1. Ação ajuizada em 11/04/2016. Recurso especial interposto em
23/05/2018 e atribuído a este gabinete em 31/11/2018.
2. O propósito recursal diz respeito à necessidade de notificação
premonitória como pressuposto de constituição e desenvolvimento
válido e regular do processo.
3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados
como violados, não obstante a interposição de embargos de
declaração, impede o conhecimento nessa parte do recurso especial.
4. Mesmo de forma indireta, o STJ já apontava para a
obrigatoriedade da ocorrência da notificação premonitória, ao
denominá-la de “necessária” ou mesmo de “obrigatória”.
5. A necessidade de notificação premonitória, previamente ao
ajuizamento da ação de despejo, encontra fundamentos em uma
série de motivos práticos e sociais, e tem a finalidade precípua de
reduzir os impactos negativos que necessariamente surgem com a
efetivação do despejo.
6. “Caso a ação de despejo seja ajuizada sem a prévia notificação,
deverá ser extinto o processo, sem a resolução do mérito, por falta
de condição essencial ao seu normal desenvolvimento”.
7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não
provido.
(...)
1. Da controvérsia dos autos
O propósito recursal diz respeito à necessidade de notificação
premonitória como pressuposto de constituição e desenvolvimento válido e
regular do processo.
Após ser dada a oportunidade para se manifestassem sobre a matéria,
o Tribunal de origem extinguiu o processo, de ofício, por considerar que a
notificação premonitória é pressuposto para o ajuizamento da ação de despejo por
denúncia vazia.
No entanto, a recorrente sustenta que não há previsão legal expressa
no sentido de ser indispensável, para o ajuizamento da ação de despejo, a
notificação prévia dos locatários. Aduz, ainda, que a notificação premonitória é
suprida pela citação dos réus na ação judicial, pois teriam amplo prazo para
apresentarem defesa ou mesmo para desocuparem o imóvel.
(...)
Lei 8.245/91, Art. 6º: "O locatário poderá denunciar a locação por prazo
indeterminado mediante aviso por escrito ao locador, com antecedência
mínima de trinta dias".
CPC/2015, Art. 240: "A citação válida, ainda quando ordenada por juízo
incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em
mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)".
(...)
3. Da necessidade de notificação prévia ou premonitória
Por outro lado, conforme mencionado acima, a questão controvertida
nos autos diz respeito à interpretação que deve ser conferida ao art. 46, § 2º, da
Lei 8.245/91, abaixo transcrito:
"Art. 46. Nas locações ajustadas por escrito e por prazo igual ou superior a
trinta meses, a resolução do contrato ocorrerá findo o prazo estipulado,
independentemente de notificação ou aviso.
§ 1º Findo o prazo ajustado, se o locatário continuar na posse do imóvel
alugado por mais de trinta dias sem oposição do locador, presumir - se - á
prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais
cláusulas e condições do contrato.
§ 2º Ocorrendo a prorrogação, o locador poderá denunciar o
contrato a qualquer tempo, concedido o prazo de trinta dias para
desocupação".
(...)
O entendimento esposado pelo Tribunal de origem afirma que a
notificação premonitória, para o encerramento do contrato de locação por
denúncia vazia, é obrigatória e, assim, não seria permitido ao locador ajuizar uma
ação de despejo sem ser conferido ao locatório o aviso prévio de que trata o art.
46, § 2º, da Lei do Inquilinato...
(...)
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao se debruçar sobre
o mencionado dispositivo legal, abordou questões próximas à que é discutida na
hipótese dos autos. A título de exemplo, o STJ já discutiu se haveria algum prazo
para o ajuizamento da ação de despejo após a ocorrência da notificação
premonitória, conforme é possível verificar nos julgamentos abaixo:
"Realizada a necessária notificação da recorrente e decorrido o lapso
temporal nela previsto, poderá a respectiva ação de despejo ser ajuizada a
qualquer tempo, uma vez que não está ela subordinada a nenhum prazo.
(REsp 276.153/GO, Quinta Turma, DJ 01/08/2006, p. 507)"
"A ação de despejo, nos termos da Lei nº 8.245/91, depois de decorrido o
lapso temporal previsto na notificação, não está subordinada a prazo
algum, podendo ser ajuizada a qualquer tempo. (REsp 295.145/SP, Quinta
Turma, julgado em 15/02/2001, DJ 12/03/2001, p. 172)"
"A Lei de Locação (8.245/91), em seus arts. 46, parág. 2º, e 78, não impõe
prazo algum ao locador, após efetuada a obrigatória notificação, ao exercício
de seu direito de retomada, através da propositura da competente ação de
despejo por denúncia vazia. O locador, neste tipo de ação e obedecida a
prévia comunicação legal, é árbitro de suas conveniências, não
comportando a lei ou ao intérprete, mais restrições que as expressas. (REsp
137.353/SP, Quinta Turma, julgado em 21/09/1999, DJ 06/12/1999, p.
108)"
No entanto, mesmo de forma indireta, a Quinta Turma do STJ já
apontava para a obrigatoriedade da ocorrência da notificação premonitória, ao denominá-la de “necessária” ou mesmo de “obrigatória” nas ementadas dos
julgamentos mencionados acima.
Da mesma forma, a doutrina especializada sobre o assunto também
afirma que é obrigatória a ocorrência da notificação premonitória, para a hipótese
de denúncia vazia de contrato com prazo indeterminado. Nesse sentido, ver GILDO
DOS SANTOS (Locação e despejo: comentários à Lei 8.245/91. São Paulo: RT,
6ª ed., 2011) e SÍLVIO VENOSA (Lei do Inquilinato Comentada. São Paulo: Atlas,
13ª ed., 2014).
No entanto, é na lição de SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA em que esta
questão é abordada de maneira mais contundente, ao afirmar a obrigatoriedade da
notificação premonitória e apontar a consequência para a hipótese de ajuizamento
de ação de despejo sem sua ocorrência, qual seja, sua extinção, sem resolução do
mérito, in verbis:
"Caso a ação de despejo seja ajuizada sem a prévia notificação, deverá ser
extinto o processo, sem a resolução do mérito, por falta de condição
essencial ao seu normal desenvolvimento.
A notificação dispensa solenidade especial, podendo se revestir de qualquer
forma, desde que inequívoca.
A finalidade da notificação premonitória é a de evitar que o locatário seja
surpreendido pelo ajuizamento da ação de despejo, o que ainda lhe poderá
acarretar o pagamento dos ônus sucumbenciais.
Por outro lado, o aviso permitirá ao locatário preparar-se para a
desocupação e obtenção de um novo imóvel onde possa se instalar.
Reveste-se, portanto, a exigência de importante finalidade social, para não
se agravar, ainda mais, o prejuízo que a mudança certamente causará ao
locatário.
(Sylvio Capanema de Souza. A Lei do Inquilinato Comentada. Rio de
Janeiro: GEN Forense, 9ª ed., 2014, p. 195)".
Como corretamente apontado pela doutrina, a necessidade de
notificação premonitória, previamente ao ajuizamento da ação de despejo,
encontra fundamentos em uma série de motivos práticos e sociais, e tem a finalidade precípua de reduzir os impactos negativos que necessariamente surgem
com a efetivação do despejo.
Essa mesma doutrina também aponta uma exceção para a ocorrência
da notificação premonitória, que é o ajuizamento da ação de despejo nos 30
(trinta) dias subsequentes ao término do prazo do contrato de locação. Somente
nessa hipótese a citação da ação de despejo poderia substituir a notificação
premonitória. Confira-se o que afirma a doutrina sobre esse ponto:
"(...) terminado o prazo contratual, o ajuste estará findo, sem que haja
necessidade de qualquer comunicação ou interpelação a fim de que o
inquilino deixe o bem locado. De tal forma, se o fizer logo em seguida ao
término do pacto, o locador pode ajuizar ação de despejo, não tendo de
precedê-la de notificação judicial, extrajudicial ou de qualquer aviso. (...)
Trata-se de ação de despejo por término do contrato, e não de despejo por
denúncia vazia, uma vez que esta depende de aviso denunciando o liame
locatício prorrogado, e aquela do simples findar- se do ajuste (Gildo dos
Santos. Locação e despejo: comentários à Lei 8.245/91. São Paulo:
RT, 6ª ed., 2011, p. 678/679).
Caso pretenda o locador despedir o locatário, por não mais lhe convir
manter o vínculo, poderá ajuizar a ação de despejo, independentemente de
notificação, desde que o faça dentro dos 30 dias subsequentes ao término
do prazo do contrato.
O Enunciado XV da Corregedoria de Justiça do Tribunal do Rio de Janeiro,
confirma o entendimento, ao concluir que “prescinde de notificação a
retomada imotivada do imóvel locado desde que intentada em até 30 dias
do termo final do respectivo contrato”. (SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA. A
Lei do Inquilinato Comentada. Rio de Janeiro: GEN Forense, 9ª ed.,
2014, p. 244)".
Portanto, é permitido ao locador ajuizar diretamente a ação de
despejo, prescindindo da notificação prévia, desde que o ajuizamento ocorra nos
30 (trinta) dias seguintes ao termo final do contrato. No entanto, definitivamente,
essa exceção não se aplica ao recurso em julgamento.
É interessante notar, ainda, que a moderna doutrina do Direito Civil
tem apontado para a existência de um princípio – ou mesmo um subprincípio – do aviso prévio a uma sanção, fundamentado na boa-fé objetiva, ao contraditório e à
vedação da surpresa. Nesse sentido, a doutrina afirma que:
"Pelo princípio do aviso prévio a uma sanção, todas as pessoas têm direito a
serem lembradas previamente à imposição de uma sanção. Toma-se o
verbete “sanção” no sentido mais amplo possível a fim de abranger
qualquer restrição de direitos. Sabemos que a palavra “sanc¸aÞo” diz
respeito a uma punic?aÞo, mas aqui estamos, por escolha metodológica
nossa, a utilizá-la de um modo amplo para abranger qualquer situação
jurídica em que uma pessoa haverá de sofrer alguma restrição de direito
(punição ou não) por conduta de outrem. Assim, o corte da luz do devedor,
a prisão civil do alimentado inadimplente, a constituição do devedor em
mora são exemplos do que aqui chamamos de “sanc¸aÞo”.
O fundamento do princípio ora enfocado é a boa-fé objetiva, do qual
decorre a vedação à surpresa, e o princípio do contraditório, de que deflui o
direito do interessado em contrapor-se a uma ameaça de restrição de
direito. Embora estejamos a focar o Direito Civil e o Processo Civil, o princípio
do aviso prévio a uma sanção ultrapassa essas fronteiras para iluminar
todos os demais ramos do Direito, com as adaptações necessárias. É um
princípio geral do direito brasileiro. Fazemos uma advertência. O princípio
do aviso prévio a uma sanção é fruto de outros princípios, conforme já
mencionamos. É, na verdade, um sub-princípio. Muitos casos concretos
que iremos apontar aqui como exemplo de aplicação desse princípio, mas
obviamente também poderiam ser resolvidos pela aplicação dos princípios
matrizes, mas isso importaria um esforço argumentativo maior. O princípio
do aviso prévio a uma sanção é uma cristalização didática de vários
princípios com objetivo de facilitar a linguagem jurídica na resolução de
casos concretos, na criação de regras (como na atividade legislativa) e na
manutenção de uma coerência sistêmica do direito.
(Oliveira, C.E.E. de. O princípio do Aviso Prévio a uma sanção no
Direito Civil Brasileiro. Brasília: Núcleo de Estudos e
Pesquisas/CONLEG/Senado Federal, Maio/2019 (texto para discussão nº
259)".
Sob essa perspectiva, também é obrigatória a ocorrência da
notificação premonitória considerando os aspectos negativos que a ação de
despejo pode implicar sobre aquele que deve ser retirado do imóvel.
Por todo o exposto acima, o julgamento do Tribunal de origem não
merece qualquer reparo, ante a obrigatoriedade da ocorrência de notificação
premonitória, antes do ajuizamento da ação de despejo.
4. Conclusão
Forte nessas razões, CONHEÇO PARCIALMENTE do recurso especial e,
nessa parte, NEGO-LHE PROVIMENTO, com fundamento no art. 255, § 4º, I e II, do
RISTJ.
Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, os honorários
sucumbenciais ficam majorados para o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), cuja
exigibilidade resta suspensa em razão do deferimento do benefício da gratuidade
da Justiça.