Os mencionados parâmetros de distinção entre normas processuais e
materiais se coadunam com as definições de Direito Processual adotadas pelo
atual estado dessa ciência jurídica, sobretudo pela doutrina que acolhe o princípio
da instrumentalidade do processo.
Realmente, segundo os contornos hoje vigentes na ciência processual,
considera-se que, em regra, excetuados os penais, os direitos materiais são
abstratos e satisfeitos sem qualquer interferência dos órgãos da jurisdição, isto é,
sem a necessidade de instauração de um processo jurisdicional, tendente a afirmar
o direito aplicável ao caso concreto.
O processo e a atuação Estatal dele decorrente sucedem, pois, em
situações excepcionais, nas quais o Estado é chamado para exercer a jurisdição,
examinando a lide e fazendo incidir, pelo monopólio do uso da força legítima, a
norma concreta aplicável à controvérsia havida entre as partes.
Nessa linha, ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELEGRINI
GRINOVER e CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, enunciam a existência da teoria da
dualidade do ordenamento jurídico, segundo a qual:
[...] o ordenamento jurídico cinde-se nitidamente em direito
material e direito processual (teoria dualista do ordenamento jurídico): o
primeiro dita as regras abstratas e estas se tomam concretas no exato momento
em que ocorre o fato enquadrado em suas previsões, automaticamente, sem
qualquer participação do juiz. O processo visa apenas à atuação (ou seja, à
realização prática) da vontade do direito em casos determinados, não
contribuindo em nada para a formação das normas concretas; o direito subjetivo
e a obrigação preexistem a ele. (Teoria Geral do Processo, 31ª ed., São Paulo:
Malheiros, 2015, livro digital, sem destaque no original)
Nesse sentido, o direito processual é, a um só tempo, um ramo
jurídico autônomo, mas também um instrumento específico de atuação a serviço
do direito material, haja vista que seus institutos básicos (jurisdição, ação, exceção,
processo) são concebidos e se justificam para garantir a efetividade do direito
substancial ou material, na hipótese de uma determinada controvérsia jurídica ser
sujeita à apreciação do juiz.
Por esse motivo, o objeto do direito processual reside precisamente
na disciplina desses institutos, os quais concorrem decisivamente para conferir-lhe
sua própria individualidade, distinguindo-o do direito material.
2.1. DA RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL E DO
PROCEDIMENTO
O processo é, portanto, essa atividade instrumental – que
corresponde a uma soma de atos e os respectivos poderes, faculdades, deveres,
ônus e sujeições impostos aos sujeitos da relação jurídica processual – e que, via
de consequência, distingue as normas e os atos processuais das normas e atos de direito substancial.
Realmente, conforme ressalta a doutrina, o processo se compõe de
dois elementos: a) a relação processual e b) o procedimento.
Nesses termos, “a relação processual é complexa, compondo-se de
inúmeras posições jurídicas ativas e passivas que se sucedem do início ao fim do
processo”, cuja progressão e sucessão caracterizam o rito ou procedimento, ou
seja, os “eventos que têm perante o direito a eficácia de constituir, modificar ou
extinguir situações jurídicas processuais” (CINTRA, Antônio Carlos Araújo (et. al.).,
Op. cit., sem destaque no original).
Assim, chama-se direito processual o complexo de normas e
princípios que regem tal método de trabalho, ou seja, o exercício conjugado da
jurisdição pelo Estado-juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado,
sujeitos da relação jurídica processual, no curso da sucessão de eventos
caracterizador do procedimento.
Dessa forma,
[...], as leis processuais, em sua essência, regulam as atividades
dos órgãos jurisdicionais no exercício da função jurisdicional, isto é, aquelas
atividades, não só dos juízes como das pessoas que com estes colaboram,
destinadas à atuação da lei aos concretos e determinados conflitos de interesses.
Por se destinarem à realização das mesmas normas materiais, ou, o que é o
mesmo, por se destinarem a tornar efetiva a função jurisdicional, as leis
processuais se incluem entre as instrumentais, ou formais, como tais
consideradas porque estabelecem os modos e meios pelos quais aquelas se
fazem valer em juízo” (AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras Linhas de Direito
Processual Civil., Vol. 1, 28ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, p.47).