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30 de abril de 2021

ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECLUSÃO. APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO. IRRELEVÂNCIA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.797.365 - RS (2019/0040848-7) 

RELATOR : MINISTRO SÉRGIO KUKINA 

R.P/ACÓRDÃO : MINISTRA REGINA HELENA COSTA 

PROCESSUAL CIVIL. ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. NÃO INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRECLUSÃO. APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO. IRRELEVÂNCIA. 

I – Nos termos do disposto no art. 304 do Código de Processo Civil de 2015, a tutela antecipada, deferida em caráter antecedente (art. 303), estabilizar-se-á, quando não interposto o respectivo recurso. 

II – Os meios de defesa possuem finalidades específicas: a contestação demonstra resistência em relação à tutela exauriente, enquanto o agravo de instrumento possibilita a revisão da decisão proferida em cognição sumária. Institutos inconfundíveis. 

III – A ausência de impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de sua revisão. 

IV – A apresentação de contestação não tem o condão de afastar a preclusão decorrente da não utilização do instrumento proessual adequado – o agravo de instrumento. 

V – Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Benedito Gonçalves, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Sérgio Kukina(Relator) e Gurgel de Faria, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Regina Helena Costa, que lavrará o acórdão. Votaram com a Sra. Ministra Regina Helena Costa os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves(voto-vista). 

Brasília (DF), 03 de outubro de 2019 (Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA (Relator): Trata-se de recurso especial manejado por Banco Cooperativo SICREDI S.A com lastro no art. 105, III, a e c, da CF, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (fl. 427): 

APELAÇÃO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO ADMINISTRATIVO. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ESTABILIZAÇÃO. INOCORRÊNCIA. CONTESTAÇÃO APRESENTADA PELO ENTE ESTATAL QUE IMPÕE O PROSSEGUIMENTO DO FEITO. INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 304 DO CPC. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. À luz da instrumentalidade do processo, o conformismo da parte com a decisão que defere a antecipação da tutela em caráter antecedente não se confunde com a ausência de interesse no prosseguimento da demanda e seu julgamento de modo exauriente. Assim, ainda que o artigo 304 do CPC disponha que a tutela antecipada não será estabilizada apenas se for interposto o recurso de agravo de instrumento, atribui-se o mesmo efeito à apresentação de contestação. Lição doutrinária. Caso dos autos em que o Estado do Rio Grande do Sul foi citado e ofereceu contestação onde, em preliminar, expressamente pugnou pela não estabilização da tutela antecipada e deduziu defesa de mérito. Por isso, conquanto não interposto o recurso de agravo, não há falar em estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente. Sentença desconstituída para que a demanda prossiga nos moldes do que dispõe o artigo 303, § 1°, I, do CPC. APELO PROVIDO. UNÂNIME. 

Opostos embargos declaratórios pelo Sicredi (fls. 440/442), foram rejeitados ante a inexistência dos vícios elencados no art. 1.022 do CPC/2015 (fls. 458/463). 

A parte recorrente aponta violação ao art. 304, § 1º, do CPC/2015, além de dissídio jurisprudencial, sustentando que, diante da não interposição do recurso adequado, deve ser reconhecida a estabilização da tutela. 

Segundo afirma, a norma em questão não permite a interpretação dada na origem, no sentido de que a contestação apresentada pelo Estado do Rio Grande do Sul, na ação principal, é capaz de impedir a estabilização da tutela concedida em caráter antecedente. 

O recorrido apresentou contrarrazões às fls. 501/506, em que pugna pela manutenção do acórdão objurgado. 

É o relatório. 


VOTO-VENCEDOR 

A EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA REGINA HELENA COSTA: Nos termos do relatado pelo Sr. Ministro Sérgio Kukina, a controvérsia submetida a esta Corte diz com a interpretação a ser dada à norma contida no caput do art. 304 do Código de Processo Civil de 2015, a fim de aferir a possibilidade de estabilização da tutela antecipada deferida em caráter antecedente, nos termos do disposto no art. 303 do mesmo estatuto processual, quando não interposto o recurso de Agravo de Instrumento (art. 1.015, I, do CPC/2015), mas apresentada a contestação. 

Inicialmente, importante recordar que o instituto da antecipação dos efeitos da tutela foi introduzido ao Código de Processo Civil de 1973 pela Lei n. 8.952/1994, possibilitando que o requerimento fosse formulado desde a petição inicial, concomitantemente ao pleito de tutela definitiva final ou, ainda, incidentalmente (art. 273). 

O Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, instituiu contornos mais alargados ao instituto, disciplinando-o em livro específico (Livro V), constante de sua parte geral, e estabelecendo, dentre suas espécies, a tutela de urgência (Título II) e da evidência (Título III). 

Das novidades apresentadas ao instituto, talvez a mais relevante esteja relacionada à possibilidade de estabilização da tutela antecipada deferida em caráter antecedente (arts. 303 e 304). 

Impende trazer à colação a redação dos dispositivos constantes do Capítulo II do Livro V do Código de Processo Civil de 2015, que dispõe, in verbis (destaques meus): 

LIVRO V DA TUTELA PROVISÓRIA (...) CAPÍTULO II - DO PROCEDIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE 

Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo. § 1º Concedida a tutela antecipada a que se refere o caput deste artigo: I - o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar; II - o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na forma do art. 334 ; III - não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335 . § 2º Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do § 1º deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito. § 3º O aditamento a que se refere o inciso I do § 1º deste artigo dar-se-á nos mesmos autos, sem incidência de novas custas processuais. § 4º Na petição inicial a que se refere o caput deste artigo, o autor terá de indicar o valor da causa, que deve levar em consideração o pedido de tutela final. § 5º O autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer-se do benefício previsto no caput deste artigo. § 6º Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o processo ser extinto sem resolução de mérito. 

Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303 , torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso. § 1º No caso previsto no caput, o processo será extinto. § 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput. § 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º. § 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida. § 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º. § 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo. (destaquei). 

Embora a doutrina não seja pacífica sobre o tema, filio-me à corrente segundo a qual a estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente ocorrerá caso não interposto o respectivo recurso – qual seja, o agravo de instrumento –, conforme leciona Humberto Theodoro Júnior, para quem: 

Considera-se antecedente toda medida urgente pleiteada antes da dedução em juízo do pedido principal, seja ela cautelar ou satisfativa. Em regra, ambas dão programadas para dar seguimento a uma pretensão principal a ser aperfeiçoada nos próprios autos em que o provimento antecedente se consumou. O Novo Código, entretanto, faz uma distinção entre medidas antecedentes conservativas e medidas antecedentes satisfativas, para tratar as primeiras como acessórias do processo principal, e as últimas como dotadas, eventualmente, de autonomia frente a este processo. A consequência é a seguinte: (a) No caso das conservativas (como, v.g., arresto, sequestro, busca e apreensão etc.), a parte terá sempre de formular pedido principal em trinta dias após a efetivação da medida deferida em caráter antecedente ou preparatório (NCPC, art. 308, caput), sob pena de cessar sua eficácia (art. 309, I). A medida de urgência, nessas condições, não tem vida própria capaz de sustentá-la sem a superveniência do tempestivo pedido principal (ou de mérito). (b) Quanto às medidas de urgência satisfativas, o regime pode, eventualmente, ser o de autonomia, visto que se permite estabilizar sua eficácia (art. 304), não ficando assim, na dependência do pedido principal no prazo do art. 308. O que, na espécie, se prevê é a possibilidade de recurso contra a respectiva decretação (art. 304, caput) e de demanda posterior para rever, reformar ou invalidar a tutela satisfativa estabilizada (art. 304, § 2º). Seus efeitos, no entanto, se conservarão, enquanto não ocorrer a revisão, reforma ou invalidação por ação própria (art. 304, § 3º). Na sistemática instituída pelo Código, portanto, para que a estabilização da tutela satisfativa ocorra, basta que o demandado não interponha recurso contra a decisão que a concedeu (art. 304, caput). (Curso de Direito Processual Civil, Volume I: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento, procedimento comum, 60ª ed. Rio de Janeiro: Forense: 2019, p. 686/687, destaques meus). 

Na mesma linha, o ensinamento de Arruda Alvim: 

Quanto à modalidade de inércia do réu, é preciso questionar se quando o Código se reporta a recurso (art. 304 do CPC/2015), quer significar apenas o agravo de instrumento, já que há previsão específica para esta hipótese no art. 1.015, I, do CPC/2015, sem prejuízo da possibilidade de agravo interno, em se tratando de decisão monocrática de relator, bem como demais recursos cabíveis, conforme o caso. Em princípio a redação do dispositivo é bastante clara, e parece ser adequada uma interpretação restritiva para impedir que outras manifestações do réu que signifiquem a quebra de sua inércia e a impugnação da decisão que concedeu a medida possam evitar a extinção do processo. (Manual de direito processual civil: Teoria Geral do Processo, Processo de Conhecimento, Recursos, Precedentes, 18ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 768, destaquei). 

Dos pensamentos apontados, extrai-se que, não havendo recurso contra a decisão deferindo a tutela antecipada em caráter antecedente, a estabilização será alcançada, restando assegurada à parte ré a possibilidade de ajuizar ação autônoma de revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada estabilizada, no prazo de 2 (dois) anos (art. 304, §§ 2º a 6º, do CPC/2015). 

Portanto, a não utilização da via própria – agravo de instrumento – para a impugnação da decisão mediante a qual deferida a antecipação da tutela em caráter antecedente, tornará, indubitavelmente, preclusa a possibilidade de revisão, excetuando a hipótese da ação autônoma antes mencionada. 

Não merece guarida o argumento de que a estabilidade apenas seria atingida quando a parte ré não apresentasse nenhuma resistência, porque, além de caracterizar o alargamento da hipótese prevista para tal fim, poderia acarretar o esvaziamento desse instituto e a inobservância de outro já completamente arraigado na cultura jurídica, qual seja, a preclusão. 

Isso porque, embora a apresentação de contestação tenha o condão de demonstrar a resistência em relação à tutela exauriente, tal ato processual não se revela capaz de evitar que a decisão proferida em cognição sumária seja alcançada pela preclusão, considerando que os meios de defesa da parte ré estão arrolados na lei, cada qual com sua finalidade específica, não se revelando coerente a utilização de meio processual diverso para evitar a estabilização, porque os institutos envolvidos – agravo de instrumento e contestação – são inconfundíveis. 

Em meu entender, interpretação diversa da ora adotada acabaria impondo requisitos cumulativos para o cabimento da estabilização da tutela deferida em caráter antecedente: i) a não interposição de agravo de instrumento; e ii) a não apresentação de contestação. Ora, tal conclusão não se revela razoável, porquanto a ausência de contestação já caracteriza a revelia e, em regra, a presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte autora, tornando inócuo o inovador instituto. 

Outrossim, conforme apontado pelo Sr. Ministro Benedito Gonçalves, na sessão de 03.10.2019, da consulta ao sítio do Senado Federal na internet extrai-se que o anteprojeto do Código de Processo Civil de 2015 estabelecia no § 2º do seu art. 288: 

§ 2º Concedida a medida em caráter liminar e não havendo impugnação, após sua efetivação integral, o juiz extinguirá o processo, conservando a sua eficácia. (http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/496296) (destaquei) 

Verifica-se, assim, que, durante a tramitação legislativa, optou-se por abandonar expressão mais ampla – "não havendo impugnação" (sem explicitação do meio impugnativo) – e a Lei n. 13.105/2015 adveio contendo expressão diversa – "não for interposto o respectivo recurso". 

Logo, a interpretação ampliada do conceito, efetuada pelo tribunal de origem, caracterizaria indevida extrapolação da função jurisdicional. 

Em síntese, entendo que apenas a interposição de agravo de instrumento contra a decisão antecipatória dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente é que se revela capaz de impedir a estabilização, nos termos do disposto no art. 304 do Código de Processo Civil. 

Posto isso, com a vênia dos Srs. Ministros Sérgio Kukina e Gurgel de Faria, DOU PROVIMENTO ao Recurso Especial, determinando o retorno dos autos ao tribunal de origem para o julgamento da apelação. 


VOTO VENCIDO

O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA (Relator): O tema em debate diz respeito à tutela antecipada em caráter antecedente, prevista no art. 303 do CPC, e à interpretação a ser dada ao art. 304 do CPC/2015, em ordem a definir se a apresentação de contestação pelo réu é capaz de coibir sua estabilização. 

Consta do art. 304 do CPC o seguinte: 

Art. 304. A tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso. § 1º No caso previsto no caput , o processo será extinto. § 2º Qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput . § 3º A tutela antecipada conservará seus efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida na ação de que trata o § 2º. § 4º Qualquer das partes poderá requerer o desarquivamento dos autos em que foi concedida a medida, para instruir a petição inicial da ação a que se refere o § 2º, prevento o juízo em que a tutela antecipada foi concedida. § 5º O direito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada, previsto no § 2º deste artigo, extingue-se após 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do § 1º. § 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo. 

A Corte gaúcha, ao enfrentar a controvérsia, compreendeu que o réu, ao apresentar sua contestação, manifestou inequívoca oposição ao pedido formulado pela parte adversa, de modo a impedir a extinção do feito e a estabilização da tutela, assim alinhavando seu raciocínio (fls. 434/435): 

Retomando a análise do presente recurso, conclui-se que o papel instrumental do processo é atingido reconhecendo-se efeitos à contestação apresentada pelo Estado que, embora tenha se conformado com a concessão da tutela antecipada (motivo da não interposição do agravo de instrumento), pretende o regular prosseguimento da demanda a fim de que, em sentença de mérito, seja proferido juízo de improcedência do pedido com efeito revocatório da medida liminar. Em suma, não há falar, na espécie, de estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente, havendo de ser desconstituída a sentença e determinado o prosseguimento da demanda nos moldes do que dispõe o artigo 303, § 1°, I, do CPC. 

Nada obstante, postula a parte recorrente (Sicredi) que a palavra "recurso", contida no final do caput do art. 304 do CPC, receba interpretação literal, compreendendo que somente com a interposição de agravo de instrumento, ou com a oposição de embargos de declaração, o réu se habilitaria a discordar dos termos da tutela antecipada contra ele deferida. 

Bem examinado o caso, tal como empreendido pela Corte estadual, pode-se concluir em favor de exegese mais dilargada do art. 304 do novo CPC, facultando-se ao réu oferecer resistência, não apenas por meio de recurso específico (notadamente o agravo de instrumento - art. 1.015, I, do CPC), mas também por meio da apresentação de contestação, tal como se operou no caso concreto. 

Logo, a oportuna apresentação de peça contestatória, em que registrado o inconformismo da parte demandada, tanto quanto seu inequívoco desejo em prosseguir no debate sobre a pretensão autoral, revela-se, só por si, capaz de afastar o óbice da inércia do réu, enquanto elemento gerador da estabilização da tutela. 

De fato, consoante irretocável ensinamento de FREDIE DIDIER JR., PAULA SARNO BRAGA e RAFAEL ALEXANDRIA DE OLIVEIRA, a inação do réu é o elemento central para a estabilização da tutela: 

Por fim, é necessária a inércia do réu diante da decisão que concede tutela antecipada antecedente. Embora o art. 304 do CPC fale apenas em não interposição de recurso, a inércia que se exige para a estabilização da tutela antecipada vai além disso: é necessário que o réu não se tenha valido de recurso nem de nenhum outro meio de impugnação da decisão (ex: suspensão da segurança ou pedido de reconsideração, desde que apresentados no prazo de que dispõe a parte para recorrer). Há quem diga que, para que se configure a inércia do réu, além de não recorrer contra a decisão, é preciso que ele não apresente defesa, assumindo a condição de revel. Mas não nos parece que a revelia seja um pressuposto necessário para a incidência do art. 304. O normal é que o prazo de defesa somente comece a fluir a partir da audiência de conciliação ou de mediação (art. 335, I, CPC) ou da data do protocolo do pedido de cancelamento dessa audiência (art. 335, II, CPC). O art. 303, § 1º, II, CPC, diz que, concedida a tutela antecipada antecedente, o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação. O inciso III do art. 303, § 1º, por sua vez, diz que "não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335'. Se o caso não admite autocomposição, não é preciso designar audiência de conciliação ou de mediação (art. 334, § 4º, I, CPC). O prazo de defesa, contudo, somente deve começar a correr a partir da intimação feita ao réu do aditamento da petição inicial. Assim, o prazo de defesa, em regra, demora um pouco para ter início. O art. 304 não exige que se espere tanto para que se configure a inércia do réu apta a ensejar a estabilização da tutela antecipada. Se, no prazo de recurso, o réu não o interpõe, mas resolve antecipar o protocolo de sua defesa, fica afastada a sua inércia, o que impede a estabilização - afinal, se contesta a tutela antecipada e a própria tutela definitiva, o juiz terá que dar seguimento ao processo para aprofundar sua cognição e decidir se mantém a decisão antecipatória ou não. Não se pode negar ao réu o direito a uma prestação jurisdicional de mérito definitiva, com aptidão para a coisa julgada. Em suma, eventual apresentação de defesa no prazo do recurso é um dado relevante, porque afasta a inércia e, com isso, a estabilização; mas a inércia que enseja a estabilização não depende da ocorrência de revelia. (Curso de direito processual civil, 14 ed. Salvador: Jus Podivm, 2019, vol. 2, p. 735-737). 

De se destacar, ainda, a posição de LUIZ GUILHERME MARINONI, SÉRGIO CRUZ ARENHART e DANIEL MITIDIERO: 

"No Código, o meio que dispõe o réu de evitar a estabilização da antecipação da tutela é a interposição do recurso de agravo de instrumento (art. 304, caput). Não interposto o agravo, estabiliza-se a decisão e o processo deve ser extinto (art. 304, § 1º) - obviamente com resolução do mérito favorável ao demandante (art. 487, I). A decisão provisória projetará seus efeitos para fora do processo (art. 304, § 3º). É claro que pode ocorrer de o réu não interpor o agravo de instrumento, mas desde logo oferecer contestação no mesmo prazo - ou, ainda, manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização da audiência de conciliação ou de mediação. Nessa situação tem-se que entender que a manifestação do réu no primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição do recurso para evitar a estabilização dos efeitos da tutela. Essa solução, que já foi acolhida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.760.966/SP), tem a vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade constante na contestação ou do intento de comparecimento à audiência. Em todas essas manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do procedimento". (Manual do processo Civil. 4 ed. São Paulo: RT, 2019, p. 259). 

Para o debate, importante realçar que o julgado indicado nesse último excerto consignou que "a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada." (REsp 1.760.966/SP, Rel. Ministro MARCO AURELIO BELLIZZE, Terceira Turma, julgado em 4/12/2018, DJe 7/12/2018). 

Eis a ementa do apontado aresto: 

RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA EM CARÁTER ANTECEDENTE. ARTS. 303 E 304 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU QUE REVOGOU A DECISÃO CONCESSIVA DA TUTELA, APÓS A APRESENTAÇÃO DA CONTESTAÇÃO PELO RÉU, A DESPEITO DA AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRETENDIDA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA. IMPOSSIBILIDADE. EFETIVA IMPUGNAÇÃO DO RÉU. NECESSIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO FEITO. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. 1. A controvérsia discutida neste recurso especial consiste em saber se poderia o Juízo de primeiro grau, após analisar as razões apresentadas na contestação, reconsiderar a decisão que havia deferido o pedido de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, nos termos dos arts. 303 e 304 do CPC/2015, a despeito da ausência de interposição de recurso pela parte ré no momento oportuno. 2. O Código de Processo Civil de 2015 inovou na ordem jurídica ao trazer, além das hipóteses até então previstas no CPC/1973, a possibilidade de concessão de tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a teor do que dispõe o seu art. 303, o qual estabelece que, nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial poderá se limitar ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo. 2.1. Por essa nova sistemática, entendendo o juiz que não estão presentes os requisitos para a concessão da tutela antecipada, o autor será intimado para aditar a inicial, no prazo de até 5 (cinco) dias, sob pena de ser extinto o processo sem resolução de mérito. Caso concedida a tutela, o autor será intimado para aditar a petição inicial, a fim de complementar sua argumentação, juntar novos documentos e confirmar o pedido de tutela final. O réu, por sua vez, será citado e intimado para a audiência de conciliação ou mediação, na forma prevista no art. 334 do CPC/2015. E, não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335 do referido diploma processual. 3. Uma das grandes novidades trazidas pelo novo Código de Processo Civil é a possibilidade de estabilização da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, instituto inspirado no référé do Direito francês, que serve para abarcar aquelas situações em que ambas as partes se contentam com a simples tutela antecipada, não havendo necessidade, portanto, de se prosseguir com o processo até uma decisão final (sentença), nos termos do que estabelece o art. 304, §§ 1º a 6º, do CPC/2015. 3.1. Segundo os dispositivos legais correspondentes, não havendo recurso do deferimento da tutela antecipada requerida em caráter antecedente, a referida decisão será estabilizada e o processo será extinto, sem resolução de mérito. No prazo de 2 (dois) anos, porém, contado da ciência da decisão que extinguiu o processo, as partes poderão pleitear, perante o mesmo Juízo que proferiu a decisão, a revisão, reforma ou invalidação da tutela antecipada estabilizada, devendo se valer de ação autônoma para esse fim. 3.2. É de se observar, porém, que, embora o caput do art. 304 do CPC/2015 determine que "a tutela antecipada, concedida nos termos do art. 303, torna-se estável se da decisão que a conceder não for interposto o respectivo recurso", a leitura que deve ser feita do dispositivo legal, tomando como base uma interpretação sistemática e teleológica do instituto, é que a estabilização somente ocorrerá se não houver qualquer tipo de impugnação pela parte contrária, sob pena de se estimular a interposição de agravos de instrumento, sobrecarregando desnecessariamente os Tribunais, além do ajuizamento da ação autônoma, prevista no art. 304, § 2º, do CPC/2015, a fim de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada. 4. Na hipótese dos autos, conquanto não tenha havido a interposição de agravo de instrumento contra a decisão que deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela requerida em caráter antecedente, na forma do art. 303 do CPC/2015, a ré se antecipou e apresentou contestação, na qual pleiteou, inclusive, a revogação da tutela provisória concedida, sob o argumento de ser impossível o seu cumprimento, razão pela qual não há que se falar em estabilização da tutela antecipada, devendo, por isso, o feito prosseguir normalmente até a prolação da sentença. 5. Recurso especial desprovido. [sem grifo no original] 

Nesse contexto, em compasso com a aplicação dos princípios da economia, da celeridade e da efetividade processual, agiu com acerto a Corte de origem ao rechaçar, na espécie, a estabilização da tutela antecipada concedida em caráter antecedente, dada a oportuna apresentação de contestação pelo ora recorrido (o Estado do Rio Grande do Sul), cujo interesse em reaver valores do Banco recorrente, cumpre destacar, reveste-se mesmo do predicado da indisponibilidade, característica vocacionada a afastar, inclusive, os efeitos materiais da revelia, nos termos do art. 345, II, do CPC. 

Por tudo isso, faz-se de rigor o desacolhimento da tese de violação ao art. 304 do CPC/2015, nada obstante a argumentação desfiada pelo Banco Cooperativo Sicredi S.A.. 

ANTE O EXPOSTO, nega-se provimento ao recurso especial. 

É como voto. 

Filigrana Doutrinária: Estabilização da tutela antecipada - Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero

 "No Código, o meio que dispõe o réu de evitar a estabilização da antecipação da tutela é a interposição do recurso de agravo de instrumento (art. 304, caput). Não interposto o agravo, estabiliza-se a decisão e o processo deve ser extinto (art. 304, § 1º) - obviamente com resolução do mérito favorável ao demandante (art. 487, I). A decisão provisória projetará seus efeitos para fora do processo (art. 304, § 3º). É claro que pode ocorrer de o réu não interpor o agravo de instrumento, mas desde logo oferecer contestação no mesmo prazo - ou, ainda, manifestar-se dentro desse mesmo prazo pela realização da audiência de conciliação ou de mediação. Nessa situação tem-se que entender que a manifestação do réu no primeiro grau de jurisdição serve tanto quanto a interposição do recurso para evitar a estabilização dos efeitos da tutela. Essa solução, que já foi acolhida pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.760.966/SP), tem a vantagem de economizar o recurso de agravo e de emprestar a devida relevância à manifestação de vontade constante na contestação ou do intento de comparecimento à audiência. Em todas essas manifestações, a vontade do réu é inequívoca no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do procedimento". 

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Manual do processo Civil. 4 ed. São Paulo: RT, 2019, p. 259. 

Filigrana Doutrinária: Estabilização da tutela antecipada - Fredie Didier

Por fim, é necessária a inércia do réu diante da decisão que concede tutela antecipada antecedente. Embora o art. 304 do CPC fale apenas em não interposição de recurso, a inércia que se exige para a estabilização da tutela antecipada vai além disso: é necessário que o réu não se tenha valido de recurso nem de nenhum outro meio de impugnação da decisão (ex: suspensão da segurança ou pedido de reconsideração, desde que apresentados no prazo de que dispõe a parte para recorrer). Há quem diga que, para que se configure a inércia do réu, além de não recorrer contra a decisão, é preciso que ele não apresente defesa, assumindo a condição de revel. Mas não nos parece que a revelia seja um pressuposto necessário para a incidência do art. 304. O normal é que o prazo de defesa somente comece a fluir a partir da audiência de conciliação ou de mediação (art. 335, I, CPC) ou da data do protocolo do pedido de cancelamento dessa audiência (art. 335, II, CPC). O art. 303, § 1º, II, CPC, diz que, concedida a tutela antecipada antecedente, o réu será citado e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação. O inciso III do art. 303, § 1º, por sua vez, diz que "não havendo autocomposição, o prazo para contestação será contado na forma do art. 335'. Se o caso não admite autocomposição, não é preciso designar audiência de conciliação ou de mediação (art. 334, § 4º, I, CPC). O prazo de defesa, contudo, somente deve começar a correr a partir da intimação feita ao réu do aditamento da petição inicial. Assim, o prazo de defesa, em regra, demora um pouco para ter início. O art. 304 não exige que se espere tanto para que se configure a inércia do réu apta a ensejar a estabilização da tutela antecipada. Se, no prazo de recurso, o réu não o interpõe, mas resolve antecipar o protocolo de sua defesa, fica afastada a sua inércia, o que impede a estabilização - afinal, se contesta a tutela antecipada e a própria tutela definitiva, o juiz terá que dar seguimento ao processo para aprofundar sua cognição e decidir se mantém a decisão antecipatória ou não. Não se pode negar ao réu o direito a uma prestação jurisdicional de mérito definitiva, com aptidão para a coisa julgada. Em suma, eventual apresentação de defesa no prazo do recurso é um dado relevante, porque afasta a inércia e, com isso, a estabilização; mas a inércia que enseja a estabilização não depende da ocorrência de revelia. 

DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil, 14 ed. Salvador: Jus Podivm, 2019, vol. 2, p. 735-737. 

Filigrana doutrinária: Estabilização da tutela antecipada antecedente - Arruda Alvim

"Quanto à modalidade de inércia do réu, é preciso questionar se quando o Código se reporta a recurso (art. 304 do CPC/2015), quer significar apenas o agravo de instrumento, já que há previsão específica para esta hipótese no art. 1.015, I, do CPC/2015, sem prejuízo da possibilidade de agravo interno, em se tratando de decisão monocrática de relator, bem como demais recursos cabíveis, conforme o caso. Em princípio a redação do dispositivo é bastante clara, e parece ser adequada uma interpretação restritiva para impedir que outras manifestações do réu que signifiquem a quebra de sua inércia e a impugnação da decisão que concedeu a medida possam evitar a extinção do processo". 

ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil: Teoria Geral do Processo, Processo de Conhecimento, Recursos, Precedentes, 18ª ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019, p. 768.