorabilidades sua interpretação deve ser restritiva, sempre com foco no núcleo essencial que justifica a própria instituição da regra, isto é, o almejado equilíbrio entre a satisfação do crédito para o credor e a menor onerosidade para o devedor. 

O art. 35, §5º, da Lei 13.019/14 dispõe que os “equipamentos e materiais permanentes” adquiridos com recursos provenientes da celebração da parceria serão gravados com cláusula de inalienabilidade. Portanto, não são os recursos o objeto da restrição legal, mas o produto do seu investimento necessário à consecução do projeto de parceria. 

Nesse sentido, também afasta-se a hipótese de bens não sujeitos à execução por ato voluntário, pois as verbas adquiridas pela escola de samba seguem regramento estabelecido na Lei 13.019/14, sem qualquer dispositivo que faça menção de sua impenhorabilidade. 

A recorrente faz um grande exercício hermenêutico para dizer que os recursos recebidos para execução do Carnaval têm a mesma proteção conferida pelo art. 833, IX, do CPC, sob o argumento de que o carnaval não se esgota enquanto fenômeno de cultura, lazer e turismo, atrelando-se também à finalidade educacional e de assistência social. 

Nessa linha, afirma que os fins educacionais estariam, indubitavelmente, ligados à cultura e folclore brasileiro, que, de modo incontroverso, fomentam a expressão artística, o turismo e a vivência histórica no Brasil, sobretudo por ser a oportunidade dada à comunidade e àqueles que assistem ao espetáculo cultural de aprimorarem o conhecimento acerca de temas como esporte, história, política, religiões, ou ainda um apelo popular desenvolvido pela escola de samba. 

E prossegue ao defender que é visível a assistência social, pois o carnaval parte de um projeto social comunitário trabalhado o ano inteiro para que no início de cada ano seja disseminada toda atividade e produção artística desenvolvida pela comunidade que vive o samba, trazendo grande integração social e desenvolvimento comunitário. 

É inquestionável o valor social, cultural, histórico e turístico do carnaval brasileiro, uma das maiores expressões artísticas nacionais com alcance mundial. A multiplicidade das suas manifestações em todo o país fez com que a UNESCO reconhecesse o samba de roda do recôncavo baiano e o frevo do carnaval pernambucano como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Além deles, o Maracatu Nação, Maracatu de Baque Solto e as Matrizes do Samba são bens culturais igualmente salvaguardados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Este reconhecimento de envergadura nacional e internacional, todavia, não autoriza dizer por lei que sua promoção visa compulsoriamente à educação e à assistência social. 

A própria Lei 13.019/14 considera que a parceria entre a administração pública e as organizações da sociedade civil é feita “para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco” (art. 2º, III) jamais restringindo seu âmbito “para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social” (art. 833, IX, do CPC). 

A estratégia discursiva da recorrente ao tentar subsumir o carnaval aos conceitos de educação e assistência social, por mais persuasiva que possa parecer em outras áreas do conhecimento, acaba por extrapolar a interpretação restritiva das normas jurídico-processuais que versam sobre as impenhorabilidades. 

Acaso acolhida a argumentação da recorrente, com tamanha abertura conceitual das disposições do art. 833, IX, do CPC, nada escaparia da ideia de educação e de assistência social, pois, no limite, toda relação intersubjetiva poderia ser apreendida também no seu aspecto pedagógico ou social. 

Esta Corte Superior já decidiu controvérsia acerca da interpretação do art. 833, IX, do CPC, pontualmente sobre a possibilidade de penhora dos créditos vinculados ao programa Fundo de Financiamento Estudantil – FIES. 

No julgamento do REsp 1588226/DF (DJe 20/10/2017), a Terceira Turma reconheceu a impenhorabilidade dos recursos vinculados aos Certificados Financeiros do Tesouro - Série E (CFT-E), diante da efetiva prestação de serviços educacionais aos alunos beneficiados pelo financiamento estudantil. Inequívoco, nesta hipótese, que as instituições de ensino superior recebem os recursos públicos para aplicação compulsória em educação. 

No particular, o acórdão recorrido fez a interpretação do Edital de Seleção de Projetos Culturais do Município de Florianópolis para concluir que "o objetivo do repasse das referidas obras públicas é o estímulo à cultura e história local, não havendo qualquer menção de que tais valores seriam aplicados em educação, saúde ou assistência social" (e-STJ fl. 319). Rever este entendimento do Tribunal de origem sobre as cláusulas do contrato de parceria público-privada esbarra inevitavelmente no óbice da Súmula 5/STJ. 

De qualquer ângulo, não há como acolher o propósito recursal pela alínea "a" e "c" do permissivo constitucional, pois inexistente violação aos artigos 832, 833, I, IX, do CPC/15, 35, §5º, da Lei 13.019/14. 

Portanto, deve ser mantida a conclusão do TJ/SC de permitir a penhora de repasses de verbas públicas destinadas à escola de samba recorrente, para pagamento do crédito referente aos serviços prestados pelo recorrido. 

Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. 

23 de abril de 2021

PENHORA - São penhoráveis as verbas recebidas por escola de samba a título de parceria público-privada com a administração pública

Fonte: Dizer o Direito 

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2020/06/info-660-stj.pdf


PENHORA - São penhoráveis as verbas recebidas por escola de samba a título de parceria público-privada com a administração pública 

São penhoráveis as verbas recebidas por escola de samba a título de parceria público-privada com a administração pública. A situação NÃO se enquadra na hipótese do art. 833, IX, do CPC: Art. 833. São impenhoráveis: (...) IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; STJ. 3ª Turma. REsp 1.816.095-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/11/2019 (Info 660). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

João ingressou com execução de título extrajudicial contra a escola de samba “Unidos da Boa Esperança”. Como não houve pagamento, o juiz determinou a penhora de R$ 100 mil da escola de samba, que estavam depositados em uma conta bancária. A Unidos da Boa Esperança comprovou que ela tinha recebido esse dinheiro do Poder Público em razão de parceria público-privada firmada com a Administração Pública com o objetivo de incentivar o carnaval da cidade. Diante disso, a escola alegou que esses valores seriam impenhoráveis com base no art. 833, IX, do CPC: 

Art. 833. São impenhoráveis: (...) IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; 

A escola defendeu a tese de que o carnaval não se esgota enquanto fenômeno de cultura, lazer e turismo, atrelando-se também à finalidade educacional e de assistência social. 

A tese da escola de samba foi acolhida pelo STJ? NÃO. 

Os dispositivos relacionados com a impenhorabilidades devem ser interpretados restritivamente, sempre com foco no núcleo essencial que justifica a própria instituição da regra, isto é, o almejado equilíbrio entre a satisfação do crédito para o credor e a menor onerosidade para o devedor. O art. 35, § 5º, da Lei nº 13.019/2014 (Lei das parcerias) dispõe que os “equipamentos e materiais permanentes” adquiridos com recursos provenientes da celebração da parceria serão gravados com cláusula de inalienabilidade. Não são os recursos o objeto da restrição legal, mas o produto do seu investimento necessário à consecução do projeto de parceria. É inquestionável o valor social, cultural, histórico e turístico do carnaval brasileiro, uma das maiores expressões artísticas nacionais com alcance mundial, inclusive com bens reconhecidos pela UNESCO como patrimônio cultural imaterial da humanidade. A Lei nº 13.019/2014 considera que a parceria entre a administração pública e as organizações da sociedade civil é feita “para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco” (art. 2º, III) jamais restringindo seu âmbito “para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social” (art. 833, IX, do CPC). No caso concreto, o Edital de Seleção de Projetos Culturais previa que o objetivo do repasse das verbas públicas seria o estímulo a cultura e história local, não havendo qualquer menção de que tais valores seriam aplicados em educação, saúde ou assistência social. 

Em suma: São penhoráveis as verbas recebidas por escola de samba a título de parceria público-privada com a administração pública. STJ. 3ª Turma. REsp 1.816.095-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/11/2019 (Info 660).