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7 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Coisa Julgada

 Dessarte, Sérgio Gilberto Porto compreende que a ideia parte da premissa de que a relação jurídica é somente normada nos limites da situação substancial posta à apreciação, vez que pode, com o transcurso do tempo, sofrer alterações fáticas. Portanto, por essa razão, para o autor, é possível afirmar que a autoridade da coisa julgada tem sua capacidade eficacial, também, limitada pelo tempo da decisão e tempo dos fatos, que foram considerados ou que deveriam ter sido considerados pela decisão, portanto, pré-existentes a esta. Assim, os limites temporais estão ligados ao tempo pelo qual a coisa julgada imperará com sua imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo da decisão de mérito. A coisa julgada que se forma em relação às partes, por exemplo, está vinculada ao conteúdo meritório da decisão de mérito que será imutável em relação ao tempo em que a lide fora decidida, espraiando seus efeitos somente para o tempo determinado na decisão, não chegando a questão e a fatos futuros. 


THAMAY, Rennan. Coisa julgada. São Paulo: Thomson Reuters, 2018, p. 112. 

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECLAMAÇÃO. ACÓRDÃO DO STJ QUE DETERMINOU INVESTIGAÇÃO EXAURIENTE SOBRE FRAUDE EM EXAME DE DNA. RECUSA TÁCITA AO FORNECIMENTO DE MATERIAL GENÉTICO PELO HERDEIRO E POR TERCEIROS. ADOÇÃO DE MEDIDAS INDUTIVAS, COERCITIVAS E MANDAMENTAIS AO HERDEIRO QUE SE NEGA A FORNECER MATERIAL BIOLÓGICO. POSSIBILIDADE

RECLAMAÇÃO Nº 37.521 - SP (2019/0061080-0) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. PROCESSO CIVIL. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECLAMAÇÃO. ACÓRDÃO DO STJ QUE DETERMINOU INVESTIGAÇÃO EXAURIENTE SOBRE FRAUDE EM EXAME DE DNA. SENTENÇA QUE, COM BASE NO MESMO DOCUMENTO JÁ EXAMINADO PELA CORTE, CONCLUIU PELA PREVALÊNCIA DE COISA JULGADA ANTERIORMENTE FORMADA E QUE HAVIA SIDO AFASTADA PELO STJ. OFENSA À DECISÃO PROFERIDA PELA CORTE. RECUSA TÁCITA AO FORNECIMENTO DE MATERIAL GENÉTICO PELO HERDEIRO E POR TERCEIROS. SENTENÇA QUE AFASTA A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 301/STJ. ERRO DE JULGAMENTO. INAPLICABILIDADE DO ENTENDIMENTO SUMULAR QUE DEPENDE, DE IGUAL MODO, DO EXAURIMENTO DA ATIVIDADE INSTRUTÓRIA. ADOÇÃO DE MEDIDAS INDUTIVAS, COERCITIVAS E MANDAMENTAIS AO HERDEIRO QUE SE NEGA A FORNECER MATERIAL BIOLÓGICO. POSSIBILIDADE, QUANDO INAPLICÁVEL DESDE LOGO O ENTENDIMENTO DA SÚMULA 301/STF OU QUANDO VERIFICADA POSTURA ANTICOOPERATIVA QUE RESULTE EM PREJUÍZO AO PRETENSO FILHO. ADOÇÃO DAS MEDIDAS INDUTIVAS, COERCITIVAS E MANDAMENTAIS A TERCEIROS QUE IGUALMENTE SE RECUSAM A FORNECER MATERIAL BIOLÓGICO. POSSIBILIDADE. LEGITIMAÇÃO PROCESSUAL AD ACTUM. OBSERVÂNCIA DO CONTRADITÓRIO E, POR ANALOGIA, DO PROCEDIMENTO APLICÁVEL À EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO OU COISA EM PODER DE TERCEIRO. 

1- O propósito da presente reclamação é definir se a sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito ao fundamento de que deveria ser respeitada a coisa julgada formada em anterior ação investigatória de paternidade afrontou a autoridade de decisão proferida por esta Corte por ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP, por meio da qual se determinou a apuração de eventual fraude no exame de DNA realizado na primeira ação investigatória e a realização de novo exame de DNA para a apuração de eventual existência de vínculo biológico entre as partes. 

2- Tendo o acórdão desta Corte concluído que o documento apresentado pela parte configurava prova indiciária da alegada fraude ocorrida em anterior exame de DNA e, em razão disso, determinado a reabertura da fase instrutória, não pode a sentença, valendo-se apenas daquele documento, extrair conclusão diversa, no sentido de não ser ele suficiente para a comprovação da fraude, sob pena de afronta à autoridade da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. 

3- Determinado, pelo acórdão desta Corte, que fosse realizado novo exame de DNA para apuração da existência de vínculo biológico entre as partes, não pode a sentença, somente com base na ausência das pessoas que deveriam fornecer o material biológico, concluir pelo restabelecimento da coisa julgada que se formou na primeira ação investigatória (e que foi afastada por esta Corte), nem tampouco concluir pela inaplicabilidade da presunção contida na Súmula 301/STJ, sem que sejam empreendidos todas as providências necessárias para a adequada e exauriente elucidação da matéria fática. Aliás, é preciso enfatizar que maior do que o direito de ter um pai é o direito de saber quem é o pai. 

4- A impossibilidade de condução do investigado “debaixo de vara” para a coleta de material genético necessário ao exame de DNA não implica na impossibilidade de adoção das medidas indutivas, coercitivas e mandamentais autorizadas pelo art. 139, IV, do novo CPC, com o propósito de dobrar a sua renitência, que deverão ser adotadas, sobretudo, nas hipóteses em que não se possa desde logo aplicar a presunção contida na Súmula 301/STJ ou quando se observar a existência de postura anticooperativa de que resulte o non liquet instrutório em desfavor de quem adota postura cooperativa, pois, maior do que o direito de um filho de ter um pai, é o direito de um filho de saber quem é o seu pai. 

5- Aplicam-se aos terceiros que possam fornecer material genético para a realização do novo exame de DNA as mesmas diretrizes anteriormente formuladas, pois, a despeito de não serem legitimados passivos para responder à ação investigatória (legitimação ad processum), são eles legitimados para a prática de determinados e específicos atos processuais (legitimação ad actum), observando-se, por analogia, o procedimento em contraditório delineado nos art. 401 a 404, do novo CPC, que, inclusive, preveem a possibilidade de adoção de medidas indutivas, coercitivas, sub-rogatórias ou mandamentais ao terceiro que se encontra na posse de documento ou coisa que deva ser exibida. 

6- Reclamação julgada procedente. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, julgar procedente a reclamação, para que seja cassada a sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, determinando-se a reabertura e exaurimento da fase instrutória para apuração da alegada fraude ocorrida no primeiro exame de DNA e para que se esgotem as possibilidades de realização de novo exame de DNA, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Houve ressalva parcial de fundamentação do Sr. Ministro Raul Araújo. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti. 

Brasília (DF), 13 de maio de 2020(Data do Julgamento). 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de reclamação proposta por F D G contra ato praticado pelo Juízo da 7ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central da Comarca da Capital do Estado de São Paulo que acolheu preliminar de coisa julgada em alegado desrespeito ao acórdão proferido pela 3ª Turma desta Corte. 

Ação: investigatória de paternidade ajuizada pelo reclamante em face de R M, em que pretende ser reconhecido como filho de F T M, pré-morto. 

Acórdão do TJ/SP: extinguiu o processo sem resolução de mérito, ao fundamento de que não se trataria de hipótese excepcional em que se poderia admitir a relativização da coisa julgada formada em anterior ação investigatória de paternidade. 

Recurso especial: a 3ª Turma do STJ, no REsp 1.632.750/SP, por maioria, deu provimento ao recurso especial, afastando o óbice da coisa julgada na hipótese, a fim de que fossem apurados os indícios de fraude no primeiro exame de DNA e de que fosse investigada novamente a paternidade mediante a realização de novo exame de DNA. 

Decisão reclamada: o Juízo da 7ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, diante do não comparecimento dos familiares do suposto genitor pré-morto à perícia técnica designada e tendo como base apenas a declaração indiciária da fraude existente no exame anterior, entendeu não ser aplicável a presunção de paternidade decorrente da Súmula 301/STJ e, novamente, extinguiu o processo sem resolução de mérito em virtude da coisa julgada formada na ação investigatória de paternidade anterior (fls. 547/551, e-STJ). 

Reclamação: sustenta que a sentença que novamente extinguiu o processo sem resolução de mérito em razão da coisa julgada que se formou em anterior ação investigatória desrespeitou o acórdão proferido por esta Corte por ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP (fls. 3/9). 

Informações: oficiado, o Juízo reclamado prestou informações às fls. 581/586 (e-STJ). 

Contestação: citado, o requerido R M deixou transcorrer in albis o prazo para constestar (fls. 607/608, e-STJ). 

Ministério Público Federal: opina pela procedência da reclamação (fls. 593/598, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito da presente reclamação é definir se a sentença que extinguiu o processo sem resolução de mérito ao fundamento de que deveria ser respeitada a coisa julgada formada em anterior ação investigatória de paternidade afrontou a autoridade de decisão proferida por esta Corte por ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP, por meio da qual se determinou a apuração de eventual fraude no exame de DNA realizado na primeira ação investigatória e a realização de novo exame de DNA para a apuração de eventual existência de vínculo biológico entre as partes. 

ALEGADO DESRESPEITO AO ACÓRDÃO QUANTO À DETERMINAÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA SUPOSTA FRAUDE EM EXAME DE DNA REALIZADO NA PRIMEIRA AÇÃO INVESTIGATÓRIA. 

01) A sentença reclamada está assim fundamentada no que tange à fraude no exame de DNA realizado na primeira ação investigatória: 

No mais, a declaração de fl. 47 não constitui prova de fraude no exame realizado com o falecido, tratando-se de declaração de pessoa que sequer participou da colheita e análise do material genético daquele. Ou seja, cuide-se de simples alegação de fraude, desacompanhada de prova, porquanto exarada por pessoa estranha ao procedimento objeto da alegação. 

02) Trata-se, como desde logo se vê, de uma mera reprodução de trecho do acórdão proferido pelo TJ/SP e que foi reformado por esta Corte por ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP, o que sugere que o D. Juízo de 1º grau não empreendeu nenhum esforço na apuração da alegada fraude, como havia sido expressamente determinado por esta Corte. 

03) Com efeito, a declaração de terceira pessoa em que se baseou a sentença reclamada para afirmar não ter havido a alegada fraude é exatamente a mesma em que esta Corte se baseou, no julgamento do recurso especial apontado como violado, para concluir que se tratava, na verdade, de prova indiciária suficiente para provocar a reabertura da fase instrutória e a efetiva apuração da veracidade da declaração contida no referido documento. 

04) Acrescente-se, ademais, que esta Corte, por ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP, adotou fundamentação analítica de modo a explicitar, pormenorizadamente, quais providências deveriam ser adotadas para a exauriente apuração da suposta fraude. Confira-se: 

Verifica-se que o recorrente, para provar a sua alegação de fraude no primeiro exame de DNA, noticia ter sido procurado por uma pessoa – Angelo Tadao Kawazoi – que afirma saber e ter efetivamente participado da suposta fraude ocorrida no exame de DNA por ocasião da 1ª ação investigatória – concordando com a declaração destes fatos em escritura pública. Ocorre que a referida pessoa sequer foi ouvida em juízo para melhor esclarecer sobre o que efetivamente sabe sobre este assunto, a despeito de requerimento expresso do recorrente nesse sentido (fls. 247, e-STJ). Além disso, se a fraude, segundo se alega, teria ocorrido com a participação de pessoas com nome e sobrenome – Silvio Fernando Tiritilli e Sérgio Danilo Pena – é evidente que a oitiva dessas pessoas seria igualmente imprescindível, devendo o julgador determinar a colheita da prova testemunhal inclusive de ofício e com base em seus poderes instrutórios. Nesse contexto – de insuficiência probatória causada pela incorreta e prematura extinção do feito – não se poderia exigir do recorrente, desde logo, uma “prova clara e convincente”, para usar a feliz expressão referida por Michele Taruffo. O standard probatório aplicável, até mesmo diante da nítida dificuldade de comprovar uma fraude ocorrida há quase 25 (vinte e cinco) anos no âmbito de uma empresa privada que monopolizava os exames de DNA no Brasil naquele momento, é o da “preponderância da prova”, sendo crível e razoável, em princípio, a versão apresentada pelo recorrente, salvo se o contrário for apurado em regular e exauriente instrução. Isso porque exigir da parte a prova cabal da fraude para viabilizar o afastamento da coisa julgada e, ao mesmo tempo, não permitir que haja a exauriente instrução probatória configuraria uma situação verdadeiramente kafkiana, em que se impõe à parte o ônus de provar sem que lhe seja facultado o meio e o poder de dele se desvencilhar. Anote-se que a profunda investigação acerca da existência ou não de fraude no exame de DNA realizado anteriormente é de grande relevância, seja por se tratar da única causa de pedir deduzida pelo recorrente para afastar a coisa julgada material formada na 1ª ação e, então, viabilizar um novo exame de DNA, seja em razão dos reflexos de natureza cível, administrativa e penal que da eventual comprovação da fraude surgirão, seja ainda, e até mesmo, porque também é direito do recorrente saber se o possível genitor F T M teve participação neste hipotético ato ilícito. Por isso mesmo, observa-se não ter sido completamente adequada a decisão, posteriormente reformada pelo acordão recorrido, de determinar desde logo a realização de novo exame de DNA, antes mesmo de apurar com mais detalhes a existência da alegada fraude, na medida em que a prova pericial não esclarecerá a causa, mas tão somente atingirá um determinado resultado, que coincide com o bem da vida pretendido pelo recorrente – reconhecimento da paternidade. Significa dizer que a realização pura e simples de um novo exame de DNA, como determinado em 1º grau de jurisdição, e o eventual resultado positivo, no sentido de que o recorrente possui vinculo biológico com F T M, não constituirá prova convincente acerca da existência ou não de fraude, elemento causal que demanda investigação própria. Nesse contexto, a eventual comprovação de vínculo genético entre o recorrente e F T M trará, evidentemente, mais um indício de que houve o uso de expediente espúrio para burlar o reconhecimento da relação paterno-filial, mas, nessa hipótese, não se descobrirá se o resultado negativo de 1993 foi causado, por exemplo, por um erro na interpretação dos resultados, por uma falha técnica ou, até mesmo, pela reclamada fraude. Verifica-se que o recorrente, para provar a sua alegação de fraude no primeiro exame de DNA, noticia ter sido procurado por uma pessoa – Angelo Tadao Kawazoi – que afirma saber e ter efetivamente participado da suposta fraude ocorrida no exame de DNA por ocasião da 1ª ação investigatória – concordando com a declaração destes fatos em escritura pública. Ocorre que a referida pessoa sequer foi ouvida em juízo para melhor esclarecer sobre o que efetivamente sabe sobre este assunto, a despeito de requerimento expresso do recorrente nesse sentido (fls. 247, e-STJ). Além disso, se a fraude, segundo se alega, teria ocorrido com a participação de pessoas com nome e sobrenome – Silvio Fernando Tiritilli e Sérgio Danilo Pena – é evidente que a oitiva dessas pessoas seria igualmente imprescindível, devendo o julgador determinar a colheita da prova testemunhal inclusive de ofício e com base em seus poderes instrutórios. Nesse contexto – de insuficiência probatória causada pela incorreta e prematura extinção do feito – não se poderia exigir do recorrente, desde logo, uma “prova clara e convincente”, para usar a feliz expressão referida por Michele Taruffo. O standard probatório aplicável, até mesmo diante da nítida dificuldade de comprovar uma fraude ocorrida há quase 25 (vinte e cinco) anos no âmbito de uma empresa privada que monopolizava os exames de DNA no Brasil naquele momento, é o da “preponderância da prova”, sendo crível e razoável, em princípio, a versão apresentada pelo recorrente, salvo se o contrário for apurado em regular e exauriente instrução. Isso porque exigir da parte a prova cabal da fraude para viabilizar o afastamento da coisa julgada e, ao mesmo tempo, não permitir que haja a exauriente instrução probatória configuraria uma situação verdadeiramente kafkiana, em que se impõe à parte o ônus de provar sem que lhe seja facultado o meio e o poder de dele se desvencilhar. Anote-se que a profunda investigação acerca da existência ou não de fraude no exame de DNA realizado anteriormente é de grande relevância, seja por se tratar da única causa de pedir deduzida pelo recorrente para afastar a coisa julgada material formada na 1ª ação e, então, viabilizar um novo exame de DNA, seja em razão dos reflexos de natureza cível, administrativa e penal que da eventual comprovação da fraude surgirão, seja ainda, e até mesmo, porque também é direito do recorrente saber se o possível genitor F T M teve participação neste hipotético ato ilícito. Por isso mesmo, observa-se não ter sido completamente adequada a decisão, posteriormente reformada pelo acordão recorrido, de determinar desde logo a realização de novo exame de DNA, antes mesmo de apurar com mais detalhes a existência da alegada fraude, na medida em que a prova pericial não esclarecerá a causa, mas tão somente atingirá um determinado resultado, que coincide com o bem da vida pretendido pelo recorrente – reconhecimento da paternidade. Significa dizer que a realização pura e simples de um novo exame de DNA, como determinado em 1º grau de jurisdição, e o eventual resultado positivo, no sentido de que o recorrente possui vinculo biológico com F T M, não constituirá prova convincente acerca da existência ou não de fraude, elemento causal que demanda investigação própria. Nesse contexto, a eventual comprovação de vínculo genético entre o recorrente e F T M trará, evidentemente, mais um indício de que houve o uso de expediente espúrio para burlar o reconhecimento da relação paterno-filial, mas, nessa hipótese, não se descobrirá se o resultado negativo de 1993 foi causado, por exemplo, por um erro na interpretação dos resultados, por uma falha técnica ou, até mesmo, pela reclamada fraude. 

05) O acórdão desta Corte, pois, é didático, na medida em que indica ao 1º grau de jurisdição o motivo pelo qual a apuração da fraude era imprescindível (por se tratar de causa de pedir autônoma, com inúmeros reflexos para as partes, para terceiros e para o Poder Público) e, inclusive, indica também o meio de prova a ser adotado (testemunhal) e as pessoas que deverão ser inquiridas (o declarante e os médicos supostamente envolvidos), sem prejuízo, por óbvio, de outras providências a serem adotadas pelo juízo para, repise-se uma vez mais, exaurir a atividade instrutória relacionada ao mencionado fato. 

06) Considerando que nenhuma das medidas determinadas no acórdão desta Corte foi adotada pelo 1º grau de jurisdição, é preciso concluir que houve absoluta afronta à autoridade desta Corte e manifesto desrespeito ao comando contido no acórdão do REsp 1.632.750/SP, devendo a decisão reclamada ser cassada para que seja realizada a exauriente instrução do processo para apuração da alegada fraude e, somente após, seja proferida outra decisão de mérito. 

ALEGADO DESRESPEITO AO ACÓRDÃO QUANTO À DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME DE DNA.ALEGADO DESRESPEITO AO ACÓRDÃO QUANTO À DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME DE DNA. 

07) No que se refere à determinação de realização de novo exame de DNA para investigação da existência de vínculo biológico entre o reclamante e o suposto genitor F T M, faz-se necessária a realização de uma breve contextualização fática. 

08) A ação investigatória de paternidade foi ajuizada pelo reclamante em face do interessado R M, eis que o suposto genitor biológico, F T M, faleceu em janeiro de 2002. Anote-se que R M é filho de F T M e, até o momento, é o único herdeiro necessário de F T M de que se tem notícia. 

09) Após a propositura da ação, foram localizados dois irmãos vivos do suposto genitor e, a requerimento da reclamante, foi deferida a intimação de todos os envolvidos (os irmãos e o herdeiro necessário) para fornecerem material genético para a realização do novo exame de DNA. 

10) Ocorre que, na data designada para a colheita do material genético, somente o reclamante compareceu ao IMESC – Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo – e, se não bastasse, os irmãos vivos do genitor e o seu herdeiro necessário sequer justificaram a ausência. 

11) Diante desse cenário, a sentença reclamada extinguiu sem resolução de mérito a ação investigatória em razão da coisa julgada que se formou na primeira investigatória, adotando as seguintes razões de decidir: (i) não seria viável a integração do polo passivo pelos irmãos do falecido, eis que não são eles herdeiros necessários; (ii) que a recusa dos envolvidos em fornecer material genético não pode induzir à presunção de paternidade estampada na Súmula 301/STJ, especialmente na hipótese em que há coisa julgada formada em ação investigatória anterior, que teria sido afastada por esta Corte apenas para a realização de novo exame de DNA, mas não para que se possa inferir a paternidade a partir de outros elementos probatórios, inclusive inexistentes na hipótese. 

12) Em primeiro lugar, anote-se que, somente se houvesse sido exaurida a atividade instrutória acerca da existência ou não de fraude no exame de DNA realizado na primeira ação investigatória, como expressamente determinado por esta Corte por ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP, é que se poderia cogitar de aplicação ou não da presunção de paternidade pela negativa de fornecimento de material biológico pelos demais familiares próximos, especialmente na hipótese em que há coisa julgada formada em anterior ação investigatória. 

13) Com efeito, conquanto a jurisprudência desta Corte tenha se firmado no sentido de que “a recusa imotivada da parte investigada em se submeter ao exame de DNA, no caso, os sucessores do autor da herança, gera a presunção iuris tantum de paternidade à luz da literalidade da Súmula nº 301/STJ” (REsp 1.531.093/RS, 3ª Turma, DJe 10/08/2015), a hipótese em exame envolve, como destacado, relativização de coisa julgada formada em ação anterior, motivo pelo qual, com muito mais razão, devem ser empreendidas todas as providências necessárias para a adequada e exauriente elucidação da matéria fática. 

14) Em segundo lugar, ressalte-se que existem precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de ser impossível a condução do investigado (ou de quem lhe faça as vezes) “debaixo de vara” para a coleta do material genético necessário ao exame de DNA (HC 71.373/RS, Pleno, DJ 22/11/1996 e RHC 95.183/BA, 1ª Turma, DJe 17/10/2013), por se tratar de medida sub-rogatória que viola a liberdade de locomoção do suposto genitor. 

15) Isso não significa, todavia, que possa a parte ou o terceiro colocar o magistrado de mãos atadas, desrespeitando injustificadamente a ordem judicial de comparecimento ao local da perícia sem que haja nenhuma espécie de instrumento eficaz para dobrar a renitência de quem adota postura anticooperativa e anticolaborativa, sobretudo quando a inércia se revela apta a gerar o non liquet instrutório justamente em desfavor de quem coopera e de quem colabora para o descobrimento da verdade. 

16) Sobre a conduta que se espera das partes no processo civil contemporâneo, anote-se a lição de Marcelo Mazzola: 

Sob o prisma das partes, diferentemente do que se possa pensar, a colaboração não representa um abraço fraterno de inimigos, mas sim uma aproximação leal e distanciada, com foco convergente. Há uma confluência de interações, não de interesses. Como pontua Júlio Muller, “a adversariedade quanto aos interesses de mérito não deve se confundir quanto à cooperação em termos de processo”. Da mesma forma, não se espera que uma parte forneça munição à outra, reconheça a providência do direito alheio ou cometa o chamado sincericídio. Isso, obviamente, não faria muito sentido. Se fosse assim, o réu, “vislumbrando a fragilidade de sua posição, cogitaria ficar revel ao invés de contestação a ação”. Na verdade, o espírito do NCPC é alçar a ética, a honestidade e lealdade das partes como standards de conduta, facilitando a gestão do processo pelo juiz e permitindo que se chegue à solução de mérito mais justa e efetiva. Em outras palavras, o que se preconiza é uma atuação proba e correta dos indivíduos na exposição dos fatos, na defesa dos seus direitos e na identificação das questões que reclamam a intervenção judicial, colaborando com o juiz para que o mérito seja resolvido em tempo razoável. A individualidade e os objetivos de cada litigante devem ser respeitados, mas o percurso até a vitória não pode ser uma disputa meramente individual e egoísta, sem qualquer preocupação com o resultado da prestação jurisdicional. Ou seja, as partes não podem se portar como “antagonistas que aguardam uma decisão, mas como protagonistas que constroem a decisão”. Embora interesses conflitantes traduzam posições divergentes, jamais podem constituir barreiras para a ética e a lealdade, impedindo o fair play processual. (MAZZOLA, Marcelo. Tutela jurisdicional colaborativa: a cooperação como fundamento autônomo de impugnação. Curitiba: CRV, 2017. p. 53/54). 

17) Nessas hipóteses, não apenas pode, como deve o juiz, de modo criativo e inovador, adotar todas as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas, como autoriza o art. 139, IV, do novo CPC, com vistas a refrear a renitência de quem deva fornecer o material, especialmente quando a Súmula 301/STJ se revelar claramente insuficiente para bem resolver a controvérsia, como na hipótese em exame. 

18) Em outras palavras, o entendimento materializado na Súmula 301/STJ não pode ser considerado como absoluto e insuscetível de relativização, pois, maior do que o direito de um filho de ter um pai, é o direito de um filho de saber quem é o seu pai. 

19) Sublinhe-se que o acórdão desta Corte que fora desrespeitado pela sentença reclamada anota a necessidade de valoração da conduta das partes na atividade instrutória. Confira-se: 

Nesse sentido, a par de todas as questões de índole patrimonial e hereditária que do reconhecimento da filiação do recorrente eventualmente possam surgir, fato é que o exame dos autos revela ter o recorrido adotado uma postura inerte, quase descompromissada e indiferente, no tocante ao esclarecimento dos fatos que diretamente lhe dizem respeito. Ocorre que, como bem destaca a doutrina, na ação de investigação de paternidade “o ônus da prova curiosamente é bipartido: o autor pretende provar e demonstrar que o réu é seu pai; este, por sua vez, tentará demonstrar o contrário” (KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 191). Significa dizer, portanto, que a conduta da parte que, escorando-se no ônus da prova supostamente atribuído com exclusividade ao autor, exime-se do “dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade” (art. 379 do CPC/15) e adota postura nitidamente anticooperativa que não mais se admite no sistema processual brasileiro (art. 6º do CPC/15), deve ser valorada e, inclusive, deve ser levada em consideração na escolha do standard da “preponderância da prova” e na valoração das provas até aqui produzidas – afinal, a versão de quem coopera e adota postura ativa na atividade instrutória, municiando o juízo com tudo que estiver ao seu alcance para o descobrimento da verdade, tende normalmente a ser mais verossímil do que a versão de quem não coopera e adota postura inerte e renitente na ativa instrutória, dificultando sobremaneira o descobrimento desta mesma verdade. Daí porque a cooperação no âmbito processual, espontânea ou estimulada, desenvolve-se também mediante a adoção de técnicas coercitivas e, em certos ordenamentos ou situações, até mesmo de técnicas sub-rogatórias, pois o que se deve buscar no litígio – por ambas as partes – é a mais completa elucidação dos fatos que conduza a uma decisão de mérito justa e efetiva. (...) Em síntese, revela-se mais verossímil neste momento a versão de quem, na medida de suas possibilidades, contribuiu ativamente para o descobrimento da verdade e para a elucidação das questões de fato até aqui ocultas, apresentando os elementos de prova de que dispunha (cheques emitidos pelo falecido, declaração em forma de escritura pública, fotografias que comprovariam a semelhanças – e que, aliás, deveriam ser submetidas a um exame prosopográfico, pleiteando a oitiva de testemunhas e dispondo-se a realização de novo exame de DNA), criando, sim, um cenário de dúvida razoável sobre o que de fato ocorreu no fatídico exame de DNA realizado em 1993. 

20) Como se vê, esta Corte, por ocasião do julgamento do REsp 1.632.750/SP, já havia identificado a inércia e a postura anticooperativa do herdeiro necessário do suposto genitor, agravada, agora, com a informação de que não apenas ele, mas também os irmãos do falecido, negam-se, de modo sistemático e injustificado, a fornecer o material biológico para a realização do novo exame de DNA determinado naquele julgamento, buscando impor ao Poder Judiciário que decida de acordo com os ônus e as presunções que convenientemente lhes favorecem. 

21) Assim, como forma de dobrar a renitência das únicas pessoas aptas a elucidar adequadamente a questão fática controvertida, bem como conferir efetividade e autoridade à decisão proferida por esta Corte no REsp 1.632.750/SP, impõe-se a cassação da sentença reclamada para determinar, uma vez mais, que seja também exaurida a atividade instrutória quanto à filiação biológica do reclamante, devendo o julgador de 1º grau, se necessário, adotar as medidas indutivas, mandamentais e coercitivas autorizadas pelo art. 139, IV, do novo CPC, para, somente então, se impossível a elucidação da questão, decidir com base em ônus e presunções. 

22) Finalmente, sublinhe-se, por oportuno, que tais medidas devem ser adotadas em relação ao herdeiro necessário (que é interessado nessa reclamação) e, também, em relação aos irmãos do falecido cuja existência foi descoberta no curso da ação. 

23) De fato, conquanto os irmãos do falecido não sejam legitimados passivos para responder à ação investigatória de paternidade ajuizada pelo reclamante, eis que não são herdeiros do suposto genitor biológico, não se pode olvidar que a doutrina tem demonstrado a necessidade de ressignificação do conceito de legitimidade processual, que não mais deverá se referir apenas à clássica hipótese de legitimidade para a demanda (ad causam), mas também à legitimidade para específicos e determinados atos processuais (ad actum). 

24) A esse respeito, leciona Antonio do Passo Cabral: 

Como pertine ao exercício de um poder jurídico, o ordenamento remete a legitimidade à específica situação concreta onde tal poder será exercido. Se a legitimidade é um atributo transitivo, verificado em relação a um determinado estado de fato, pensamos que, a partir do conceito de situação legitimante, enquadrado no pano de fundo da relação processual dinâmica, é possível reduzir a análise da legitimidade a certos momentos processuais específicos, vale dizer, não mais um juízo de pertinência subjetiva da demanda (a legitimatio ad causam), mas referente ao ato processual específico (a legitimatio ad actum). Em razão do dinamismo da relação processual, é só na sua verificação casuística que a legitimidade encontra sua completa e mais pura finalidade. Se a função desse limite subjetivo ao exercício de funções processuais é analisar a correspondência entre o modelo legal e a situação de fato, a legitimidade só pode ser precisa em cada caso concreto e para cada ato processual. Como afirma Fazzalari, a par das discussões sobre a abstração ou concretude da ação, devemos reputar que a situação material pretérita deve ser abstraída quando da análise dos atos processuais, e estes não pressupõem necessariamente a relação material. A situação substancial é relevante como pressuposto de alguns atos processuais, mas não todos, e a ela se juntam outros requisitos processuais definidores de situações legitimantes não necessariamente vinculadas a um direito subjetivo ou a uma relação jurídica material. Na verdade, a colocação dos atos em seqüência faz com que, com exclusão do primeiro ato da série, cada ato processual dependa, para ser praticado, de requisitos e pressupostos que somente poderão ser corretamente compreendidos a partir da análise da cadeia formativa dos atos anteriores e da múltipla e difusa implicação entre eles. Além disso, as situações legitimantes são todas cambiantes ao longo do processo, e o controle da legitimidade não pode se dar senão na dinâmica do contraditório. (CABRAL, Antonio do Passo. Legitimidade e despolarização da demanda in Revista da AJUFE, São Paulo, v. 25, n. 92, jan./jun. 2012., p. 288/289). 

25) Assim, é correto afirmar que um terceiro, independentemente da existência de circunstância que o legitime a ser parte ou interveniente, poderá ser instado a participar apenas de determinados atos processuais, inclusive na seara instrutória, o que, na verdade, não é sequer uma grande novidade, na medida em que terceiros, observado o contraditório, poderão ser obrigados a exibir documento ou coisa que se encontre em seu poder, sob pena de busca e apreensão em que se admitirá a adoção de medidas indutivas, coercitivas, sub-rogatórias ou mandamentais (art. 401 a 404, do novo CPC), procedimento que igualmente deve ser aplicado à hipótese. 

CONCLUSÃO. 

26) Forte nessas razões, JULGO PROCEDENTE a presente reclamação, para o fim de que seja cassada a sentença que extinguiu o processo sem resolução do mérito, determinando-se a reabertura e exaurimento da fase instrutória para apuração da alegada fraude ocorrida no primeiro exame de DNA e para que se esgotem as possibilidades de realização de novo exame de DNA, nos termos da fundamentação acima. 

27) Condeno o interessado ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, que fixo em R$ 10.000,00 (dez mil reais). 

VOTO-VOGAL 

O SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO: Sra. Presidente, cumprimento V. Exa. e os eminentes Pares, em especial a eminente Relatora, Ministra Nancy Andrighi, pela qualidade do voto que nos traz. 

Penso que a solução apresentada, de julgar procedente a reclamação, está correta. Porém, divirjo quanto à possibilidade de adoção de medidas coercitivas contra aqueles que não participam da lide, no caso, os possíveis tios, tanto do réu como do promovente da ação (conforme o resultado da demanda). Isso não é, a meu ver, possível no nosso ordenamento jurídico. 

Diante da relativização da coisa julgada, promovida no julgamento da Terceira Turma, e da recusa do réu, supostamente irmão do promovente, em se submeter ao exame de DNA, comportamento desafiador e desrespeitoso para com o prestígio do Judiciário, penso que, nessa hipótese, se solucionaria com facilidade a pendência com a aplicação da presunção referida na Súmula n. 301/STJ (Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade), por analogia. Neste caso, o réu, pretenso irmão, seria instado a se submeter ao exame de DNA sob pena de se entender realmente fraudulenta a realização do exame anterior, ficando, assim, comprovada a alegada irmandade e, via de consequencia, a paternidade daquele suposto pai, conforme o objeto da investigação. 

Isso, a meu ver, solucionaria a questão sem necessidade de envolvimento de terceiros que não integram a lide e que não podem sofrer condução coercitiva para doação obrigatória de material para exame de DNA. Essa providência invasiva não me parece possível, nem proporcional, nem necessária. Contraria frontalmente a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana, não permite que alguém seja forçado a produzir prova contra seus interesses. 

No caso em análise, essa garantia está presente e, por isso, foi originalmente concebida pelo STJ a Súmula n. 301. Quando um suposto pai, demandado, se recusava a se submeter ao exame de DNA, não era obrigado a fazê-lo, mas, em contrapartida, vinha a presunção de que agia assim por ser o pai realmente. 

Aqui, também, se esse pretenso irmão resiste à realização do exame de DNA é porque, provavelmente, sabe que a demanda é movida por um meio-irmão. 

Nesse caso, excepcionalmente, por analogia, aplicaríamos a presunção referida na Súmula n. 301/STJ ao irmão unilateral, porque é ele que está sendo demandado, é o réu, e, como tal, é a pessoa que imediatamente deveria fornecer o material genético. Além disso, é quem terá o interesse patrimonial eventualmente contrariado, com a perda de parte da herança do pai falecido, no caso de reconhecimento da paternidade buscada pelo promovente. 

Então, se autorizarmos a aplicação da presunção tratada na Súmula n. 301, aqui por analogia, para considerar meio-irmãos os litigantes, a querela seria resolvida, pois o promovido, devida e previamente advertido das consequências de sua opção, se veria suficientemente estimulado a se submeter ao exame de DNA. 

Desse modo, a incidência da presunção constante da Súmula n. 301, neste caso, afetando somente o réu, pessoa diretamente envolvida na lide, melhor solucionaria a questão do que cogitar-se da adoção de medida invasiva contra terceiros, em contrariedade à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 

Entendo inviável, inconstitucional, forçar terceiros a fornecer material para exame de DNA, máxime num processo de natureza cível e de interesse não só existencial mas também, no final das contas, de índole patrimonial. Não podemos autorizar ou sugerir ao julgador da instância ordinária a adoção de medidas coercitivas contra os tios do réu, terceiros que não participam da lide, o que me parece uma demasia. Não podemos chegar a tanto e não precisamos disso. Basta ensejar a aplicação, por analogia, da presunção da Súmula n. 301 na hipótese. Isso já resolveria bem a questão, porque a resistência do promovido, a meu ver, é muito mais para não ter afetado o patrimônio recebido na herança do pai. 

E, por fim, lembro que não temos coisa julgada que obrigue os tios do réu, pois não participaram do processo e não há formação de coisa julgada contra quem não participa da lide. 

A reclamação, assim, é procedente, estou acompanhando a eminente Relatora, mas com a ressalva de que não podemos afirmar, no voto condutor, algo que contraria frontalmente a jurisprudência da Corte Constitucional e que, portanto, violaria claramente a Constituição, o devido processo legal, the due process of law, em sua dimensão substantiva. 

Então, registrando a ressalva quanto ao item 25 do voto, no mais muito bem produzido, muito bem elaborado, da eminente Ministra Nancy Andrighi, estou acompanhando pela procedência da reclamação. 

13 de abril de 2021

Limitação territorial da eficácia de sentença em ação civil pública é inconstitucional

No julgamento de recurso com repercussão geral, o Plenário declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei da Ação Civil Pública.

Por maioria, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985), alterada pela Lei 9.494/1997, que limita a eficácia das sentenças proferidas nesse tipo de ação à competência territorial do órgão que a proferir.

A decisão se deu em sessão virtual finalizada em 7/4 no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1101937, com repercussão geral reconhecida (Tema 1075). Em seu voto, seguido pela maioria, o relator, ministro Alexandre de Moraes, apontou que o dispositivo veio na contramão do avanço institucional de proteção aos direitos coletivos.

Ele destacou que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) reforçou a ideia de que, na proteção dos direitos coletivos, a coisa julgada é para todos (erga omnes) ou ultrapartes, o que significa dizer que os efeitos subjetivos da sentença devem abranger todos os potenciais beneficiários da decisão judicial. “Não há qualquer menção na norma à limitação territorial”, frisou.

O ministro Alexandre de Moraes ressaltou ainda que o Plenário, ao homologar o termo aditivo ao acordo coletivo de planos econômicos, estabeleceu que as cláusulas que fazem referência à base territorial abrangida pela sentença coletiva originária devem ser interpretadas favoravelmente aos poupadores, aplicando-se o CDC (Lei 8.078/1990), em detrimento do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública.

Segundo o relator, a finalidade do dispositivo, apesar de se referir à coisa julgada, foi restringir os efeitos condenatórios de demandas coletivas, limitando o rol dos beneficiários da decisão por meio de um critério territorial de competência.

Julgamentos contraditórios

O ministro destacou ainda que, ao limitar os efeitos da sentença aos beneficiados residentes no território da competência do julgador, o artigo obriga o ajuizamento de diversas ações, com o mesmo pedido e causa de pedir, em diferentes comarcas ou regiões, possibilitando a ocorrência de julgamentos contraditórios.

Na sua avaliação, além de enfraquecer a efetividade da prestação jurisdicional e a segurança jurídica, essa hipótese permite que sujeitos vulneráveis, que foram afetados pelo dano, mas que residem em local diferente daquele da propositura da demanda, não sejam protegidos.

Local

Em relação à definição do órgão julgador, o Plenário decidiu que, em se tratando de ação civil pública com abrangência nacional ou regional, sua propositura deve ocorrer no foro, ou na circunscrição judiciária, da capital do estado ou no Distrito Federal, nos termos do artigo 93, inciso II, do CDC. No caso de alcance geograficamente superior a um estado, a opção pela capital deve contemplar uma que esteja situada na região atingida.

Prevenção

Sobre a competência, de maneira a impedir decisões conflitantes proferidas por juízos diversos em sede de ação civil pública, o juiz competente que primeiro conhecer da matéria ficará prevento para processar e julgar todas as demandas que proponham o mesmo objeto.

Caso concreto

O RE teve origem em ação coletiva proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) contra diversas entidades bancárias buscando a revisão de contratos de financiamento habitacional celebrados por seus associados. Na primeira instância (Justiça Federal de São Paulo), foi determinada a suspensão da eficácia das cláusulas contratuais que autorizavam as instituições financeiras a promover a execução extrajudicial das garantias hipotecárias dos contratos.

Em análise de recurso interposto pelos bancos, o Tribunal Regional Federal da 3ª (TRF-3) revogou a liminar de primeira instância e, posteriormente, afastou a aplicabilidade do artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública. Para o TRF-3, em razão da amplitude dos interesses, o direito reconhecido na causa não pode ficar restrito ao âmbito regional.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a decisão nesse ponto, por entender indevido limitar a eficácia de decisões proferidas em ações civis públicas coletivas ao território da competência do órgão judicante. Em seguida, os bancos apresentaram recurso ao STF buscando reverter o entendimento. A decisão do Plenário, no entanto, negou provimento ao recurso extraordinário e manteve a extensão dos limites subjetivos da decisão tomada na ação civil pública a todo o país.

Tese

Foi aprovada a seguinte tese:

“I - É inconstitucional o art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494 /1997.
II – Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, da Lei 8.078/1990.
III – Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas”.

Resultado

O ministro Alexandre de Moraes proferiu voto pelo desprovimento do recurso na sessão do Plenário realizada em 4/3 e, na ocasião, o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos. O julgamento foi retomado e concluído em sessão virtual. Seguiram integralmente o relator os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Luiz Fux (presidente) e as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber. Já o ministro Edson Fachin seguiu o relator com ressalvas. Ficaram vencidos o ministro Marco Aurélio e, em parte, o ministro Nunes Marques. Não participaram do julgamento o ministro Dias Toffoli, por estar impedido, e Luís Roberto Barroso, que afirmou suspeição.

8 de abril de 2021

Plenário do STF encerra julgamento do RE 1.101.937 e proclama a inconstitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347, de 1985 (Lei da ação civil pública).

Assim dispõe o art. 16 da referida lei: "Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova."


O STF fixou, em tal julgamento, as seguintes teses em Repercussão Geral:

1) é inconstitucional o art. 16 da Lei 7.347, de 1985, alterada pela Lei 9.494, de 1997;

2) tratando-se de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art. 93, II, do CDC (ou seja, a ação deve ser proposta no foro da Capital do Estado ou do DF);

3) propostas várias ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas conexas.