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19 de junho de 2021

A faturizada não responde caso o devedor não pague o crédito que ela cedeu à factoring, sendo nula a cláusula que tente responsabilizá-la; também é nulo título de crédito que a faturizada seja obrigada a emitir se responsabilizando pela solvência dos créditos cedido

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-695-stj.pdf


DIREITO EMPRESARIAL - FACTORING: A faturizada não responde caso o devedor não pague o crédito que ela cedeu à factoring, sendo nula a cláusula que tente responsabilizá-la; também é nulo título de crédito que a faturizada seja obrigada a emitir se responsabilizando pela solvência dos créditos cedidos 

A empresa faturizada não responde pela insolvência dos créditos cedidos, sendo nulos a disposição contratual em sentido contrário e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring. A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não permite que os contratantes, ainda que sob o argumento da autonomia de vontades, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. STJ. 3ª Turma.REsp 1.711.412-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

Factoring 

Factoring (ou faturização) é o contrato por meio do qual um empresário (faturizado) cede a uma instituição de factoring (faturizadora), total ou parcialmente, os títulos de créditos recebidos com a atividade empresária para que a factoring antecipe os pagamentos a prazo ou faça apenas a administração desses créditos. 

Personagens 

• Faturizador: empresa de factoring. 

• Faturizado: cliente. 

Terminologias 

O contrato de factoring é também chamado de faturização ou fomento mercantil. 

Atividades desempenhadas pela factoring 

Existem duas modalidades principais de factoring, que se diferenciam, entre si, pelas atividades desempenhadas pela instituição faturizadora. 

a) Factoring tradicional (conventional factoring): O empresário cede à factoring os títulos de crédito que recebeu em sua atividade empresária e que somente irão vencer em uma data futura, e a empresa de factoring antecipa esse pagamento, recebendo, como contraprestação, um percentual desses créditos. Trata-se de uma forma de o empresário obter capital de giro nas vendas a prazo. Ex: uma loja recebe um cheque “pré-datado” (pós-datado) para 90 dias no valor de R$ 10 mil. Ocorre que a loja precisa de dinheiro logo. Então, ela cede o cheque para a empresa de factoring, que irá pagar à vista para a loja R$ 9.700,00 e, daqui a 90 dias, irá descontar o cheque, ficando com os R$ 10 mil. A loja recebeu o crédito à vista e teve que pagar um percentual à factoring. É como se o cliente tivesse “vendido” o título para a factoring, que irá cobrar do devedor no momento do vencimento da dívida. 

b) Factoring de vencimento (maturity factoring): Aqui, a faturizadora não antecipa qualquer pagamento ao empresário. O faturizado somente irá receber realmente na data do vencimento. Nesta modalidade de factoring, a faturizadora apenas fica responsável pela prestação de serviços de administração do crédito. Ex: o faturizado recebe inúmeros cheques pósdatados e duplicatas que somente vencerão daqui a alguns dias, cada um em uma data diferente. Para evitar preocupações com esse controle das datas e das cobranças, o empresário manda esses títulos para a factoring, que ficará responsável por gerenciar esses créditos e fazer a cobrança nas datas de vencimento. Na data do vencimento de cada título, a factoring paga o crédito ao empresário e vai cobrar dos devedores originários, dispensando o faturizado desse trabalho. 

Factoring não é instituição financeira 

O conceito legal de instituição financeira está previsto no art. 17, da Lei n.º 4.595/64, e a factoring não se enquadra em tal definição. A factoring não faz a captação de dinheiro de terceiros, como acontece com os bancos, nem realiza contratos de mútuo. A empresa de factoring utiliza recursos próprios em suas atividades. Logo, a factoring não integra o Sistema Financeiro Nacional nem necessita de autorização do Banco Central para funcionar. 

As empresas popularmente conhecidas como factoring desempenham atividades de fomento mercantil, de cunho meramente comercial, em que se ajusta a compra de créditos vencíveis, mediante preço certo e ajustado, e com recursos próprios, não podendo ser caracterizadas como instituições financeiras. STJ. 3ª Seção. CC 98.062/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 25/08/2010. 

O contrato de conventional factoring é um contrato de mútuo? 

NÃO. Em verdade, consiste em uma compra e venda de créditos (direitos), por um preço ajustado entre as partes. 

Qual é o limite de juros das factorings? 

As empresas de "factoring" não se enquadram no conceito de instituições financeiras e, por isso, os juros remuneratórios estão limitados em 12% ao ano, nos termos da Lei de Usura (STJ. 4ª Turma. REsp 1048341/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 10/02/2009). 

Riscos do inadimplemento 

Caso a faturizadora não consiga receber do devedor o valor do título, ela poderá cobrar essa quantia do faturizado que lhe cedeu esse crédito? Ex: mulher foi até a loja de sapatos e pagou com um cheque pósdatado de R$ 1.000,00. A loja “vendeu” esse cheque para a factoring. Ocorre que o cheque não foi descontado por falta de fundos. A faturizadora poderá cobrar a quantia do faturizado (loja)? NÃO. A faturizadora não tem direito de regresso contra o faturizado com base no inadimplemento dos títulos transferidos, uma vez que esse risco é da essência do contrato de factoring e por ele o faturizado paga preço mais elevado do que pagaria, por exemplo, em um contrato de desconto bancário, no qual a instituição financeira não garante a solvência dos títulos descontados. O risco advindo dessa operação de compra de direitos creditórios, consistente justamente na eventual inadimplência do devedor/sacado, constitui elemento essencial do contrato de factoring, não podendo ser transferido ao faturizado/cedente, sob pena de desnaturar a operação de fomento mercantil. Assim, o faturizado não pode ser demandado regressivamente pelo pagamento da dívida. 

Contrato de factoring não é uma simples cessão de crédito 

Essa é a principal diferença entre o contrato de factoring e o de desconto bancário: 

• No desconto bancário, o cedente responde em caso de inadimplência do devedor. 

• No contrato de factoring, o faturizado não responde em caso de inadimplência do devedor. 

“Enfim, a diferença fundamental entre o fomento mercantil e o desconto bancário, forma de empréstimo de dinheiro, reside no fato de que, no primeiro, inexiste direito de regresso e, no segundo, encontra-se garantido o referido direito, podendo, entretanto, a instituição financeira abrir mão desse regresso (...)” (Min. Antonio Carlos Ferreira). 

Se o contrato contiver previsão de responsabilidade do faturizado, esta cláusula é nula 

Mesmo que o contrato de factoring preveja a responsabilidade do faturizado nesses casos, tal cláusula deverá ser considerada nula: 

O risco assumido pelo faturizador é inerente à operação de factoring, não podendo o faturizado ser demandado para responder regressivamente, salvo se tiver dado causa ao inadimplemento dos contratos cedidos. STJ. 4ª Turma. REsp 949.360/RN, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 17/12/2013. 

Na hipótese de mera inadimplência do devedor, a possibilidade de a faturizadora reaver do faturizado o que lhe pagou pela cessão do crédito desnatura o contrato de fomento mercantil, confundindo-se com o contrato de desconto bancário. Assim, a natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não permite que os contratantes, ainda que sob o argumento da autonomia de vontades, estipulem a responsabilidade do cedente (faturizado) pela solvência do devedor/sacado. Desse modo, não se aplica para o contrato de factoring, a primeira parte do art. 296 do Código Civil abaixo sombreada: 

Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor. 

No contrato de factoring, não existe a possibilidade de haver essa “estipulação em contrário”. 

Eventual título de crédito emitidos pelo faturizado como garantia da solvência também é nulo 

As empresas de factoring, como forma de tentar superar esse entendimento do STJ, começaram a exigir que a empresa faturizada emitisse nota promissória no mesmo valor do título que estava sendo “vendido”. Assim, se a factoring não conseguisse receber do devedor do título “comprado”, ela executava a nota promissória emitida pela faturizada. Ex: mulher foi até a loja de sapatos e pagou com um cheque pós-datado de R$ 1.000,00. A loja “vendeu” esse cheque para a factoring. Para aceitar adquirir esse “cheque”, a factoring exigiu que a loja (faturizada) emitisse uma nota promissória de R$ 1.000,00. Desse modo, se a factoring não conseguir cobrar da mulher a quantia que está no cheque, ela pretende executar a nota promissória emitida pela faturizada. Ocorre que o STJ também não aceitou essa prática. 

Em suma: A empresa faturizada não responde pela insolvência dos créditos cedidos, sendo nulos a disposição contratual em sentido contrário e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring. STJ. 3ª Turma. REsp 1.711.412-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/05/2021 (Info 695). 

O faturizado responde perante a faturizadora caso o título cedido “não exista” juridicamente ou caso ele seja inválido? 

SIM. O faturizado, ao ceder os títulos, assume a garantia de que eles são existentes. Trata-se de previsão expressa do art. 295 do CC, que pode ser aplicado aos contratos de factoring: 

Art. 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé. 

Desse modo, a faturizadora possui direito de regresso contra o faturizado quando estiver em questão não um mero inadimplemento, mas sim a própria existência do crédito. Assim, o faturizado se responsabiliza, por exemplo, pelo saque, fraudulento, da chamada “duplicata fria”, sem causa legítima subjacente. Não reconhecer tal responsabilidade quando o cedente vende crédito inexistente ou ilegítimo representa compactuar com a fraude e a má-fé. 

6 de junho de 2021

Se a duplicata cumpre os requisitos do art. 2º, § 1º da Lei 5.474/68, ela é válida e eficaz mesmo que tenha tamanho diferente do que o padrão e ainda que contenha a descrição das mercadorias vendidas

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-694-stj-1.pdf


TÍTULOS DE CRÉDITO (DUPLICATA) - Se a duplicata cumpre os requisitos do art. 2º, § 1º da Lei 5.474/68, ela é válida e eficaz mesmo que tenha tamanho diferente do que o padrão e ainda que contenha a descrição das mercadorias vendidas 

A cártula, contendo todos os requisitos essenciais previstos no art. 2º, § 1º, da Lei das Duplicatas, tem validade e eficácia de duplicata, mesmo que não siga rigorosamente as medidas do modelo estabelecido na Resolução do Bacen nº 102/1968 e tenha, também, a descrição da mercadoria objeto da compra e venda e uma fatura da mercadoria objeto da negociação. STJ. 4ª Turma. REsp 1.518.203-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/04/2021 (Info 694). 

Conceito de duplicata Duplicata é... - um título de crédito - que consiste em uma ordem de pagamento emitida pelo próprio credor - por conta de mercadorias que ele vendeu ou de serviços que prestou - e que estão representados em uma fatura - devendo ser paga pelo comprador das mercadorias ou pelo tomador dos serviços. 

Título de crédito genuinamente brasileiro 

A duplicata foi criada pelo direito brasileiro, sendo considerada um título genuinamente brasileiro. 

Regulamentação 

A duplicata é regida pela Lei nº 5.474/68 e pela Lei nº 13.775/2018. 

Requisitos 

O § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474/68 prevê os requisitos da duplicata. Confira: 

Art. 2º (...) § 1º A duplicata conterá: I - a denominação “duplicata”, a data de sua emissão e o número de ordem; II - o número da fatura; III - a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista; IV - o nome e domicílio do vendedor e do comprador; V - a importância a pagar, em algarismos e por extenso; VI - a praça de pagamento; VII - a cláusula à ordem; VIII - a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial; IX - a assinatura do emitente. 

Resolução BACEN 102/1968 

O art. 27 da Lei das Duplicatas (Lei nº 5.474/68) previu que o Conselho Monetário Nacional (CMN) deveria editar norma definindo como deveria ser o padrão formal das duplicatas. Cumprindo essa determinação, foi editada a Resolução nº 102, do Bacen, que divulgou o modelo de duplicata aprovado pelo CMN. Essa Resolução traz a imagem de como deve ser a duplicata e prevê, inclusive, os tamanhos que deverão ser adotados pela cártula: • Altura: mínima de 148mm e máxima de 152mm. • Largura: mínima de 203mm e máxima de 210mm. 

Vejamos, agora, o caso concreto: 

O STJ enfrentou um caso concreto no qual foi emitida uma duplicata que continha todos os requisitos do art. 2º, § 1º, da Lei nº 5.474/68. Ocorre que essa duplicata possuía dois “problemas”: • continha, em seu corpo, a descrição da mercadoria objeto da compra e venda e uma fatura da mercadoria objeto da negociação. Isso, contudo, não é previsto nem na Lei nem na Resolução como informação que deva estar presente; • além disso, ela não respeitava rigorosamente as dimensões máxima e mínima exigidas pela Resolução. 

Essa duplicata, mesmo com as irregularidades acima mencionadas, continua sendo válida e eficaz? SIM. 

A cártula, contendo todos os requisitos essenciais previstos no art. 2º, § 1º, da Lei das Duplicatas, tem validade e eficácia de duplicata, mesmo que não siga rigorosamente as medidas do modelo estabelecido na Resolução do Bacen nº 102/1968 e tenha, também, a descrição da mercadoria objeto da compra e venda e uma fatura da mercadoria objeto da negociação. STJ. 4ª Turma. REsp 1.518.203-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/04/2021 (Info 694). 

Modalidades de duplicata 

Existem três modalidades de duplicata: 

a) a cartular, assinada em papel; 

b) as assinadas por certificado digital, denominadas no mercado de securitização de recebíveis de “duplicata digital”;

c) as correspondentes às informações presentes nos boletos bancários, inicialmente denominadas de “duplicata virtual” ou “eletrônica”, a teor da mais técnica nominação atribuída pela Lei nº 13.775/2018, “duplicata sob a forma escritural”. 

Na prática, com o desenvolvimento da tecnologia, houve a desmaterialização da duplicata, que deixou de ser feita em papel e foi transformada em “registros eletromagnéticos”, transmitidos por computador pelo comerciante ao banco. O banco, por seu turno, faz a cobrança, mediante expedição de simples aviso ao devedor (os chamados boletos), de tal modo que o título em si, na sua expressão de cártula, somente vai surgir se o devedor se mostrar inadimplente. Na imensa maioria dos casos, contudo, a duplicata mercantil será “virtual”. 

Requisitos estão previstos no art. 2º, § 1º da Lei 

Vale observar que os requisitos essenciais da duplicata, os quais devem ser devidamente supridos sob pena de retirar o valor de título de crédito do documento estão claramente previstos no art. 2º, § 1º, da Lei das Duplicatas. Assim, a imprecisão das medidas formais da cártula caracteriza mera e irrelevante irregularidade, cuja pecha de inexistência não encontra respaldo nos usos e costumes, caracterizando formalismo totalmente incompatível com o direito empresarial, isto é, não caracteriza vício que afete a validade e eficácia do título de crédito. Vale ressaltar que não é compatível com a boa-fé objetiva que a sacada dê o aceite sem nenhuma oposição e, contraditoriamente, venha a dizer que o documento não caracteriza duplicata. O art. 113 do Código Civil dispõe que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Não é comum que o sacado e endossatários se valham de régua, por ocasião, respectivamente, do aceite e da operação de endosso, para aferição do preenchimento preciso das dimensões de largura e altura da cártula. Igualmente, não parece razoável o entendimento de que, como a cártula apresenta também a descrição da mercadoria objeto da compra e venda e uma fatura da mercadoria objeto da negociação, desnatura e descaracteriza por completo o título como duplicata. 

DOD PLUS – REVISE ESSE OUTRO JULGADO COM TEMA CORRELATO 

A assinatura do sacador/emitente da duplicata é requisito que pode ser suprido por outro meio Segundo o art. 2º, § 1º da Lei nº 5.474/68, um dos requisitos da duplicata é a assinatura do sacador. Esse requisito pode ser suprido por outros meios, sobretudo quando não ocorre a circulação da duplicata. STJ. 3ª Turma. REsp 1790004-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 13/10/2020 (Info 681)  



10 de maio de 2021

DIREITO EMPRESARIAL - MARCA - Caso Red Bull x Power Bull

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-692-stj.pdf 


DIREITO EMPRESARIAL - MARCA - Caso Red Bull x Power Bull 

Importante!!! 

Red Bull é uma marca de energéticos, conhecidíssima tanto no Brasil como no restante do mundo. Ela foi registrada no INPI em 1993. Em 2010, a empresa Funcional Drinks Ltda registrou, no INPI, a marca Power Bull, para também ser utilizada em bebidas energéticas. Ao tomar conhecimento disso, a Red Bull ajuizou ação contra a empresa Funcional Drinks Ltda e contra o INPI pedindo a nulidade desse registro. Assim, discutiu-se se havia colidência entre as marcas de bebida energética Red Bull e Power Bull. As empresas em conflito atuam no mesmo segmento mercadológico, fornecendo produto similar, que podem estar presente nos mesmos locais de venda e que visam o mesmo público. Existe uma proximidade grande nas marcas considerando que ambas utilizam o termo “bull”, diferenciando-se apenas pelo acréscimo dos vocábulos “red” e “power”. Diante desse quadro, o STJ reconheceu que havia o risco de a empresa Red Bull, notoriamente mais antiga e conhecida, ser indevidamente associada ao produto concorrente. A associação indevida a marca alheia, prevista no art. 124, XIX, da Lei nº 9.279/96, pode ser caracterizada pelo risco de vinculação equivocada quanto à origem dos produtos contrafeitos, ainda que inexista confusão entre os conjuntos marcários. O STJ entendeu também que havia risco de diluição da marca. Isso porque não existem, no Brasil, outras bebidas registradas com o elemento “bull”, de forma que a utilização pela marca concorrente gera um da expressão na classe de bebidas. Vale ressaltar que o fato de haver marcas com o elemento “bull” no exterior não interessa se no Brasil não existe. Isso porque a diluição da marca no exterior não é suficiente para afastar a distintividade do registro no Brasil. Tendo sido reconhecida a colidência entre marcas, o STJ declarou a nulidade do registro da marca Power Bull e condenou a empresa ré a se abster de utilizar essa marca. 

STJ. 3ª Turma.REsp 1.922.135/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: 

Red Bull é uma marca de energéticos, conhecidíssima tanto no Brasil como no restante do mundo. A marca Red Bull foi registrada no INPI em 1993. Em 2010, a empresa Funcional Drinks Ltda registrou, no INPI, a marca Power Bull, para também ser utilizada em bebidas energéticas. Ao tomar conhecimento disso, a Red Bull ajuizou ação contra a empresa Funcional Drinks Ltda e contra o INPI pedindo a nulidade desse registro. A ré afirmou que não há risco de os consumidores confundirem os produtos porque eles possuam diferenças de embalagem e de layout. 

A questão chegou até o STJ. Para o Tribunal, o registro da marca Power Bull deve ser anulado? SIM. 

Associação indevida 

As empresas em conflito atuam no mesmo segmento mercadológico, fornecendo produto similar, que podem estar presente nos mesmos locais de venda e que visam o mesmo público. Existe uma proximidade grande nas marcas considerando que ambas utilizam o termo “bull”, diferenciando-se apenas pelo acréscimo dos vocábulos “red” e “power”. Diante desse quadro, o STJ reconheceu que havia o risco de a empresa Red Bull, notoriamente mais antiga e conhecida, ser indevidamente associada ao produto concorrente. Alguns consumidores poderiam achar que o produto Power Bull fosse um energético que faria parte da linha de produtos da marca Red Bull. Assim, embora não esteja caracterizada a possibilidade de confusão entre as marcas tendo em vista que possuem embalagens e nomes diferentes, havia o risco de indevida associação entre os produtos. Mesmo que não exista a possibilidade de confusão entre as marcas, considerando que o conjunto marcário (cor, embalagem, layout, nome) é diferente, a Lei nº 9.279/96 também proíbe a reprodução parcial ou total de marca que possa causar associação indevida com marca alheia. Confira o que diz o art. 124, XIX, da Lei de Propriedade Industrial: 

Art. 124. Não são registráveis como marca: (...) XIX - reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia; 

A associação indevida a marca alheia, prevista no art. 124, XIX, da Lei nº 9.279/96, pode ser caracterizada pelo risco de vinculação equivocada quanto à origem dos produtos contrafeitos, ainda que inexista confusão entre os conjuntos marcários. STJ. 3ª Turma. REsp 1.922.135/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/04/2021 (Info 692). 

Teoria da diluição 

A Red Bull alegou que ao se permitir que a ré utilize, em sua marca, a palavra-chave “Bull”, isso faz com que este elemento, de suma importância para a autora, seja diluído no mercado, o que abre precedente para que outros comerciantes se sintam no direito de identificar seus produtos e serviços com esse mesmo elemento, fazendo com que a marca Red Bull perca força. Trata-se da chamada teoria da diluição. Segundo explica Fábio Ulhoa Coelho, a diluição consiste na prática adotada por outros empresários que se beneficiam indevidamente do prestígio associado a marcas conhecidas, fazendo com que haja uma perda de valor da marca notória. (Curso de Direito Comercial. Volume 1: Direito de Empresa. 4ª edição em e-book baseada na 23ª edição impressa. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019). A ré argumentou, então, que o termo bull já se encontraria diluído em decorrência da sua ampla utilização para identificar diversos produtos em âmbito internacional. O STJ, contudo, deu razão à autora. Isso porque a diluição internacional ou, no caso, a ofensa à unicidade, não é suficiente para afastar a distintividade da marca registrada no Brasil. Assim, permanece hígido o direito da empresa de zelar pela sua unicidade, integridade ou reputação em território nacional. Vale ressaltar que não existem, no Brasil, outras bebidas registradas com o elemento “bull”, de forma que não prospera a argumentação de que já haveria um desgaste da referida expressão na classe de bebidas. 

Em suma: A diluição da marca no exterior não é suficiente para afastar a distintividade do registro no Brasil. STJ. 3ª Turma. REsp 1.922.135/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/04/2021 (Info 692).


6 de maio de 2021

EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. AÇÃO INCIDENTAL. JULGAMENTO DE MÉRITO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO UNÂNIME. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. APLICAÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.797.866 - SP (2019/0027674-4) 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA 

RECURSO ESPECIAL. EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. AÇÃO INCIDENTAL. JULGAMENTO DE MÉRITO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO UNÂNIME. TÉCNICA DE AMPLIAÇÃO DO COLEGIADO. APLICAÇÃO. 

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

2. A controvérsia gira em torno de (i) aferir se o procedimento estabelecido pelo art. 942 do CPC/2015 possui incidência sobre o caso concreto, (ii) verificar se houve invasão da competência do tribunal arbitral ao se estabelecer o momento de constituição do crédito relativo à multa contratual, (iii) definir se os contratos firmados pela sociedade empresária se resolveram com o pedido de recuperação judicial, (iv) identificar a existência de falha na prestação jurisdicional, (v) determinar se a alteração do critério de fixação da sucumbência depende de pedido expresso e (vi) fixar a norma que rege a sucumbência na hipótese. 

3. Nos termos do artigo 189 da LREF, o Código de Processo Civil se aplica aos procedimentos de recuperação judicial e falência no que couber. 

4. A impugnação de crédito não é um mero incidente processual na recuperação judicial, mas uma ação incidental, de natureza declaratória, que tem como objeto definir a validade do título (crédito) e a sua classificação. 

5. No caso de haver pronunciamento a respeito do crédito e sua classificação, mérito da ação declaratória, o agravo de instrumento interposto contra essa decisão, julgado por maioria, deve se submeter à técnica de ampliação do colegiado prevista no artigo 942, § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015. 

6. Recurso especial provido para, acolhendo a preliminar de nulidade, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento, nos moldes do art. 942 do CPC/2015, ficando prejudicadas, por ora, as demais questões. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília (DF), 14 de maio de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por RAÍZEN ENERGIA S.A., RAÍZEN TARUMÃ LTDA. e RAÍZEN CAARAPÓ S.A. AÇÚCAR E ÁLCOOL, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, impugnando acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado: 

"RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO AO CRÉDITO. CONCURSALIDADE DO CRÉDITO DAS AGRAVADAS. RECONHECIMENTO. RECURSO PROVIDO. Recuperação judicial. Impugnação ao crédito. Concursalidade. Incidência do art. 49, da Lei nº 11.101/2005. Crédito existente ao tempo do pedido recuperacional. Reconhecimento. Recurso provido" (fl. 2.264, e-STJ). 

Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 2.348/2.359, e-STJ). 

Nas razões do recurso especial, as recorrentes alegam, além de dissídio jurisprudencial, violação dos seguintes dispositivos, com as respectivas teses: 

(i) artigo 942, caput, e § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) - porque o tribunal de origem restringiu indevidamente a aplicação da técnica de julgamento estendido, limitando sua ocorrência apenas aos casos em que se discute a reforma da decisão que homologou o plano de recuperação judicial; 

(ii) artigos 1º, 3º, 4º, 8º, parágrafo único, 32 e 33 da Lei nº 9.307/1996 e 485, VII, do CPC 2015 - porque foi reconhecida a possibilidade de discussão acerca da validade de sentença arbitral em incidente no processo de recuperação judicial, além de ingressar no mérito da controvérsia, especificamente nas razões de rescisão dos contratos, matéria de competência exclusiva do tribunal arbitral; 

(iii) artigo 49, caput, e § 2º, da Lei nº 11.101/2005 - porque reconhecida a possibilidade de resolução de contratos pelo simples ajuizamento da recuperação judicial; 

(iv) artigo 1.022 do CPC/2015 - porque o tribunal de origem deixou de se manifestar acerca dos erros de fato indicados nos embargos de declaração; 

(v) artigo 492, caput, do CPC/2015 - porque o tribunal alterou o critério de fixação dos honorários sem pedido expresso das recorridas, e 

(vi) artigo 85, § 2º, do CPC/2015 - porque a Corte de origem fixou equivocadamente os honorários advocatícios, já que, na hipótese, não há condenação, nem benefício econômico para nenhuma das partes em virtude da procedência do pedido. 

REDE ENERGIA PARTICIPAÇÕES S.A. - em Recuperação Judicial e COMPANHIA TÉCNICA DE COMERCIALIZAÇÃO DE ENERGIA - CTCE - apresentaram impugnação às fls. 2.468/2.477 (e-STJ). 

Afirmam as recorridas que toda a controvérsia gira em torno de se definir o momento em que os contratos firmados entre as partes foram resolvidos, de modo a verificar se os valores relativos às multas contratuais estão sujeitos aos efeitos do plano de recuperação judicial. 

Esclarecem que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concluiu que o crédito já existia ao tempo do pedido de recuperação judicial, esbarrando a reversão desse entendimento na censura da Súmula nº 7/STJ. 

Sustentam que o acolhimento da pretensão das recorrentes dependeria da modificação das Cláusulas 4.1.2., 4.6.1 e 4.10 do plano de recuperação, o que não seria possível em recurso especial diante da incidência da Súmula nº 5/STJ. Além disso, as recorridas não recorreram da decisão que homologou o plano, tendo se operado a preclusão lógica e consumativa. 

Apontam que a modificação dos ônus sucumbenciais não depende de pedido expresso, restringindo-se esta Corte a modificar o montante fixado somente nas hipóteses em que são irrisórios ou exorbitantes, o que não é o caso. 

Destacam não ser hipótese de julgamento ampliado, pois não existe propriamente um julgamento de mérito no incidente, o que somente ocorrerá com a homologação do plano de recuperação. 

Salientam que em recuperações de empresas de grande porte são instauradas centenas de incidentes de impugnação ao crédito, nos quais se decide pela admissibilidade e classificação do crédito, mas não sobre seu mérito, que é assentado em processo autônomo. 

Enfatizam que o tribunal arbitral não estabeleceu o momento da resolução dos contratos, mas tão somente o fato de que a CTCE deu causa à extinção dos ajustes, sendo devido o pagamento das multas. 

Assentam que compete exclusivamente ao Juízo da recuperação determinar se um crédito está ou não sujeito aos efeitos da recuperação. 

Requerem que o recurso especial não seja conhecido e, caso conhecido, não seja provido. 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

A controvérsia gira em torno de (i) aferir se o procedimento estabelecido pelo art. 942 do CPC/2015 possui incidência sobre o caso concreto, (ii) verificar se houve invasão da competência do tribunal arbitral ao se estabelecer o momento de constituição do crédito relativo à multa contratual, (iii) definir se os contratos firmados pela sociedade empresária se resolveram com o pedido de recuperação judicial, (iv) identificar a existência de falha na prestação jurisdicional, (v) determinar se a alteração do critério de fixação da sucumbência depende de pedido expresso e (vi) fixar a norma que rege a sucumbência na hipótese. 

A irresignação merece acolhida. 

1. Breve histórico 

Tem-se, na origem, impugnação de crédito apresentada pelas recuperandas em face de Raízen Energia S.A. e outras, pretendendo que o pagamento dos valores devidos às requeridas, decorrentes de multas por resolução de contratos de energia elétrica, seja feito nos termos do plano de recuperação judicial, com a declaração de que as quantias já satisfeitas são suficientes para extinguir a dívida. 

O juízo de primeiro grau julgou improcedente a impugnação, aduzindo em síntese que, 

"(...) Na arbitragem, foi declarado que os contratos foram validamente rescindidos. Na fundamentação da decisão, o Tribunal arbitral reconheceu a validade da rescisão em virtude da cassação pela ANEEL e do consequente desligamento da CCEE. Para os árbitros, 'reconhecida a validade da rescisão, por culpa da CTCE, em virtude da cassação da autorização da ANEEL e do consequente desligamento da CCEE' (sic). Conforme havia previsão contratual, as questões envolvendo os contratos seriam submetidas ao Tribunal Arbitral. No caso, foi o próprio Tribunal Arbitral que determinou o momento em que a rescisão ocorreu. Segundo o título executivo judicial, os contratos foram rescindidos por ocasião da cassação da autorização da ANEEL e do consequente desligamento da CCEE ('108. O fato inafastável é que os contratos se viram frustrados, ou inviáveis de performance, a partir do desligamento da CTCE da CCEE, o que deu azo à justificada rescisão por parte das requerentes'). (...) Cumpre aferir o momento em que ocorreu a cassação da autorização da ANEEL, conforme determinado pelo Tribunal Arbitral. O procedimento administrativo fora instaurado em 08.08.2012 e a revogação somente foi publicada no dia 27.11.2012. A data da cassação pela ANEEL deve ser a data da efetiva publicação da decisão, dia 27 de novembro de 2012. Isso porque é requisito de eficácia do ato administrativo a publicidade. É somente a partir da publicação da decisão da ANEEL que as partes possuiriam ciência inequívoca da cassação da autorização e, portanto, de que o contrato fora rescindido. A rescisão do contrato, ocorrida em 27 de novembro de 2012, nesses termos, é posterior ao pedido de recuperação judicial, realizado em 23 de novembro de 2012. Apenas com a rescisão, por seu turno, é que passa a incidir, sobre o inadimplente, a multa contratual, a qual, portanto, tem existência posterior ao pedido de recuperação judicial" (fls. 201/207, e-STJ - grifou-se) 

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por maioria, reformou a decisão de primeiro grau, destacando: 

"(...) O que deu causa à resolução do contrato e ao crédito das agravadas pela multa arbitrada foi a falta de pagamento dos aportes garantidores que as recuperandas tinham por ônus providenciar junto à comissão que intermediava as vendas de energia, porque dessa falta decorreu a sua suspensão e a impossibilidade de cumprimento dos contratos. Em março de 2012 caracterizou-se a inadimplência das agravantes junto ao órgão intermediador, tendo sido essa a causa da suspensão de novos contratos e posterior perda da autorização para comercialização da eletricidade. O que se tem, assim, é que a causa para a resolução do ajuste firmado com a agravada, apesar de ter sido reconhecida pela ANEEL apenas com a resolução administrativa referida, é muito anterior a ela, tendo restado configurada, como se viu, com a inadimplência em relação aos aportes garantidores junto à CCEE, em março de 2012. (...) Logo, a notificação promovida pela agravada não tem o efeito de alterar ou definir o momento em que o inadimplemento ocorreu. E se o inadimplemento não decorre da referida notificação, ele ocorreu seguramente antes do pedido de recuperação. (...) (...) Acrescente-se que a decisão arbitral não definiu, com efeito de trânsito em julgado, o momento exato em que ocorreu o inadimplemento do contrato, porquanto se restringiu a julgar a pretensão de aplicação da multa contratual. Não fosse por isso, o plano de recuperação judicial apresentado pelas agravantes e que foi aprovado pelos credores especialmente reunidos na Assembleia Geral realizada, previu que os contratos firmados pela coagravante CTCE estariam rescindidos com o pedido recuperacional. (...) (...) Tem-se, assim, que as recorridas reconheceram expressamente que o ajuizamento do pedido de recuperação judicial foi a causa para a rescisão dos contratos, concordando tacitamente com a inclusão de seus créditos (decorrentes do contrato) no processo coletivo. (...) Os contratos firmados entre as partes litigantes são anteriores à recuperação, assim como o é a causa de sua resolução, qual seja a inadimplência das agravantes em relação aos aportes garantidores junto à comissão técnica intermediadora de suas negociações. Tem-se, assim, que a causa da multa aplicada no Tribunal Arbitral é efetivamente anterior ao pedido recuperacional e, portanto, a ele se submete" (fls. 2.267/2.274, e-STJ - grifou-se). 

As recorrentes opuseram embargos de declaração, os quais foram rejeitados em acórdão assim sintetizado: 

"Embargos de declaração - Agravo de instrumento - Decisão de origem reformada por maioria de votos - Pretendido prosseguimento do julgamento com base no artigo 942, § 3º, II, do CPC - Descabimento - Código de Processo Civil que restringe a técnica do julgamento estendido ao agravo de instrumento - Entendimento desta Câmara no sentido de ser cabível o julgamento estendido apenas quando se discute e se reforma decisão a respeito da homologação do plano recuperacional - Argüição de omissões - Hipóteses do art. 1.022 do CPC não verificadas - Inconformismo revelador de natureza infringente dos embargos de declaração - Prequestionamento - Embargos de declaração rejeitados" (fl. 2.350, e-STJ). 

Sobreveio o presente recurso especial. 

2. Da aplicação da técnica de ampliação de julgamento do art. 942, § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015 

A questão que se põe a debate é saber se, no caso de provimento, por maioria, do agravo interposto contra decisão que julga improcedentes os pedidos feitos em impugnação de crédito, reformando a decisão de primeiro grau, como na hipótese dos autos, é aplicável a técnica de ampliação do julgamento prevista no artigo 942, § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015, que tem a seguinte redação: 

"Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. § 1º Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado. § 2º Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento. § 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em: I - ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno; II - agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito. § 4º Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento: I - do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas; II - da remessa necessária; III - não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial." 

Vale lembrar, no ponto, que, de acordo com o artigo 189 da LREF, o Código de Processo Civil se aplica aos procedimentos de recuperação judicial e falência no que couber. 

A Corte de origem afastou a aplicação da técnica de ampliação de julgamento ao entendimento de que não houve a reforma de decisão que julgou parcialmente o mérito nos termos exigidos pelo dispositivo acima mencionado: 

"(...) Ademais, esta 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial tem entendido ser caso de julgamento estendido no processo recuperacional apenas quando se discute e se reforma decisão a respeito da homologação do plano, conforme se extrai do seguinte julgado, a saber: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. OBSCURIDADE. CONTRARIEDADE. INEXISTÊNCIA. REJEIÇÃO. A decisão recorrida deixou claros os motivos do convencimento da Turma Julgadora para a manutenção do crédito do agravado no quadro geral de credores como indicado pelo Administrador Judicial. A matéria em julgamento diz respeito a um incidente do processo de recuperação judicial, cujo mérito, se de mérito se pode falar, é a homologação do Plano de Recuperação ou a Falência. Mérito, no sentido que tem o art. 942, § 3º, inc. II, do NCPC, é o mérito do processo de conhecimento e não dos incidentes do processo. Basta ver que a Lei nesse ponto se refere a 'decisão que julgar parcialmente o mérito', que tudo indica se refere ao julgamento previsto no art. 356 do Código. O mérito não se identifica no incidente, mas na causa principal em julgamento. (...)" (fl. 2.352, e-STJ - grifou-se). 

Essa não parece a melhor interpretação a ser dada ao incidente de impugnação de crédito. 

Com efeito, apesar da nomenclatura "incidente", a impugnação ao crédito não é um mero incidente processual na recuperação judicial, mas uma ação incidental, de natureza declaratória, que segue o rito dos artigos 13 e 15 da LREF. Observa-se que há previsão de produção de provas e, caso necessário, a realização de audiência de instrução e julgamento (art. 15, IV, da LREF), procedimentos típicos dos processos de conhecimento. 

Confira-se, nessa linha, os comentários de José Carlos Barbosa Moreira ao artigo 13 da LREF: 

"(...) A impugnação de crédito(s) constitui autêntico processo incidente, de caráter jurisdicional e contencioso, em que o impugnante assume a posição de autor. A petição do art. 13, portanto, é petição inicial de ação e, como tal, observará, no que couber, o disposto no art. 282 do Código de Processo Civil". (Comentários à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005/coordenadores Osmar Brina Corrêa-Lima, Sérgio Mourão Corrêa Lima. Rio de Janeiro: Forense, 2009, pág. 139 - grifou-se) 

A propósito, ainda, a lição de Paulo Marcondes Brincas: 

"(...) Petição inicial da impugnação: a impugnação é uma ação incidental de natureza contenciosa, cujo conteúdo refere-se à discussão sobre a existência, valor ou classe do crédito impugnado. Desta forma, sua petição inicial deverá conter os mesmos requisitos essenciais a qualquer inicial, determinados pelo artigo 282 do Código de Processo Civil". (De Lucca, Newton e Simão Filho, Adalberto - coordenação. Comentários a Nova Lei de Recuperação de Empresas e de Falências. São Paulo: Quartier Latin, 2005, pág. 143 - grifou-se) 

A respeito da decisão de impugnação de crédito, afirma Waldo Fazzio Júnior: 

"(...) A decisão que culmina com a inclusão do crédito no quadro geral de credores é declaratória da validade do título e do direito ao pagamento". (Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, pág. 77) 

Sob essa perspectiva, a decisão que põe fim ao incidente de impugnação de crédito, pronunciando-se quanto à validade do título (crédito), seu valor e a sua classificação, é inegavelmente uma decisão de mérito. 

Vale destacar o ensinamento de Humberto Theodoro Júnior: 

"(...) A ação de cognição, que provoca a instauração de um processo de conhecimento, busca o pronunciamento de uma sentença que declare entre os contendores que tem razão e quem não a tem, o que se realiza mediante a determinação da regra jurídica concreta que disciplina o caso que formou o objeto do processo". (Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do direito processual civil - vol. I. 58ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, pág. 173) 

Observa-se que no Decreto-Lei nº 7.661/1945, a decisão que põe fim à impugnação de crédito era denominada de sentença e desafiava o recurso de apelação (art. 97) e, fosse esse o caso, os subsequentes embargos infringentes (REsp nº 150.002/MG, relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira). 

Mais uma vez a lição de Barbosa Moreira, agora comentando o artigo 17 da Lei nº 11.101/2005: 

"(...) Aqui, é preciso considerar que o agravo de instrumento está, a rigor, fazendo as vezes de apelação, que aliás era o recurso cabível segundo a anterior Lei de Falências (Decreto-Lei nº 7.661/1945, art. 97, na redação dada pela Lei nº 6.014), embora com a peculiaridade de não produzir efeito suspensivo (art. 97, § 1º). A decisão sobre impugnação não é interlocutória; tem, na verdade, a natureza de sentença. Isso deve ser levado em consideração para determinar a profundidade do efeito devolutivo do agravo". (Comentários à Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas: Lei nº 11.101, de 09 de fevereiro de 2005/coordenadores Osmar Brina Corrêa-Lima, Sérgio Mourão Corrêa Lima. Rio de Janeiro: Forense, 2009, págs. 154/155 - grifou-se) 

Nesse contexto, levando em conta a natureza da decisão, o caso seria até mesmo de aplicação do artigo 942, caput, do CPC/2015. 

É possível concluir, em vista desses fundamentos, que o agravo de instrumento que, por maioria, reforma decisão proferida em impugnação que se pronuncia acerca da validade e classificação do crédito se inclui na regra legal de aplicação da técnica de julgamento ampliado, pois: (i) o Código de Processo Civil se aplica aos procedimentos de recuperação judicial e falência no que couber; (ii) a impugnação de crédito é uma ação incidental de natureza declaratória, em que o mérito se traduz na definição da validade do título e sua classificação; (iii) a decisão que põe fim ao incidente de impugnação de crédito tem natureza de sentença, fazendo o agravo de instrumento as vezes de apelação, e (iv) se a decisão se pronuncia quanto à validade do título e a classificação do crédito, há julgamento de mérito. 

Cumpre sublinhar que, na hipótese dos autos, a decisão objeto do agravo de instrumento concluiu que "a multa decorrente da rescisão contratual é crédito extraconcursal e não se submete ao plano de recuperação judicial" (fl. 206, e-STJ), julgando improcedentes os pedidos e extinguindo o incidente com resolução de mérito. Houve, portanto, pronunciamento quanto à validade do crédito e sua classificação, mérito da ação declaratória, e não sobre questão de índole processual. 

Nesse contexto, não há como afastar a aplicação do artigo 942, § 3º, II, do Código de Processo Civil de 2015, propiciando o aprofundamento da discussão a respeito da controvérsia jurídica sobre a qual houve dissidência. 

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para declarar a nulidade do acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que seja convocada nova sessão de prosseguimento do julgamento do agravo de instrumento, nos moldes do art. 942 do CPC/2015, ficando prejudicada, por ora, a análise das demais questões. 

É o voto. 

4 de maio de 2021

AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. PERDA DOS ATRIBUTOS CAMBIÁRIOS. POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.669.968 - RO (2017/0102648-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

DIREITO EMPRESARIAL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU ERRO MATERIAL. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. PERDA DOS ATRIBUTOS CAMBIÁRIOS. POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI. 

1. Ação monitória fundada em cheques prescritos. 

2. Ação ajuizada em 16/04/2013. Recurso especial concluso ao Gabinete em 22/05/2017. Julgamento: CPC/2015. 

3. O propósito recursal, além de analisar acerca da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, é definir se, na hipótese, é aplicável o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao recorrente – portador dos cheques e terceiro de boa-fé. 

4. Não há que se falar em violação do art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. 

5. Nos termos do art. 25 da Lei 7.357/85, quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor, isto é, salvo se constatada a má-fé do portador do título. 

6. Na hipótese dos autos, contudo, verifica-se que os cheques, que embasaram o ajuizamento da ação monitória, já estavam prescritos, não havendo mais que se falar em manutenção das suas características cambiárias, tais quais a autonomia, a independência e a abstração. 

7. Perdendo o cheque prescrito os seus atributos cambiários, dessume-se que a ação monitória neste documento fundada admitirá a discussão do próprio fato gerador da obrigação, sendo possível a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes ou mesmo ao próprio emitente do título. 

8. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial, com majoração de honorários, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 08 de outubro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por RAY DOS SANTOS ARRUDA, fundamentado exclusivamente na alínea "a" do permissivo constitucional. 

Recurso especial interposto em: 13/02/2017. Concluso ao gabinete em: 22/05/2017. 

Ação: monitória, ajuizada pelo recorrente, em desfavor de EVALDO KRUMENAUER e LUCIDALVA APARECIDA DE OLIVEIRA KRUMENAUER, por meio da qual alega ser credor destes da quantia de R$ 12.000,00 (doze mil reais), representada por dois cheques prescritos (e-STJ fls. 2-3). Os recorridos, por sua vez, opuseram embargos monitórios (e-STJ fls. 15-21). 

Sentença: acolheu os embargos monitórios opostos pelos recorridos e, consequentemente, julgou improcedentes os pedidos iniciais formulados pelo autor da ação (ora recorrente) (e-STJ fls. 86-88). 

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa: Ação monitória. 

Cheques objeto da relação negocial desfeita. Princípio da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé. Relativização. Real devedor. Admite-se a mitigação dos princípios da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé, reconhecendo-se a relativização de tal princípio, quando comprovado que o título de crédito objeto dos autos da ação monitória ajuizada pelo portador foi sustado pelos emitentes em decorrência do descumprimento contratual cometido pelo real devedor (e-STJ fl. 120). 

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados (e-STJ fls. 134-136). 

Recurso especial de RAY DOS SANTOS ARRUDA: alega violação dos arts. 1.022, II, do CPC/2015; 8º, parágrafo único, e 25 da Lei 7.357/85. Além de negativa de prestação jurisdicional, sustenta que: 

a) os cheques foram emitidos ao portador, transmitindo-se, portanto, por mera tradição; o TJ/RO, contudo, considerou que os cheques seriam nominais; 

b) tratando-se de cheque ao portador, o recorrente só pode cobrar o seu emitente, pois inexiste endosso nas cártulas, e, tendo este circulado, veda-se ao devedor opor ao terceiro exceções pessoais com portadores anteriores; e 

c) quando o emitente do cheque não indica o beneficiário, o título poderá circular pela simples tradição da cártula, tornando-se credor aquele que a tem em mãos (e-STJ fls. 138-149). 

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/RS admitiu o recurso especial interposto por RAY DOS SANTOS ARRUDA, determinando a remessa dos autos a esta Corte Superior (e-STJ fls. 180-181). 

Decisão monocrática: conheceu parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, deu-lhe provimento, para determinar o retorno dos autos ao juízo de origem, a fim de seguir no regular processamento da ação monitória (e-STJ fls. 188-190). 

Agravo interno: foi interposto pelos recorridos, pugnando pela reforma da decisão monocrática (e-STJ fls. 193-198). 

Decisão monocrática: ensejou a reconsideração da decisão proferida às fls. 188-190 (e-STJ), tendo sido determinado às partes que aguardassem a inclusão em pauta para julgamento colegiado do recurso especial (e-STJ fl. 214). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR): O propósito recursal, além de analisar acerca da ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, é definir se, na hipótese, é aplicável o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao recorrente – portador dos cheques e terceiro de boa-fé. 

Aplicação do Código de Processo Civil de 2015, pelo Enunciado administrativo n. 3/STJ. 

1. DOS CONTORNOS DA AÇÃO 

Inicialmente, convém salientar ser incontroverso nos autos que: 

a) os recorridos emitiram os cheques, ante a contratação de serviços da empresa CRIARE, como pagamento pela compra de móveis planejados (e-STJ fls. 87; e 123); 

b) os cheques foram sustados, tendo em vista o cancelamento do pedido junto à referida empresa, que deixou de cumprir com suas obrigações (e-STJ fl. 123); 

c) os cheques, contudo, foram repassados ao recorrente, expressamente reconhecido pelo TJ/RO como “terceiro de boa-fé” (e-STJ fl. 123); e 

d) o recorrente, portador das cártulas já prescritas, ajuizou a ação monitória em desfavor dos próprios emitentes (ora recorridos) (e-STJ fl. 86). 

2. DA VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 

É firme a jurisprudência do STJ no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. A propósito, confira-se: AgInt nos EDcl no AREsp 1.094.857/SC, 3ª Turma, DJe de 02/02/2018 e AgInt no AREsp 1.089.677/AM, 4ª Turma, DJe de 16/02/2018. 

No particular, verifica-se que o acórdão recorrido decidiu, fundamentada e expressamente, acerca da condição do recorrente como portador das cártulas (e-STJ fl. 136), de maneira que os embargos de declaração opostos, de fato, não comportavam acolhimento. 

Assim, observado o entendimento dominante desta Corte acerca do tema, não há que se falar em violação do art. 1.022 do CPC/2015, incidindo, quanto ao ponto, a Súmula 568/STJ. 

3. DA INOPONIBILIDADE DE EXCEÇÕES PESSOAIS DO EMITENTE DO CHEQUE AO PORTADOR/TERCEIRO DE BOA-FÉ (arts. 8º, parágrafo único, e 25 da Lei 7.357/85) 

Enquanto títulos de crédito, os cheques são regidos, dentre outros, pelo princípio da autonomia que “é uma garantia de negociabilidade do título, na medida em que a pessoa que o adquire não precisa saber se o credor anterior teria ou não direito de receber o valor do título” (TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. V 2. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 34). 

Do princípio da autonomia, surge o conhecido princípio da inoponibilidade das exceções pessoais ao terceiro de boa-fé, consagrado pelo art. 25 da Lei do Cheque (Lei 7.357/85). 

Nos termos do referido dispositivo legal, quem for demandado por obrigação resultante de cheque não pode opor ao portador exceções fundadas em relações pessoais com o emitente, ou com os portadores anteriores, salvo se o portador o adquiriu conscientemente em detrimento do devedor, isto é, salvo se constatada a má-fé do portador do título. 

Como mesmo anota Luiz Emygdio Franco da Rosa Junior: 

O art. 25 da LC consagra o princípio da inoponibilidade, pelo obrigado, das exceções fundadas em relações pessoais, apenas quando for demandado por terceiro de boa-fé. Este princípio visa a facilitar a circulação do título, ao proteger o terceiro adquirente de boa-fé, e resulta a autonomia das obrigações cambiárias. Por outro lado, o terceiro adquire direito originário, novo e autônomo, e não direito derivado (o mesmo direito do endossante), e, por essa razão, as relações pessoais entre os obrigados não se acumulam durante a circulação do título. Terceiro de má-fé é aquele que adquire o título conscientemente em detrimento do devedor, ou melhor, que tem conduta cambiariamente desonesta. Em outras palavras, age com má-fé o portador que adquire o cheque ciente das exceções pessoais que poderiam ser arguidas pelo devedor se o título não circulasse e, por isso, é sancionado pela lei. Em resumo, o devedor cambiário pode invocar a causa debendi quando acionado pelo credor com quem se relaciona diretamente no nexo cambiário ou por terceiro adquirente de má-fé. Não pode quando demandado por terceiro de boa-fé (Títulos de crédito. 8 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2014, p. 654) (grifos acrescentados). 

Nesse sentido, a jurisprudência desta Corte tem se firmado no sentido de que o devedor somente pode opor ao portador do cheque exceções fundadas na relação pessoal com o próprio portador ou em aspectos formais e materiais do título, a não ser que constatada a má-fé deste. 

Logo, se não for caracterizada a ma-fé do portador, deve ser preservada a autonomia do título cambial. A propósito, citam-se: AgInt no AREsp 1.252.159/SP, 3ª Turma, DJe 05/09/2018; AgRg no AREsp 724.963/DF, 3ª Turma, DJe 09/12/2015; AgRg no AREsp 574-717/SP, 3ª Turma, DJe 05/12/2014. 

Na hipótese dos autos, contudo, verifica-se que os cheques, que embasaram o ajuizamento da ação monitória, já estavam prescritos. 

É certo que a prescrição do título traduz apenas a extinção da declaração unilateral do crédito, não alcançando o negócio fundamental, se maior for o seu prazo de prescrição. Assim, com base no negócio fundamental, pode-se cobrar o valor da obrigação que esteve incorporada à cártula, mas que, com a prescrição do título, desincorporou-se. O credor pode aforar ação de cobrança, de enriquecimento sem causa ou, ainda, manejar a ação monitória, utilizando-se do título prescrito como prova escrita sem valor de título executivo judicial (MAMEDE, Gladston. Títulos de crédito. 11 ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 119). 

Entretanto, prescrito o cheque, não há mais que se falar em manutenção das suas características cambiárias, tais quais a autonomia, a independência e a abstração. 

Inclusive, em razão da prescrição do título de crédito, a pretensão fundar-se-á no próprio negócio subjacente, inviabilizando a propositura de ação de execução. 

Como mesmo anota Gladston Mamede, ao comentar sobre a exigibilidade do cheque prescrito: 

A prescrição do cheque não implica prescrição do negócio subjacente, tomando-se o princípio da autonomia por ângulo inverso, razão pela qual é possível ao credor aforar uma ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não pagamento da cártula (...). Trata-se de ação ordinária (processo de conhecimento). Prescrito o cheque, não há mais falar em declaração unilateral de vontade, nem nas garantias cambiais da autonomia, da independência e da abstração. A pretensão se funda no negócio subjacente, impedindo que uma parte enriqueça indevidamente à custa da outra. Não é mais o cheque, por si, o fundamento da pretensão, mas o fato jurídico no qual foi emitido. (...) A Lei nº 7.357/85, contudo, se desatualizou com a criação da ação monitória, agora regulada pelos artigos 700 e seguintes no novo Código de Processo Civil. Meio processual mais eficaz, a ação monitória passou a ser preferida como meio para se evitar o enriquecimento indevido do devedor em face do cheque prescrito. Prescrito o cheque, desaparecem as relações meramente cambiais, preservando-se apenas as obrigações resultantes dos negócios subjacentes à existência da cártula. (...) Parece-me que a denominação ação de locupletamento, assim como a ação monitória, deve obrigatoriamente girar em torno do negócio jurídico fundamental, descrevendo-o; o cheque prescrito vê-se rebaixado à mera condição de uma prova do fato do qual se originara a obrigação de pagar. A causa debendi ganha importância, já que, com a prescrição do cheque, não mais se aplicam os princípios do Direito Cambiário. Assim, a ação para impedir o enriquecimento sem causa do emissor do cheque torna-se um amplo espaço para a rediscussão do fato gerador da obrigação (Op. Cit., p. 194-195). 

Nesse mesmo sentido, citam-se precedentes da 4ª Turma deste STJ: 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO CAMBIÁRIO. PROTESTO DE CHEQUE PRESCRITO. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES. RECURSO NEGADO. 1. É indevido o protesto na hipótese de cheque prescrito. O protesto tem por finalidade precípua comprovar o inadimplemento de obrigação originada em título executivo ou outro documento de dívida e visa, ainda, à salvaguarda dos direitos cambiários do portador em face de possíveis coobrigados. 2. O cheque prescrito serve apenas como princípio de prova da relação jurídica subjacente que deu ensejo a sua emissão, não detendo mais os requisitos que o caracterizam como título executivo extrajudicial e que legitimariam o portador a exigir seu imediato pagamento e, por conseguinte, a fazer prova do inadimplemento pelo protesto. Precedentes. 3. A Lei do Cheque - em seu art. 48 - dispõe que o protesto deve ser feito antes da expiração do prazo de apresentação (30 dias, se da mesma praça, ou 60, se de praça diversa, mais 6 meses, a contar da data de emissão do cheque), quando então o título perde a sua executividade. 4. A perda das características cambiárias do título de crédito, como autonomia, abstração e executividade, quando ocorre a prescrição, compromete a pronta exigibilidade do crédito nele representado, o que desnatura a função exercida pelo ato cambiário do protesto de um título prescrito. Precedentes. 5. O protesto do cheque dois anos após sua emissão, no caso, exsurge como meio de coação e cobrança, o que não é cabível diante da finalidade prevista em lei para o ato cambiário. Precedentes. 6. Agravo regimental não provido (AgRg no AREsp, 4ª Turma, DJe 19/12/2014) (grifos acrescentados). 

AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO MONITÓRIA FUNDADA EM CHEQUES PRESCRITOS - EMBARGOS MONITÓRIOS PARA DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI - RECONHECIMENTO DA INEXIGIBILIDADE DOS TÍTULOS - DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL POR INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA DO STJ. INSURGÊNCIA DA AUTORA/EMBARGADA. 1. "Em ação monitória fundada em cheque prescrito, ajuizada em face do emitente, é dispensável menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula" (REsp 1094571/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 04/02/2013, DJe 14/02/2013). 2. No entanto, embora não seja exigida a prova da origem da dívida para admissibilidade da ação monitória fundada em cheque prescrito, nada impede que o emitente do título discuta, em embargos monitórios, a causa debendi. 3. No caso concreto, o Juízo de primeiro grau admitiu a ação monitória, mas julgou procedentes os embargos monitórios, por entender não demonstrada a origem da dívida. Não pode esta Corte, pois, na via estreita do recurso especial, reexaminar o conjunto fático-probatório dos autos para chegar a conclusão distinta, em razão do óbice do enunciado nº 7 da Súmula do STJ. 4. Não cabe falar em autonomia de títulos prescritos, uma vez que, com a prescrição, desaparece a abstração decorrente do princípio da autonomia e opera-se a perda da cambiariedade do título. 5. Agravo regimental desprovido (AgRg nos EDcl no REsp 1.115.609/ES, 4ª Turma, DJe 25/09/2014) (grifos acrescentados). 

DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA EMBASADA EM CHEQUE PRESCRITO. VIABILIDADE. MENÇÃO AO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. DESNECESSIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À MONITÓRIA DISCUTINDO O NEGÓCIO QUE ENSEJOU A EMISSÃO DO CHEQUE. POSSIBILIDADE. 1. O cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação, que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora. 2. Se ocorreu a prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito que, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente. Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo Diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação de cobrança fundada na relação causal. 3. No entanto, caso o portador do cheque opte pela ação monitória, como no caso em julgamento, o prazo prescricional será quinquenal, conforme disposto no artigo 206, § 5º, I, do Código Civil e não haverá necessidade de descrição da causa debendi. 4. Registre-se que, nesta hipótese, nada impede que o requerido oponha embargos à monitória, discutindo o negócio jurídico subjacente, inclusive a sua eventual prescrição, pois o cheque, em decorrência do lapso temporal, já não mais ostenta os caracteres cambiários inerentes ao título de crédito. 5. Recurso especial provido (REsp 926.312/SP, 4ª Turma, DJe 17/10/2011) (grifos acrescentados). 

Assim, perdendo o cheque prescrito os seus atributos cambiários, dessume-se que a ação monitória neste documento fundada admitirá a discussão do próprio fato gerador da obrigação, sendo possível a oposição de exceções pessoais a portadores precedentes ou mesmo ao próprio emitente do título. 

Ressalte-se que tal entendimento vai ao encontro à jurisprudência firmada nesta Corte Superior no sentido de que, embora não seja exigida a prova da origem da dívida para a admissibilidade da ação monitória fundada em cheque prescrito (Súmula 531/STJ), nada impede que o emitente do título discuta, em embargos monitórios, a causa debendi (AgInt no AREsp 1.020.357/SP, 4ª Turma, DJe 01/06/2018; AgRg nos EDcl no REsp 1.115.609/ES, 4ª Turma, DJe 25/09/2014). 

Isso significa que, embora não seja necessário debater a origem da dívida, em ação monitória fundada em cheque prescrito, o réu pode formular defesa baseada em eventuais vícios ou na inexistência do negócio jurídico subjacente, mediante a apresentação de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor – o que ocorreu na hipótese dos autos, senão veja-se o que reconhecido pela sentença: 

Os requeridos, em embargos, alegam que emitiram os cheques, ante a contratação dos serviços da empresa CRIARE, que por sua vez, não cumpriu com a sua parte (entrega dos móveis), conforme documento de fls. 24/26, que demonstra claramente que os cheques foram entregues para o preposto da mencionada empresa. Há comprovação nos autos de que os cheques efetivamente foram emitidos em favor da CRIARE, conforme documentos acima mencionados. Consta ainda que o pedido foi cancelado (fl. 27), sendo que apenas parte dos bens comprados foram entregues (fls. 38/42). Também há prova nos autos de que os requeridos procederam à sustação dos cheques, ante o descumprimento contratual (fl. 33). É certo que a empresa CRIARE, que recebeu incialmente os cheques dos requeridos, descumpriu o contrato que ensejou a emissão das cambiais. Destarte, os réus demonstraram fatos impeditivos do direito do autor, devendo este acionar àquele que efetivamente lhe deve, ou seja, a pessoa que lhe repassou os cheques (e-STJ fl. 87) (grifos acrescentados). 

Destarte, na espécie, em tendo os recorridos, no bojo dos embargos monitórios opostos, comprovado que o título de crédito objeto dos autos da ação monitória ajuizada pelo portador foi sustado pelos emitentes em decorrência do descumprimento contratual cometido pelo real devedor, deve ser mantido o acórdão recorrido. 

Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial interposto por RAY DOS SANTOS ARRUDA e NEGO-LHE PROVIMENTO, para manter o acórdão proferido pelo TJ/RO quanto ao acolhimento dos embargos monitórios opostos pelo recorrido e extinção da presente ação monitória. 

Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado da parte recorrida em virtude da interposição deste recurso, majoro os honorários fixados anteriormente em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa (e-STJ fl. 88) para 12% (doze por cento). 

17 de abril de 2021

Justiça paulista permite conversão de associação em sociedade empresária

 Por entender que a associação atendeu a finalidade da lei de destinar seu patrimônio para fins não lucrativos, a 2ª Vara Cível de Sorocaba (SP) autorizou a conversão de uma associação civil em sociedade anônima de capital fechado.

A associação a que um hospital privado estava vinculado aprovou em assembleia sua conversão em sociedade empresária.

Apesar disso, o pedido da entidade sem fins lucrativos havia sido negado no cartório de registro de imóveis, com base em entendimento contrário sobre o tema, consolidado pela Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo. Segundo esse entendimento, uma associação não pode ser transformada em sociedade, pois têm natureza distintas — por exemplo, as associações não têm finalidade lucrativa, seus associados não guardam obrigações recíprocas (ao contrário das sociedades empresárias). Além disso, o instituto da transformação é reservado apenas às sociedades, conforme artigos 1.113 e 1.114 do Código Civil

A juíza Alessandra Lopes Santana de Mello entendeu que o oficial de registros tinha razão ao indicar o entendimento já sedimentado pela Corregedoria-Geral. Mas considerou "a existência de circunstâncias peculiares no caso concreto que autorizam o emprego de solução distinta".

Assim, não viu impedimento legal para a alteração. Segundo ela, a "transformação colimada pela associação requerente buscou garantir que seu patrimônio será revertido a uma outra associação sem fins lucrativos, como previsto na lei civil, não rendendo ganho lucrativo aos demais associados".

A magistrada também destacou que o hospital enfrentava sérias dificuldades financeiras devido à crise de Covid-19. "No contexto dessa pandemia, a redução ou interrupção das atividades desempenhadas pela associação requerente causaria enormes prejuízos à coletividade, do ponto de vista sanitário e trabalhista, por serem muitos os pacientes, empregados direto ou indiretos e demais fornecedores de bens e serviços que giram em torno das atividades desse hospital", ressaltou.

"O entendimento anterior levava as partes a utilizarem de outros mecanismos jurídicos para realizarem operações envolvendo investidores, como a locação de ativos. Essas soluções não ofereciam a segurança jurídica adequada", avalia Jaqueline Franceschetti, advogada do escritório Carpena Advogados, coordenadora da equipe jurídica responsável pela ação.

Segundo ela, o novo entendimento dá mais transparência e praticidade ao processo de aquisição e abre precedentes para outras associações civis alterarem sua natureza jurídica.

1008693-61.2021.8.26.0602

Fonte: ConJur

13 de abril de 2021

Informativo 691/STJ: O terceiro de boa-fé, endossatário, em operação de endosso-caução, não perde seu crédito de natureza cambial em vista da quitação feita ao endossante (credor originário), sem resgate da cártula.

 AgInt no AREsp 1.635.968/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 06/04/2021 

Duplicata. Endosso-caução. Quitação ao endossante. Não cabimento. Resgate da cártula. Indispensabilidade.

O terceiro de boa-fé, endossatário, em operação de endosso-caução, não perde seu crédito de natureza cambial em vista da quitação feita ao endossante (credor originário), sem resgate da cártula.


Registra-se, inicialmente, que "as normas das leis especiais que regem os títulos de crédito nominados, v.g., letra de câmbio, nota promissória, cheque, duplicata, cédulas e notas de crédito, continuam vigentes e se aplicam quando dispuserem diversamente do Código Civil de 2002, por força do art. 903 do Diploma civilista. Com efeito, com o advento do Diploma civilista, passou a existir uma dualidade de regramento legal: os títulos de crédito típicos ou nominados continuam a ser disciplinados pelas leis especiais de regência, enquanto os títulos atípicos ou inominados subordinam-se às normas do novo Código, desde que se enquadrem na definição de título de crédito constante no art. 887 do Código Civil" (REsp 1.633.399/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 10/11/2016, DJe 01/12/2016).

Conquanto a duplicata seja causal apenas na sua origem/emissão, sua circulação - configurada após o aceite do sacado, ou, na sua falta, pela comprovação do negócio mercantil subjacente e o protesto - rege-se pelo princípio da abstração, desprendendo-se de sua causa original, sendo por isso inoponíveis exceções pessoais a terceiros de boa-fé, como a ausência da entrega das mercadorias compradas.

Ademais, o endosso-caução tem por finalidade garantir, mediante o penhor do título, obrigação assumida pelo endossante perante o endossatário, que desse modo assume a condição de credor pignoratício do endossante. Verificado o cumprimento da obrigação por parte do endossante, o título deve ser-lhe restituído pelo endossatário, por isso não havendo, ordinariamente, propriamente a transferência do crédito representado pelo título.

No entanto, é preciso ressaltar que o endossatário pignoratício é detentor dos direitos emergentes do título, não podendo os coobrigados invocar contra ele exceções fundadas sobre relações pessoais com o endossante, pois esse, "apesar de ser ainda o proprietário do título, transmitiu os direitos emergentes do mesmo ao endossatário, como acontece no endosso comum".

Ademais, não se pode ignorar que a "quitação regular de débito estampado em título de crédito é a que ocorre com o resgate da cártula - tem o devedor, pois, o poder-dever de exigir daquele que se apresenta como credor cambial a entrega do título de crédito (o art. 324 do Código Civil, inclusive, dispõe que a entrega do título ao devedor" (REsp 1.236.701/MG, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 05/11/2015, DJe 23/11/2015).

Por outro lado, o art. 905 do CC, caput, estabelece que o possuidor de título ao portador tem direito à prestação nele indicada, mediante a sua simples apresentação ao devedor, e o parágrafo único estipula que a prestação é devida ainda que o título tenha entrado em circulação contra a vontade do emitente.

Portanto, é temerário para o direito cambial, para a circulação dos títulos de crédito, que se admita a quitação de crédito cambial, sem a exigência do resgate da cártula, notadamente se ensejar prejuízo a terceiro de boa-fé.