Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/05/info-1015-stf-1.pdf
CONTRATOS BANCÁRIOS - É inconstitucional norma que autoriza os bancos a cobrarem tarifa pelo simples fato de
disponibilizarem o serviço de “cheque especial”, ainda que ele não seja utilizado
É inconstitucional a cobrança de tarifa bancária pela disponibilização de limite para “cheque
especial”.
Contraria o ordenamento jurídico-constitucional a permissão dada por resolução do Conselho
Monetário Nacional (CMN) às instituições financeiras para cobrarem tarifa bancária pela mera
disponibilização de crédito ao cliente na modalidade “cheque especial”.
STF. Plenário. ADI 6407/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 30/4/2021 (Info 1015).
“Cheque especial”
É comum que os bancos, ao oferecerem seus serviços, firmem um contrato de abertura de crédito rotativo
com seus clientes. Por meio deste contrato de abertura de crédito rotativo, o banco se compromete a
disponibilizar determinada quantia (chamada comumente de “limite”) ao seu cliente, que poderá, ou não,
utilizar-se desse valor a título de empréstimo. É o que é vulgarmente conhecido como “cheque especial”.
Ex.: a microempresa “XXX” abriu uma conta corrente no Banco “B”. Dentre todos os papeis que o
administrador da empresa assinou, estava um contrato de abertura de crédito rotativo, por meio do qual,
mesmo que a empresa não tivesse dinheiro em sua conta, teria disponível a quantia de R$ 50 mil para
saque. Este valor, se sacado, constitui-se em um empréstimo, devendo ser devolvido com juros e correção
monetária ao banco.
Resolução nº 4.765/2019
O Conselho Monetário Nacional (CMN) editou a Resolução nº 4.765/2019 que, em seu art. 2º, passou a
admitir a cobrança de tarifa pela oferta de cheque especial por instituições financeiras mesmo que o
serviço não seja utilizado:
Art. 2º Admite-se a cobrança de tarifa pela disponibilização de cheque especial ao cliente.
(...)
O partido político PODEMOS ajuizou ADPF contra essa resolução afirmando que ela violaria determinados
preceitos fundamentais da Constituição Federal, como o art. 5º, XXXII (defesa do consumidor); art. 22, VII
(competência da União para legislar sobre crédito); art. 170, IV e V (livre concorrência e defesa do
consumidor); art. 173, § 4º (abuso do poder econômico); art. 192 (obrigação de o sistema financeiro
nacional ser regulamentado por lei complementar).
Cabe ADPF neste caso?
NÃO. Um dos requisitos da ADPF é a subsidiariedade.
A subsidiariedade da ADPF está prevista expressamente no art. 4º, § 1º, da nº 9.882/99: “a arguição não
será admitida quando houver qualquer outro meio de sanar a lesividade”.
Assim, só cabe ADPF se não houver outro meio eficaz de sanar a lesão.
No caso concreto, o partido poderia e deveria ter ajuizado uma ADI contra a Resolução. Logo, como caberia
ADI, não poderia ter sido proposta uma ADPF, já que existia outro meio eficaz de sanar a lesão.
Então significa que o STF deixou de conhecer a ADPF?
NÃO. Não foi isso. No caso concreto, o STF decidiu conhecer a ADPF como se fosse ADI. Isso é possível
porque a ADPF e a ADI são fungíveis entre si. Assim, é possível a conversão da ADPF em ADI quando
imprópria a primeira, e vice-versa.
E quanto ao mérito, essa Resolução é válida?
NÃO.
É inconstitucional a cobrança de tarifa bancária pela disponibilização de limite para “cheque especial”.
Contraria o ordenamento jurídico-constitucional a permissão dada por resolução do Conselho
Monetário Nacional (CMN) às instituições financeiras para cobrarem tarifa bancária pela mera
disponibilização de crédito ao cliente na modalidade “cheque especial”.
STF. Plenário. ADI 6407/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 30/4/2021 (Info 1015).
Resolução limita a proteção dos consumidores
A Resolução do CMN não pode excluir ou limitar a proteção concedida ao consumidor pela Constituição
Federal.
A autorização de cobrança pela mera disponibilização do serviço coloca o consumidor em situação de
vulnerabilidade econômico-jurídica, em descumprimento ao mandamento constitucional de proteção ao
consumidor, previsto no art. 5º, XXXII, e no art. 170, V, da CF/88:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa,
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados
os seguintes princípios:
(...)
V – defesa do consumidor;
As instituições financeiras não podem cobrar por serviço de disponibilização e/ou manutenção mensal de
cheque especial, uma vez que a cobrança dos juros é permitida tão somente quando houver a efetiva
utilização e sempre proporcional ao valor e ao tempo usufruídos.
CMN criou a cobrança de um valor que tem natureza de taxa
A previsão dessa tarifa teve por objetivo compensar financeiramente os bancos pelo fato de o Conselho
Monetário Nacional (CMN) ter limitado os juros a 8% ao mês no “cheque especial”.
Assim, o CMN criou uma “tarifa” com características de taxa tributária, pela simples manutenção mensal
da modalidade de contratação de “cheque especial”, vinculada a contrato de conta corrente.
Segundo prevê o art. 4º do CTN, independentemente da nomenclatura, o fato gerador da exação é que
determina a natureza jurídica do tributo.
Essa tarifa representa a cobrança antecipada de juros por quem não utilizou o serviço
Houve uma desnaturação da natureza jurídica da “tarifa bancária” para adiantamento da remuneração do
capital (juros), de maneira que a cobrança de “tarifa” (pagamento pela simples disponibilização) camuflou
a cobrança de juros, com outra roupagem jurídica, voltada a abarcar quem não utiliza o crédito
efetivamente na modalidade de “cheque especial”.
Consequentemente, não se alterou apenas a forma de cobrança, mas a própria natureza da cobrança
(juros adiantados), violando o mandamento constitucional que determina a proteção ao consumidor (art.
170, V, da CF/88).
Ofensa ao princípio da proporcionalidade
A Resolução do CMN também não passa pelo filtro da proporcionalidade, tendo em vista que é
desproporcional para os fins almejados, existindo soluções menos gravosas que poderiam ter sido
adotadas.
O CMN poderia, por exemplo, ter optado por instituir autorização de cobrança de juros em faixas, a
depender do valor utilizado ou do limite exacerbado, todavia escolheu modalidade de cobrança que se
assemelha a tributo ou a adiantamento de juros com alíquota única (0,25% ao mês, cerca de 3% ao ano),
por serviço não usufruído (empréstimo de capital próprio ou de terceiros).
Ofensa ao ato jurídico perfeito
De igual modo, o art. 2º da Resolução também é ilegítimo porque retroage sua eficácia a 1º/6/2020,
alcançando contratos firmados anteriormente que não previam qualquer custeio de manutenção do limite
disponível, em clara afronta ao inciso XXXVI do art. 5º da CF/88:
Art. 5º (...)
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
Dispositivo
Com esses fundamentos, o Plenário do STF declarou a inconstitucionalidade do art. 2º da Resolução
CMN/Bacen 4.765/2019.