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24 de março de 2022

Compete à Justiça da Infância e da Juventude processar e julgar causas envolvendo reformas de estabelecimento de ensino de crianças e adolescentes

Processo

AREsp 1.840.462-SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 15/03/2022, DJe 18/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

  • Educação de qualidade
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação civil pública. Prédio escolar com problemas estruturais. Permanência no ensino. Reformas em estabelecimento de crianças e adolescentes. Competência Absoluta. Justiça da Infância e da Juventude.

 

DESTAQUE

Compete à Justiça da Infância e da Juventude processar e julgar causas envolvendo reformas de estabelecimento de ensino de crianças e adolescentes.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na origem, foi ajuizada ação civil pública visando à prestação jurisdicional que garanta que crianças e adolescentes possam adequadamente e sem riscos permanecer em escola, instituição de ensino fundamental e médio de Carapicuíba/SP, diante de irregularidades prediais graves onde funciona a instituição de ensino.

Nos termos da Constituição da República (art. 206, I, da CF) e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 3º, I, da Lei n. 9.394/1996), o Poder Público deve ter em conta "a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola".

A igualdade nas condições para o acesso (matrícula) ao ensino não basta, se as condições de permanência e funcionamento da instituição de ensino são precárias. Assim, permanência na escola implica a viabilidade de permanência física e funcionamento das instalações da instituição de ensino sem riscos à integridade física dos alunos e professores.

Sendo, pois, acesso e permanência mutuamente dependentes, a respectiva competência jurisdicional segue a mesma lógica.

Em matéria de acesso (matrícula) ao ensino de crianças e adolescentes e a respectiva competência para o conhecimento de demandas judiciais, verifica-se que a Justiça da Infância e da Juventude tem competência absoluta para processar e julgar causas envolvendo matrícula em creches ou escolas, nos termos dos arts. 148, IV, e 209 da Lei n. 8.069/1990. Este entendimento foi assentado, em regime de recursos repetitivos, pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.846.781/MS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, DJe 29/3/2021).

Esse precedente obrigatório sobre acesso (matrícula) ao ensino se aplica, portanto, a demandas que discutam permanência, o que abrange reformas de estabelecimentos de ensino.

Desse modo, conforme apontado, trata-se de matéria de competência jurisdicional absoluta da Justiça da Infância e da Juventude e, por isso, cabe ao órgão fracionário do Tribunal de origem ao qual incumbiria essa competência, o julgamento do recurso.

5 de janeiro de 2022

O Ministério Público não tem legitimidade para promover ACP pedindo que os proprietários de imóveis sejam obrigados a pagar taxa em favor de associação de moradores

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-712-stj.pdf


PROCESSO COLETIVO O Ministério Público não tem legitimidade para promover ACP pedindo que os proprietários de imóveis sejam obrigados a pagar taxa em favor de associação de moradores 

O Ministério Público possui legitimidade para promover a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mesmo que de natureza disponível, desde que o interesse jurídico tutelado possua relevante natureza social. Se a ação tem por finalidade apenas evitar a cobrança de taxas, supostamente ilegais, por específica associação de moradores, essa causa não transcende a esfera de interesses puramente particulares e, consequentemente, não possui a relevância social exigida para a tutela coletiva. STJ. 4ª Turma. REsp 1.585.794-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 28/09/2021 (Info 712). 

Imagine a seguinte situação hipotética: 

Foi constituída uma associação de moradores de determinado bairro. Esta associação passou a exigir dos moradores uma “taxa de manutenção” destinada a custear serviços como limpeza das ruas, segurança, manutenção de iluminação extra etc. Ocorre que essa associação passou a exigir o pagamento não apenas dos moradores que tenham concordado com a sua constituição, mas também das pessoas que não quiserem se associar. Diante disso, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais ajuizou ação civil pública contra a referida associação a fim de declarar a abusividade da cobrança da taxa de manutenção das pessoas que não são a ela associadas. A associação contestou a demanda afirmando que o Ministério Público não teria legitimidade ativa porque a causa envolve os interesses dos moradores daquele bairro, o que configura “direitos individuais homogêneos”. Além disso, por se relacionar com interesses meramente patrimoniais, tais direitos são disponíveis. Logo, o Ministério Público estaria pleiteando em juízo em prol de direitos individuais homogêneos disponíveis, o que não seria possível. 

O que decidiu o STJ? Foi reconhecida a legitimidade ativa do Ministério Público no presente caso? NÃO. Vamos entender com calma. 

Legitimidade do Ministério Público para a ACP 

O Ministério Público está legitimado a promover ação civil pública para a defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. No entanto, o MP somente terá representatividade adequada para propor a ACP se os direitos/interesses discutidos na ação estiverem relacionados com as suas atribuições constitucionais, que são previstas no art. 127 da CF: 

Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. 

Desse modo, indaga-se: o MP possui legitimidade para ajuizar ACP na defesa de qualquer direito difuso, coletivo ou individual homogêneo? 

O entendimento majoritário está exposto a seguir: 

Direitos DIFUSOS 

SIM O MP está sempre legitimado a defender qualquer direito difuso. (o MP sempre possui representatividade adequada).


Direitos COLETIVOS (stricto sensu) 

SIM O MP está sempre legitimado a defender qualquer direito coletivo. (o MP sempre possui representatividade adequada). 


Direitos INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS 

1) Se esses direitos forem indisponíveis: SIM (ex: saúde de um menor) 

2) Se esses direitos forem disponíveis: DEPENDE 

O MP só terá legitimidade para ACP envolvendo direitos individuais homogêneos disponíveis se estes forem de interesse social (se o interesse jurídico tutelado possuir relevante natureza social). 

Quatro conclusões importantes: 

1) Se o direito for difuso ou coletivo (stricto sensu), o MP sempre terá legitimidade para propor ACP (há posições em sentido contrário, mas é o que prevalece). 

2) Se o direito individual homogêneo for indisponível (ex: saúde de um menor carente), o MP sempre terá legitimidade para propor ACP. 

3) Se o direito individual homogêneo for disponível, o MP pode agir desde que haja relevância social. Ex1: defesa dos interesses de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação. Ex2: defesa de trabalhadores rurais na busca de seus direitos previdenciários. 

4) O Ministério Público possui legitimidade para a defesa de direito individual indisponível mesmo quando a ação vise à tutela de pessoa individualmente considerada (tutela do direito indisponível relativo a uma única pessoa). Ex: MP ajuíza ACP para que o Estado forneça uma prótese auditiva a um menor carente portador de deficiência. 

Exemplos de direitos individuais homogêneos dotados de relevância social (Ministério Público pode propor ACP nesses casos): 

1) MP pode questionar edital de concurso público para diversas categorias profissionais de determinada Prefeitura, em que se previa que a pontuação adotada privilegiaria candidatos que já integrariam o quadro da Administração Pública municipal (STF RE 216443); 

2) na defesa de mutuários do Sistema Financeiro de Habitação (STF AI 637853 AgR);

3) em caso de loteamentos irregulares ou clandestinos, inclusive para que haja pagamento de indenização aos adquirentes (REsp 743678); 

4) o Ministério Público tem legitimidade para figurar no polo ativo de ACP destinada à defesa de direitos de natureza previdenciária (STF AgRg no AI 516.419/PR); 

5) o Ministério Público tem legitimidade para propor ACP com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial - TARE firmado entre o Distrito Federal e empresas beneficiárias de redução fiscal. O referido acordo, ao beneficiar uma empresa privada e garantir-lhe o regime especial de apuração do ICMS, poderia, em tese, implicar lesão ao patrimônio público, fato que legitima a atuação do parquet na defesa do erário e da higidez da arrecadação tributária (STF RE 576155/DF); 

6) o MP tem legitimação para, por meio de ACP, pretender que o Poder Público forneça medicação de uso contínuo, de alto custo, não disponibilizada pelo SUS, mas indispensável e comprovadamente necessária e eficiente para a sobrevivência de um único cidadão desprovido de recursos financeiros; 

7) defesa do direito dos consumidores de não serem incluídos indevidamente nos cadastros de inadimplentes (REsp 1.148.179-MG). 

Exemplos de direitos individuais homogêneos destituídos de relevância social (Ministério Público NÃO pode propor ACP nesses casos): 

1) o MP não pode ajuizar ACP para veicular pretensões que envolvam tributos (impostos, taxas etc.), contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados (art. 1º, parágrafo único, da LACP). Ex: o MP não pode propor ACP questionando a cobrança excessiva de uma determinada taxa, ainda que envolva um expressivo número de contribuintes; 

2) “O Ministério Público não tem legitimidade ativa para propor ação civil pública na qual busca a suposta defesa de um pequeno grupo de pessoas - no caso, dos associados de um clube, numa óptica predominantemente individual.” (STJ REsp 1109335/SE); 

3) o MP não pode buscar a defesa de condôminos de edifício de apartamentos contra o síndico, objetivando o ressarcimento de parcelas de financiamento pagas para reformas afinal não efetivadas. 

E no caso de direitos dos consumidores? O Ministério Público poderá defender em juízo direitos individuais homogêneos dos consumidores? 

SIM. O Ministério Público possui legitimidade para promover ação civil pública para tutelar não apenas direitos difusos ou coletivos de consumidores, mas também direitos individuais homogêneos. Trata-se de legitimação que decorre, de forma genérica, dos arts. 127 e 129, III da CF/88 e, de modo específico, do art. 82, I do CDC: 

Art. 82. Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público; (...) 

Art. 81. (...) Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: (...) III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. 

Vimos acima que o Ministério Público somente tem legitimidade para defender direitos individuais homogêneos caso estes sejam indisponíveis ou tenham relevância social. E no caso dos direitos individuais homogêneos relacionados com direitos dos consumidores? 

Prevalece o entendimento de que “a proteção coletiva dos consumidores constitui não apenas interesse individual do próprio lesado, mas interesse da sociedade como um todo. Realmente, é a própria Constituição que estabelece que a defesa dos consumidores é princípio fundamental da atividade econômica (CF, art. 170, V), razão pela qual deve ser promovida, inclusive pelo Estado, em forma obrigatória (CF, art. 5º, XXXII). Não se trata, obviamente, da proteção individual, pessoal, particular, deste ou daquele consumidor lesado, mas da proteção coletiva, considerada em sua dimensão comunitária e impessoal. Compreendida a cláusula constitucional dos interesses sociais (art. 127) nessa dimensão, não será difícil concluir que nela pode ser inserida a legitimação do Ministério Público para a defesa de ‘direitos individuais homogêneos’ dos consumidores, o que dá base de legitimidade ao art. 82, I da Lei nº 8.078/90 (...)” (voto do falecido Min. Teori Zavascki no REsp 417.804/PR, DJ 16/05/2005). “A tutela efetiva de consumidores possui relevância social que emana da própria Constituição Federal (arts. 5º, XXXII, e 170, V).” (STJ. 3ª Turma. REsp 1254428/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 02/06/2016). Assim, “o Ministério Público ostenta legitimidade ativa para a propositura de Ação Civil Pública objetivando resguardar direitos individuais homogêneos dos consumidores.” (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1569566/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 07/03/2017). 

Os direitos dos consumidores muitas vezes são disponíveis (ex: direitos patrimoniais). Mesmo assim, o Ministério Público terá legitimidade para a ação civil pública em tais casos? O MP tem legitimidade para a defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores mesmo que estes sejam direitos disponíveis? 

SIM. O Ministério Público tem legitimidade ativa para a propositura de ação civil pública destinada à defesa de direitos individuais homogêneos de consumidores, ainda que disponíveis, pois se está diante de legitimação voltada à promoção de valores e objetivos definidos pelo próprio Estado (STJ. 3ª Turma. REsp 1254428/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 02/06/2016). 

Nesse sentido: Súmula 601-STJ: O Ministério Público tem legitimidade ativa para atuar na defesa de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores, ainda que decorrentes da prestação de serviço público. 

Voltando ao caso concreto: por que o MP não tem legitimidade para propor a ACP em favor dos proprietários que não querem pagar a “taxa” destinada à associação de moradores? 

Porque o STJ considerou que são direitos individuais homogêneos sem relevante natureza social. Sob a ótica objetiva e subjetiva da relevância social, verifica-se que, no caso, não se busca defender bens ou valores essenciais à sociedade, tais como o direito ao meio ambiente equilibrado, à educação, à cultura ou à saúde, nem se pretende tutelar direito de vulnerável, como o consumidor, o portador de necessidade especial, o indígena, o idoso ou o menor de idade. Assim, a ação civil pública tem por finalidade apenas evitar a cobrança de taxas, supostamente ilegais, por específica associação de moradores. Nessa perspectiva, a referida causa não transcende a esfera de interesses puramente particulares e, consequentemente, não possui a relevância social exigida para a tutela coletiva. 

Em suma: O Ministério Público não tem legitimidade para promover ação civil pública para evitar que os proprietários de imóveis sejam obrigados a pagar taxa em favor de associação de moradores. Não há legitimidade do MP porque a causa envolve direitos individuais homogêneos sem relevante natureza social. A ação civil pública tem por finalidade apenas evitar a cobrança de taxas, supostamente ilegais, por específica associação de moradores. Nessa perspectiva, a referida causa não transcende a esfera de interesses puramente particulares e, consequentemente, não possui a relevância social exigida para a tutela coletiva. STJ. 4ª Turma. REsp 1.585.794-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 28/09/2021 (Info 712).

19 de junho de 2021

O Ministério Público Federal é parte legítima para pleitear indenização por danos morais coletivos e individuais em decorrência do óbito de menor indígena

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/06/info-696-stj.pdf


AÇÃO CIVIL PÚBLICA - O Ministério Público Federal é parte legítima para pleitear indenização por danos morais coletivos e individuais em decorrência do óbito de menor indígena 

Caso concreto: uma criança indígena faleceu no interior do Mato Grosso do Sul em razão da má prestação do serviço público de saúde. O MPF ingressou com ação civil pública contra a União e uma fundação estadual de saúde pedindo o pagamento de indenização por danos morais individuais (em favor dos pais da criança) e por danos morais coletivos. O STJ reconheceu a legitimidade do MPF. A relevância social do bem jurídico tutelado e a vulnerabilidade dos povos indígenas autoriza, em face da peculiar situação do caso, a defesa dos interesses individuais dos índios pelo Ministério Público, em decorrência de sua atribuição institucional. A Constituição reconhece, em seu art. 232, a peculiar vulnerabilidade dos índios e das populações indígenas, motivo pelo qual o art. 37, II, da LC 75/93 confere legitimidade ao MPF “para defesa de direitos e interesses dos índios e das populações indígenas”, o que se mostra consentâneo com o art. 129, V e IX, da CF/88. STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1.688.809-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 26/04/2021 (Info 696). 

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: 

Uma criança indígena faleceu no interior do Mato Grosso do Sul. Ficou constatado que o óbito ocorreu em razão da má prestação do serviço público de saúde. A criança, mesmo ainda com a saúde debilitada, recebeu indevidamente alta do hospital público, o que agravou ainda mais seu estado. Diante disso, o Ministério Público federal ingressou com ação civil pública contra a União e a Fundação Serviços de Saúde de Mato Grosso do Sul pedindo o pagamento de indenização por danos morais individuais (em favor dos pais da criança) e por danos morais coletivos. O juízo de 1ª instância afirmou que o Ministério Público seria parte ilegítima para pleitear a condenação das rés (União e FUNSAU), de forma solidária, ao pagamento de indenização por danos morais aos genitores da menor. Segundo argumentou o magistrado, a pretensão tem natureza de direito individual, disponível e divisível, de modo que o Ministério Público Federal não possuiria legitimidade ativa para pedir indenização por eventual dano moral sofrido pelos pais da menor falecida. Para o juiz, não se vislumbra qualquer relação, ainda que reflexa, com os direitos do povo indígena, portanto, não se aplica ao caso o regime de substituição processual (legitimação extraordinária). A questão posta não versaria sobre interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, do CDC) da comunidade indígena. A decisão foi mantida pelo TRF3, tendo sido interposto recurso especial ao STJ. 

Para o STJ, o MPF possui legitimidade para propor a referida ação? SIM. 

O Ministério Público Federal é parte legítima para pleitear indenização por danos morais coletivos e individuais em decorrência do óbito de menor indígena. STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1.688.809-SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 26/04/2021 (Info 696). 

Existe previsão na Constituição e na lei acerca da legitimidade do MPF para a defesa dos interesses das populações indígenas 

Segundo o art. 129, V e IX, da CF/88, são atribuições do Ministério Público: 

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; (...) IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. 

O art. 232 da CF/88, por sua vez, prevê que: 

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. 

 (Ieses/TJ/SC/Cartórios/2019) Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. (certo) 

A Constituição Federal reconhece a peculiar vulnerabilidade (hipervulnerabilidade) dos índios e das populações indígenas, motivo pelo qual o art. 37, II, da Lei Complementar 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) confere legitimidade ao Ministério Público Federal para a defesa dos direitos e interesses dos índios: 

Art. 37. O Ministério Público Federal exercerá as suas funções: (…) II – nas causas de competência de quaisquer juízes e tribunais, para defesa de direitos e interesses dos índios e das populações indígenas, do meio ambiente, de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, integrantes do patrimônio nacional. 

Esse art. 37, II, da LC 75/93 mostra-se consentâneo (harmônico) com o art. 129, V e IX, da CF/88. Sobre o tema: 

No campo da proteção da saúde e dos índios, a legitimidade do Ministério Público para propor Ação Civil Pública é – e deve ser – a mais ampla possível, não derivando de fórmula matemática, em que, por critério quantitativo, se contam nos dedos as cabeças dos sujeitos especialmente tutelados. Nesse domínio, a justificativa para a vasta e generosa legitimação do Parquet é qualitativa, pois leva em consideração a natureza indisponível dos bens jurídicos salvaguardados e o status de hipervulnerabilidade dos sujeitos tutelados, consoante o disposto no art. 129, V, da Constituição, e no art. 6º da Lei Complementar 75/1993. STJ. 2ª Turma. REsp 1.064.009/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 04/08/2009. 

Notória precariedade do acesso à Justiça na localidade e ausência da Defensoria Pública da União 

A região de Três Lagoas/MS não conta com a Defensoria Pública da União, a quem caberia atuar na representação processual para o pleito de danos morais individuais, e a Defensoria Pública estadual existente na localidade atua somente perante a Justiça Estadual. Diante da peculiaridade do caso concreto (= precariedade do acesso à justiça na localidade), a atuação do Ministério Público Federal mostrou-se ainda mais acertada para a defesa de direitos e interesses de relevância social, vale dizer, o direito à saúde e à boa prestação de serviços de saúde aos índios e à comunidade indígena - de cuja alegada deficiência teria decorrido a morte da criança indígena -, bem como o direito de acesso à justiça pelos índios e pela sua comunidade. 

No campo da proteção da saúde e das comunidades indígenas, a legitimidade ativa do MP é ampla, existindo mesmo quando se tratar de ação que tutele direitos de beneficiários individualizados 

Pode-se aplicar, ao presente caso, o mesmo raciocínio utilizado pelo STJ para firmar a tese repetitiva 766: 

O Ministério Público é parte legítima para pleitear tratamento médico ou entrega de medicamentos nas demandas de saúde propostas contra os entes federativos, mesmo quando se tratar de feitos contendo beneficiários individualizados, porque se refere a direitos individuais indisponíveis, na forma do art. 1º da Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público). STJ. 1ª Seção. REsp 1682836-SP, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 25/04/2018 (Recurso Repetitivo – Tema 766) (Info 624). 

O Ministério Público possui legitimidade para promover ação civil pública visando à defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando há relevância social objetiva do bem jurídico tutelado (a dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental, a saúde, a educação, para citar alguns exemplos) ou diante da massificação do conflito em si considerado (STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.701.853/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 19/03/2021). A relevância social do bem jurídico tutelado e a vulnerabilidade dos povos indígenas autoriza, em face da peculiar situação do caso, a defesa dos interesses individuais dos índios pelo Ministério Público, em decorrência de sua atribuição institucional. 

10 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Eficácia da sentença coletiva e art. 16 da Lei 7.347/1985 (ACP) - Humberto Theodoro Júnior

 “Por força dessa nova legislação, o art. 16 da Lei 7.347/1985 passou a dispor que a sentença da ação civil pública ‘fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator’.

Houve, sem dúvida, um grave erro de técnica jurídico-processual porque, em princípio, a coisa julgada se limita pelo pedido (demanda) e não pela competência.

[…]

Mas isto não impede que haja litígios que somente devam ser decididos pelo juízo do foro do réu ou da situação da coisa ou da verificação do fato. A lei pode, dentro de sua soberania normativa, regular das mais diferentes maneiras o problema da competência. Se não o faz segundo a melhor técnica, pode merecer a censura ou a crítica dos doutos. Nem por isso deixará de ser eficaz enquanto não revogada ou alterada por outra lei.

[…]

Como não há regra alguma de nível constitucional que obrigue a existir ações coletivas com força nacional, a Lei 9.494, art. 2º, continuará a fazer com que cada Juiz apenas disponha de autoridade para tutelar direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos dentro do território de sua jurisdição.

[…]

Se contra a melhor técnica processual, o legislador entendeu de confundir numa só regra a competência territorial com os limites da força da sentença, o certo é que lei existe e, como tal, deverá ser acatada pelo Poder Judiciário. À jurisdição, a não ser como guardiã da supremacia constitucional, não é dado rever a obra legislativa para modificá-la ou revogá-la, ainda que sustentada por critérios de conveniência ditados pela melhor técnica jurídica.”


JUNIOR, Humberto Theodoro. Algumas observações sobre a ação civil pública e outras ações coletivas. Revista dos Tribunais, v. 788. jun. 2001, p. 57.

Filigrana doutrinária: Eficácia da sentença coletiva e o art. 16 da Lei 7.347/1985 (ACP) - Teori Albino Zavascki

 “A interpretação literal do art. 16 leva, portanto, a um resultado incompatível com o instituto da coisa julgada. Não há como cindir territorialmente a qualidade da sentença ou da relação jurídica nela certificada. Observe-se que, tratando-se de direitos transindividuais, a relação jurídica litigiosa, embora com pluralidade indeterminada de sujeitos no seu pólo ativo, é única e incindível (indivisível). Como tal, a limitação territorial da coisa julgada é, na prática, ineficaz em relação a ela. Não se pode circunscrever territorialmente (circunstância do mundo físico) o juízo de certeza sobre a existência ou a inexistência ou o modo de ser de relação jurídica (que é fenômeno do mundo dos pensamentos).

O sentido da limitação territorial contida no art. 16, antes referido, há de ser identificado por interpretação sistemática e histórica. Ausente do texto original da Lei 7.347/85, sua gênese foi a nova redação dada ao dispositivo pelo art. 2º da Lei 9.494, 10.9.1997. Essa Lei, por sua vez, tratou de matéria análoga no seu art. 2ºA, que assim dispôs: ‘a sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator’. Aqui, o desiderato normativo se expressa mais claramente. O que ele objetiva é limitar a eficácia subjetiva da sentença (e não da coisa julgada), o que implica, necessariamente, limitação do rol dos substituídos no processo (que se restringirá aos domiciliados no território da competência do juiz). Ora, entendida nesse ambiente, como se referindo à sentença (e não à coisa julgada), em ação para a tutela coletiva de direitos subjetivos individuais (e não em ação civil pública para tutela de direitos transindividuais), a norma do art. 16 da Lei 7.347/85 produz algum sentido. É que, nesse caso, o objeto do litígio são direitos individuais e divisíveis, formados por uma pluralidade de relações jurídicas autônomas, que comportam tratamento separado, sem comprometimento da sua essência. Aqui sim é possível cindir a tutela jurisdicional por critério territorial, já que as relações jurídicas em causa admitem divisão segundo o domicílio dos respectivos titulares, que são perfeitamente individualizados.

Compreendida a limitação territorial da eficácia da sentença nos termos expostos, é possível conceber idêntica limitação à eficácia da respectiva coisa julgada. Nesse pressuposto, em interpretação sistemática e construtiva, pode-se afirmar, portanto, que a eficácia territorial da coisa julgada a que se refere o art. 16 da Lei 7.347/85 diz respeito apenas às sentenças proferidas em ações coletivas para tutela de direitos individuais homogêneos, de que trata o art. 2ºA da Lei 9.494, de 1997 e não, propriamente, às sentenças que tratem de típicos direitos transindividuais.”


ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. São Paulo: Ed. RT, 2006. p. 78-80.

EREsp 1134957/SP: Lei 7.347/1985 - ACP e eficácia da sentença coletiva

 “Embargos de divergência. Processual civil. Art. 16 da lei da ação civil pública. Ação coletiva. Limitação apriorística da eficácia da decisão à competência territorial do órgão judicante. Desconformidade com o entendimento firmado pela corte especial do superior tribunal de justiça em julgamento de recurso repetitivo representativo de controvérsia (REsp 1.243.887/PR, rel. Min. Luís Felipe Salomão). Dissídio jurisprudencial demonstrado. Embargos de divergência acolhidos. 1. No julgamento do recurso especial repetitivo (representativo de controvérsia) 1.243.887/PR, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar a regra prevista no art. 16 da Lei 7.347/85, primeira parte, consignou ser indevido limitar, aprioristicamente, a eficácia de decisões proferidas em ações civis públicas coletivas ao território da competência do órgão judicante. 2. Embargos de divergência acolhidos para restabelecer o acórdão de fls. 2.418-2.425 (volume11), no ponto em que afastou a limitação territorial prevista no art. 16 da Lei 7.347/85.” 


EREsp 1134957/SP, rel. Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, j. 24.10.2016, DJ 30.11.2016.

Quintas, Fábio Lima . O que a Constituição tem a dizer sobre a polêmica da abrangência da sentença coletiva (art. 16 da Lei de Ação Civil Pública)? Revista de Processo. vol. 315. ano 46. p. 187-207. São Paulo: Ed. RT, maio 2021

Quintas, Fábio Lima . O que a Constituição tem a dizer sobre a polêmica da abrangência da sentença coletiva (art. 16 da Lei de Ação Civil Pública)? Revista de Processo. vol. 315. ano 46. p. 187-207. São Paulo: Ed. RT, maio 2021.


Resumo:

Está posta perante o Supremo Tribunal Federal a discussão relativa à constitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347, de 1985, nos autos do RE 1.101.937 (Tema 1.075 da Repercussão Geral). O artigo busca refletir se a norma, de fato, trouxe uma involução no processo coletivo, que fragilizou o sistema de acesso à justiça. Para tanto, faz-se um resgate das discussões constitucionais que cercaram o tema, bem como uma análise de como a questão dos efeitos da sentença coletiva foi tratada na prática forense nos últimos 20 anos.


Abstract:

The Supreme Court of Brazil will analyze the constitutionality of article 16th of Law 7.347 (RE 1.101.937, Theme 1.075 of the General Repercussion), which rules the subjective and territorial effects of sentences in class actions. The article seeks to reflect whether the rule, in fact, brought an involution in the collective process, which would have weakened the system of access to justice. In our view, this not happen. To demonstrate this, the article brings a review of the constitutional discussions surrounding the issue, as well as an analysis of how the effects of the collective sentence has been dealt with in forensic practice in the past 20 years.


Palavras-Chave: Processo coletivo – Ação coletiva – Efeitos da sentença – Abrangência territorial e subjetiva

Keywords: Brazilian class actions – Scope of the sentences – Territorial and subjective limitation – Brazilian Constitution


4 de maio de 2021

Informativo 694, STJ: Em ação civil pública proposta por associação, na condição de substituta processual, possuem legitimidade para a liquidação e execução da sentença todos os beneficiados pela procedência do pedido, independentemente de serem filiados à associação promovente.

 REsp 1.438.263/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, por maioria quanto à redação da tese, julgado em 24/03/2021 (Tema 948).

Legitimidade do não associado para a execução da sentença. Ação civil pública manejada por associação na condição de substituta processual. Representação prevista no art. 5º, XXI, da Constituição Federal. Tema 948.


Em ação civil pública proposta por associação, na condição de substituta processual, possuem legitimidade para a liquidação e execução da sentença todos os beneficiados pela procedência do pedido, independentemente de serem filiados à associação promovente.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia acerca da legitimidade daquele que não seja filiado à associação autora para a execução da sentença proferida em ação civil pública.

A atuação das associações em processos coletivos pode se verificar de duas maneiras: (a) por meio da ação coletiva ordinária, hipótese de representação processual, com base no permissivo contido no artigo 5º, inciso XXI, da CF/1988; ou (b) ou na ação civil pública, agindo a associação nos moldes da substituição processual prevista no Código de Defesa do Consumidor e na Lei da Ação Civil Pública.

Esta Corte, a partir deste julgamento, firma o entendimento de que todos os substituídos numa ação civil pública que tem por objeto a tutela de um direito individual homogêneo, possuem legitimidade para liquidação e execução da sentença, e que esses substituídos são todos aqueles interessados determináveis que se unem por uma mesma situação de fato.

Vale destacar que os direitos individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, III do CDC) são direitos subjetivos individuais tutelados coletivamente em razão de decorrerem de uma mesma origem, resultam "não de uma contingência imposta pela natureza do direito tutelado, e sim de uma opção política legislativa, na busca de mecanismos que potencializem a eficácia da prestação jurisdicional".

Também é certo que a coisa julgada formada nas ações coletivas fundadas em direitos individuais homogêneos é estabelecida pela legislação (art. 103, III, do CDC), portanto, proposta uma ação coletiva fundada em direitos individuais homogêneos, já se sabe que a sentença irá formar coisa julgada pro et contra em relação aos legitimados coletivos, enquanto terá efeitos erga omnes no caso de procedência do pedido (secundum eventum litis).

Importante, ademais, ressaltar que a sentença de uma ação coletiva fundada em direitos individuais homogêneos será sempre genérica, fixando apenas a responsabilidade do réu pelos danos causados (art. 95, do CDC).

Sendo assim, a partir da disciplina já existente, o mérito deste julgamento pelo rito especial é dizer, em complemento, que aqueles a quem os comandos da sentença condenatória se estenderem são legitimados para promoção da execução da decisão judicial, filiados ou não à associação que promoveu a ação civil em substituição.

30 de abril de 2021

PROCESSO COLETIVO - É inconstitucional a delimitação dos efeitos da sentença proferida em sede de ação civil pública aos limites da competência territorial de seu órgão prolator

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-1012-stf.pdf


PROCESSO COLETIVO - É inconstitucional a delimitação dos efeitos da sentença proferida em sede de ação civil pública aos limites da competência territorial de seu órgão prolator

I - É inconstitucional o art. 16 da Lei nº 7.347/85, alterada pela Lei nº 9.494/97. 

II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei nº 8.078/90 (CDC). 

III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas. 

STF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral – Tema 1075) (Info 1012). 

Art. 16 da Lei nº 7.347/85 e a eficácia subjetiva da ACP 

Falar em “eficácia subjetiva” significa estudarmos “para quem” a sentença proferida na ACP produz efeitos, isto é, as pessoas que são atingidas juridicamente pelo que foi decidido. O art. 16 da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), com redação dada pela Lei nº 9.494/97, estabelece o seguinte: 

LEI Nº 7.347/85 (LEI DA ACP) 

Redação original 

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.


Redação dada pela Lei nº 9.494/97  

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. 

Esse artigo foi alterado pela Lei nº 9.494/97 com o objetivo de restringir a eficácia subjetiva da coisa julgada, ou seja, ele determinou que a coisa julgada na ACP deveria produzir efeitos apenas dentro dos limites territoriais do juízo que prolatou a sentença. Em outras palavras, o que o art. 16 quis dizer foi o seguinte: a decisão do juiz na ação civil pública não produz efeitos no Brasil todo. Ela irá produzir efeitos apenas na comarca (se for Justiça Estadual) ou na seção ou subseção judiciária (se for Justiça Federal) do juiz prolator. 

Críticas da doutrina 

A doutrina criticou bastante essa alteração promovida no art. 16 e afirmou que a regra ali prevista não deveria ser aplicada por ser inconstitucional, impertinente e ineficaz. Resumo das principais críticas ao dispositivo (DIDIER, Fredie; ZANETI, Hermes): 

• Gera prejuízo à economia processual e pode ocasionar decisões contraditórias entre julgados proferidos em Municípios ou Estados diferentes; 

• Viola o princípio da igualdade por tratar de forma diversa os brasileiros (para uns irá "valer" a decisão, para outros não); 

• Os direitos coletivos “lato sensu” são indivisíveis, de forma que não há sentido que a decisão que os define seja separada por território; 

• A redação do dispositivo mistura “competência” com “eficácia da decisão”, que são conceitos diferentes. O legislador confundiu, ainda, “coisa julgada” e “eficácia da sentença”. Sobre esse ponto, vale a pena citar Hugo Nigro Mazzilli: 

“Com efeito, a Lei 9.494/97 confundiu competência com coisa julgada. A imutabilidade erga omnes de uma sentença não tem nada a ver com a competência do juiz que a profere. A competência importa para saber qual órgão da jurisdição vai decidir a ação; mas a imutabilidade do que ele decidiu estende-se a todo o grupo, classe ou categoria de lesados, de acordo com a natureza do interesse defendido, o que muitas vezes significa, necessariamente, ultrapassar os limites territoriais do juízo que proferiu a sentença”. (A defesa dos interesses difusos em Juízo. 30ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 698). 

• O art. 93 do CDC, que se aplica também à Lei da ACP, traz regra diversa, já que prevê que, em caso de danos nacional ou regional, a competência para a ação será do foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, o que indica que essa decisão valeria, no mínimo, para todo o Estado/DF. 

Para o STJ, o art. 16 da LACP, com redação dada pela Lei nº 9.494/97, é válido? A decisão do juiz na ação civil pública fica restrita apenas à comarca ou à seção (ou subseção) judiciária do juiz prolator? 

NÃO. O STJ decidiu que: A eficácia das decisões proferidas em ações civis públicas coletivas NÃO deve ficar limitada ao território da competência do órgão jurisdicional que prolatou a decisão. STJ. Corte Especial. EREsp 1134957/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/10/2016. 

Interessante também transcrever trecho do voto do brilhante Min. Luis Felipe Salomão, no REsp 1.243.887/PR (STJ. Corte Especial, julgado em 19/10/2011): 

“A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os "efeitos" ou a "eficácia" da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é “efeito” ou “eficácia” da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la “imutável e indiscutível”. É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os “limites da lide e das questões decididas” (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat. A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides. A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas. A questão principal, portanto, é de alcance objetivo (“o que” se decidiu) e subjetivo (em relação “a quem” se decidiu), mas não de competência territorial.” 

E para o STF? Para o STF, o art. 16 da LACP, com redação dada pela Lei nº 9.494/97, é válido? Também NÃO. 

É inconstitucional o art. 16 da Lei nº 7.347/85, na redação dada pela Lei nº 9.494/97. É inconstitucional a delimitação dos efeitos da sentença proferida em sede de ação civil pública aos limites da competência territorial de seu órgão prolator. STF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral – Tema 1075) (Info 1012). 

Proteção constitucional dos interesses difusos e coletivos 

A Constituição Federal de 1988 ampliou a proteção aos interesses difusos e coletivos, não somente constitucionalizando-os, mas também prevendo importantes instrumentos para garantir sua efetividade. Como exemplos disso, podemos citar a previsão do mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), da ação popular (art. 5º, LXXII) e a constitucionalização da ação civil pública (art. 129, III). No âmbito infraconstitucional, o sistema protetivo dos interesses difusos e coletivos nasceu com a edição da Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65) e foi ampliado com a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85). O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) foi mais uma evolução legislativa trazendo maior efetividade à proteção dos interesses difusos e coletivos. O art. 90 do CDC, somado ao art. 21 da LACP, estabeleceu um verdadeiro microssistema processual coletivo, com destaque para a eficácia erga omnes da sentença proferida na ação civil pública: 

Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições. 

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. (Incluído Lei nº 8.078/90) 

Esse microssistema significa que as normas desses diplomas deverão ser aplicadas mutuamente a fim de se garantir uma proteção mais efetiva dos interesses difusos e coletivos. 

Lei nº 9.494/94 representa retrocesso na proteção dos interesses difusos e coletivos 

A alteração do art. 16 da Lei nº 7.347/85 promovida pela Lei nº 9.494/97, fruto da conversão da MP 1.570/97, veio na contramão do avanço institucional de proteção aos direitos metaindividuais. Vale ressaltar, inclusive, que essa modificação viola os preceitos norteadores da tutela coletiva e atenta contra os comandos pertinentes ao amplo acesso à Justiça e à isonomia entre os jurisdicionados. A versão original do art. 16 da LACP previa a coisa julgada erga omnes da sentença civil proferida em processo na qual decididos direitos difusos e coletivos. O CDC, editado em 1990, ampliou a efetividade ao estender esses efeitos para os direitos individuais com dimensão coletiva (art. 103). Nesse contexto, as Leis nº 7.347/85 e 8.078/90 seguiram o mesmo padrão de proteção dos direitos metaindividuais. Elas estão de acordo com os princípios da unidade da Constituição e da máxima efetividade das normas constitucionais. A indevida restrição criada pelo art. 16 da LACP, por sua vez, foi contra os princípios da igualdade e da eficiência na prestação jurisdicional, razão pela qual se mostra inconstitucional. 

Grave prejuízo à isonomia e a efetividade da prestação jurisdicional 

A alteração legislativa promovida pela Lei nº 9.494/97 passou a exigir dos legitimados, nos casos em que a lesão ou ameaça a direito fosse de âmbito regional ou nacional, a propositura de tantas demandas quanto fossem os territórios em que residem as pessoas lesadas. Ex: em um dano nacional, teria que ser Iproposta uma ação em cada comarca. Percebe-se, sem muito esforço, que isso acarreta grave prejuízo ao necessário tratamento isonômico de todos perante a Justiça, além de afrontar claramente eficiência na prestação da atividade jurisdicional. Na ação civil pública, os beneficiados podem ser indetermináveis – direitos difusos – , ou indeterminados, em um primeiro momento – direitos coletivos e individuais homogêneos –, sendo possível que os titulares do direito estejam dispersos em diferentes Municípios ou Estados; ou ainda em todos os Estados e Municípios brasileiros; mas sempre devendo ser observados, na efetividade da prestação jurisdicional, os princípios da igualdade e da eficiência. Mais uma vez se mostra salutar recorrer às palavras do Min. Luis Felipe Salomão: 

“A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides. A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.” (REsp 1.243.887/PR) 

Patente, portanto, o desrespeito aos princípios da igualdade, da eficiência, da segurança jurídica e da efetiva tutela jurisdicional. 

Com a declaração de inconstitucionalidade da redação modificada do art. 16 da LACP, surge uma relevante indagação a ser feita: de quem é a competência para julgar uma ação civil pública? Quanto às ações civis públicas cujo objeto seja de âmbito apenas local, deve-se aplicar o art. 2º da Lei nº 7.347/85: 

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa. 

E se a ACP tiver projeção regional ou nacional? 

Neste caso, como não há norma expressa na LACP tratando sobre o tema, deve-se recorrer ao art. 93, II, do CDC, com base na noção de microssistema processual (art. 21 da LACP). Assim, a definição do juízo competente para o processamento de ações civis públicas cuja sentença tenha projeção regional ou nacional deve observar o disposto no art. 93, II, do CDC: 

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: (...) II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente. 

Portanto, em se tratando de ação civil pública com abrangência nacional ou regional, sua propositura deve ocorrer no foro, ou na circunscrição judiciária, de capital de Estado ou no Distrito Federal. Em se tratando de alcance geograficamente superior a um Estado, a opção por capital de Estado evidentemente deve contemplar uma que esteja situada na região atingida. Com isso, impede-se a escolha de juízos aleatórios para o processo e julgamento de ações que versem sobre esses direitos difusos e coletivos. 

Como evitar decisões conflitantes proferidas por juízos diversos em ações civis públicas que estejam tramitando em comarcas diferentes? 

O ordenamento jurídico oferece um critério que impede esse problema, com base nos art. 55, § 3º e art. 286 do CPC, além do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85: 

Art. 55 (...) § 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles. 

Art. 286. Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza: I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada; II - quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda; III - quando houver ajuizamento de ações nos termos do art. 55, § 3º, ao juízo prevento. Parágrafo único. Havendo intervenção de terceiro, reconvenção ou outra hipótese de ampliação objetiva do processo, o juiz, de ofício, mandará proceder à respectiva anotação pelo distribuidor. 

Art. 2º (...) Parágrafo único A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto. 

Dessa maneira, o juiz competente – nos termos do artigo 2º da LACP e 93 do CDC – , que primeiro conhecer da matéria ficará prevento para processar e julgar todas as demandas que proponham o mesmo objeto. A aplicação dessas normas torna possível definir qual o juiz competente, inclusive para ações cuja decisão tenha efeitos regionais ou nacionais. E, uma vez fixada essa competência, o primeiro que conhecer da matéria, entre os competentes, ficará prevento. 

Em suma: 

I - É inconstitucional o art. 16 da Lei nº 7.347/85, alterada pela Lei nº 9.494/97. 

II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei nº 8.078/90 (CDC). 

III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas. 

STF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral – Tema 1075) (Info 1012).


26 de abril de 2021

O art. 16 da Lei de Ação Civil Pública é inconstitucional

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2021/04/o-art-16-da-lei-de-acao-civil-publica-e.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+com/rviB+(Dizer+o+Direito) 


Art. 16 da Lei nº 7.347/85 e a eficácia subjetiva da ACP

Falar em “eficácia subjetiva” significa estudarmos “para quem” a sentença proferida na ACP produz efeitos, isto é, as pessoas que são atingidas juridicamente pelo que foi decidido.

O art. 16 da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), com redação dada pela Lei nº 9.494/97, estabelece o seguinte:

LEI Nº 7.347/85 (LEI DA ACP)

Redação original

Redação dada pela Lei nº 9.494/97

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, exceto se a ação for julgada improcedente por deficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

 

Esse artigo foi alterado pela Lei nº 9.494/97 com o objetivo de restringir a eficácia subjetiva da coisa julgada, ou seja, ele determinou que a coisa julgada na ACP deveria produzir efeitos apenas dentro dos limites territoriais do juízo que prolatou a sentença.

Em outras palavras, o que o art. 16 quis dizer foi o seguinte: a decisão do juiz na ação civil pública não produz efeitos no Brasil todo. Ela irá produzir efeitos apenas na comarca (se for Justiça Estadual) ou na seção ou subseção judiciária (se for Justiça Federal) do juiz prolator.

 

Críticas da doutrina

A doutrina criticou bastante essa alteração promovida no art. 16 e afirmou que a regra ali prevista não deveria ser aplicada por ser inconstitucional, impertinente e ineficaz.

Resumo das principais críticas ao dispositivo (DIDIER, Fredie; ZANETI, Hermes):

• Gera prejuízo à economia processual e pode ocasionar decisões contraditórias entre julgados proferidos em Municípios ou Estados diferentes;

• Viola o princípio da igualdade por tratar de forma diversa os brasileiros (para uns irá "valer" a decisão, para outros não);

• Os direitos coletivos “lato sensu” são indivisíveis, de forma que não há sentido que a decisão que os define seja separada por território;

• A redação do dispositivo mistura “competência” com “eficácia da decisão”, que são conceitos diferentes. O legislador confundiu, ainda, “coisa julgada” e “eficácia da sentença”. Sobre esse ponto, vale a pena citar Hugo Nigro Mazzilli:

“Com efeito, a Lei 9.494/97 confundiu competência com coisa julgada. A imutabilidade erga omnes de uma sentença não tem nada a ver com a competência do juiz que a profere. A competência importa para saber qual órgão da jurisdição vai decidir a ação; mas a imutabilidade do que ele decidiu estende-se a todo o grupo, classe ou categoria de lesados, de acordo com a natureza do interesse defendido, o que muitas vezes significa, necessariamente, ultrapassar os limites territoriais do juízo que proferiu a sentença”. (A defesa dos interesses difusos em Juízo. 30ª ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 698).

 

• O art. 93 do CDC, que se aplica também à Lei da ACP, traz regra diversa, já que prevê que, em caso de danos nacional ou regional, a competência para a ação será do foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, o que indica que essa decisão valeria, no mínimo, para todo o Estado/DF.

 

Para o STJ, o art. 16 da LACP, com redação dada pela Lei nº 9.494/97, é válido? A decisão do juiz na ação civil pública fica restrita apenas à comarca ou à seção (ou subseção) judiciária do juiz prolator?

NÃO. O STJ decidiu que:

A eficácia das decisões proferidas em ações civis públicas coletivas NÃO deve ficar limitada ao território da competência do órgão jurisdicional que prolatou a decisão.

STJ. Corte Especial. EREsp 1134957/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 24/10/2016.

 

Interessante também transcrever trecho do voto do brilhante Min. Luis Felipe Salomão, no REsp 1.243.887/PR (STJ. Corte Especial, julgado em 19/10/2011):

“A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os "efeitos" ou a "eficácia" da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é “efeito” ou “eficácia” da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la “imutável e indiscutível”.

É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os “limites da lide e das questões decididas” (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat.

A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.

A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.

A questão principal, portanto, é de alcance objetivo (“o que” se decidiu) e subjetivo (em relação “a quem” se decidiu), mas não de competência territorial.”

 

E para o STF? Para o STF, o art. 16 da LACP, com redação dada pela Lei nº 9.494/97, é válido?

Também NÃO.

É inconstitucional o art. 16 da Lei nº 7.347/85, na redação dada pela Lei nº 9.494/97.

É inconstitucional a delimitação dos efeitos da sentença proferida em sede de ação civil pública aos limites da competência territorial de seu órgão prolator.

STF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral – Tema 1075) (Info 1012).

 

Proteção constitucional dos interesses difusos e coletivos

A Constituição Federal de 1988 ampliou a proteção aos interesses difusos e coletivos, não somente constitucionalizando-os, mas também prevendo importantes instrumentos para garantir sua efetividade.

Como exemplos disso, podemos citar a previsão do mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), da ação popular (art. 5º, LXXII) e a constitucionalização da ação civil pública (art. 129, III).

No âmbito infraconstitucional, o sistema protetivo dos interesses difusos e coletivos nasceu com a edição da Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65) e foi ampliado com a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85).

O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) foi mais uma evolução legislativa trazendo maior efetividade à proteção dos interesses difusos e coletivos.

O art. 90 do CDC, somado ao art. 21 da LACP, estabeleceu um verdadeiro microssistema processual coletivo, com destaque para a eficácia erga omnes da sentença proferida na ação civil pública:

Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.

 

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.       (Incluído Lei nº 8.078/90)

 

Esse microssistema significa que as normas desses diplomas deverão ser aplicadas mutuamente a fim de se garantir uma proteção mais efetiva dos interesses difusos e coletivos.

 

Lei nº 9.494/94 representa retrocesso na proteção dos interesses difusos e coletivos

A alteração do art. 16 da Lei nº 7.347/85 promovida pela Lei nº 9.494/97, fruto da conversão da MP 1.570/97, veio na contramão do avanço institucional de proteção aos direitos metaindividuais. Vale ressaltar, inclusive, que essa modificação viola os preceitos norteadores da tutela coletiva e atenta contra os comandos pertinentes ao amplo acesso à Justiça e à isonomia entre os jurisdicionados.

A versão original do art. 16 da LACP previa a coisa julgada erga omnes da sentença civil proferida em processo na qual decididos direitos difusos e coletivos. O CDC, editado em 1990, ampliou a efetividade ao estender esses efeitos para os direitos individuais com dimensão coletiva (art. 103).

Nesse contexto, as Leis nº 7.347/85 e 8.078/90 seguiram o mesmo padrão de proteção dos direitos metaindividuais. Elas estão de acordo com os princípios da unidade da Constituição e da máxima efetividade das normas constitucionais. A indevida restrição criada pelo art. 16 da LACP, por sua vez, foi contra os princípios da igualdade e da eficiência na prestação jurisdicional, razão pela qual se mostra inconstitucional.

 

Grave prejuízo à isonomia e a efetividade da prestação jurisdicional

A alteração legislativa promovida pela Lei nº 9.494/97 passou a exigir dos legitimados, nos casos em que a lesão ou ameaça a direito fosse de âmbito regional ou nacional, a propositura de tantas demandas quanto fossem os territórios em que residem as pessoas lesadas. Ex: em um dano nacional, teria que ser proposta uma ação em cada comarca. Percebe-se, sem muito esforço, que isso acarreta grave prejuízo ao necessário tratamento isonômico de todos perante a Justiça, além de afrontar claramente eficiência na prestação da atividade jurisdicional.

Na ação civil pública, os beneficiados podem ser indetermináveis – direitos difusos – , ou indeterminados, em um primeiro momento – direitos coletivos e individuais homogêneos –, sendo possível que os titulares do direito estejam dispersos em diferentes Municípios ou Estados; ou ainda em todos os Estados e Municípios brasileiros; mas sempre devendo ser observados, na efetividade da prestação jurisdicional, os princípios da igualdade e da eficiência.

Mais uma vez se mostra salutar recorrer às palavras do Min. Luis Felipe Salomão:

“A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.

A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.” (REsp 1.243.887/PR)

 

Patente, portanto, o desrespeito aos princípios da igualdade, da eficiência, da segurança jurídica e da efetiva tutela jurisdicional.

 

Com a declaração de inconstitucionalidade da redação modificada do art. 16 da LACP, surge uma relevante indagação a ser feita: de quem é a competência para julgar uma ação civil pública?

Quanto às ações civis públicas cujo objeto seja de âmbito apenas local, deve-se aplicar o art. 2º da Lei nº 7.347/85:

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para processar e julgar a causa.

 

E se a ACP tiver projeção regional ou nacional?

Neste caso, como não há norma expressa na LACP tratando sobre o tema, deve-se recorrer ao art. 93, II, do CDC, com base na noção de microssistema processual (art. 21 da LACP).

Assim, a definição do juízo competente para o processamento de ações civis públicas cuja sentença tenha projeção regional ou nacional deve observar o disposto no art. 93, II, do CDC:

Art. 93. Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

(...)

II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

 

Portanto, em se tratando de ação civil pública com abrangência nacional ou regional, sua propositura deve ocorrer no foro, ou na circunscrição judiciária, de capital de Estado ou no Distrito Federal.

Em se tratando de alcance geograficamente superior a um Estado, a opção por capital de Estado evidentemente deve contemplar uma que esteja situada na região atingida.

Com isso, impede-se a escolha de juízos aleatórios para o processo e julgamento de ações que versem sobre esses direitos difusos e coletivos.

 

Como evitar decisões conflitantes proferidas por juízos diversos em ações civis públicas que estejam tramitando em comarcas diferentes?

O ordenamento jurídico oferece um critério que impede esse problema, com base nos art. 55, § 3º e art. 286 do CPC, além do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 7.347/85:

Art. 55 (...)

§ 3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles.

 

Art. 286.  Serão distribuídas por dependência as causas de qualquer natureza:

I - quando se relacionarem, por conexão ou continência, com outra já ajuizada;

II - quando, tendo sido extinto o processo sem resolução de mérito, for reiterado o pedido, ainda que em litisconsórcio com outros autores ou que sejam parcialmente alterados os réus da demanda;

III - quando houver ajuizamento de ações nos termos do art. 55, § 3º, ao juízo prevento.

Parágrafo único.  Havendo intervenção de terceiro, reconvenção ou outra hipótese de ampliação objetiva do processo, o juiz, de ofício, mandará proceder à respectiva anotação pelo distribuidor.

 

Art. 2º (...)

Parágrafo único  A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

 

Dessa maneira, o juiz competente – nos termos do artigo 2º da LACP e 93 do CDC – , que primeiro conhecer da matéria ficará prevento para processar e julgar todas as demandas que proponham o mesmo objeto.

A aplicação dessas normas torna possível definir qual o juiz competente, inclusive para ações cuja decisão tenha efeitos regionais ou nacionais. E, uma vez fixada essa competência, o primeiro que conhecer da matéria, entre os competentes, ficará prevento.

 

Em suma:

I - É inconstitucional o art. 16 da Lei nº 7.347/85, alterada pela Lei nº 9.494/97.

II - Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei nº 8.078/90 (CDC).

III - Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas.

STF. Plenário. RE 1101937/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 7/4/2021 (Repercussão Geral – Tema 1075) (Info 1012).