Fonte: Dizer o Direito
Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1012-stf.pdf
PROCESSO COLETIVO - É inconstitucional a delimitação dos efeitos da sentença proferida em sede de ação civil pública
aos limites da competência territorial de seu órgão prolator
I - É inconstitucional o art. 16 da Lei nº 7.347/85, alterada pela Lei nº 9.494/97.
II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve
observar o art. 93, II, da Lei nº 8.078/90 (CDC).
III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a
prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as
demandas conexas.
STF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão
Geral – Tema 1075) (Info 1012).
Art. 16 da Lei nº 7.347/85 e a eficácia subjetiva da ACP
Falar em “eficácia subjetiva” significa estudarmos “para quem” a sentença proferida na ACP produz
efeitos, isto é, as pessoas que são atingidas juridicamente pelo que foi decidido.
O art. 16 da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), com redação dada pela Lei nº 9.494/97, estabelece
o seguinte:
LEI Nº 7.347/85 (LEI DA ACP)
Redação original
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.
Redação dada pela Lei nº 9.494/97
Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga
omnes, nos limites da competência territorial do
órgão prolator, exceto se o pedido for julgado
improcedente por insuficiência de provas,
hipótese em que qualquer legitimado poderá
intentar outra ação com idêntico fundamento,
valendo-se de nova prova.
Esse artigo foi alterado pela Lei nº 9.494/97 com o objetivo de restringir a eficácia subjetiva da coisa
julgada, ou seja, ele determinou que a coisa julgada na ACP deveria produzir efeitos apenas dentro
dos limites territoriais do juízo que prolatou a sentença.
Em outras palavras, o que o art. 16 quis dizer foi o seguinte: a decisão do juiz na ação civil pública não
produz efeitos no Brasil todo. Ela irá produzir efeitos apenas na comarca (se for Justiça Estadual) ou na
seção ou subseção judiciária (se for Justiça Federal) do juiz prolator.
Críticas da doutrina
A doutrina criticou bastante essa alteração promovida no art. 16 e afirmou que a regra ali prevista não
deveria ser aplicada por ser inconstitucional, impertinente e ineficaz.
Resumo das principais críticas ao dispositivo (DIDIER, Fredie; ZANETI, Hermes):
• Gera prejuízo à economia processual e pode ocasionar decisões contraditórias entre julgados proferidos
em Municípios ou Estados diferentes;
• Viola o princípio da igualdade por tratar de forma diversa os brasileiros (para uns irá "valer" a decisão,
para outros não);
• Os direitos coletivos “lato sensu” são indivisíveis, de forma que não há sentido que a decisão que os
define seja separada por território;
• A redação do dispositivo mistura “competência” com “eficácia da decisão”, que são conceitos diferentes.
O legislador confundiu, ainda, “coisa julgada” e “eficácia da sentença”. Sobre esse ponto, vale a pena citar
Hugo Nigro Mazzilli:
“Com efeito, a Lei 9.494/97 confundiu competência com coisa julgada. A imutabilidade erga
omnes de uma sentença não tem nada a ver com a competência do juiz que a profere. A
competência importa para saber qual órgão da jurisdição vai decidir a ação; mas a imutabilidade
do que ele decidiu estende-se a todo o grupo, classe ou categoria de lesados, de acordo com a
natureza do interesse defendido, o que muitas vezes significa, necessariamente, ultrapassar os
limites territoriais do juízo que proferiu a sentença”. (A defesa dos interesses difusos em Juízo. 30ª
ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 698).
• O art. 93 do CDC, que se aplica também à Lei da ACP, traz regra diversa, já que prevê que, em caso de
danos nacional ou regional, a competência para a ação será do foro da Capital do Estado ou do Distrito
Federal, o que indica que essa decisão valeria, no mínimo, para todo o Estado/DF.
Para o STJ, o art. 16 da LACP, com redação dada pela Lei nº 9.494/97, é válido? A decisão do juiz na ação
civil pública fica restrita apenas à comarca ou à seção (ou subseção) judiciária do juiz prolator?
NÃO. O STJ decidiu que:
A eficácia das decisões proferidas em ações civis públicas coletivas NÃO deve ficar limitada ao território
da competência do órgão jurisdicional que prolatou a decisão.
STJ. Corte Especial. EREsp 1134957/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/10/2016.
Interessante também transcrever trecho do voto do brilhante Min. Luis Felipe Salomão, no REsp
1.243.887/PR (STJ. Corte Especial, julgado em 19/10/2011):
“A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e
competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os
"efeitos" ou a "eficácia" da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais
não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é “efeito” ou
“eficácia” da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la “imutável e
indiscutível”.
É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a
eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os “limites
da lide e das questões decididas” (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC)
- tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat.
A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e
também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação
desse salutar mecanismo de solução plural das lides.
A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por
exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de
posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC)
não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília
poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas
ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.
A questão principal, portanto, é de alcance objetivo (“o que” se decidiu) e subjetivo (em relação
“a quem” se decidiu), mas não de competência territorial.”
E para o STF? Para o STF, o art. 16 da LACP, com redação dada pela Lei nº 9.494/97, é válido?
Também NÃO.
É inconstitucional o art. 16 da Lei nº 7.347/85, na redação dada pela Lei nº 9.494/97.
É inconstitucional a delimitação dos efeitos da sentença proferida em sede de ação civil pública aos
limites da competência territorial de seu órgão prolator.
STF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral –
Tema 1075) (Info 1012).
Proteção constitucional dos interesses difusos e coletivos
A Constituição Federal de 1988 ampliou a proteção aos interesses difusos e coletivos, não somente
constitucionalizando-os, mas também prevendo importantes instrumentos para garantir sua efetividade.
Como exemplos disso, podemos citar a previsão do mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), da ação
popular (art. 5º, LXXII) e a constitucionalização da ação civil pública (art. 129, III).
No âmbito infraconstitucional, o sistema protetivo dos interesses difusos e coletivos nasceu com a edição
da Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65) e foi ampliado com a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85).
O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) foi mais uma evolução legislativa trazendo maior
efetividade à proteção dos interesses difusos e coletivos.
O art. 90 do CDC, somado ao art. 21 da LACP, estabeleceu um verdadeiro microssistema processual
coletivo, com destaque para a eficácia erga omnes da sentença proferida na ação civil pública:
Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei
nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não
contrariar suas disposições.
Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for
cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.
(Incluído Lei nº 8.078/90)
Esse microssistema significa que as normas desses diplomas deverão ser aplicadas mutuamente a fim de
se garantir uma proteção mais efetiva dos interesses difusos e coletivos.
Lei nº 9.494/94 representa retrocesso na proteção dos interesses difusos e coletivos
A alteração do art. 16 da Lei nº 7.347/85 promovida pela Lei nº 9.494/97, fruto da conversão da MP
1.570/97, veio na contramão do avanço institucional de proteção aos direitos metaindividuais. Vale
ressaltar, inclusive, que essa modificação viola os preceitos norteadores da tutela coletiva e atenta contra
os comandos pertinentes ao amplo acesso à Justiça e à isonomia entre os jurisdicionados.
A versão original do art. 16 da LACP previa a coisa julgada erga omnes da sentença civil proferida em
processo na qual decididos direitos difusos e coletivos. O CDC, editado em 1990, ampliou a efetividade ao
estender esses efeitos para os direitos individuais com dimensão coletiva (art. 103).
Nesse contexto, as Leis nº 7.347/85 e 8.078/90 seguiram o mesmo padrão de proteção dos direitos
metaindividuais. Elas estão de acordo com os princípios da unidade da Constituição e da máxima
efetividade das normas constitucionais. A indevida restrição criada pelo art. 16 da LACP, por sua vez, foi
contra os princípios da igualdade e da eficiência na prestação jurisdicional, razão pela qual se mostra
inconstitucional.
Grave prejuízo à isonomia e a efetividade da prestação jurisdicional
A alteração legislativa promovida pela Lei nº 9.494/97 passou a exigir dos legitimados, nos casos em que
a lesão ou ameaça a direito fosse de âmbito regional ou nacional, a propositura de tantas demandas
quanto fossem os territórios em que residem as pessoas lesadas. Ex: em um dano nacional, teria que ser
Iproposta uma ação em cada comarca. Percebe-se, sem muito esforço, que isso acarreta grave prejuízo ao
necessário tratamento isonômico de todos perante a Justiça, além de afrontar claramente eficiência na
prestação da atividade jurisdicional.
Na ação civil pública, os beneficiados podem ser indetermináveis – direitos difusos – , ou indeterminados,
em um primeiro momento – direitos coletivos e individuais homogêneos –, sendo possível que os titulares
do direito estejam dispersos em diferentes Municípios ou Estados; ou ainda em todos os Estados e
Municípios brasileiros; mas sempre devendo ser observados, na efetividade da prestação jurisdicional, os
princípios da igualdade e da eficiência.
Mais uma vez se mostra salutar recorrer às palavras do Min. Luis Felipe Salomão:
“A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e
também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação
desse salutar mecanismo de solução plural das lides.
A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por
exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de
posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC)
não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília
poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas
ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.” (REsp 1.243.887/PR)
Patente, portanto, o desrespeito aos princípios da igualdade, da eficiência, da segurança jurídica e da
efetiva tutela jurisdicional.
Com a declaração de inconstitucionalidade da redação modificada do art. 16 da LACP, surge uma
relevante indagação a ser feita: de quem é a competência para julgar uma ação civil pública?
Quanto às ações civis públicas cujo objeto seja de âmbito apenas local, deve-se aplicar o art. 2º da Lei nº
7.347/85:
Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo
juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.
E se a ACP tiver projeção regional ou nacional?
Neste caso, como não há norma expressa na LACP tratando sobre o tema, deve-se recorrer ao art. 93, II,
do CDC, com base na noção de microssistema processual (art. 21 da LACP).
Assim, a definição do juízo competente para o processamento de ações civis públicas cuja sentença tenha
projeção regional ou nacional deve observar o disposto no art. 93, II, do CDC:
Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:
(...)
II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou
regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência
concorrente.
Portanto, em se tratando de ação civil pública com abrangência nacional ou regional, sua propositura deve
ocorrer no foro, ou na circunscrição judiciária, de capital de Estado ou no Distrito Federal.
Em se tratando de alcance geograficamente superior a um Estado, a opção por capital de Estado
evidentemente deve contemplar uma que esteja situada na região atingida.
Com isso, impede-se a escolha de juízos aleatórios para o processo e julgamento de ações que versem
sobre esses direitos difusos e coletivos.
Como evitar decisões conflitantes proferidas por juízos diversos em ações civis públicas que estejam
tramitando em comarcas diferentes?
O ordenamento jurídico oferece um critério que impede esse problema, com base nos art. 55, § 3º e art.
286 do CPC, além do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85:
Art. 55 (...)
§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação
de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão
entre eles.
Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza:
I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;
II - quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda
que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da
demanda;
III - quando houver ajuizamento de ações nos termos do art. 55, § 3º, ao juízo prevento.
Parágrafo único. Havendo intervenção de terceiro, reconvenção ou outra hipótese de ampliação
objetiva do processo, o juiz, de ofício, mandará proceder à respectiva anotação pelo distribuidor.
Art. 2º (...)
Parágrafo único A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações
posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.
Dessa maneira, o juiz competente – nos termos do artigo 2º da LACP e 93 do CDC – , que primeiro conhecer
da matéria ficará prevento para processar e julgar todas as demandas que proponham o mesmo objeto.
A aplicação dessas normas torna possível definir qual o juiz competente, inclusive para ações cuja decisão
tenha efeitos regionais ou nacionais. E, uma vez fixada essa competência, o primeiro que conhecer da
matéria, entre os competentes, ficará prevento.
Em suma:
I - É inconstitucional o art. 16 da Lei nº 7.347/85, alterada pela Lei nº 9.494/97.
II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar
o art. 93, II, da Lei nº 8.078/90 (CDC).
III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do
juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas.
STF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral –
Tema 1075) (Info 1012).