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22 de outubro de 2017

O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS IRÁ EXTINGUIR AS AÇÕES COLETIVAS EM DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS? A CONVIVÊNCIA DOS MECANISMOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO; Revista de Direito do Consumidor, vol. 113, p. 153 - 183, Set - Out / 2017

O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS IRÁ EXTINGUIR AS AÇÕES COLETIVAS EM DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS? A CONVIVÊNCIA DOS MECANISMOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO


Will the “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas” extinguish the Brazilian class actions in defense of homogeneous individual rights? The coexistence of the mechanisms under Brazilian legal system
Revista de Direito do Consumidor | vol. 113/2017 | p. 153 - 183 | Set - Out / 2017 | DTR\2017\6587

Gustavo Silva Alves
Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Participante do Grupo de Pesquisa “Fundamentos do Processo Civil Contemporâneo” (UFES) liderado pelos professores Hermes Zaneti Jr. e Antonio Gidi. Assessor Jurídico do Ministério Público do Espírito Santo. gugalves2003@gmail.com
Área do Direito: 
Civil; Consumidor
Resumo: 
O presente ensaio pretende demonstrar porque o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), previsto no CPC/2015, não irá extinguir as ações coletivas em defesa dos direitos individuais homogêneos (arts. 91 a 100, CDC) e também trabalhar como se dará a convivência dos dois mecanismos dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-chave: 
Ações coletivas - Direitos Individuais Homogêneos (DIH) - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas - Código de Defesa do Consumidor - CPC/2015.
Abstract: 
This paper aims to demonstrate why the “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR)” won’t extinguish the Brazilian class actions in defense of homogeneous individual rights (articles 91-100 of Brazilian Consumer Code) and as well analyze how it will be the coexistence of these two mechanisms within the Brazilian legal system.
Keywords: 
Brazilian class actions - Homogeneous individual rights - “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas” - Brazilian Consumer Code - Brazilian Code of Civil Procedure of 2015.
Sumário:
1 Introdução - 2 O surgimento dos institutos: do processo coletivo às técnicas processuais de resolução de demandas repetitivas - 3 A natureza dos institutos: procedimento jurisdicional para defesa de direito subjetivo e incidente processual de julgamento de questões repetitivas - 4 Os objetos: direitos individuais homogêneos e questões repetitivas de direito - 5 Os mecanismos de vinculação aos indivíduos: extensão subjetiva secundum eventum litis da coisa julgada aos membros do grupo e vinculação à tese jurídica nos processos pendentes e futuros - 6 Universo de atuação e convivência dos dois mecanismos: O IRDR irá extinguir as ações coletivas em defesa dos direitos individuais homogêneos? - 7 Notas conclusivas - 8 Referências bibliográficas

1 Introdução
No ano de 2016 entrou em vigor a Lei 13.105/2015, referente ao novo Código de Processo Civil brasileiro. Essa legislação inseriu no direito processual brasileiro alguns institutos novos, como é o caso do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), previsto nos arts. 976 a 987 do CPC/2015 (LGL\2015\1656). Por sua breve existência e seu ineditismo, tal instrumento processual tem sido pauta de diversos debates doutrinários.
Com o intuito de buscar uma melhor compreensão do IRDR, este texto propõe-se exatamente a analisar uma dessas polêmicas, referente à questão de se o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas substituirá e, consequentemente, extinguirá as ações coletivas em defesa dos Direitos Individuais Homogêneos (DIH), previstas nos arts. 91 a 100 do CDC (LGL\1990\40).
Para isso, será feita uma análise de ambos os mecanismos processuais no que diz respeito ao surgimento, à natureza, ao objeto, aos modos de vinculação e aos universos de atuação, com o objetivo de demonstrar que os institutos são, em grande medida, dessemelhantes; e, assim, deverão coexistir para garantir uma adequada tutela às situações jurídicas coletivas decorrentes tanto dos direitos individuais homogêneos (ações coletivas) como também das demandas em que se discute determinada questão repetitiva de direito (IRDR).

2 O surgimento dos institutos: do processo coletivo às técnicas processuais de resolução de demandas repetitivas
O direito, como uma ciência social, sempre sofreu e ainda sofre forte influência dos contextos social, político e cultural em que está inserido. O processo civil, como uma das subáreas do conhecimento jurídico, não foge a essa realidade. Ao longo dos tempos, o processo sempre espelhou as caraterísticas fundantes das mais diversas culturas e das mais heterogêneas sociedades1.
Assim, por muito tempo, quando ainda predominavam as noções de direitos, deveres e liberdades individuais, o procedimento jurisdicional esteve sempre voltado para a resolução de controvérsias envolvendo direitos subjetivos individuais. A sociedade, estruturada a partir de relações jurídicas bilaterais decorrentes de contratos e obrigações pessoais, fez com que as regras e os mecanismos processuais fossem estruturados unicamente para solucionar demandas envolvendo sujeitos determinados2. A predominante concepção liberal de Estado (laissez-faire et laissez-passer), fez com que o Poder Judiciário se limitasse a dirimir controvérsias de cunho individualista, ou seja, mera contraposição de interesses entre os famigerados Caio e Tício. Trata-se de uma compreensão autonomista, em que imperava a liberdade dos indivíduos em detrimento de qualquer outro interesse. O processo civil clássico foi fundado sob essa égide, cabia aos juízes apenas declarar a vontade da lei, resolvendo a lide entre X e Y nos limites em que havia sido proposta.
Ocorre que, a partir da segunda metade do século XX, com a evolução das concepções de Estado (Social e Constitucional Democrático), eclodiu uma teorização em relação a direitos que, via de regra, não pertenciam a indivíduos determinados, mas, sim, a grupos de pessoas ou, por muitas vezes, a coletividade indeterminada. Surgiam os chamados direitos metaindividuais (difusos e coletivos), considerados como aqueles que possuem uma titularidade indeterminada e objetos indivisíveis – ou tutela-se o direito de todos ou não se tutela o de ninguém3.
Aliou-se a essa situação o grande desenvolvimento estrutural e econômico experimentado pela sociedade. Cada vez mais aumentava a interação entre os indivíduos e, também, o número de relações jurídicas dela decorrentes. A contemporaneidade experimenta os fenômenos da sociedade de massa4 e da litigiosidade de massa, ocasionados, principalmente, pelos avanços tecnológicos – acesso amplo à informação por meio da internet, maior integração humana decorrente da evolução dos meios de transporte e das redes de comunicação social, aumento da taxa populacional pelos avanços da ciência e da medicina – e pela evolução das relações econômicas– desenvolvimento dos meios de produção e massificação das ofertas de produtos e prestação de serviços. Todo esse contexto contribuiu para um aumento vertiginoso dos vínculos jurídicos e, consequentemente, para a criação do fenômeno da litigiosidade repetitiva, considerada como aquela em que existe nas demandas uma similaridade tanto nas causas de pedir como no pedido5. Esse aumento, combinado ao amplo acesso à justiça garantido pelo Estado Democrático Constitucional (art. 5º, XXXVCF/88 (LGL\1988\3)), resultou em uma multiplicação no número de processos ajuizados diariamente6.
A partir desse cenário, percebeu-se a insuficiência do processo civil – estruturado em um paradigma eminentemente individualista – em dirimir os conflitos decorrentes dos direitos metaindividuais e prestar uma tutela jurisdicional efetiva e tempestiva aos litígios repetitivos7. Assim, para tentar solucionar esses problemas, surgem e evoluem, ao redor do mundo, mecanismos processuais de tutela coletiva8.
Em território brasileiro não foi diferente, diversos regramentos legislativos foram editados, inserindo-se importantes mecanismos processuais no ordenamento jurídico, por exemplo: a Lei da Ação Popular (Lei 4.717/65); a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85); e também o Título III do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que inseriu as ações coletivas em defesa dos direitos individuais homogêneos (arts. 91 a 100 do CDC (LGL\1990\40)), um dos objetos de análise do presente estudo. Todo esse aparato legal, aliado aos valorosos estudos desenvolvidos pela doutrina nacional9, fez com que o Brasil se tornasse um país de vanguarda, com um dos mais avançados sistemas de tutela coletiva do globo terrestre.
O esperado por todos era que o modelo brasileiro de ações coletivas – em especial as que tutelam os chamados direitos individuais homogêneos – resolvesse a situação descrita acima, principalmente em respeito ao problema da litigiosidade repetitiva, que assolava o Judiciário com uma enxurrada de processos10.
Ocorre que, mais por influências externas do que propriamente pela ineficácia do processo coletivo, este não conseguiu resolver os problemas decorrentes dos litígios de massa11. Dentre os mais diversos fatores que levaram a essa situação, destacam-se os seguintes: (a) a limitação quanto às matérias que poderiam ser tuteladas pelas ações coletivas (art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85); (b) a falta de entidades associativas para tutela dos direitos coletivos e as restrições impostas pela legislação e pelos precedentes à atuação destas12; (c) a tentativa de restringir os limites subjetivos erga omnes ultra partes da coisa julgada à competência do órgão prolator da sentença coletiva (art. 16 da Lei 7.347/85)13; (d) a sistemática da extensão subjetiva secundum eventum litis da coisa julgada aos membros do grupo somente para beneficiá-los, o que contribui para que as demandas repetitivas não sejam efetivamente decididas, já que cada indivíduo pode, posteriormente, propor uma ação individual; (e) e o ineficaz sistema de comunicação e publicação a respeito do ajuizamento de ações coletivas14.
Assim, ao longo do tempo, com a intenção de dirimir o problema da litigiosidade repetitiva, foram incorporadas no corpo normativo brasileiro as mais diversas técnicas processuais, como: o pedido de uniformização da interpretação da Lei Federal no âmbito dos Juizados Especiais Civis Federais (art. 14 da Lei 10.259/2001); a repercussão geral no recurso extraordinário (art. 543-B do CPC/1973 (LGL\1973\5) incluído pela Lei 11.418/2006); os recursos repetitivos no âmbito do STJ (art. 543-C do CPC/1973 (LGL\1973\5) incluído pela Lei 11.672/2008); a suspensão de segurança (art. 15 da Lei 12.016/2009); e o pedido de uniformização da interpretação de Lei nos Juizados Especiais da Fazenda Pública (arts. 18 e 19 da Lei 12.153/2009)15 etc.
Entretanto, nem mesmo todas essas técnicas processuais conseguiram reduzir o número de processos que eram propostos diariamente nos juízos de primeira instância16. Essa afirmação baseia-se no levantamento numérico-estatístico divulgado ano a ano pelo CNJ (Justiça em Números17). No ano de 2015, por exemplo, foi possível constatar que o número de processos em tramitação havia aumentado quase 15,3% em comparação ao ano de 2009. Chegava-se à incrível marca de quase 100 milhões de ações em trâmite no Brasil.
Dessa forma, com o objetivo de solucionar o abarrotamento experimentado pelo Poder Judiciário, que as ações coletivas e as alterações legislativas destacadas acima não conseguiram resolver, surgiu, com a edição do CPC/2015 (LGL\2015\1656), o incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR)18. O incidente processual busca garantir maior racionalidade ao ordenamento jurídico, a partir da formação e aplicação de uma tese jurídica a respeito de uma questão repetitiva de direito que tem gerado decisões heterogêneas. Assim, com a sua instauração, espera-se evitar que sobre essa mesma questão possam existir diversas formas de interpretação, o que levaria à coexistência de decisões conflitantes, situação inaceitável para o atual momento em que o direito se encontra.
Os preceitos norteadores desse incidente são a isonomia, a segurança jurídica e a celeridade. A primeira entendida na necessidade de tratamento uniforme às mesmas questões; a segunda, retratada na necessidade de continuidade e calculabilidade dos pronunciamentos judiciais; e a terceira compreendida na obrigação que o Judiciário possui de garantir a tutela jurisdicional em tempo adequado19. Espera-se que, mesmo sobre um pretexto de conferir maior racionalidade ao ordenamento, o incidente de resolução de demandas repetitivas também venha a reduzir o número de processos em trâmite no Judiciário, possibilitando que a máquina judiciária entregue uma tutela jurisdicional mais efetiva, tempestiva e adequada (art.  do CPC/2015 (LGL\2015\1656)) não só aos litígios repetitivos, mas, indiretamente, também às demais demandas individuais e coletivas.

3 A natureza dos institutos: procedimento jurisdicional para defesa de direito subjetivo e incidente processual de julgamento de questões repetitivas
Como dito, a ação coletiva para defesa dos direitos individuais homogêneos foi inserida no Título III do Código de Defesa do Consumidor (arts. 91 a 100 do CDC (LGL\1990\40)). Trata-se de procedimento jurisdicional com ampla cognição que visa à resolução de um caso concretamente posto, ou seja, soluciona-se uma controvérsia eminentemente de direito subjetivo.
Por esse motivo, pode-se afirmar que as ações coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos têm natureza jurídica de processo jurisdicional subjetivo, no qual existe a satisfação de direitos subjetivamente considerados, sejam eles dos titulares dos DIH, no caso de procedência da demanda, ou do réu, nas ações julgadas infundadas.
Por outro lado, o IRDR, como o próprio nome sugere, tem natureza jurídica de incidente processual, conceituado como “algo que cai (ponto, questão ou ação) sobre algo que preexiste (processo)”20, ou seja, trata-se de procedimento autônomo e lateral que surge a partir de um processo preexistente. Essa identificação como incidente acontece, pois o IRDR é instaurado exatamente a partir de uma causa pendente de julgamento no tribunal, com o objetivo de fixar uma tese jurídica a ser aplicada a todos os processos que discutem a mesma questão de direito.
Além disso, mesmo que o art. 978, parágrafo único, do CPC/2015 (LGL\2015\1656) determine que seja também julgada a demanda (recurso, ação originária ou remessa necessária) que deu origem ao incidente, é clara também a assimilação deste como um mecanismo processual que privilegia o direito objetivo e garante unidade e coerência à intepretação do direito no ordenamento jurídico. A função precípua do IRDR é fixar uma tese jurídica que será aplicada aos diversos casos pendentes (art. 985, I, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)) e não julgar subjetivamente cada um dos processos, individuais ou coletivos, em que se discute a questão. Isso não quer dizer que a tese jurídica deverá ser formada de forma abstrata, indiferente aos fatos que deram origem ao incidente. É imprescindível, para o bom funcionamento do instituto e também para que seja possível a formação de precedente judicial (art. 985, II, do CPC/15 (LGL\2015\1656) e art. 927, III, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)), que o contexto fático presente nas demandas escolhidas seja analisado e discutido na fixação da tese jurídica.
Ainda no que diz respeito às peculiaridades quanto à natureza do incidente, pretende-se trabalhar de forma sintética dois pontos que têm sido pauta corrente de diversos debates doutrinários, são eles: o modelo de julgamento de casos repetitivos adotado pelo CPC/2015 (LGL\2015\1656) e a natureza coletiva do IRDR.
Quanto à primeira questão pode-se destacar que existem dois modelos principais de julgamentos de casos repetitivos: (i) o da causa-piloto, no qual é fixada a tese jurídica e também julgado o caso concreto a partir do qual foi instaurado o incidente21; e (ii) o do procedimento-modelo, no qual apenas é fixada abstratamente a tese jurídica acerca da questão de direito, sem o julgamento da demanda que deu origem ao incidente22.
Em que pese a dicotomia entre os dois, acredita-se que o CPC/2015 (LGL\2015\1656) adotou um modelo híbrido. Isso porque, assim como expressamente prevê o parágrafo único do art. 978 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), além da fixação da tese jurídica, o(s) processo(s) escolhido(s) para dar origem ao IRDR será(ão) igualmente julgado(s) pelo órgão do Tribunal onde tramita(m)23, ou seja, não acontece apenas o julgamento do incidente, mas também da(s) demanda(s) que o originou24. Em contrapartida, naquelas situações em que a parte desiste ou abandona a demanda originária, o IRDR não é extinto. Ainda assim será realizado exame do mérito do incidente, devendo o Ministério Público assumir sua titularidade (art. 976, §§ 1º e 2º do CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Nesses casos excepcionais, não ocorre julgamento da(s) causa(s) que deu(ram) origem ao IRDR, somente há fixação da tese jurídica.
Confirma-se assim a natureza híbrida do procedimento brasileiro. Via de regra, o modelo adotado é o de causa-piloto (art. 978, parágrafo único, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)), com exceção para aquelas situações em que há desistência ou abandono da causa originária, quando o padrão adotado é o do procedimento-modelo (art. 976, §§ 1º e 2º, do CPC/2015 (LGL\2015\1656))25-26.
Já no que diz respeito à natureza coletiva do procedimento, em que pese parte da doutrina negá-la27, acredita-se que o IRDR é, sim, uma técnica processual coletiva28. Tal afirmação torna-se verdadeira, pois, deve ser considerado como coletivo todo o processo em que se tenha uma relação jurídico-litigiosa coletiva, envolvendo discussão acerca de uma situação jurídica ativa (direito) ou passiva (dever de sujeição) da qual é titular um grupo de pessoas29.
Dessa forma, no incidente de resolução de demandas repetitivas, “a repetição da questão em diversos processos faz com que surja o grupo daqueles em cujo processo a questão se repete; surge, assim, a situação jurídica coletiva consistente no direito à certificação da questão repetitiva de natureza coletiva”30. É exatamente esse grupo de pessoas que discute uma mesma questão de direito em seus respectivos processos que dá origem a uma situação jurídica coletiva. Essa controvérsia é então solucionada a partir da fixação e aplicação da tese jurídica a todos os processos pendentes e futuros que discutam a questão. Logo, exatamente por tutelar uma situação jurídica coletiva de que se afirma titular um grupo de pessoas, crê-se estar diante de um procedimento processual coletivo.
Assim, uma vez trabalhada a natureza de cada um dos institutos, passa-se na sequência à análise de seus respectivos objetos, ou seja, do que tratam e o que pretendem solucionar o IRDR e as ações coletivas em defesa dos DIH.

4 Os objetos: direitos individuais homogêneos e questões repetitivas de direito
No Brasil, diferentemente do que ocorreu no modelo norte-americano das class actions31, foram estabelecidos em lei (art. 81, parágrafo único, do CDC (LGL\1990\40)), os conceitos das três espécies de direitos coletivos que podem ser tutelados por meio do processo coletivo, são eles: direitos difusos, direitos coletivos strictu sensue direitos individuais homogêneos.
Em relação aos últimos, objetos de tutela das ações coletivas em análise nesse trabalho, a legislação limitou-se a dizer que são individuais homogêneos aqueles direitos “decorrentes de origem comum” (art. 81, parágrafo único, III, do CDC (LGL\1990\40))32. Dessa maneira, devem ser considerados como direitos individuais homogêneos aqueles de mesma procedência, ou seja, que surgem de uma mesma conduta omissiva ou comissiva da parte contrária. A formação da relação jurídica que possibilita a tutela desses direitos é posterior à lesão; o grupo de pessoas atingidas só é formado após a conduta ilícita da parte contrária.
Ocorre que isso não basta para identificar um determinado direito como individual homogêneo. Como o legislador não disse muito, restou à doutrina estabelecer os demais critérios de aferição para se identificar quando se está diante de uma situação jurídica a ser tutelada pela ação prevista no art. 91 e ss do Código de Defesa do Consumidor. Assim, além da origem comum, é necessário então que exista uma predominância das questões comuns sobre as questões individuais e particulares de cada membro do grupo (predominance test). Isso porque é exatamente essa predominância que levará a uma maior eficiência e efetividade da tutela coletiva sobre a individual (superiority test), que poderia ser efetivada por meio do ajuizamento de ações individuais ou pela formação de litisconsórcios33.
Por outro lado, o IRDR trata de questões repetitivas de direito material ou processual (art. 976, I, do CPC/2015 (LGL\2015\1656) c/c art. 928, parágrafo único, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Não é necessário que as demandas nas quais a questão se repete “possuam uma relação substancial padrão e tampouco de uniformidade em relação à causa de pedir e pedidos. O relevante, nesse contexto, é a presença de controvérsia sobre ponto de direito que se repita em vários processos”34. Sendo imprescindível para o bom funcionamento do incidente, que a questão de direito seja delimitada com exatidão, caso contrário, posteriormente poderá ocorrer discussão sobre a própria decisão que fixa a tese, o que é um desdobramento inaceitável e contrário ao princípio da segurança jurídica, norteador do próprio incidente35.
Dessa maneira, para que seja instaurado um incidente de resolução de demandas repetitivas é necessário, além dos outros requisitos previstos no art. 976CPC/2015 (LGL\2015\1656), que uma delimitada questão de direito se repita em diversos processos, sejam esses homogêneos ou heterogêneos quanto ao mérito.
Essa constatação é importante, pois permite que se faça uma crítica à nomenclatura adotada pelo legislador. Na verdade o que se resolve no IRDR não são demandas repetitivas, mas apenas questões repetitivas de direito36. Não ocorre, no incidente, o efetivo julgamento de todas as demandas e a satisfação dos direitos subjetivos discutidos nestas – apenas da que deu origem ao incidente (art. 978, parágrafo único, do CPC/15 (LGL\2015\1656)). O que acontece, na verdade, é a uniformização da interpretação dada a uma questão controversa de direito que vem se repetindo em inúmeros processos a partir da fixação de uma tese jurídica.

5 Os mecanismos de vinculação aos indivíduos: extensão subjetiva secundum eventum litis da coisa julgada aos membros do grupo e vinculação à tese jurídica nos processos pendentes e futuros
Em relação ao modo de vinculação, se comparadas ao processo civil comum, as ações coletivas que tutelam direitos individuais homogêneos possuem uma sistemática peculiar e especial da coisa julgada. Nessas demandas, uma vez transitada em julgado a decisão de procedência ou improcedência da ação com suficiência de provas37, nenhum dos colegitimados coletivos ou o réu poderão rediscutir a solução jurídica fixada pela sentença, ou seja, forma-se coisa julgada inter partes pro et contra. Ocorre que, e é nesse ponto que as ações coletivas se distanciam dos processos individuais tradicionais, a extensão subjetiva erga omnes da coisa julgada coletiva aos membros do grupo – titulares dos direitos individuais homogêneos – será secundum eventum litis, somente os atingindo nos casos em quem a ação coletiva é julgada procedente (art. 103, III, do CDC (LGL\1990\40))38.
Pode-se perceber, portanto, que a coisa julgada coletiva somente beneficia os titulares dos direitos individuais, ou seja, unicamente quando a demanda for julgada procedente, ela poderá ser aproveitada pelos membros do grupo. Assim, nos casos de julgamento de improcedência, ficarão preservados os direitos de ação. Cada um dos membros do grupo poderá, caso queira, rediscutir a matéria via ação individual. Privilegia-se o amplo acesso à justiça e o contraditório em detrimento da isonomia e da segurança jurídica39.
Nesse momento, ainda devem ser analisados dois mecanismos especiais de relação entre as ações coletivas para defesa dos DIH e os titulares dos direitos individuais. O primeiro deles, previsto no art. 94 do CDC (LGL\1990\40), possibilita que após o ajuizamento da ação coletiva os membros do grupo requeiram em juízo sua participação como litisconsorte. Sendo aceita essa participação, os indivíduos estarão vinculados à coisa julgada coletiva, seja a decisão de procedência ou improcedência da demanda (art. 103, § 2º, do CDC (LGL\1990\40)). Além dessa regra, no art. 104 do CDC (LGL\1990\40) existe previsão do que se convencionou chamar de direito à autoexclusão (right to opt out). Esse mecanismo prevê que, uma vez ajuizada a ação coletiva, deve-se dar ciência a cada um dos membros do grupo, autores de ações individuais em curso, para que escolham: (i) se irão dar continuidade às ações individuais, desvinculando-se assim do julgamento proferido na ação coletiva – seja ele favorável ou desfavorável ao grupo – ou (ii) se irão suspender suas ações individuais e esperar o resultado da ação coletiva. Sendo a demanda julgada procedente permite-se o transporte in utilibus da coisa julgada coletiva para o plano individual; e em caso de julgamento de improcedência poderá se dar normal prosseguimento às ações individuais anteriormente suspensas.
Por outro lado, o IRDR trabalha um sistema de vinculação diverso. Diferentemente do que poderia se imaginar, não existe após o julgamento do incidente a formação de coisa julgada40. O que ocorre, na verdade, é uma vinculação à tese jurídica firmada. Os juízes de primeiro grau ficam obrigados a aplicar a tese como premissa de julgamento nos processos pendentes que tramitem no território de competência do Tribunal (art. 985, I, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)); e, além dessa técnica vinculativa, caso sejam preenchidos os requisitos materiais41, a decisão do IRDR também poderá formar um precedente judicial, a ser aplicado aos casos futuros que versem sobre a questão de direito e que estejam na área de atuação do Tribunal responsável pela formação da tese (art. 985, II e art. 927, III, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)).
Vale relevar também que uma vez instaurado o incidente de resolução de demandas repetitivas, não se permite ao membro do grupo prosseguir com sua ação individual independente em relação ao incidente. A suspensão da ação e a vinculação à tese jurídica são automáticas. O máximo que se poderia imaginar seria a possibilidade do autor desistir da ação individual em trâmite e esperar que, uma vez formado precedente (art. 985, II, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)), seja possível afastar sua aplicação em ação posterior, por meio da técnica argumentativa do overruling (art. 986 do CPC/2015 (LGL\2015\1656) c/c arts. 927, §§ 1º a 4º, do CPC/2015 (LGL\2015\1656))42.
A única exceção à regra da suspensão obrigatória ocorre quando o processamento do incidente durar mais de um ano (art. 980, parágrafo único, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Nessas situações, salvo decisão fundamentada do relator, é cessada a suspensão dos processos individuais, os quais terão normal prosseguimento. Vale destacar que, ainda assim, em caso de posterior fixação da tese jurídica, esta será aplicada a todos os processos pendentes, inclusive àqueles que prosseguiram após a cessação da suspensão.
Dessa forma, diversamente da extensão subjetiva secundum eventum litis das ações coletivas, que preserva o direito de ação em caso de julgamento de improcedência, no IRDR, a vinculação do grupo de pessoas que possui processos pendentes acontece tanto nas situações em que a tese jurídica lhes é favorável como também nas situações em que lhes é desfavorável, ou seja, não é possível rediscutir a questão em um momento posterior43.

6 Universo de atuação e convivência dos dois mecanismos: O IRDR irá extinguir as ações coletivas em defesa dos direitos individuais homogêneos?
Diante de todo o exposto, a pergunta que deve ser feita é: será que o incidente de resolução de demandas repetitivas irá extinguir as ações coletivas em defesa dos direitos individuais homogêneos? Acredita-se que por uma série de motivos, expostos a seguir, a resposta para essa pergunta deve ser negativa. As duas técnicas processuais poderão e deverão coexistir dentro do ordenamento jurídico pátrio44, assim como acontece na Alemanha45, com a Verbandsklage e o Musterverfahren e também na Inglaterra46, com o Representative Proceeding e a Group Litigation Order.
Em primeiro lugar, como pôde ser visto, os mecanismos possuem escopos diferentes. As ações coletivas em defesa dos DIH buscam tutelar o direito subjetivo, por meio da resolução integral das controvérsias jurídicas coletivas levadas a juízo. Por outro lado, o IRDR preserva o direito objetivo, ao garantir maior unidade e isonomia em relação à interpretação de uma questão repetitiva de direito a partir da fixação de uma tese jurídica.
Além disso, ainda que em parte possuam áreas de atuação coincidentes, são técnicas com objetos diferentes: direitos individuais homogêneos (ações coletivas) e questões repetitivas de direito (IRDR). Dessa forma, existirão situações em que será mais adequado utilizar-se das ações coletivas; e o contrário também é verdadeiro, alguns casos só poderão ser devidamente resolvidos por meio da instauração de um IRDR. Assim, por possuírem áreas de atuação exclusivas, nenhum dos dois procedimentos deve ser deixado de lado, sua coexistência é crucial para que o atual fim do processo civil – tutela adequada, tempestiva e efetiva dos direitos (art.  do CPC/2015 (LGL\2015\1656)) – seja preservado e garantido47.
Portanto, torna-se crucial estabelecer quais serão as áreas de atuação específica de cada uma das técnicas e quando elas poderão ser coincidentes. Em relação à zona de atuação exclusiva ou preferencial das ações coletivas, a título exemplificativo, podem ser destacados: (i) situações jurídicas em que os danos causados ao grupo são de pequena monta, pois não existiria efetiva repetição de processos individuais que levasse à instauração do IRDR48; (ii) casos procedentes de um único ato lesivo, nos quais poderia acontecer o aproveitamento da produção probatória no processo coletivo a todas as pretensões individuais49; (iii) controvérsias que envolvam a tutela de hipossuficientes50, tendo em vista as condições socioeconômicas do Brasil e o número insuficiente de Defensores Públicos, pois nesses casos também não existiria uma efetiva repetição de processos, sendo mais adequado o uso das ações coletivas; (iv) situações em que a tutela coletiva, pela ampla cognição, seja mais adequada para a comprovação dos danos individualmente sofridos.
Assim, por exemplo, caso seja comprovada uma situação de cobrança abusiva, em que um Banco X está exigindo indevidamente uma taxa no valor irrisório de R$ 0,20 (vinte centavos) para que as pessoas possam realizar depósitos bancários, não haverá interesse de quem quer que tenha sido lesado em ingressar com ações individuais para reaver o prejuízo causado. Motivo pelo qual não existirá também efetiva repetição de processos sobre essa mesma questão – e nenhum dos demais requisitos – que justifique a instauração de um IRDR. Nesse caso, prevalecem exclusivamente as ações coletivas, as quais poderão prestar uma tutela mais efetiva à controvérsia e garantirão uma reparação integral ao dano causado por meio do procedimento da fluid recovery (art. 100 do CDC (LGL\1990\40)).
Diferentemente, o incidente de resolução de demandas repetitivas possibilita, de forma exclusiva ou preferencial, a resolução de: (i) questões de direito que não podem ser objeto de tutela coletiva, como algumas demandas referentes ao direito tributário e previdenciário (art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/85)51; (ii) situações jurídicas em que exista predominância dos aspectos individuais sobre os comuns, o que levaria a uma ineficácia da tutela coletiva52 e uma sobreposição do IRDR, o qual poderá oferecer uma solução mais célere, eficaz e adequada à controvérsia; (iii) e principalmente, questões comuns de direito material e processual extraídas de demandas heterogêneas quanto ao mérito. Nessa última ocasião não é possível se utilizar da ação coletiva, tendo em vista que não se está diante de direitos individuais homogêneos, decorrentes de uma origem comum, mas sim de demandas que são semelhantes somente quanto à existência de uma mesma questão de direito. Essa situação acontecerá muito em relação às questões envolvendo regras de direito processual, nas quais haverá discussões acerca de aspectos procedimentais em processos com os mais diversos objetos.
Pode-se citar, por exemplo, uma controvérsia envolvendo a obrigatoriedade – ou não – da participação do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica no incidente de desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133 a 137 do CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Tal questão poderá existir nas mais diversas espécies de ações, precedentes das mais diferentes situações e com pedidos totalmente dessemelhantes. Nesse caso, a solução mais adequada será a instauração de um IRDR, pois fixada a tese jurídica, racionaliza-se a interpretação da obrigatoriedade (ou não) da participação do Parquet no incidente de desconsideração da personalidade jurídica em todas as ações que debatem essa questão e também para as futuras, caso seja formado um precedente.
Nessas ocasiões, em que pese a situação jurídica não poder ser tutelada por meio do processo coletivo, caso exista ação coletiva em que se discuta a questão repetitiva, deve-se dar preferência na escolha desta como causa-piloto. Isso porque, no processo coletivo a legitimidade é atribuída a entes habituados a litigação judicial estratégica (art. 5º da Lei 7.347/85 e art. 82 da Lei 8.078/90), como o MP e a Defensoria Pública53. Esses entes poderão, assim, defender de forma mais efetiva e segura os direitos do grupo de pessoas que buscam a fixação de uma tese jurídica que lhes seja benéfica54. Com isso, evita-se também a instauração do incidente em demandas individuais nas quais a parte contrária não está acostumada a atuar judicialmente (litigante eventual), o que poderia favorecer o litigante habitual, que por ser mais bem preparado teria maiores chances em ver fixada uma tese jurídica que lhe seja favorável55.
Ocorre que ainda assim é possível e irão acontecer casos em que ambas as técnicas processuais poderão ser utilizadas para dirimir uma controvérsia resultante de uma determinada situação jurídica coletiva. Imagina-se, por exemplo, uma discussão envolvendo a declaração de abusividade de uma cláusula prefixada em um determinado contrato de adesão, utilizado por diversas empresas de telefonia móvel. Essa demanda poderia tanto ser resolvida por meio do ajuizamento de uma ação coletiva em defesa dos direitos individuais homogêneos, como também por meio da instauração de um IRDR, caso estivessem preenchidos os demais requisitos previstos no art. 976 do CPC/2015 (LGL\2015\1656). Isso porque se trata de uma situação jurídica coletiva em que se discute questão unicamente jurídica dentro da perspectiva de um direito que possui uma origem comum, ou seja, estão presentes ambos objetos tuteláveis (questão repetitiva de direito e direitos individuais homogêneos).
Quando existir essa possibilidade de tutela dúplice, deverá se dar preferência às ações coletivas em detrimento do incidente de resolução de demandas repetitivas, uma vez que o procedimento jurisdicional das ações coletivas possui uma cognição mais ampla do que o procedimento do IRDR, o qual está limitado às discussões envolvendo somente a questão controvertida. Assim, por meio das ações coletivas, garante-se uma tutela mais efetiva dos direitos, já que, por exemplo, além da declaração acerca da abusividade da cláusula do referido contrato de adesão, seria possível ainda imaginar uma condenação do réu a ressarcir os danos causados a cada um dos lesados (arts. 95 a 100 do CDC (LGL\1990\40)).
Além disso, como já foi destacado anteriormente, ao atribuir legitimidade a entes mais bem preparados e acostumados a atuação em litígios estratégicos, como o MP e a Defensoria Pública, a ação coletiva garante que os interesses do grupo sejam protegidos de forma mais segura e efetiva do que no IRDR, o qual confere legitimidade a qualquer uma das partes (art. 977, II, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)), sem posterior controle judicial de sua atuação como representantes adequados na causa-piloto.
Finalmente, o próprio legislador buscou demonstrar que se deve dar preferência às demandas coletivas. No artigo 139, X, do CPC/2015 (LGL\2015\1656), estabeleceu-se que o juiz tem o dever de oficiar os colegitimados coletivos quando se deparar com demandas individuais repetitivas. Sendo que, uma vez notificados, os legitimados avaliarão se será ou não pertinente ajuizar uma ação coletiva. Não se fala em nenhum momento da instauração primordial de um IRDR, o que leva a crer existir no próprio CPC/15 (LGL\2015\1656) uma prevalência das ações coletivas56.
Exatamente por todos esses fatores, os autores Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr.57 propõem que a “existência de ação coletiva, pendente no Estado ou na Região, enquanto não estiver no Tribunal, seria fato impeditivo da instauração do incidente”; e, além disso, para garantir que o Poder Judiciário não continue sobrecarregado pelo trâmite das ações individuais, “a pendência da ação coletiva deveria levar à suspensão, até mesmo de ofício, dos processos individuais”, assim como já decidiu o STJ em duas ocasiões (REsp Repetitivo 1.110.549/RS e REsp Repetitivo 1.353.801/RS58). Caso mesmo assim o autor da ação individual queira participar da demanda coletiva em trâmite, poderá fazer requerimento junto ao juízo para que ingresse na qualidade de amicus curiae59 (art. 138 do CPC/2015 (LGL\2015\1656)), que, por não ser parte do processo, não fica adstrito à coisa julgada formada como aconteceria na intervenção individual prevista no art. 94 do CDC (LGL\1990\40). Entretanto, caberá ao juiz controlar a participação dos interessados com o fim de evitar prejuízo ao regular trâmite da demanda coletiva. Dessa forma, garante-se por meio da ação coletiva em defesa dos DIH uma tutela mais adequada à situação jurídica coletiva e também se evita, com a suspensão, a proliferação e tramitação de ações individuais no primeiro grau de jurisdição.

7 Notas conclusivas
Diante de todo o exposto, constatou-se que o incidente de resolução de demandas repetitivas não irá extinguir a tutela jurisdicional por meio das ações coletivas em defesa dos direitos individuais homogêneos. Assim, para que ambos dos institutos possam coexistir de forma harmônica no direito brasileiro, propõe-se, com base em tudo que foi dito ao longo do texto, uma série de diretrizes interpretativas e operacionais:
Os mecanismos possuem escopos e objetos diferentes: as ações coletivas tutelam direitos subjetivos (direitos individuais homogêneos) e o incidente de resolução de demandas repetitivas discute questões repetitivas de direito (processual ou material);
As ações coletivas em defesa dos DIH deverão ser utilizadas de forma exclusiva ou preferencial: (i) nas situações jurídicas em que os danos causados ao grupo são de pequena monta; (ii) nos casos procedentes de um único ato lesivo; (iii) nas controvérsias que envolvam a tutela de indivíduos necessitados; (iv) e nas situações em que a tutela coletiva seja mais adequada para a comprovação dos danos individualmente sofridos;
O IRDR deverá ser utilizado de forma exclusiva ou preferencial: (i) nas questões de direito que não podem ser objeto de tutela coletiva; (ii) nas situações jurídicas em que exista predominância dos aspectos individuais sobre os comuns; (iii) e nas situações em que a questão repetitiva de direito é extraída de demandas heterogêneas quanto ao mérito;
Quando só for possível utilizar o IRDR, deverá se dar preferência, caso exista, pela escolha de uma ação coletiva como causa-piloto;
Quando existir a possibilidade de tutela por meio dos dois mecanismos processuais, deverá se dar preferência às ações coletivas em defesa dos DIH;
Nas situações de tutela dúplice, a tramitação da ação coletiva é fato impeditivo para a instauração do IRDR, devendo ainda ser determinada a suspensão das ações individuais até a resolução da demanda coletiva; caso o autor da ação suspensa queira participar do processo coletivo poderá fazer requerimento ao juiz para que ingresse na qualidade de amicus curiae.

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1 
LACERDA, Galeno. Processo e cultura. Revista de Direito Processual Civil, v. 3, jan.-jun. 1961. p. 74-75.
2 
Assim destaca Hermes Zaneti Jr.: “O processo civil brasileiro tem a ação individual como centro e base de todo o sistema, esse, alias, é o modelo universal nos países de civil law; somente ao titular individual do direito é permitido ‘pleitear’ seu cumprimento por via da ação (art.  do CPC (LGL\2015\1656)). Tal situação denuncia o viés privatista do sistema processual” (ZANETI JR., Hermes. O “novo” mandado de segurança coletivo. Salvador: JusPodivm, 2013. p. 53). No mesmo sentido: CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: SAFe, 2002. p. 9; VENTURI, Elton. Processo coletivo: a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p. 28.
3 
OLIVEIRA JR., Waldemar Mariz de. A tutela jurisdicional dos interesses coletivos [1978]. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (Coord.). A tutela dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 1984. p. 12.
4 
Considerada por Egon Bockmann Moreira (et al.) como aquelas “[c]omunidades que possuam instituições – públicas e privadas – de larga escala, impessoais e despersonalizadas. Estas entidades se relacionam por meio do exercício do poder econômico – muitas vezes estampado em vínculos jurídicos, diga-se de passagem – não com um ou dois sujeitos previamente identificados, mas sim, simultaneamente, com centenas ou milhares de anônimos (na maioria das vezes só identificáveis a posteriori). De igual modo, o exercício do poder econômico pode ocorrer em perspectivas coletivas ou difusas, as quais afetarão um sem-número de pessoas, presentes e futuras, numa geometria imprecisa” (MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina; ARENHART, Sérgio Cruz; FERRARO, Marcella Pereira. Comentários à Lei da ação civil pública: revisitada, artigo por artigo, à luz do novo CPC (LGL\2015\1656) e temais atuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 40).
5 
Sobre os litígios repetitivos, destaca Antônio Adonias Bastos que: “Cuida-se de demandas-tipo, decorrentes de uma relação-modelo, que ensejam soluções-padrão. Os processos que versam sobre os conflitos massificados lidam com conflitos cujos elementos objetivos (causa de pedir e pedido) se assemelham, mas não chegam a se identificar. Cuida-se de questões afins, cujos liames jurídicos materiais concretos são similares, entre si, embora não consistam num só e mesmo vínculo” (BASTOS, Antônio Adonias Aguiar. Situações jurídicas homogêneas: um conceito necessário para o processamento das demandas de massa. Revista de Processo, v. 186, ago. 2010, versão digital. p. 5).
6 
O autor Guilherme Rizzo Amaral faz uma análise completa do cenário que favoreceu a massificação das relações jurídicas e, consequentemente, o aumento vertiginoso no número de processos. Vale cf. AMARAL, Guilherme Rizzo. Efetividade, segurança, massificação e a proposta de um "incidente de resolução de demandas repetitivas". Revista de Processo, v. 196, jun. 2011. p. 246-252.
7 
Em que pese a doutrina apontar que há muito tempo já existia mecanismos para tutelar os chamados direitos de grupo, como a actio popularis romana (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 55-62) e as ações de grupo medievais (YEAZELL, Stephen C.From medieval group litigations to the modern class action. New Haven and London: Yale University Press, 1987. p. 8-38), a percepção da insuficiência do procedimento jurisdicional clássico em tutelar os direitos coletivos é recente. Destaque-se, nesse sentido, o texto de Mauro Cappelletti como um dos primeiros trabalhos a respeito da necessidade de adequação da cláusula do devido processo legal a essa nova realidade. Surgia, nas palavras do autor, o devido processo social (CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. Trad. Nelson Renato Palaia Ribeiro dos Santos. Revista de Processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 5, 1977. p. 128-159).
8 
CAVALCANTI, Marco de Araújo. Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 115.
9 
Alguns trabalhos clássicos destacaram-se pela importância que possuíram na formação e consolidação do modelo brasileiro de processo coletivo, são eles: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A ação popular do direito brasileiro como instrumento de tutela jurisdicional dos chamados “interesses difusos”. Temas de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 1977; OLIVEIRA JR., Waldemar Mariz de. A tutela jurisdicional dos interesses coletivos, cit.; GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela jurisdicional dos interesses difusos. Revista de Processo, v. 14, abr. 1979.
10 
Assim aponta Heitor Vitor Sica sobre as ações coletivas para a tutela de direitos individuais homogêneos: “Imaginava-se que se trataria de um instrumento apto a neutralizar a litigiosidade repetitiva, promovendo isonomia no tratamento dos sujeitos individualmente afetados por condutas lesivas de projeção coletiva e diminuição da sobrecarga do Poder Judiciário com processos individuais oriundos do mesmo conflito de massa” (SICA, Heitor Vitor Mendonça. Brevíssimas reflexões sobre a evolução do tratamento da litigiosidade repetitiva no ordenamento brasileiro, do CPC/1973 (LGL\1973\5) ao CPC/2015 (LGL\2015\1656)Revista de Processo, v. 257, jul. 2016, versão digital. p. 2).
11 
Tentou-se esvaziar e enfraquecer a tutela coletiva por meio de alterações legislativas feitas tanto pelo Poder Executivo – por meio das MPs – como pelo Poder Legislativo. Sobre o tema, cf.: GRINOVER, Ada Pellegrini. A ação civil pública refém do autoritarismo. Revista de Processo, v. 96, out.-dez. 1999. p. 28-36; BUENO, Cássio Scarpinella. O poder público em juízo. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 111-158.
12 
Sobre o tema: ZANETI JR.; Hermes; PEREIRA, Carlos Frederico Bastos; ALVES, Gustavo Silva. A ratio decidendi do precedente STF/RE 573.232/SC: substituição processual v. representação processual. Desnecessidade de autorização assemblear nas ações coletivas em defesa ao consumidor. Revista de Direito do Consumidor, v. 108. São Paulo: Revista dos Tribunais, nov.-dez. 2016. p. 161-187.
13 
Conferir amplamente: ALVES, Gustavo Silva. Os limites subjetivos da coisa julgada coletiva, as impropriedades do art. 16 da Lei 7.347/85 e a possibilidade de uma futura mudança na jurisprudência do STJ à luz da técnica do julgamento-alerta. In: Processos Coletivos, v. 7, n. 2, abr./jun. 2016.
14 
TEMER, Sofia. Incidente de resolução de demandas repetitivas. 2. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 35-36; CAVALCANTI, Marco de Araújo. Op. cit., p. 115-116. ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela coletiva de interesses individuais: para além da proteção dos interesses individuais homogêneos. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 47-86; ROQUE, André Vasconcelos. Ações coletivas e procedimentos para resolução de casos repetitivos: Qual o espaço destinado a cada um? Procedimentos de resolução de casos repetitivos. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Coord.). Julgamento de casos repetitivos (Grandes Temas do NCPC). Salvador: JusPodivm, 2016, v. 10. p. 21-27.
15 
CAVALCANTI, Marco de Araújo. Op. cit., p. 140-144.
16 
É certo que algumas delas obtiveram algum êxito, como são os exemplos do recurso extraordinário com repercussão geral e do recurso especial repetitivo, conferir quanto às estatísticas: RODRIGUES, Marcelo Abelha. Técnicas de repercussão coletiva x técnicas coletivas de repercussão individual. Por que estão extinguindo a ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos? In: ZANETI JR., Hermes (Coord.). Processo coletivo (repercussões do novo CPC (LGL\2015\1656)). Salvador: JusPodivm, 2016. p. 626-628.
17 
Os relatórios do programa “Justiça em Números” estão disponíveis em: [www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pj-justica-em-numeros]. Acesso em: 06.03.2017.
18 
Além do IRDR destacam-se também os recursos extraordinário e especial repetitivos (arts. 1.036 a 1.041 do CPC/2015 (LGL\2015\1656)) que em conjunto com o IRDR formam o modelo de julgamento de casos repetitivos (art. 928 do CPC/2015 (LGL\2015\1656)) (ZANETI JR., Hermes. Comentários aos arts. 926 a 946 do CPC (LGL\2015\1656). In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 1334-1335).
19 
TEMER, Sofia. Op. cit., p. 39-40. Ainda antes de se cogitar a inserção do IRDR no direito brasileiro Antônio Adonias Bastos já destacava essas vantagens na racionalização do processamento e julgamento dos casos repetitivos: BASTOS, Antônio Adonias Aguiar. Op.cit., versão digital. p. 4-5.
20 
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Suspensão de segurança: sustação da eficácia da decisão judicial proferida contra o poder público. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 39.
21 
Parte da doutrina tem afirmado que o CPC/2015 (LGL\2015\1656) adotou, quanto ao IRDR, o procedimento de “causa-piloto”. Em que pese a discutível constitucionalidade do parágrafo único do art. 978 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), afirmam que o legislador foi claro ao estabelecer que além da fixação da tese jurídica também haverá o julgamento da(s) demanda(s) que originaram o procedimento. Nesse sentido: CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015. p. 481.
22 
Outra parcela da doutrina tem defendido que o sistema adotado é o de “procedimento-modelo”. Destaca-se o pensamento de André Roque como um resumo das justificativas apresentadas pelos mais diversos autores: “Avaliando a disciplina do IRDR no CPC/2015 (LGL\2015\1656), e após uma reflexão mais detida sobre os argumentos expostos em doutrina – ultrapassada, portanto, a perplexidade inicial que enfrentou o autor do presente estudo –, parece mais adequado tratá-lo como ‘causa-modelo’. Afirma-se isto não por conta da possibilidade de prosseguimento do incidente mesmo após a desistência ou abandono da causa a partir da qual foi instaurado (art. 976, § 1ºCPC/2015 (LGL\2015\1656)), pois regra semelhante vigora para os recursos especial e extraordinário repetitivos (art. 998, parágrafo único, do CPC/2015 (LGL\2015\1656). No entanto, não se pode ignorar que: (i) o IRDR resolve apenas questões de direito (art. 976, ICPC/2015 (LGL\2015\1656)); (ii) o recurso interposto contra o julgamento do IRDR tem repercussão geral presumida e efeito suspensivo sem qualquer ressalva (art. 987, § 1º, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)), o que só parece fazer sentido se este se limitar à definição da tese jurídica geral; (iii) a matéria suscetível de tratamento no IRDR pode consistir em simples questão incidental nos processos repetitivos – como por exemplo, se o prazo previsto no art. 523, caput do CPC/2015 (LGL\2015\1656) (para pagamento espontâneo da condenação) deve ser contado em dias úteis ou corridos; e (iv) a legitimidade da Defensoria e do Ministério Público para requerer a instauração do incidente (art.977, III do CPC/2015 (LGL\2015\1656)) parece reforçar que se trata de um sistema de ‘causa-modelo’, pois tais entes não necessariamente serão partes das causas que originarem o IRDR” (ROQUE, André Vasconcelos. Op. cit., p. 29). Também defendendo o IRDR como “procedimento-modelo”: TEMER, Sofia. Op. cit., p. 68-80; MENDES, Aluísio Gonçalves de Castro; TEMER, Sofia. O incidente de resolução de demandas repetitivas do novo Código de Processo Civil. In: ZANETI JR., Hermes (Coord.). Processo coletivo (repercussões do novo CPC (LGL\2015\1656)). Salvador: JusPodivm, 2016. p. 586-590.
23 
Tendo em vista o atual cenário da justiça brasileira, é importantíssimo para o bom funcionamento do mecanismo de causas-piloto que os juízes de primeiro grau, que irão aplicar a tese jurídica aos processos pendentes, saibam diferenciar e separar esta do julgamento do caso concreto (recurso, ação originária ou remessa necessária). Por mais que possa parece tentador, não é permitido ao juiz aplicar indistintamente a tese e as soluções jurídicas firmadas no julgamento da causa-piloto. Ele está vinculado e adstrito somente à tese estabelecida em relação à questão repetitiva de direito, objeto do IRDR, devendo julgar as demais questões dos processos pendentes a partir das peculiaridades do caso concreto. Em que pese defender o procedimento-modelo como paradigma mais adequado, Antônio do Passo Cabral demonstra a mesma preocupação em relação à necessária separação entre a tese jurídica e as demais soluções jurídicas firmadas no julgamento da causa-piloto, cf., CABRAL, Antônio do Passo. Standard-solution procedures and mass litigation. International Journal of Procedural Law, v. 6, n. 2. Cambridge: Intersentia, 2016. p. 271.
24 
Por esse motivo é crucial que seja(m) escolhida(s) causa(s) que represente(m) bem a controvérsia e possua(m) o mais amplo conteúdo argumentativo em relação à questão de direito. Segundo Antônio do Passo Cabral devem ser adotados critérios quantitativos (“escolha de no mínimo duas demandas”) e qualitativos (“abrangência na argumentação em relação à questão; amplitude do contraditório; pluralidade de partes; representatividade do sujeito do processo originário perante o grupo; inexistência de restrição à cognição”) para que sejam escolhidas as demandas mais adequadas e representativas em relação à questão de direito. Sobre o tema: CABRAL, Antônio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Coord.). Julgamento de casos repetitivos (Grandes Temas do NCPC). Salvador: JusPodivm, 2016, v. 10. p. 37-64.
25 
No mesmo sentido: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, v. 3. p. 593-597.
26 
Vale destacar ainda que, o modelo de causa-piloto demonstra-se mais adequado, pois os julgadores terão, além dos argumentos jurídicos, um substrato fático para que melhor fixem a tese. Caso contrário, a tese jurídica seria formada abstratamente, sem nenhuma atenção aos fatos que deram origem à questão repetitiva de direito. Se assim fosse, tornar-se-ia impossível a formação de um precedente a partir da decisão que fixa a tese jurídica (art. 985, II, e art. 927, III, do CPC/2015 (LGL\2015\1656)). Isso porque, do ponto de vista material “a ratio decidendi de um precedente deve ser compreendida como a soma da unidade fático-jurídica e do resultado jurídico da aplicação do direito às determinadas circunstâncias fáticas”, ou seja, na formação do precedente, não só o direito, mas também os fatos são levados em consideração (ZANETI JR., Hermes. Comentários aos arts. 926 a 946 do CPC (LGL\2015\1656). In: CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 1323).
27 
“Embora seja inegável que há uma dimensão coletiva no incidente, que decorre da repetição das mesmas questões em diversos casos (o que fundamenta o uso do instituto) e que se observa na abrangência do âmbito de aplicação da tese fixada, há elementos importantes que demonstram que este não é um meio processual propriamente coletivo, ou seja, não é uma técnica processual coletiva, e por isso, se distancia das ações coletivas para defesa de direitos individuais homogêneos” (TEMER, Sofia. Op. cit., p. 92-93).
28 
Segue-se aqui a teorização adotada por Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., os quais afirmam que, a partir da entrada em vigor do CPC/2015 (LGL\2015\1656), existem duas técnicas processuais coletivas no ordenamento jurídico brasileiro: (i) o modelo de casos repetitivos (IRDR e REER) e as ações coletivas, cf. amplamente, DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Ações coletivas e o incidente de julgamento de casos repetitivos – espécies de processo coletivo no Direito brasileiro. In: DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da (Coord.). Julgamento de casos repetitivos (Grandes temas do NCPC). Salvador: Juspodivm, 2016, v. 10. p. 185-191.
29 
DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de direito processual civil. Processo coletivo. 11. ed. Salvador: Juspodivm, 2017. v. 4. p. 31-32.
30 
DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Ações coletivas e o incidente de julgamento de casos repetitivos – espécies de processo coletivo no Direito brasileiro, cit., p. 186.
31 
No direito americano não existe classificação dos direitos que podem ser tutelados pelas class actions. Basta que, além dos demais requisitos previstos em lei, “existam questões de fato ou de direito comuns aos membros do grupo (common questions), colocando todos em uma situação semelhante (similarly situated)” (GIDI, Antonio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 79).
32 
Como aponta e exemplifica Kazuo Watanabe: “A origem comum pode ser de fato ou de direito, e a expressão não significa, necessariamente, uma unidade factual e temporal. As vítimas de uma publicidade enganosa veiculada por vários órgãos de imprensa e em repetidos dias de um produto nocivo à saúde adquirido por vários consumidores num largo espaço de tempo e em várias regiões têm, como causa de seus danos, fatos de uma homogeneidade tal que os tornam a ‘origem comum’ de todos eles” (WATANABE, Kazuo. Art. 81 do CDC (LGL\1990\40). In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo; NERY JR., Nelson. Código brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Processo coletivo. 10. ed. rev., atual. e reform. Rio de Janeiro: Forense, 2011, v. II. p. 76).
33 
Essa é exatamente a hipótese de cabimento da chamada class action for damages do direito americano (Rule 23 (b) (3). “the court finds that the questions of law or fact common to class members predominate over any questions affecting only individual members, and that a class action is superior to other available methods for fairly and efficiently adjudicating the controversy”). Como se sabe, o mecanismo previsto no direito americano (class action for damages) influenciou diretamente o legislador brasileiro na criação da ação coletiva em defesa dos direitos individuais homogêneos. Essa influência permite, portanto, a utilização complementar do requisito supracitado para garantir maior eficiência e efetividade à tutela coletiva brasileira. Sobre o tema, cf. amplamente: GRINOVER, Ada Pellegrini. Da class action for damages à ação de classe brasileira: os requisitos de admissibilidade [2001]. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antonio Herman; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; VIGORITI, Vincenzo (Org.). Processo coletivo: do surgimento à atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 171-185.
34 
TEMER, Sofia. op. cit., p. 63.
35 
MARINONI, Luiz Guilherme. Incidente de resolução de demandas repetitivas: decisão de questão idêntica x precedente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 60-61.
36 
MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 51; CAVALCANTI, Marco de Araújo. Op. cit., p. 202; TEMER, Sofia. Op. cit., p. 60-61.
37 
Isso porque quando a ação é julgada improcedente por insuficiência probatória é possível que qualquer um dos colegitimados ajuíze uma nova ação com base em prova nova, capaz, em tese, de alterar o resultado da demanda anterior (art. 103, I e II, do CDC (LGL\1990\40); art. 16 da Lei 7.347/85). Ocorre que não há no inciso III do art. 103 do CDC (LGL\1990\40), o qual trata das ações coletivas em defesa dos DIH, expressa previsão quanto à aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis. Dessa forma, em que pese o entendimento da doutrina majoritária ser pela interpretação literal do artigo, acredita-se ser mais adequada à aplicação da mesma regra prevista nos incisos I e II (coisa julgada secundum eventum probationis). É possível, portanto, a revisão por prova nova, nos casos em que a ação tenha sido julgada improcedente por insuficiência de provas. Isso porque as demandas decorrentes de direitos individuais homogêneos devem ser consideradas como verdadeiras ações coletivas e não como uma demanda individual tutelada coletivamente. Nesse sentido: ALVES, Gustavo Silva; PRETTI, Cássio. A coisa julgada secundum eventum probationis e a possibilidade de revisão das decisões por prova nova: conceito de prova nova para o processo coletivo. Processos Coletivos, v. 6, n. 3, out.-dez., 2015.
38 
Adota-se nesse trabalho a posição de Antonio Gidi que sobre o tema assevera: “Rigorosamente, a coisa julgada nas ações coletivas do direito brasileiro não é secundum eventum litis. Seria assim, se ela se formasse nos casos de procedência do pedido, e não nos de improcedência. Mas não é exatamente isso o que acontece. A coisa julgada sempre se formará, independentemente de o resultado da demanda ser pela procedência ou pela improcedência. A coisa julgada nas ações coletivas se forma pro et contra. (...) O que diferirá com o ‘evento da lide’ não é a formação ou não da coisa julgada mas o rol de pessoas por ela atingidas. Enfim, o que ésecundum eventum litis não é a formação da coisa julgada, mas a sua extensão ‘erga omnes’ ou ‘ultra partes’ à esfera jurídica individual de terceiros prejudicados pela conduta considerada ilícita na ação coletiva” (GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 73-74).
39 
A opção brasileira pela extensão subjetiva secundum eventum litis da coisa julgada coletiva aos membros do grupo vem sendo criticada por alguns autores, sobre o tema vale conferir amplamente: MESQUITA, José Ignácio Botelho. Na ação do consumidor, pode ser inútil a defesa do fornecedor. Revista do Advogado/AASP, n. 33, dez. 1990. p. 80-82; GIDI, Antônio. Rumo a um Código de Processo Civil coletivo: a codificação das ações coletivas. Rio de Janeiro: GZ, 2008. p. 290-292; ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 361-380.
40 
TEMER, Sofia. Op. cit., p. 236-241.
41 
Fala-se em requisito material, pois não basta que o pronunciamento judicial esteja no rol do art. 927CPC/2015 (LGL\2015\1656) para que seja considerado como precedente judicial. Além disso, é necessário que sejam preenchidos requisitos materiais decorrentes de uma adequada teoria dos precedentes, são eles: i) a necessidade de detectar a presença de interpretação operativa por parte do órgão julgador, pois a decisão que apenas reflete a interpretação de uma determinada norma legal sem reconstruí-la não deve ser considerada como precedente; ii) a identificação dos fundamentos determinantes (ratio decidendi) nas decisões judiciais, pois é exatamente a soma da unidade fático-jurídica e da resolução jurídica contida na ratio que possibilitará a identificação (ou não) de fundamentos determinantes entre o caso-precedente e o caso-atual. Sobre o tema, cf. amplamente, ZANETI JR., Hermes. O valor vinculante dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes [2015]. 2. ed. rev. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 148-153 e p. 303-310.
42 
Obviamente, naquelas situações em que a questão repetitiva discutida no IRDR não esteja presente na ação individual, o autor, ao ser intimado da decisão de suspensão, poderá requerer ao magistrado o prosseguimento do feito, com base na latente distinção. Para isso, utiliza-se analogicamente a previsão legal do art. 1.037, § 8º e , do CPC/2015 (LGL\2015\1656), referente aos recursos extraordinários especiais repetitivos (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. cit., p. 600-601).
43 
Essa vinculação obrigatória à tese jurídica, seja ela favorável ou desfavorável aos membros do grupo, vem levantando críticas por parte da doutrina. O autor Luiz Guilherme Marinoni afirma que a decisão do IRDR forma coisa julgada sobre a questão repetitiva, pois fica impossibilitada a rediscussão da questão em relação aos litigantes das demandas repetitivas, possuindo assim certa relação com o instituto americano do non-mutual collateral estoppel. Acontece que, diferentemente do non-mutual collateral estoppel que só pode ser aplicado nos casos em que for garantida ao terceiro “full and fair opportunity to be heard”, o procedimento do IRDR não possibilita aos litigantes o exercício efetivo do contraditório caso a tese jurídica lhes seja desfavorável. Tal fato tornaria ilegítima a previsão brasileira, pois atentaria diretamente o direito fundamental de ação – entendido como direito de influenciar o convencimento do juiz – e o contraditório (MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., p. 17-46). No mesmo sentido, Georges Abboud e Marcos de Araújo Cavalcanti afirmam que a vinculação pro et contra à tese jurídica viola os princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório (ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Inconstitucionalidades do incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR) e os riscos ao sistema decisório. Revista de Processo, v. 240, fev.2015, versão digital. p. 4-5). Buscando corrigir a inconstitucionalidade da disposição legal, os autores apontam que o legislador brasileiro deveria adotar, assim como ocorre nas ações coletivas, um sistema de controle da representação para que os litigantes ausentes (absent parties) tenham seus interesses adequadamente representados pelas partes da causa-piloto (MARINONI, Luiz Guilherme. Op. cit., 47-50; ABBOUD, Georges; CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Op. cit., versão digital. p. 5).
44 
Em sentido similar Antônio do Passo Cabral aponta que “não se quer dizer que as ações coletivas fracassaram ou devem ser abolidas. O IRDR não é um substituto das ações coletivas, ambos os mecanismos são complementares” (CABRAL, Antônio do Passo. Comentários aos arts. 976 a 987 do CPC (LGL\2015\1656), cit., p. 1416).
45 
BOKOWITZ, Michael. The German Experience with Group Actions – The Verbandsklage and the Capital Markets Model Case Act (KaPMuG). In: HARSÁGI, Viktória; RHEE, C.H. van. Multi-Party Redress Mechanisms in Europe: Squeaking Mice?. Cambridge: Intersentia, 2014, p. 153-169.
46 
ANDREWS, Neil. Multi-party litigation in England. In: HARSÁGI, Viktória; RHEE, C.H. van. Multi-party redress mechanisms in Europe: squeaking mice? Cambridge: Intersentia, 2014, p. 111-125. Na Inglaterra existe inclusive uma normativa que estabelece regra de coexistência entre os dois mecanismos de tutela coletiva, prevista na Part 19B 2.3 of Procedure Rules (“In considering whether to apply for a GLO, the applicant should consider whether any other order would be more appropriate. In particular he should consider whether, in the circumstances of the case, it would be more appropriate for – (1) the claims to be consolidated; or (2) the rules in Section II of Part 19 (representative parties) to be used”). Assim, devem-se analisar as circunstâncias do caso concreto para saber se é mais apropriado ajuizar uma ação coletiva (representative proceeding) ou ingressar com um procedimento de resolução de causas repetitivas (group litigation order).
47 
No mesmo sentido, em trabalho que analisa para aonde caminha e como deve se desenvolver o modelo europeu de tutela coletiva, o autor belga Stefaan Voet chega à mesma conclusão defendida no presente texto. O ideal não é escolher entre esse ou aquele mecanismo de tutela coletiva, mas desenvolver uma integração e coordenação entre todos os meios disponíveis, para que sempre seja garantida uma tutela adequada dos direitos: “The bottom line is to connect the different dots. To put it simply, the approach should be ‘and …and’ and not ‘or …or’. It is not choosing between white or brown bread, it is looking at how it is baked. The ultimate goal should be an integrated and holistic framework, or, as was mentioned above, a ‘multilayered framework of regulation, lawmaking and law application” (…) “The focus should be on exploring and optimizing all options for mass harm situations. Even more important, is to connect these options so they can form an integrated (dispute resolution) framework. Only a broad and integrated instrumentarium, as a ‘dispute resolution continuum’, which can avoid empty enforcement gaps, can tackle mass harm situations effectively and efficiently” (VOET, Stefaan. ‘Where the wild things are’ reflections on state and future of European collective redress, p. 56. Disponível em: [www.academia.edu/31281664/WHERE_THE_WILD_THINGS_ARE_REFLECTIONS_ON_THE_STATE_AND_FUTURE_OF_EUROPEAN_COLLECTIVE_REDRESS]. Acesso em: 03.03.2017).
48 
ROQUE, André Vasconcelos. Op. cit., p. 30.
49 
TEMER, Sofia. Op. cit., p. 38, nota 33.
50 
Dentro da perspectiva do modelo americano das class actions Antônio Gidi destaca que um dos objetivos primordiais das ações coletivas é possibilitar a proteção dos interesses dos hipossuficientes, os quais não têm condições (econômicas ou sociais) para buscar o amparo do Poder Judiciário. Sobre o tema, GIDI, Antônio. A class action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: as ações coletivas em uma perspectiva comparada. cit., p. 31-32.
51 
Em que pese a doutrina ser quase uníssona no que diz respeito à inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei 7.347/85 (inserido pela MP 2.180-35/2001), as Cortes Supremas Brasileiras (STF e STJ) ainda têm aplicado, em alguns casos, a restrição prevista no referido dispositivo (“Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados”), mesmo que por vezes relacionada à questão da legitimidade do ente coletivo. Vejam-se alguns exemplos: “O caso dos autos refere-se exatamente à limitação imposta pelo art. 1º, parágrafo único, da Lei 7.347/1985 no que se refere à legitimidade ministerial. É entendimento assente no STJ a ilegitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública com objetivo tipicamente tributário, visando impedir a cobrança de tributos, tendo em vista que o contribuinte não se confunde com o consumidor, cuja defesa está autorizada em lei, além de que funcionaria a referida ação como autêntica ação direta de inconstitucionalidade.” (STJ, AgRg no AREsp 289.788/MG, 2ª T., rel. Min. Humberto Martins, j. 07.11.2013, DJe 16.12.2013); “I – O Ministério Público não tem legitimidade para aforar ação civil pública para o fim de impugnar a cobrança de tributos ou para pleitear a sua restituição. É que, tratando-se de tributos, não há, entre o sujeito ativo (poder público) e o sujeito passivo (contribuinte) relação de consumo, nem seria possível identificar o direito do contribuinte com ‘interesses sociais e individuais indisponíveis’. (CF (LGL\1988\3), art. 127). II. – Precedentes do STF: RE 195.056-PR, Ministro Carlos Velloso, Plenário, 09.12.99; RE 213.631-MG, Ministro Ilmar Galvão, Plenário, 09.12.99, RTJ 173/288” (RE 248.191-AgR/SP, 2ª T., rel. Min. Carlos Velloso, j. 01.10.2002, DJ 25.10.2002). Em suma, a jurisprudência do STF “se encontra firmada no sentido de que o Ministério Público não ostenta legitimidade para a propositura de ação civil pública contra a Fazenda Pública em defesa de interesses individuais homogêneos de contribuintes.” (RE 604.481-AgR, 1ª T., rel. Min. Rosa Weber, j. 16.10.2012, DJe 08.11.2012).
52 
A predominância das questões comuns sobre as questões específicas de cada sujeito é um dos requisitos de identificação de um direito como individual homogêneo, dessa forma, caso não seja preenchido, torna-se impraticável a tutela por via coletiva. Esse requisito pretende preservar e garantir eficácia às ações coletivas, as quais devem ser utilizadas somente quando efetivamente houver prevalência das questões comuns.
53 
Quando se fala em litigação estratégica deve-se ter em mente uma espécie de atuação judicial que busca provocar transformações sociais por meio de casos emblemáticos levados ao Poder Judiciário. Nesse aspecto, a Defensoria Pública, instituição responsável pela representação dos “necessitados de inclusão discursiva”, tem importantíssimo papel na defesa dos direitos coletivos dos necessitados, conforme amplamente dispõe o art. 134 da CF/88 (LGL\1988\3), art. 5º, II, da Lei 7.385/85, art. 82, III, do CDC (LGL\1990\40), e agora também, os arts. 139, X185 e 554, § 1º, do CPC/2015 (LGL\2015\1656). Em que pese, por certo tempo, a doutrina e a jurisprudência se posicionarem contrariamente ao ajuizamento de ações coletivas pela Defensoria, não resta dúvidas que após o STF julgar improcedente, por unanimidade, a ADI 3943, está devidamente reconhecida a constitucionalidade dessa atribuição. É crucial que assim o seja, pois a atuação da Defensoria Pública, na tutela de segmentos sociais vulneráveis, poderá concretizar direitos fundamentais que vêm sendo desrespeitados ou ainda levar a efetivação de importantes políticas públicas favoráveis aos necessitados. Sobre o tema, vale cf., MAIA, Maurílio Casas. A legitimidade coletiva da Defensoria Pública para a tutela de segmentos sociais vulneráveis.Revista de Direito do Consumidor, v. 101, set.-out. 2015. p. 351-383; MAIA, Maurílio Casas. Defensoria Pública no novo Código de Processo Civil (NCPC): primeira análise. Revista de Processo, v. 265, mar. 2017, p. 301-341.
54 
Em texto dedicado ao processo de escolha da causa-piloto no IRDR, Antônio do Passo Cabral destaca que para garantir uma maior representatividade do grupo, deve-se dar preferência, via de regra, às ações coletivas em detrimento das demandas individuais: “Ademais, temos que há evidente presença de um interesse público no julgamento dos incidentes de processos repetitivos, já reconhecida pelo STJ na apreciação do art. 543-C do CPC/73 (LGL\1973\5) um interesse público comum, em certa medida, às ações coletivas, e que indica que a seleção destas como sendo processo-piloto parece conduzir a uma maior participação, ainda que indireta, no procedimento das causas repetitivas” (CABRAL, Antônio do Passo. A escolha da causa-piloto nos incidentes de resolução de processos repetitivos, cit., p. 60). Nessa linha de pensamento, em relação aos recursos especiais e extraordinários repetitivos, o Enunciado 615 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis aponta que: “Na escolha dos casos paradigmas, devem ser preferidas, como representativas da controvérsia, demandas coletivas às individuais, observados os requisitos do art. 1.036, especialmente do respectivo § 6º”.
55 
Outrossim, fala-se em preferência pela escolha de uma demanda coletiva, pois imagina-se a situação na qual é escolhida como causa-piloto, uma ação individual em detrimento da ação coletiva. Nesses casos, a ação individual dificilmente possuirá a mesma qualidade e diversidade de argumentos presentes em uma ação coletiva. Dessa forma, ter-se-á uma situação estranha e contrária ao modelo de tutela coletiva, pois uma vez formada tese jurídica decorrente de um processo individual, esta poderá ser aplicada de forma desfavorável em uma ação coletiva. Assim, aconteceria uma vinculação do processo coletivo à tese jurídica formada a partir de um procedimento individual – com menor completude argumentativa – e a possível formação de um precedente, o qual iria influenciar negativamente à tutela dos direitos, também em ações coletivas posteriores. Além disso, a legislação processual coletiva não possibilita ao indivíduo, em uma demanda individual, atuar como representante da sociedade, logo, permitir a aplicação da tese jurídica ou do precedente judicial – formados a partir de um processo individual – nas demandas coletivas seria uma afronta também ao processo justo coletivo e ao regime da legitimação extraordinária por substituição processual das ações coletivas.
56 
DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. cit., p. 189.
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DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Op. cit., p. 189.
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“Ajuizada ação coletiva atinente a macro-lide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva (STJ, 2ª Seção, REsp 1.110.549/RS, Min. rel. Sidnei Beneti, DJ 28.10.2009, DJe 14.12.2009); “Segundo precedentes deste Superior Tribunal, ‘ajuizada ação coletiva atinente a macrolide geradora de processos multitudinários, suspendem-se as ações individuais, no aguardo do julgamento da ação coletiva’. (v.g.:REsp 1.110.549/RS, rel. Min. Sidnei Beneti, 2ª Seção, j. 28.10.2009, DJe 14.12.2009). Este STJ também compreende que o posicionamento exarado no referido REsp 1.110.549/RS, ‘não nega vigência aos arts. 103 e 104 do CDC (LGL\1990\40); com os quais se harmoniza, atualizando-lhes a interpretação extraída da potencialidade desses dispositivos legais ante a diretriz legal resultante do disposto no art. 543-C do CPC (LGL\2015\1656), com a redação dada pela Lei dos Recursos Repetitivo’” (STJ, 1ª Seção, REsp 1.353.801/RS, rel. Min. Campbell Marques, DJe 23.08.2013). O autor Sérgio Cruz Arenhart mesmo antes da vigência do CPC/2015 (LGL\2015\1656) também defendia a suspensão das ações individuais pelo ajuizamento de ação coletiva em defesa dos DIH, com o objetivo de evitar o desperdício de recursos (econômicos e materiais) e garantir uma resposta tempestiva e efetiva às controvérsias levadas ao Poder Judiciário, vale cf., ARENHART, Sérgio Cruz. Op. cit., p. 276-280.
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A participação do membro do grupo como amicus curiae no processo coletivo vem sendo defendida tanto pela doutrina nacional como internacional, sobre o tema releva Jordão Violin que: “A atuação do amicus curiae, portanto, é uma importante técnica que acresce legitimidade à decisão e permite a participação do grupo sem tumultuar o procedimento. Adicionalmente, permite o aprofundamento da discussão e reforça argumentativamente a atuação do legitimado coletivo” (VIOLIN, Jordão. O contraditório no processo coletivo: amicus curiae e princípio da cooperação. In: ZANETI JR., Hermes (Coord.). Repercussões do Novo CPC: processo coletivo. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 278). No mesmo sentido: FISS, Owen. Um novo processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, Constituição e sociedade. Trad. por Daniel Porto Godinho da Silva e Melina de Medeiros Rós. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 58-62.