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8 de janeiro de 2022

O proprietário de cão-guia ou seu instrutor/adestrador não estão obrigados a se filiarem, ainda que indiretamente, a federação internacional

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/12/info-1035-stf.pdf


COMPETÊNCIA LEGISLATIVA O proprietário de cão-guia ou seu instrutor/adestrador não estão obrigados a se filiarem, ainda que indiretamente, a federação internacional 

Caso concreto: o art. 81 da Lei estadual nº 12.907/2008, do Estado de São Paulo, exigiu que a identificação do cão-guia seja expedida por escola de cães-guia vinculada à Federação Internacional de Cães-Guia. De igual modo, o art. 85 afirmou que os instrutores e treinadores, assim como as escolas de treinamento, devem ser reconhecidos e filiados à Federação Internacional de Cães-Guia. O STF julgou inconstitucionais tais exigências. O art. 24, XIV, da CF/88 prevê que compete à União editar normas gerais de proteção às pessoas com deficiência. No exercício dessa competência, a União editou a Lei federal nº 11.126/2005, que dispõe sobre o direito do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão-guia. Essa Lei – que é a norma geral sobre o tema – não exige essa filiação à Federação Internacional de Cães-Guia. Além disso, tal exigência afronta o direito constitucional de livre associação garantido no art. 5º, XX, da CF/88. STF. Plenário. ADI 4267/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/10/2021 (Info 1035). 

O que é um cão-guia? 

“Um cão-guia é um tipo de cão de assistência. É um animal adestrado para guiar pessoas cegas ou com deficiência visual grave, ou auxiliá-los nas tarefas caseiras. Durante a condução dos deficientes visuais, o cão deve ter a capacidade de discernir eventuais perigos devidos a obstáculos ou outros, o que requer cães de inteligência bastante elevada com treino rigoroso e adequado ao seu trabalho de cão-guia.” (https://www.wikiwand.com/pt/C%C3%A3o-guia) 

Lei paulista disciplinou a entrada do cão-guia nos estabelecimentos públicos e privados 

Os arts. 80 a 85 da Lei estadual nº 12.907/2008, do Estado de São Paulo, trataram sobre o ingresso e a permanência, em qualquer local público ou privado, de pessoa com deficiência visual acompanhada de cão-guia. Houve, contudo, dois pontos polêmicos nessa disciplina: os arts. 81 e 85 da Lei. Veja a redação desses dispositivos: 

Art. 81. Todo cão-guia portará identificação, e seu condutor, sempre que solicitado, deverá apresentar documento comprobatório de registro expedido por escola de cães-guia devidamente vinculada à Federação Internacional de Cães-Guia, acompanhado de atestado de sanidade do animal, fornecido pelo órgão competente, ou documento equivalente. (...) 

Art. 85. Aos instrutores e treinadores reconhecidos pela Federação Internacional de Cães-Guia e às famílias de acolhimento autorizadas pelas escolas de treinamento filiadas à Federação Internacional de Cães-Guia serão garantidos os mesmos direitos do usuário previstos nos artigos 80 a 84 desta lei. (...) 

Se você observar bem as partes destacadas, o art. 81 exigiu que a identificação do cão-guia seja expedida por escola de cães-guia vinculada à Federação Internacional de Cães-Guia. De igual modo, o art. 85 afirmou que os instrutores e treinadores, assim como as escolas de treinamento, devem ser reconhecidos e filiados à Federação Internacional de Cães-Guia. 

Esses trechos destacados são válidos? 

NÃO. O STF, ao julgar ADI proposta pelo Procurador-Geral da República, julgou parcialmente procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade dessas expressões. 

Violação às normas gerais da União 

O art. 24, XIV, da CF/88 prevê que compete à União editar normas gerais de proteção às pessoas com deficiência: 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) 

XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; (...) 

§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. 

§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. (...) 

No exercício dessa competência, a União editou a Lei federal nº 11.126/2005, que dispõe sobre o direito do portador de deficiência visual de ingressar e permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão-guia: 

Art. 1º É assegurado a pessoa com deficiência visual acompanhada de cão-guia o direito de ingressar e de permanecer com o animal em todos os meios de transporte e em estabelecimentos abertos ao público, de uso público e privados de uso coletivo, desde que observadas as condições impostas por esta Lei. 

§ 1º A deficiência visual referida no caput deste artigo restringe-se à cegueira e à baixa visão. 

§ 2º O disposto no caput deste artigo aplica-se a todas as modalidades e jurisdições do serviço de transporte coletivo de passageiros, inclusive em esfera internacional com origem no território brasileiro. 

Art. 2º (VETADO) 

Art. 3º Constitui ato de discriminação, a ser apenado com interdição e multa, qualquer tentativa voltada a impedir ou dificultar o gozo do direito previsto no art. 1º desta Lei. 

Art. 4º Serão objeto de regulamento os requisitos mínimos para identificação do cão-guia, a forma de comprovação de treinamento do usuário, o valor da multa e o tempo de interdição impostos à empresa de transporte ou ao estabelecimento público ou privado responsável pela discriminação. 

Art. 5º (VETADO) 

Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 

Perceba que a norma geral editada pela União não prevê a obrigação de filiação à Federação Internacional de Cães-Guia, tendo sido uma inovação da lei estadual que restringiu e dificultou o acesso das pessoas com deficiência. 

Direito de livre associação 

Vale ressaltar, ainda, que a referida previsão ofende o direito constitucional de livre associação garantido no art. 5º, XX, da CF/88, uma vez que obriga o condutor de cão-guia a portar documento comprobatório de registro expedido por escola vinculada à Federação Internacional de Cães-Guia. Ademais, os dispositivos legais impugnados, ao imporem aos instrutores, treinadores e famílias de acolhimento filiação compulsória a entidade privada, violam a liberdade negativa de não se associar, em flagrante inconstitucionalidade. 

Em suma: O proprietário de cão-guia ou seu instrutor/adestrador não estão obrigados a se filiarem, ainda que indiretamente, a federação internacional. STF. Plenário. ADI 4267/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/10/2021 (Info 1035).