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11 de agosto de 2021

Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira.

 

Processo

REsp 1.935.102-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 29/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Redução das desigualdades
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Crédito constituído em favor de instituição financeira. Auxílio emergencial. Covid-19. Impenhorabilidade.

Destaque

Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira.

Informações do Inteiro Teor

As regras relativas às medidas executivas, notadamente com relação à interpretação das impenhorabilidades, devem ser interpretadas à luz da Constituição, seja porque se voltam à realização de direitos fundamentais, seja porque, na sua efetivação, podem atingir direitos fundamentais.

O auxílio emergencial concedido pelo Governo Federal (Lei n. 13.982/2020) destinado a garantir a subsistência do beneficiário no período da pandemia pela Covid-19 é verba impenhorável, tipificando-se no rol do art. 833, IV, do CPC/2015.

A regra geral da impenhorabilidade dos vencimentos, dos subsídios, dos soldos, dos salários, das remunerações, dos proventos de aposentadoria, das pensões, dos pecúlios e dos montepios, bem como das quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, dos ganhos de trabalhador autônomo e dos honorários de profissional liberal poderá ser excepcionada, nos termos do art. 833, IV, c/c o § 2°, do CPC/2015, quando se voltar: I) para o pagamento de prestação alimentícia, de qualquer origem, independentemente do valor da verba remuneratória recebida; e II) para o pagamento de qualquer outra dívida não alimentar, quando os valores recebidos pelo executado forem superiores a 50 salários mínimos mensais, ressalvadas eventuais particularidades do caso concreto. Em qualquer circunstância, deverá ser preservado percentual capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família.

As dívidas comuns não podem gozar do mesmo status diferenciado da dívida alimentar a permitir a penhora indiscriminada das verbas remuneratórias, sob pena de se afastarem os ditames e a própria ratio legis do Código de Processo Civil (art. 833, IV, c/c o § 2°), sem que tenha havido a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de sua inconstitucionalidade.

No caso, trata-se de execução de dívida não alimentar (cédula de crédito) proposta por instituição financeira cuja penhora, via Bacenjud, recaiu sobre verba salarial e de verba oriunda do auxílio emergencial concedido pelo Governo Federal em razão da COVID-19, tendo o Juízo determinado a restituição dos valores em razão de sua impenhorabilidade. Assim, tendo-se em conta que se trata de auxílio assistencial, que a dívida não é alimentar e que os valores são de pequena monta, seja com fundamento no art. 833, IV e X do CPC, seja pelo disposto no art. 2º, § 3º, da Lei n. 13.982/2020, a penhora realmente deve ser obstada.

A verba emergencial da covid-19 foi pensada e destinada a salvaguardar pessoas que, em razão da pandemia, presume-se estejam com restrições em sua subsistência, cerceadas de itens de primeira necessidade; por conseguinte, é intuitivo que a constrição judicial sobre qualquer percentual do benefício, salvo para pagamento de prestação alimentícia, acabará por vulnerar o mínimo existencial e a dignidade humana dos devedores.

7 de julho de 2021

A exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista para o crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, estende-se ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda daquele bem

 

Processo

REsp 1.935.842-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 22/06/2021, DJe 25/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Cidades e comunidades sustentáveis
  •  
  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Bem de família. Financiamento da construção ou aquisição. Exceção à impenhorabilidade. Art. 3º, II, da Lei n. 8.009/1990. Recursos oriundos da venda desse bem. Aquisição de novo imóvel. Penhorabilidade. Possibilidade.

Destaque

A exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista para o crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, estende-se ao imóvel adquirido com os recursos oriundos da venda daquele bem.

Informações do Inteiro Teor

Inicialmente, importa consignar que a impenhorabilidade do bem de família funda-se na consideração de que, em determinadas hipóteses, com o objetivo de tutelar direitos e garantias fundamentais, o legislador buscou prestigiar o interesse do devedor em detrimento dos interesses do credor.

No entanto, especificamente aos bens de família, o art. 3º da Lei n. 8.009/1990 estabelece uma série de exceções à impenhorabilidade.

Nesse contexto, o inciso II do art. 3º da Lei n. 8.009/1990, na linha do que preceitua o § 1º do art. 833 do CPC/2015, dispõe que a impenhorabilidade do bem de família não prevalece na hipótese de processo de execução movido "pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato".

Se o primitivo bem de família pode ser penhorado para a satisfação de dívida relativa ao próprio bem, o novo bem de família, adquirido com os recursos da alienação do primeiro, também estará sujeito à referida exceção.

Desse modo, não pode o devedor adquirir novo bem de família com os recursos provenientes da venda de bem de família anterior para, posteriormente, se furtar ao adimplemento da dívida contraída com a compra do primeiro, notadamente tendo em vista a máxima de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza.

Muito embora seja certo que a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso II do art. 3º da Lei n. 8.009/90 transmite-se ao novo bem de família adquirido, é imprescindível que se comprove que este, de fato, foi adquirido com os recursos da venda daquele.




9 de maio de 2021

INDENIZAÇÃO POR MORTE. DPVAT. SEGURO DE VIDA. IDENTIDADE. IMPENHORABILIDADE. CPC/1973, ART. 649, VI (CPC/2015, ART. 833, VI). INCIDÊNCIA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.412.247 - MG (2013/0351470-0) 

RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA 

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. INDENIZAÇÃO POR MORTE. DPVAT. SEGURO DE VIDA. IDENTIDADE. IMPENHORABILIDADE. CPC/1973, ART. 649, VI (CPC/2015, ART. 833, VI). INCIDÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 

1. "O Seguro DPVAT tem a finalidade de amparar as vítimas de acidentes causados por veículos automotores terrestres ou pela carga transportada, ostentando a natureza de seguro de danos pessoais, cujo escopo é eminentemente social, porquanto transfere para o segurador os efeitos econômicos do risco da responsabilidade civil do proprietário em reparar danos a vítimas de trânsito, independentemente da existência de culpa no sinistro" (REsp 876.102/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe 01/02/2012). 

2. Os valores pagos a título de indenização pelo "Seguro DPVAT" aos familiares da vítima fatal de acidente de trânsito gozam da proteção legal de impenhorabilidade ditada pelo art. 649, VI, do CPC/1973 (art. 833, VI, do CPC/2015), enquadrando-se na expressão "seguro de vida". 

3. Recurso especial a que se dá provimento. 

ACÓRDÃO 

A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão (Presidente), Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi. 

Brasília-DF, 23 de março de 2021 (Data do Julgamento)

CRÉDITOS VINCULADOS AO FIES. IMPENHORABILIDADE. PRECEDENTES DA TERCEIRA TURMA DO STJ. DISTINÇÃO. VALORES DECORRENTES DA RECOMPRA DE CFT-E. POSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 833, IX, DO CPC/2015. PENHORA DE PERCENTUAL DO FATURAMENTO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.761.543 - DF (2018/0214657-7) 

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE 

 RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CRÉDITOS VINCULADOS AO FIES. IMPENHORABILIDADE. PRECEDENTES DA TERCEIRA TURMA DO STJ. DISTINÇÃO. VALORES DECORRENTES DA RECOMPRA DE CFT-E. POSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO. NÃO APLICAÇÃO DO ART. 833, IX, DO CPC/2015. PENHORA DE PERCENTUAL DO FATURAMENTO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS SUPOSTAMENTE VIOLADOS. SÚMULA 284/STF. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO PARA, NESSA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO. 

1. Cinge-se a controvérsia em definir, além da necessidade de redução do percentual de constrição do faturamento, a possibilidade, ou não, de penhora de recursos oriundos de recompra do FIES, ante a sua aplicabilidade compulsória na área da educação. 

2. Conforme a legislação de regência, na medida em que há a prestação do serviço educacional, os títulos Certificados Financeiros do Tesouro - Série E (CFT-E), emitidos pelo Tesouro Nacional, são repassados às Instituições de Ensino Superior (IES) para pagamento exclusivo de contribuições sociais previdenciárias e, subsidiariamente, dos demais tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (art. 10, caput e § 3º, da Lei n. 10.260/2001). 

2.1. Após o pagamento dos referidos débitos previdenciários e tributários, o FIES recomprará os valores de titularidade das instituições de ensino que eventualmente sobrepujam as obrigações legalmente vinculadas, resgatando os títulos CFT-E junto às mantenedoras das IES, e entregará o valor financeiro equivalente ao resgate, atualizado pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). 

2.2. A Terceira Turma do STJ firmou a tese de que os recursos públicos recebidos por instituição de ensino superior privada são impenhoráveis, pois são verbas de aplicação compulsória em educação. Precedentes. 

2.3. Contudo, deve-se fazer uma distinção entre os valores impenhoráveis e aqueles penhoráveis. Os certificados emitidos pelo Tesouro Nacional (CFT-E), de fato, não são penhoráveis, haja vista a vinculação legal da sua aplicação. 

2.4. De outro lado, ao receber os valores decorrentes da recompra de CFT-E, as instituições de ensino incorporam essa verba definitivamente ao seu patrimônio, podendo aplicá-la da forma que melhor atenda aos seus interesses, não havendo nenhuma ingerência do poder público. Assim, havendo disponibilidade plena sobre tais valores, é possível a constrição de tais verbas para pagamento de obrigações decorrentes das relações privadas da instituição de ensino. 

3. Quanto à penhora de percentual do faturamento, ressalta-se que o recurso especial é reclamo de natureza vinculada e, para o seu cabimento, inclusive quando apontado o dissídio jurisprudencial, é imprescindível que se aponte, de forma clara, os dispositivos supostamente violados pela decisão recorrida, sob pena de inadmissão, ante a aplicação analógica da Súmula 284/STF. 

4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília, 23 de março de 2021 (data do julgamento). 

RELATÓRIO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Cuida-se, na origem, de agravo de instrumento interposto por Fortium - Editora e Treinamento Ltda. contra decisão que, nos autos da execução de título extrajudicial ajuizada por Sociedade Educacional Brasília S/C Ltda., indeferiu a reunião de diversos processos executivos envolvendo as mesmas partes e determinou a penhora diária de 5% de todo e qualquer ativo financeiro creditado em favor da executada, na conta bancária discriminada, até a satisfação da dívida vindicada nos autos. 

Nas razões do referido inconformismo, a agravante aduziu a existência de conexão com outras execuções, a necessidade de limitação da penhora a 10% do seu faturamento mensal e a impenhorabilidade do crédito oriundo do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES). 

A Sexta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios negou provimento à insurgência, nos termos da seguinte ementa (e-STJ, fls. 432-446): 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AGRAVO INTERNO. NEGATIVA DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO. PENHORA DE FATURAMENTO. PERCENTUAL. RAZOABILIDADE. POSSIBILIDADE DE PENHORA DE CRÉDITOS DO PROGRAMA DE FINANCIAMENTO ESTUDANTIL QUANDO NÃO UTILIZADOS PARA O PAGAMENTO DE TRIBUTOS. AUSÊNCIA DE COMPULSORIEDADE DE APLICAÇÃO EM EDUCAÇÃO. DECISÃO MANTIDA. 1. Os agravantes não trouxeram argumentos aptos a modificar a decisão proferida, inexistindo também qualquer fato novo que possa alterar o entendimento esposado por ocasião do r. .decisum 2. Se há previsão de recompra pelo próprio FIES de certificados, conclui-se que há possibilidade de sobra de títulos não usados para pagar contribuições sociais e os demais tributos referidos no artigo 10 da Lei nº 10.260/2001 e, desse modo, as instituições educacionais, por fim, acabam ficando com quantias em dinheiro do Fundo, as quais são perfeitamente passíveis de penhora. 3. Os recursos oriundos do FIES podem sofrer constrição para satisfazer obrigação do devedor. Ou seja, a partir do momento que o valor, ainda que proveniente dessas verbas, é creditado na conta corrente, não são de aplicação compulsória em educação, passível de penhora ou de bloqueio. 4. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. Agravo Interno Prejudicado. 

Irresignada, a executada interpõe recurso especial, fundamentado na alínea a do permissivo constitucional, apontando violação aos arts. 833, IX, do CPC/2015; e 1º, 7º, 9º, 10, § 1º, e 13 da Lei 10.260/2001. 

Sustenta, em síntese, a impenhorabilidade dos créditos correspondentes à recompra dos certificados representativos dos títulos da dívida pública emitidos em favor do FIES para pagamento de encargos educacionais, haja vista sua aplicação compulsória à área da educação. 

Pugna, ainda, pela redução do percentual de penhora sobre o seu faturamento, ante a violação do princípio da razoabilidade, pois já incidem diversas constrições, as quais totalizam 45% da sua receita e poderão inviabilizar o exercício de sua atividade empresária. 

Contrarrazões às fls. 493-506 (e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR): Cinge-se a controvérsia em definir, além da necessidade de redução do percentual de constrição do faturamento, a possibilidade, ou não, de penhora de recursos oriundos de recompra do FIES, ante a sua aplicabilidade compulsória na área da educação. 

1. Penhora de recursos advindos do FIES 

Inicialmente, para melhor compreensão da controvérsia, torna-se imperioso o detalhamento do programa Fundo de Financiamento Estudantil (FIES) desenvolvido no âmbito do Plano Nacional de Educação (PNE), instituído pelo Ministério da Educação. 

Sua finalidade primordial é a concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores não gratuitos da educação profissional, técnica e tecnológica, e em programas de mestrado e doutorado com avaliação positiva, conforme determinado pelo art. 1º, caput e § 1º, da Lei n. 10.260/2001. 

Nota-se, portanto, a importância fundamental do programa, pois busca concretizar o direito fundamental de acesso à educação para todos, previsto no art. 205 da CRFB, principalmente por se tratar de uma política pública que prioriza a promoção de acesso de famílias de baixa renda à educação superior. 

Para custear o referido fundo, há autorização orçamentária estabelecida na Lei Orçamentária Anual para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) conceder os financiamentos de acordo com o número de alunos financiados, o percentual de financiamento contratado pelo beneficiário e o valor da semestralidade do curso. 

Em seguida, o FNDE solicita ao Tesouro Nacional a emissão de Certificados Financeiros do Tesouro - Série E (CFT-E), o que enseja o endividamento público, pois se caracteriza como um empréstimo da União, por meio de instituição bancária (Banco do Brasil ou Caixa Econômica Federal), nos termos do art. 7º da Lei n. 10.260/2001. 

Assim, na medida em que há a prestação do serviço educacional, os títulos CFT-E são repassados às Instituições de Ensino Superior (IES) para pagamento exclusivo de contribuições sociais previdenciárias e, subsidiariamente, dos demais tributos administrados pela Receita Federal do Brasil, conforme determinam o art. 10, caput e § 3º, da Lei n. 10.260/2001. 

Entretanto, o art. 13 da legislação de regência prevê que, após o pagamento dos referidos débitos previdenciários e tributários, o FIES recomprará os valores de titularidade das instituições de ensino que eventualmente sobrepujam as obrigações legalmente vinculadas, resgatando os títulos CFT-E junto às mantenedoras das IES, e entregará o valor financeiro equivalente ao resgate, atualizado pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). 

No julgamento do REsp n. 1.840.737/DF, a Ministra Nancy Andrighi citou trecho do relatório de auditoria proferido pelo Tribunal de Contas da União (TC 011.884/2016-9, sessão do Plenário de 23/11/2016), que bem delineia a sistemática de funcionamento do FIES e que ora se pede vênia para também transcrever: 

II.3. Funcionamento do Fies 50. É possível explicar o funcionamento do Fies sob duas óticas: a primeira em relação ao estudante beneficiário e a segunda em relação às mantenedoras das IES, referente a operacionalização do mecanismo de financiamento e pagamento dos encargos devidos às IES. 51. A seguir será explicitado, resumidamente, o funcionamento do programa sob as duas óticas citadas. Para mais detalhes do funcionamento, remete-se ao Mapa de Processo (Apêndices IX.1 e IX.2). II.3.1. Ótica do beneficiário do programa 52. O estudante beneficiário, para participar do programa, deverá fazer sua pré-inscrição em sistema próprio disponibilizado pela Diretoria de Tecnologia da Informação do MEC (DTI/MEC) – FiesSeleção –, momento em que informará os seus dados, a IES em que deseja estudar e o curso desejado. 53. Caso o estudante atenda aos critérios estabelecidos nos normativos do MEC – atualmente: nota igual ou superior a 450 pontos no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), nota maior que zero na redação e renda familiar de até 3 salários mínimos de renda bruta familiar mensal per capita –, poderá ser selecionado para obter o financiamento conforme a lista de classificação divulgada pela Secretaria de Ensino Superior do MEC (Sesu/MEC). O curso pretendido deverá, necessariamente, ser ofertado por mantenedora de IES que já tenha, previamente, aderido ao Fies. 54. Após ter sido selecionado na classificação divulgada pela Sesu/MEC, o estudante deverá confirmar sua inscrição por meio do Sistema Informatizado do Fies (Sisfies), o qual também é mantido pela DTI/MEC. Feito isso, ele deverá comparecer ao agente financeiro escolhido (BB ou Caixa) para formalizar o contrato de financiamento do Fies. 55. A partir daí o estudante estará apto para começar seus estudos com recursos do Fies. Durante o curso, ele pagará, a cada três meses, somente taxa específica relativa a juros (atualmente, R$ 150,00). Ao término de cada semestre, ele deverá realizar o aditamento de seu contrato para o próximo semestre letivo, podendo ser de forma simplificada, quando não há necessidade de novo comparecimento ao agente financeiro, ou não simplificada, quando há necessidade de comparecimento do estudante ao agente financeiro em virtude de alguma alteração contratual mais relevante (por exemplo, troca dos fiadores). 56. Após a conclusão do curso, o beneficiário terá um período de carência para que comece a pagar as parcelas relativas à amortização do seu financiamento; devendo, contudo, continuar arcando com as taxas trimestrais relativas a juros (atualmente o período de carência é de dezoito meses). 57. Terminado o período de carência, o estudante inicia o pagamento das parcelas mensais de seu financiamento, cujo prazo de pagamento poderá ser de até três vezes o período do curso objeto de financiamento. II.3.2. Ótica das mantenedoras de IES 58. A fim de participar do Fies, as mantenedoras de IES devem atender as condições estabelecidas no art. 15 da Portaria Normativa MEC 1, de 22 de janeiro de 2010, e assinar o Termo de Adesão ao programa, procedimento realizado por meio do SisFies. Posteriormente, antes do início de cada semestre letivo, deverão firmar o Termo de Participação, no qual detalharão os cursos e as vagas que serão ofertadas no âmbito do programa. 59. Após os estudantes estarem matriculados nas IES, iniciam-se os cursos financiados pelo programa. Em contrapartida à prestação de serviços realizadas pelas IES, as mantenedoras recebem títulos públicos (CFT-E). 60. Tais títulos são emitidos pela STN após solicitação do agente operador do Fies (FNDE); em contrapartida, o agente operador repassa à STN recursos financeiros equivalentes ao valor dos títulos emitidos. Esses títulos são repassados às mantenedoras na medida em que estas prestam serviços aos estudantes do Fies. De posse dos títulos, as mantenedoras os utilizam no pagamento de débitos de caráter previdenciário ou de tributos federais. 61. Caso a mantenedora não possua débitos relativos a esses tributos ou, ainda, caso, após a quitação dos tributos, reste algum excedente em títulos em sua posse, poderá oferecê-los no processo de recompra realizado pelo agente operador. Nesse caso, o FNDE resgata esses títulos junto às mantenedoras e entrega o valor financeiro equivalente ao resgate atualizado pelo Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) – conforme dispõe o art. 22 do Decreto 3.859/2001. 62. Ocorridas as etapas acima, o processo se repete enquanto a mantenedora for participante do Fies e enquanto houver alunos do Fies estudando nas IES a ela vinculadas. (Informações extraídas de https://portal.tcu.gov.br/data/files/08/43/F7/B1/51B98510784389852A2 818A 8/011.884-2016-9%20_FIES_.pdf, acesso em 15/10/2019) 

Portanto, nota-se que a Terceira Turma do STJ, no julgamento do recurso especial acima referido, assim como no julgamento do REsp n. 1.588.226/DF, firmou a tese de que os recursos públicos recebidos por instituição de ensino superior privada são impenhoráveis, pois são verbas de aplicação compulsória em educação. 

Entretanto, ao revisitar o tema, constata-se que deve haver uma distinção entre os valores tidos como impenhoráveis, apreciados pelos referidos precedentes, daqueles penhoráveis, conforme se passará a demonstrar. 

Relembre-se que o art. 833, IX, do CPC/2015 reconhece a impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social. 

Contudo, a interpretação desse dispositivo não pode ser extensiva, de modo a vedar a constrição de qualquer valor que decorra de repasses públicos às IES privadas, assim como não pode implicar uma impenhorabilidade perpétua, pois isso desvirtuaria a lógica do sistema, ante a possibilidade da execução de manobras capazes de inviabilizar a satisfação do crédito dos credores das mantenedoras das IES. 

Importante reafirmar que, por disposição legal, não é possível a constrição de CFT-E, haja vista que a legislação de regência determina expressamente que tais títulos somente poderão ser utilizados para pagamento de débitos previdenciários e tributários das mantenedoras das IES, sendo vedada, inclusive, a negociação dos certificados com outras pessoas jurídicas de direito privado, consoante a redação do art. 10, § 3º, da Lei n. 10.260/2001. 

Assim, além dessa previsão específica da lei, os certificados emitidos pelo Tesouro Nacional se encaixam perfeitamente na regra geral de impenhorabilidade prevista no art. 833, IX, do CPC/2015, já que esses, sim, são recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação. 

Ademais, o art. 10, § 1º, da Lei 10.260/2001, ao vedar a negociação pelas IES com outras pessoas jurídicas de direito público dos certificados de dívida pública emitidos em favor do FIES, nada dispõe sobre o valores oriundos da recompra dos títulos e que serão incorporados definitivamente ao patrimônio da instituição de ensino. 

Conforme salientado em trecho anterior deste voto, adimplidos os débitos previdenciários e tributários, eventual saldo credor dos CFT-E de titularidade das mantenedoras das IES serão resgatados pelo FIES, e o valor equivalente ao resgate será entregue em moeda corrente, atualizado pelo IGP-M, cabendo à instituição de ensino aplicar tais valores da forma como bem entender. 

Nota-se, ainda, que se fosse outro o raciocínio adotado, seria necessário que a IES prestasse contas aos órgãos de controle do poder público sobre as quantias recebidas da recompra dos CFT-E, por se tratar de verba pública de aplicação obrigatória, demonstrando que tais valores foram efetivamente aplicados em educação, o que não ocorre. 

Ao receber os valores decorrentes da recompra dos CFT-E, as instituições de ensino incorporam essa verba ao patrimônio, podendo aplicá-la da forma que melhor atenda aos seus interesses, não havendo nenhuma ingerência do poder público. 

Por conseguinte, vedar a constrição dos valores oriundos da recompra frustraria as expectativas dos credores da instituição de ensino, haja vista que atualmente boa parte de sua renda é proveniente dos repasses do FIES e do processo de recompra dos CFT-E, pois, de acordo com informações colhidas do site oficial do Governo Federal, "as matrículas Fies passaram de aproximadamente 5% do total das matrículas na rede privada em 2009, para 39%, em 2015" (disponível em https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/apresentacoes/arquivos/2017/diag nosticofies_junho2017.pdf - acessado em 11/2/2021). 

Dessa forma, não se vislumbra nenhum óbice legal à penhora dos valores oriundos da recompra dos CFT-E, pelo contrário, mostra-se, inclusive, salutar aos ordenamentos jurídico e econômico que essas verbas possam ser objeto de constrição em caso de inadimplemento das obrigações decorrentes das relações privadas das IES, dando maior credibilidade ao sistema jurídico e garantindo aos credores que haverá opções para se buscar o crédito na eventual configuração da mora da instituição de ensino. 

De outro lado, importante consignar que não se está alterando a jurisprudência da Terceira Turma do STJ, citada acima, mas apenas fazendo uma distinção acerca de quais verbas são realmente impenhoráveis e aquelas que podem ser penhoradas, a fim de adimplir débitos decorrentes das relações privadas das IES. 

Nesse contexto, permanece a impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos do FIES pelas instituições privadas de ensino superior, consubstanciados no CFT-E, em razão da aplicação compulsória em educação. 

Entretanto, é plenamente possível a constrição dos valores decorrentes da recompra do CFT-E pelo FIES, pois tais verbas se incorporam ao patrimônio jurídico da instituição financeira, que poderá dele dispor livremente, sem nenhuma ingerência estatal. 

Desse modo, verifica-se que o acórdão recorrido decidiu em harmonia com o entendimento acima delineado, de modo que não merece nenhuma alteração.

 2. Redução do percentual de penhora sobre o faturamento 

No que tange ao pleito de redução do percentual de penhora sobre o faturamento da recorrente, verifica-se que as razões recursais não apontam os dispositivos de lei federal tidos por violados a fim de viabilizar o conhecimento da insurgência a respeito da tese de mérito. 

Dessa forma, constata-se que a argumentação apresentada no recurso mostra-se deficiente, atraindo, assim, a incidência do verbete n. 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 

Importa ponderar que o recurso especial é reclamo de natureza vinculada e, para o seu cabimento, é imprescindível que a parte recorrente demonstre, de forma clara, os dispositivos apontados como malferidos pela decisão recorrida ou que tiveram interpretações divergentes por tribunais diversos, sob pena de inadmissão. 

A propósito: 

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. CÉDULA RURAL. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS. EXPRESSA PREVISÃO CONTRATUAL. COBRANÇA. LEGALIDADE. SÚMULA Nº 93 DO STJ. DECISÃO RECORRIDA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. PRECEDENTES. ALTERAÇÃO. SÚMULA Nº 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL NÃO INDICADO. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 284 DO STF. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. [...] 4. Inviável análise de recurso especial interposto pela alínea c do permissivo constitucional que não indica, com clareza e precisão, os dispositivos de lei federal em relação aos quais haveria dissídio jurisprudencial. Incidência da Súmula nº 284 do STF. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1.566.235/DF, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 09/12/2019, DJe 11/12/2019) 

3. Dispositivo 

Diante dessas considerações, conheço parcialmente do recurso especial para, nessa extensão, negar-lhe provimento. 

É como voto. 

EXECUÇÃO. PENHORA DE PERCENTUAL DE VERBA DE FINANCIAMENTO DO BNDES RECEBIDA PELA EXECUTADA E DECORRENTE DO PROGRAMA DE CAPITALIZAÇÃO DE COOPERATIVAS AGROPECUÁRIAS (PROCAP-AGRO). RECURSO PÚBLICO COM DESTINAÇÃO SOCIAL. IMPENHORABILIDADE

RECURSO ESPECIAL Nº 1.691.882 - SP (2014/0335086-0) 

RELATOR : MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. PENHORA DE PERCENTUAL DE VERBA DE FINANCIAMENTO DO BNDES RECEBIDA PELA EXECUTADA E DECORRENTE DO PROGRAMA DE CAPITALIZAÇÃO DE COOPERATIVAS AGROPECUÁRIAS (PROCAP-AGRO). RECURSO PÚBLICO COM DESTINAÇÃO SOCIAL. IMPENHORABILIDADE. TIPICIDADE NA EXCEÇÃO DISPOSTA NO ART. 649, IX, do CPC/1973 (ART. 833, § 2°, DO CPC/2015). 

1. A penhora deve recair sobre o conjunto de bens do devedor suficientes para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios (CPC/2015, art. 831). No entanto, por razões de cunho humanitário e de solidariedade social, voltadas à proteção do executado e de sua família, estabeleceu o legislador a vedação de atos expropriatórios em relação a certos bens destinados a conferir um mínimo necessário à sobrevivência digna do devedor (CPC/15, art. 832). 

2. Ademais, as medidas executivas previstas pela norma devem receber uma exegese à luz da Constituição, uma vez que almejam a realização de direitos fundamentais e porque, em sua realização, também podem atingir direitos fundamentais. Sob essa ótica, afigura-se mais adequada a interpretação teleológica das impenhorabilidades, diante da finalidade da norma e em conformidade com os princípios da justiça e do bem comum, a fim de se evitar o sacrifício de um direito fundamental em relação a outro. 

3. O Diploma processual civil estabeleceu como absolutamente impenhoráveis os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social (art. 649, IX, do CPC/73; art. 833, X, do CPC/2015). O legislador, em juízo ex ante de ponderação e numa perspectiva de sociabilidade, optou por prestigiar os recursos públicos com desígnios sociais em detrimento do pagamento de crédito ao exequente, salvaguardando o direito coletivo de sujeitos indeterminados favorecidos pelos financiamentos nas áreas de educação, saúde ou assistência social. 

4. No caso concreto, os recursos recebidos pela Cooperativa Agropecuária se enquadram na tipicidade do Código de Processo Civil, seja por se tratar de financiamento público, seja pelo evidente caráter assistencial da verba - Programa de Capitalização das Cooperativas Agropecuárias (PROCAP-AGRO) para fomento de atividade com interesse coletivo e para a recuperação das cooperativas -, devendo ser tidos por absolutamente impenhoráveis. 

5. Recurso especial desprovido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi. 

Brasília (DF), 09 de fevereiro de 2021(Data do Julgamento)

8 de maio de 2021

EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO. FOLHA DE PAGAMENTO. PENHORABILIDADE. REGRA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.820.477 - DF (2019/0170723-2) 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA 

RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. DESCONTO. FOLHA DE PAGAMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA. PENHORABILIDADE. REGRA. IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. 

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

2. Cinge-se a controvérsia principal a definir se os valores oriundos de empréstimo consignado em folha de pagamento, depositados em conta bancária do devedor, recebem a proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos e pensões, conforme disposto no art. 833, IV, do CPC/2015. 

3. A quantia decorrente de empréstimo consignado, embora seja descontada diretamente da folha de pagamento do mutuário, não tem caráter salarial, sendo, em regra, passível de penhora. 

4. A proteção da impenhorabilidade ocorre somente se o mutuário (devedor) comprovar que os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários à sua manutenção e à da sua família. 

5. Na hipótese, o Tribunal de origem não analisou a necessidade do empréstimo para a manutenção do devedor e da sua família, limitando-se a concluir pela possibilidade da penhora do numerário em conta bancária, não havendo nos autos elementos que permitissem ao julgador verificar a condição financeira do devedor. 

6. Recurso especial parcialmente provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília (DF), 19 de maio de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por MARIA DO CARMO DOS SANTOS, com base no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios assim ementado: 

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENHORA. CRÉDITO PROVENIENTE DE EMPRÉSTIMO. IMPENHORABILIDADE NÃO CONFIGURADA. NATUREZA ALIMENTAR NÃO CONSTATADA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. MANUTENÇÃO DA CONSTRIÇÃO. 1. Ao alegar a impenhorabilidade de recursos encontrados em sua conta corrente, é ônus do devedor provar a correspondente causa impeditiva. Diante da inexistência de provas, mantém-se a constrição. 2. Não há como reconhecer nos valores disponibilizados por instituição bancária, decorrentes de empréstimo consignado, a proteção conferida às verbas alimentares, por absoluta falta de previsão legal, tendo em vista as hipóteses enumeradas no artigo 833 do Código de Processo Civil. 3. Recurso desprovido” (fl. 66 e-STJ). 

Os embargos de declaração opostos (fls. 73-74 e-STJ) foram rejeitados (fls. 81-87 e-STJ). 

Nas presentes razões (fls. 89-100 e-STJ), a recorrente alega, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 489, IV e V, 833, IV, e 1.022 do Código de Processo Civil de 2015. 

Sustenta a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, pois os vícios indicados nos declaratórios não foram sanados pelo Tribunal de origem. 

Defende que o valores decorrentes de empréstimo consignado em folha de pagamento recebe a mesma proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos de aposentadoria e pensões. 

Assevera que “a existência de saldo proveniente de empréstimo consignado não descaracteriza a natureza salarial da conta, sobretudo porque esse mesmo montante será pago mediante desconto de parcelas no salário do devedor” (fl. 95 e-STJ). 

Acrescenta que, “por via transversa, estar-se-ia permitindo a penhora da própria remuneração do devedor, porque houve o bloqueio de todo o saldo existente, deixando-o sem os recursos mínimos necessários à própria subsistência” (fl. 96 e-STJ). 

Aduz que a manutenção da penhora afronta a dignidade da pessoa humana, deixando-a sem os recursos mínimos necessários à sua subsistência. 

Com as contrarrazões (fls. 128-131 e-STJ), a Presidência do Tribunal local admitiu o processamento do presente apelo (fls. 132-133 e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

A irresignação merece prosperar parcialmente. 

Cinge-se a controvérsia a definir se (i) houve a negativa de prestação jurisdicional e se (ii) os valores oriundos de empréstimo consignado em folha de pagamento, depositados em conta bancária do devedor, recebem a proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos e pensões, conforme dispõe o art. 833, IV, do CPC/2015. 

1. Do histórico da demanda 

Na origem, em autos de execução de título extrajudicial, o magistrado de piso determinou a constrição de quantia depositada em conta bancária também utilizada para o recebimento de salário, ao fundamento de que “o crédito ora penhorado, ao que tudo indica decorreu de saldo de empréstimo, que caiu na conta da requerida no dia 12/07/2018, não sendo crédito oriundo de empréstimo impenhorável” (fl. 26 e-STJ). 

Interposto agravo de instrumento (fls. 46-52 e-STJ), o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte fundamentação: 

“(...) Na oportunidade da análise do pedido de antecipação dos efeitos da tutela, externei o seguinte raciocínio: Estabelece o inciso I do art. 1.019 do Código de Processo Civil, que o relator 'poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão'. Para que seja concedido o efeito suspensivo, segundo a inteligência do parágrafo único do art. 995 do Diploma Processual, o relator deve verificar se, da imediata produção dos efeitos da decisão recorrida, há risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar evidenciada a probabilidade de provimento do recurso. Feita a análise da pretensão antecipatória, tenho que não se mostram presentes os requisitos necessários ao deferimento da medida judicial de urgência postulada. Não se olvida que de acordo com o inciso IV do art. 833 do Código de Processo Civil, os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações e os proventos de aposentadoria são impenhoráveis. No entanto, a importância bloqueada decorreu de crédito advindo de empréstimo bancário, conforme se vê do documento id. 5268395, onde consta 'CREDITO DE EMPRESTIMO BRBSEERV'. Dessa forma, não se encontra protegido pelo manto da impenhorabilidade, porquanto nem todo crédito depositado em conta salário recebe essa blindagem. (...) Saliente-se, ainda, que a manutenção da r. decisão hostilizada enquanto se aguarda o regular iter procedimental do recurso não tem o condão de ocasionar à recorrente dano algum, porquanto a douta prolatora do édito judicial atacado condicionou a expedição de alvará à preclusão, consoante se vê do andamento processual dos autos de origem 2012.01.1.198093-7. Assim, não se visualizando, de um juízo incipiente, próprio desta fase, a probabilidade do direito alegado, não tem lugar o efeito suspensivo pretendido. Como se vê, os fundamentos externados na decisão que apreciou o pedido liminar, por si sós, são suficientes a direcionar o julgamento da questão de fundo do presente agravo, mormente em se considerando que não vieram aos autos elementos outros, aptos a me demoverem do raciocínio nela contido” (fls. 68-69 e-STJ). 

Os embargos de declaração opostos (fls. 73-74 e-STJ) foram rejeitados (fls. 81-87 e-STJ). 

Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise do presente recurso especial. 

2. Da negativa de prestação jurisdicional 

No tocante à alegada violação do art. 1.022 do CPC/2015, agiu corretamente o Tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração diante da inexistência de omissão, obscuridade, contradição ou erro material no acórdão recorrido, ficando patente, em verdade, o intuito infringente da irresignação, que objetivava a reforma do julgado por via inadequada. Ademais, não significa omissão o fato de o aresto impugnado adotar fundamento diverso daquele suscitado pelas partes. Dessa forma, não há falar em negativa de prestação jurisdicional. 

Nesse sentido: 

"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. PRECATÓRIO. ACORDO HOMOLOGADO PELO JUIZ DA CENTRAL DE CONCILIAÇÃO (CEPREC). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. I - Não havendo, no acórdão recorrido, omissão, obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973. (...) III - Agravo interno improvido." (AgInt no REsp 1.659.253/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 27/11/2017) 

3. Da penhora de valores provenientes de empréstimo consignado 

A ora recorrente alega que o valores decorrentes de empréstimo consignado em folha de pagamento recebem a mesma proteção da impenhorabilidade atribuída aos salários, proventos de aposentadoria e pensões. 

De acordo com os arts. 831 e 832 do CPC/2015, a penhora deverá recair sobre tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, dos juros, das custas e dos honorários advocatícios. Por sua vez, não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis. 

O art. 833, IV, do CPC/2015 estabelece que são impenhoráveis “os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família (...)“. 

O Superior Tribunal de Justiça concluiu que o salário, o soldo ou a remuneração são impenhoráveis, sendo tal regra excepcionada quando se tratar unicamente de constrição para pagamento de prestação alimentícia. 

Nesse sentido: 

"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. MILITAR. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE MÚTUO. INADIMPLEMENTO. CONSIGNAÇÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. IMPENHORABILIDADE DO SOLDO. ART. 649, IV, DO CPC/1973. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. A parte ora agravante pretende que o valor das prestações inadimplidas relativas ao contrato de mútuo firmado entre as partes seja objeto de penhora sobre os proventos mensais da agravada, com o consequente restabelecimento da relação de consignação em folha prevista no contrato, até o pagamento integral do débito. 2. O entendimento do STJ é de que o salário, soldo ou remuneração são impenhoráveis, nos termos do art. 649, IV, do CPC/1973, sendo essa regra excepcionada unicamente quando se tratar de penhora para pagamento de prestação alimentícia. 3. Agravo interno não provido." (AgInt no REsp 1.579.345/RJ, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe 30/6/2017 - grifou-se) 

Todavia, nos idos de 2017, esta Corte começou a sinalizar uma mudança de paradigma para possibilitar a penhora do salário e das demais verbas remuneratórias mesmo na hipótese em que o crédito cobrado/executado não possua natureza alimentar, desde que inexista o comprometimento da subsistência digna do devedor e de sua família. 

A propósito: 

"DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DE PERCENTUAL DE SALÁRIO. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DE IMPENHORABILIDADE. POSSIBILIDADE. (...) 2. O propósito recursal é definir se, na hipótese, é possível a penhora de 30% (trinta por cento) do salário do recorrente para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 3. Em situações excepcionais, admite-se a relativização da regra de impenhorabilidade das verbas salariais prevista no art. 649, IV, do CPC/73, a fim de alcançar parte da remuneração do devedor para a satisfação do crédito não alimentar, preservando-se o suficiente para garantir a sua subsistência digna e a de sua família. Precedentes. 4. Na espécie, em tendo a Corte local expressamente reconhecido que a constrição de percentual de salário do recorrente não comprometeria a sua subsistência digna, inviável mostra-se a alteração do julgado, uma vez que, para tal mister, seria necessário o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, inviável a esta Corte em virtude do óbice da Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial conhecido e não provido." (REsp 1.658.069/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/11/2017, DJe 20/11/2017 - grifou-se) 

"PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. RELATIVIZAÇÃO DA REGRA DA IMPENHORABILIDADE. (...) 2. O propósito recursal é decidir sobre a possibilidade de penhora de 30% (trinta por cento) de verba recebida a título de aposentadoria para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 3. Quanto à interpretação do art. 649, IV, do CPC/73, tem-se que a regra da impenhorabilidade pode ser relativizada quando a hipótese concreta dos autos permitir que se bloqueie parte da verba remuneratória, preservando-se o suficiente para garantir a subsistência digna do devedor e de sua família. Precedentes. 4. Ausência no acórdão recorrido de elementos concretos suficientes que permitam afastar, neste momento, a impenhorabilidade de parte dos proventos de aposentadoria do recorrente. 5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido." (REsp 1.394.985/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/6/2017, DJe 22/6/2017 - grifou-se) 

Diante da divergência instaurada, conforme demonstrado acima, a Corte Especial do STJ, no final do ano de 2018, assentou a impenhorabilidade só se aplica à parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de seu mínimo existencial, à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes e, com isso, permitiu a penhora de parte do salário para o pagamento de dívida de natureza não alimentar. 

Eis, por oportuno, a ementa do referido julgado: 

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. IMPENHORABILIDADE DE VENCIMENTOS. CPC/73, ART. 649, IV. DÍVIDA NÃO ALIMENTAR. CPC/73, ART. 649, PARÁGRAFO 2º. EXCEÇÃO IMPLÍCITA À REGRA DE IMPENHORABILIDADE. PENHORABILIDADE DE PERCENTUAL DOS VENCIMENTOS. BOA-FÉ. MÍNIMO EXISTENCIAL. DIGNIDADE DO DEVEDOR E DE SUA FAMÍLIA. 1. Hipótese em que se questiona se a regra geral de impenhorabilidade dos vencimentos do devedor está sujeita apenas à exceção explícita prevista no parágrafo 2º do art. 649, IV, do CPC/73 ou se, para além desta exceção explícita, é possível a formulação de exceção não prevista expressamente em lei. 2. Caso em que o executado aufere renda mensal no valor de R$ 33.153,04, havendo sido deferida a penhora de 30% da quantia. 3. A interpretação dos preceitos legais deve ser feita a partir da Constituição da República, que veda a supressão injustificada de qualquer direito fundamental. A impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. tem por fundamento a proteção à dignidade do devedor, com a manutenção do mínimo existencial e de um padrão de vida digno em favor de si e de seus dependentes. Por outro lado, o credor tem direito ao recebimento de tutela jurisdicional capaz de dar efetividade, na medida do possível e do proporcional, a seus direitos materiais. 4. O processo civil em geral, nele incluída a execução civil, é orientado pela boa-fé que deve reger o comportamento dos sujeitos processuais. Embora o executado tenha o direito de não sofrer atos executivos que importem violação à sua dignidade e à de sua família, não lhe é dado abusar dessa diretriz com o fim de impedir injustificadamente a efetivação do direito material do exequente. 5. Só se revela necessária, adequada, proporcional e justificada a impenhorabilidade daquela parte do patrimônio do devedor que seja efetivamente necessária à manutenção de sua dignidade e da de seus dependentes. 6. A regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc. (art. 649, IV, do CPC/73; art. 833, IV, do CPC/2015), pode ser excepcionada quando for preservado percentual de tais verbas capaz de dar guarida à dignidade do devedor e de sua família. 7. Recurso não provido”. (EREsp 1.582.475/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, CORTE ESPECIAL, julgado em 3/10/2018, REPDJe 19/03/2019, DJe 16/10/2018) 

Nesse contexto, no que diz respeito ao empréstimo consignado, inexiste norma legal que atribua expressamente a tal verba a proteção da impenhorabilidade. Assim, é preciso verificar se, pelo fato de os descontos serem feitos em folha de pagamento, será atribuída a proteção prevista no art. 833, IV, do CPC/2015. 

O empréstimo consignado “é uma modalidade de crédito em que o desconto da prestação é feito diretamente na folha de pagamento ou de benefício previdenciário do contratante”, reduzindo o risco de inadimplência e , por esse motivo, permite a redução da taxa de juros cobrada pela instituição financeira (Fonte https://www.bcb.gov.br/nor/relcidfin/docs/art7_emprestimo_consignado.pdf. Acessado em 6/4/2020, às 9h45). 

Com efeito, fica explícito que essa modalidade de empréstimo compromete a renda do trabalhador, do pensionista ou do aposentado, podendo, assim, reduzir o seu poder aquisitivo e, em certos casos, prejudicar a sua subsistência. Em razão disso, a jurisprudência uniforme desta Corte Superior sedimentou a legalidade na limitação dos descontos efetuados em folha de pagamento do mutuário: 

“RECURSO ESPECIAL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - ALEGAÇÃO GENÉRICA - APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA N. 284/STF - EMPRÉSTIMO - DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO/CONSIGNADO - LIMITAÇÃO EM 30% DA REMUNERAÇÃO RECEBIDA - RECURSO PROVIDO. 1. A admissibilidade do recurso especial exige a clara indicação dos dispositivos supostamente violados, assim como em que medida teria o acórdão recorrido afrontado a cada um dos artigos impugnados. 2. Ante a natureza alimentar do salário e do princípio da razoabilidade, os empréstimos com desconto em folha de pagamento (consignação facultativa/voluntária) devem limitar-se a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do trabalhador. 3. Recurso provido.” (REsp 1.186.965/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 7/12/2010, DJe 3/2/2011) 

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. DESCONTOS DE EMPRÉSTIMO EM FOLHA. LIMITAÇÃO A 30% DOS VENCIMENTOS DA SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. EMBARGOS RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. 1. Embargos de declaração opostos com o fito de rediscutir a decisão embargada. Nítido caráter infringente. Ausência de contradição, omissão ou obscuridade. 2. Toda a normatização que tem pertinência ao caso, vigente por ocasião da pactuação firmada entre as partes, isto é, os artigos 8º do Decreto 6.386/2008; 2º, § 2º, I, da Lei 10.820/2003 e 45, parágrafo único, da Lei 8.112/90 estabelecem que a soma dos descontos em folha de pagamento referentes ao pagamento de prestações de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, não poderão exceder a 30% (trinta por cento) da remuneração do trabalhador. Com efeito, é descabida a pretensão de que os descontos se limitem a 30% renda líquida da recorrente. 3. "É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que eventuais descontos em folha de pagamento, relativos a empréstimos consignados tomados por servidor público, estão limitados a 30% (trinta por cento) do valor de sua remuneração". (AgRg no RMS 29.988/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/06/2014, DJe 20/06/2014) 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento.” (EDcl no REsp 1.201.838/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/8/2015, DJe 25/8/2015) 

O mutuário (devedor) recebe determinada quantia do mutuante (instituição financeira ou cooperativa de crédito) e, em contrapartida, ocorre a diminuição do salário devido aos descontos efetuados diretamente na folha de pagamento. 

Porém, ainda que as parcelas do empréstimo contratado sejam descontadas diretamente da folha de pagamento do mutuário, a origem desse valor não é salarial, pois não se trata de valores decorrentes de prestação de serviço, motivo pelo qual não possui, em regra, natureza alimentar. 

Ademais, conclusão em sentido contrário provocaria a ampliação do rol taxativo previsto no art. 833 do CPC/2015, tendo em vista que o empréstimo pessoal, ainda que na modalidade consignada, não encontra previsão no referido dispositivo. Por constituir exceção ao princípio da responsabilidade patrimonial (art. 831 do CPC/2015), não se admite, nesse aspecto, interpretação extensiva. 

Por outro lado, há julgados em tribunais locais no sentido de que o empréstimo consignado carrega íntima ligação com a remuneração do devedor, funcionando como adiantamento de recebíveis (Agravo de Instrumento nº 70.081.176.349, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, julgado em: 24/4/2019). Essa corrente adota o entendimento de que, antecipa-se o recebimento de parte do salário, do provento ou da pensão e, por isso, a quantia adiantada (valor emprestado) deveria possuir, do mesmo modo, a natureza alimentar. 

Todavia, não há falar em adiantamento de parcelas remuneratórias, quando, em verdade, o recebimento desses valores encontra respaldo em bases jurídicas distintas: o salário tem origem no contrato trabalho ou na prestação do serviço; o empréstimo tem origem em contrato de mútuo celebrado entre o trabalhador (mutuário) e a instituição financeira ou cooperativa de crédito (mutuante). Assim, somente poderia considerar como adiantamento salarial se fosse feito pelo empregador e em função exclusiva do contrato de trabalho. 

Por tais motivos, os valores decorrentes de empréstimo consignado, em regra, não são protegidos pela impenhorabilidade, por não estarem abrangidos pelas expressões vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, conforme a primeira parte do inciso IV art. 833 do CPC/2015. 

Todavia, se o mutuário (devedor) comprovar que os recursos oriundos do empréstimo consignado são necessários à sua manutenção e à da sua família, tais valores recebem o manto da impenhorabilidade. Essa interpretação decorre do que disposto no já citado art. 833, IV, do CPC/2015: “destinadas ao sustento do devedor e de sua família”. 

Na hipótese, o tribunal local não analisou a necessidade do empréstimo para a manutenção do devedor e da sua família, limitando-se a concluir pela possibilidade da penhora do numerário em conta bancária. Tampouco há elementos nos autos que permitem ao julgador verificar a condição financeira do devedor. 

4. Do dispositivo 

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para determinar que o Tribunal de origem analise se os valores decorrentes do empréstimo consignado são necessários à subsistência do recorrente e de sua família.

É o voto. 

EXECUÇÃO. EMPRÉSTIMO. PENHORA DO IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

RECURSO ESPECIAL Nº 1.823.159 - SP (2019/0185854-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. EMPRÉSTIMO. PENHORA DO IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 

1. Agravo de instrumento interposto em 03/08/2018, recurso especial interposto em 16/04/2019 e atribuído a este gabinete em 24/09/2019. 

2. O propósito recursal consiste em determinar pela legalidade da aplicação na hipótese da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, considerando a ausência de condenação penal em definitivo. 

3. A lei estabelece, de forma expressa, as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família. 

4. O art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990 expressamente afastou a impenhorabilidade quando o bem imóvel é adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. 

5. Na hipótese, não há sentença penal condenatória e, mesmo que seja em função da prescrição, é impossível presumir sua existência para fins de aplicação da exceção contida no art. 3º, VI, da Lei 8.009/90. 

6. Recurso especial provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 13 de outubro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por JOÃO BATISTA HORAGUTI, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/SP. 

Ação: indenizatória ajuizada por SOCIEDADE ESPORTIVA E RECREATIVA ÍTALO-BRASILEIRA em face do recorrente, por meio da qual a recorrida pleiteia a reparação dos prejuízos causados pelo recorrente à sociedade durante o período de sua gestão. O juízo de 1º grau de jurisdição condenou o recorrente ao pagamento de R$ 10.000,00 (dez mil reais), concernente ao valor da venda de veículo que era de propriedade da recorrida, bem como de R$ 21.112,72 (vinte e um mil, cento e doze reais e setenta e dois centavos), mais honorários advocatícios. A condenação foi mantida pelo Tribunal de origem, em julgamento de recurso de apelação interposto pelo recorrente. 

Decisão: na fase de cumprimento de sentença, o Juízo de 1º grau de jurisdicional deferiu a penhora sobre um bem imóvel do recorrente, localizado no Município de Peruíbe/SP. O recorrente apresentou impugnação, sob o argumento de que o imóvel em discussão é seu único bem e, ainda, é utilizado para sua residência, apontando ainda um pequeno excesso de execução. No julgamento da impugnação, o Juízo de 1º grau de jurisdição manteve o ato de constrição, reconhecendo que o imóvel era utilizado como residência, mas, por ter sido dado em alienação fiduciária e em razão da penhora ter recaído sobre os direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária, afastou a proteção conferida pela Lei n°. 8009/90, e acolheu parcialmente a impugnação somente apenas para retificar o valor do crédito executado. 

Acórdão: o Tribunal de origem negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo recorrente, mantendo a penhora pelo fundamento anteriormente apresentado e acrescentando que, na hipótese, seria aplicável a exceção do art. 3º, VI, da Lei 8.009/90, in verbis: 

EMENTA: BEM DE FAMÍLIA - RESPONSABILIDADE CIVIL - PESSOA JURÍDICA QUE BUSCA SER RESSARCIDA DE PREJUÍZOS DECORRENTES DE ATOS ILÍCITOS PRATICADOS PELO ORA AGRAVANTE DURANTE SUA GESTÃO NA PRESIDÊNCIA DA ENTIDADE – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO – INICIADO O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA, FOI DEFERIDA A PENHORA DOS DIREITOS DECORRENTES DO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DO IMÓVEL UTILIZADO COMO RESIDÊNCIA DO EXECUTADO – DECISÃO QUE ACOLHEU EM PARTE A IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA PARA O FIM DE AFASTAR O PEDIDO DE IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E FIXAR O VALOR DO DÉBITO EM R$ 382.252,59, ATUALIZADO ATÉ SETEMBRO DE 2017 – A IMPENHORABILIDADE NÃO É OPONÍVEL EM RELAÇÃO A EXECUÇÃO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA E RESSARCIMENTO, INDENIZAÇÃO OU PERDIMENTO DE BENS (LEI 8.009/90, ART. 3º, INCISO VI) - IDÊNTICOS ILÍCITOS TRATADOS NAS ESFERAS CÍVEL E CRIMINAL, SENDO QUE NA ÚLTIMA OPEROU-SE TÃO-SOMENTE A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA, PERMANECENDO HÍGIDOS OS ELEMENTOS DO CRIME - DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO 

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados pelo Tribunal de origem. 

Recurso especial: alega violação aos arts. 1º e 3º, VI, da Lei 8.009/90 e sustenta a existência de dissídio jurisprudencial. Requer, ao final, provimento do recurso especial para afastar a penhora sobre o bem imóvel mencionado anteriormente. 

Trâmite: o recurso foi admitido na origem. A Presidência do STJ, no entanto, considerou que o recurso era intempestivo. Após a interposição de agravo interno, este gabinete reconsiderou a decisão anterior, reconhecendo sua tempestividade. 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): 

1. O propósito recursal consiste em determinar pela legalidade da aplicação na hipótese da exceção à impenhorabilidade do bem de família, prevista no art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990, considerando a ausência de condenação penal em definitivo. 

2. Para o início da discussão, a Lei 8.009/90 institui a impenhorabilidade do bem de família como instrumento de tutela do direito fundamental à moradia da família e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para uma vida digna. Nesse sentido, veja-se o que dispõe o art. 1º da referida lei dispõe: 

Art. 1º. O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. 

3. A impenhorabilidade do bem de família, de fato, reflete o princípio da dignidade da pessoa humana o qual constitui um dos principais fundamentos da Constituição Federal de 1988 e que também possui diversas outras emanações e desdobramentos. De fato, a doutrina enfatiza o assento constitucional do instituto em discussão, conforme o trecho abaixo: 

Inicialmente destinado à proteção da família, a evolução do instituto, no direito brasileiro, e a respectiva inserção no ambiente econômico contemporâneo acarretaram mudança significativa no âmbito da sua aplicação. A proteção se estendeu ao obrigado, tout court, haja ou não constituído família, amplitude revelada pela tutela dos bens domésticos (art. 2º, parágrafo único, da Lei 8.009/1990) da família sem imóvel residencial próprio. Por sua vez, essa proteção ao obrigado, mediante a técnica da impenhorabilidade, assegura-lhe o chamado patrimônio mínimo. A garantia dos meios mínimos de sobrevivência, que é a morada e seu conteúdo, observa um princípio maior, porque "orienta-se pelo interesse social de assegurar uma sobrevivência digna aos membros da família, realizando, em última instância, a dignidade humana". É o princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, também o responsável pela humanização da execução, recortando do patrimônio o mínimo indispensável à sobrevivência digna do obrigado, sem embargo do dever de prestar que caracterizou o homestead. A norma jurídica (princípio e valor) fundamental, na feliz síntese de Ingo Wolfgang Sarlet, inserida no art. 1º, III, da CF/1988, fornece o fundamento constitucional do instituto. (ASSIS, Araken de. Manual da Execução. São Paulo: RT, 2010, p. 275-276). 

4. No entanto, mesmo esse importantíssimo instituto possui limites de aplicações. A depender das circunstâncias, a própria Lei 8.009/90 prevê exceções à regra da impenhorabilidade. Assim, o art. 3º, VI, da mencionada lei dispõe que não é possível opor a impenhorabilidade quando o bem em questão for adquirido como produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória: 

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) VI - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. 

5. Nessas hipóteses, no cotejo entre os bens jurídicos envolvidos, o legislador preferiu defender o ofendido por conduta criminosa ao autor da ofensa, conforme nota a doutrina: “essas exceções significam que a Lei do Bem de Família teve a intenção de balancear valores, privilegiando o valor moradia, mas ressalvando que o bem de família será penhorável em benefício dos credores por alimentos, ou por verbas devidas aos trabalhadores da própria residência, ou por garantia real constituída pelo devedor residente no imóvel etc" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. 4. 2. ed. São Paulo: Malheiros, p. 358). 

6. Dessa forma, a exceção à impenhorabilidade em discussão neste julgamento envolve a relação estre as esferas cível e penal da aplicação do direito. É fato notório, a esse respeito, que certas condutas ensejam consequências tanto pela aplicação do direito civil quanto do direito penal. Novamente, como leciona a doutrina: 

Assim, certos fatos põem em ação somente o mecanismo recuperatório da responsabilidade civil; outros movimentam tão-somente o sistema repressivo ou preventivo da responsabilidade penal; outros enfim, acarretam a um tempo, a responsabilidade civil e a penal, pelo fato de apresentarem, em relação a ambos os campos, incidência equivalente, conforme os diferentes critérios sob que entram em função os órgãos encarregados de fazer valer a norma respectiva que é quase o mesmo fundamento da responsabilidade civil e da responsabilidade penal. As condições em que surgem é que são diferentes, porque uma é mais exigente do que a outra, quanto ao aperfeiçoamento dos requisitos que devem coincidir para se efetivar. (AGUIAR DIAS, José de. Da Responsabilidade Civil, 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 8) 

7. Sobre efeitos da condenação penal sobre o âmbito cível, é fato que a sentença penal condenatória produz também efeitos extrapenais, tanto genéricos quanto específicos. Os efeitos genéricos são decorrem automaticamente da sentença, sem necessidade de abordagem direta pelo juiz. Entre esses efeitos genérica, encontra-se a obrigação de reparar o dano causado, tal como previsto no art. 91, I, do Código Penal. 

8. O art. 935 do CC/2002 reafirma essas consequências ao dispor que “a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência de fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal”. Novamente, sobre esse ponto, ressalte-se o que leciona a doutrina: 

O ato ilícito, por força de expressa disposição legal, gera a obrigação de reparar o dano. Existem atos ilícitos que se limitam a produzir efeitos no âmbito civil e outros que, pela sua gravidade, ofendem a incolumidade pública, acarretando ofensa no âmbito penal, nada impedindo, entretanto, que um único ato ilícito atinja as duas esferas de responsabilidade, tanto civil quanto penal. É dessa hipótese que trata a presente exceção. A sentença penal condenatória tem como efeito tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Por esse efeito, que Celso Delmanto nomina de 'extrapenal genérico', uma vez transitada em julgado a sentença penal, torna certa a responsabilidade de indenizar o dano no cível, gerando um título executivo judicial, conforme previsto no art. 584, II, do Código de Processo Civil. [...] Nesses casos, não interessará para a exclusão da impenhorabilidade do bem de família legal que a sua aquisição tenha sido com origem criminosa, ou que o crime praticado tenha expressão econômica, tal qual exigido na hipótese anterior, mas bastará que o devedor tenha sido condenado penalmente ao ressarcimento ou indenização dos danos causados pelo crime. (SANTOS, Marcione Pereira. Bem de Família: Voluntário e Legal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 251-252) 

9. Por se tratar de regra que excepciona a impenhorabilidade do bem de família e decorrer automaticamente de sentença penal condenatória, a jurisprudência do STJ já se posicionou sobre a impossibilidade de interpretação extensiva de outros incisos contidos no art. 3º da Lei 8.009/90, como é possível perceber nos julgamentos abaixo transcritos: 

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. IMÓVEL. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. PROVA DE QUE O8 IMÓVEL PENHORADO É O ÚNICO DE PROPRIEDADE DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE. EXCEÇÃO DO ART. 3º, V, DA LEI 8.009/90. INAPLICABILIDADE. DÍVIDA DE TERCEIRO. PESSOA JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE DE PRESUNÇÃO DE QUE A DÍVIDA FORA CONTRAÍDA EM FAVOR DA ENTIDADE FAMILIAR. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. 1. Para que seja reconhecida a impenhorabilidade do bem de família, não é necessária a prova de que o imóvel em que reside a família do devedor é o único de sua propriedade. 2. Não se pode presumir que a garantia tenha sido dada em benefício da família, para, assim, afastar a impenhorabilidade do bem com base no art. 3º, V, da Lei 8.009/90. 3. Somente é admissível a penhora do bem de família hipotecado quando a garantia foi prestada em benefício da própria entidade familiar, e não para assegurar empréstimo obtido por terceiro. 4. Na hipótese dos autos, a hipoteca foi dada em garantia de dívida de terceiro, sociedade empresária, a qual celebrou contrato de mútuo com o banco. Desse modo, a garantia da hipoteca, cujo objeto era o imóvel residencial dos ora recorrentes, foi feita em favor da pessoa jurídica, e não em benefício próprio dos titulares ou de sua família, ainda que únicos sócios da empresa, o que afasta a exceção à impenhorabilidade do bem de família prevista no inciso V do art. 3º da Lei 8.009/90. 5. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 988.915/SP, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 08/06/2012) 

CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO. EXECUÇÃO. EMPRÉSTIMO. BEM DE EMPRESA OFERECIDO LIVREMENTE POR ELA, EM GARANTIA REAL HIPOTECÁRIA DE OUTRA PESSOA JURÍDICA. PENHORA DO IMÓVEL. VALIDADE DA HIPOTECA. EXCEÇÃO À REGRA DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. IMÓVEL DE PROPRIEDADE DE PESSOA JURÍDICA QUE NUNCA FOI SEDE DE EMPRESA FAMILIAR. PENHORABILIDADE DO BEM. VALIDADE DA HIPOTECA OFERECIDA LIVREMENTE POR EMPRESA PARA GARANTIR MÚTUO DE OUTRA PESSOA JURÍDICA. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A proteção legal conferida ao bem de família pela Lei nº 8.009/1990, ao instituir a sua impenhorabilidade, objetiva a proteção da própria família ou da entidade familiar, de modo a tutelar o direito constitucional fundamental da moradia e assegurar um mínimo para uma vida com dignidade dos seus componentes. 2. A lei estabelece, de forma expressa, as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família, o que reflete o seu caráter excepcional, evidenciando que ela é insuscetível de interpretação extensiva. 3. A jurisprudência desta egrégia Corte Superior, em caráter excepcional, confere o benefício da impenhorabilidade legal, prevista na Lei nº 8.009/1990, a bem imóvel de propriedade de pessoa jurídica, na hipótese de pequeno empreendimento familiar, cujos sócios são seus integrantes e a sua sede se confunde com a moradia deles. Precedentes. Hipótese não configurada. 4. É consolidado o entendimento de que a impenhorabilidade só não será oponível nos casos em que o empréstimo contraído foi revestido em proveito da entidade familiar, o que se verificou no caso. 5. É válida a hipoteca prestada por empresa que livremente ofereceu imóvel de sua propriedade para garantir empréstimo de outra pessoa jurídica. 6. Recurso especial não provido. (REsp 1422466/DF, TERCEIRA TURMA, DJe 23/05/2016) 10. 

Dessa maneira, é inegável que, para a incidência da exceção prevista no art. 3º, VI, da Lei 8.009/90, faz-se necessária a presença de sentença penal condenatória transitada em julgado, por não ser possível a interpretação extensiva nessas hipóteses. De fato, a Quarta Turma do STJ julgou de forma idêntica sobre esse assunto específico, como se verifica na ementa abaixo: 

PROCESSO CIVIL. DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL CIVIL DECORRENTE DA PRÁTICA DE ATO ILÍCITO. COEXISTÊNCIA COM SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA COM O MESMO FUNDAMENTO DE FATO. PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA. APLICAÇÃO DA LEI n. 8.009/1990. EXCEÇÕES PREVISTAS NO ART. 3º. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE VIOLAÇÃO AO DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. COMPETÊNCIA DO STF. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. É defeso a esta Corte apreciar alegação de violação a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. 2. Não ocorre violação ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o juízo, embora de forma sucinta, aprecia fundamentadamente todas as questões relevantes ao deslinde do feito, apenas adotando fundamentos divergentes da pretensão do recorrente. Precedentes. 3. O art. 3º, VI, da Lei n. 8.009/1990 expressamente afastou a impenhorabilidade quando o bem imóvel é adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens, sendo certo que, por ostentar a legislação atinente ao bem de família natureza excepcional, é insuscetível de interpretação extensiva. 4. De fato, o caráter protetivo da Lei n. 8.009/1990 impõe sejam as exceções nela previstas interpretadas estritamente. Nesse sentido, a ressalva contida no inciso VI do seu artigo 3º encarta a execução de sentença penal condenatória - ação civil ex delicto -; não alcançando a sentença cível de indenização, salvo se, verificada a coexistência dos dois tipos, for-lhes comum o fundamento de fato, exatamente o que ocorre nestes autos. Precedente. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1021440/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/05/2013, DJe 20/05/2013) 

11. Especificamente, sobre a necessidade da interpretação restritiva sobre a exceção à impenhorabilidade do bem de família, a Quarta Turma manifestou-se da seguinte forma: 

5. Dessarte, interpretando-se a norma em tela de forma estrita, é forçoso concluir que o legislador optou pela prevalência do dever de o infrator indenizar à vítima de ato ilícito que tenha atingido bem jurídico tutelado pelo direito penal e nesta esfera tenha sido apurado, sendo objeto, portanto, de sentença penal condenatória transitada em julgado. Isso porque a apuração do delito penal obedece a critérios mais rigorosos, uma vez que o valor em jogo é a liberdade de locomoção - direito indisponível -, de modo que o processo penal é orientado pelo princípio da verdade processual, em que o juiz tem o dever de investigar, tanto quanto possível, a realidade fática dos autos, razão pela qual seus poderes instrutórios são mais amplos (art. 156, 196 e 234, CPP). Diversamente, no processo civil, os direitos são, em regra, disponíveis para as partes, o que tem o condão de mitigar a imperiosidade da investigação da verdade processual e, por conseguinte, limitar os poderes de instrução do magistrado na busca da verdade material. Esta, portanto, resta enfraquecida pela admissibilidade de presunções, ficções e transações, entre as quais menciona-se, à guisa de exemplo, a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo autor como efeito da revelia (art. 319 do CPC). Dessa forma, a impenhorabilidade do bem de família, dada a sua importância social, somente pode ser superada quando houver transgressão à norma penal com concomitante ofensa à norma civil, rendendo ensejo, portanto, após o trânsito em julgado d sentença que a reconhecer, ao dever de ressarcimento do prejuízo causado pela prática do delito, ou seja, à ação civil ex delicto. Confira-se a lição de Fernando da Costa Tourinho Filho: De modo geral, quando alguém transgride a norma penal, produz, com simultaneidade, ofensa a 'duas ordens distintas de interesses: o social, sob a égide das leis sociais, e o particular, que as leis civis protegem' [...] Atendendo a tais circunstâncias, muitos juristas afirmam que a infração penal dá nascimento a duas ações: à ação penal, visando à aplicação da pena, e à ação civil, objetivando a reparação dos prejuízos ocasionados pelo crime. [...] No entanto, infrações penais há que originam tão somente a pretensão punitiva, como ocorre em certas contravenções penais, como a prevista no art. 62 da LCP, no crime do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 e em alguns crimes contra a administração da justiça, por exemplo. [...] Tais infrações não produzem dano patrimonial ou moral ressarcíveis e, por isso, não dão lugar à actio civilis ex delicto. [...] 

12. Especificamente na hipótese em julgamento, aplicou-se a exceção prevista no art. 3º, VI, da Lei 8.009/90, mesmo sem a existência de sentença penal condenatória. Isso porque o Tribunal de origem afirmou que a inexistência da condenação penal ocorreu somente em razão do decurso do prazo da prescrição condenatória e, afastados os efeitos prescricionais, haveria certamente uma condenação penal. 

13. Verifica-se, assim, que o Tribunal de origem, para a aplicação da exceção à impenhorabilidade ao bem de família, presumiu uma condenação penal, a qual – de fato – não existe. Fez isso a partir dos elementos contidos nos autos, que seriam fortemente inclinados a demonstrar o cometimento de ato ilícito pelo recorrente. No entanto, não há como afastar que sobre ele não existe nenhuma sentença penal condenatória e, portanto, a aplicação da exceção mencionada foi fundamentada em simples presunção. 

14. Dessa forma, por todo o exposto anteriormente, apesar dos elementos probatórios em desfavor do recorrente, a exceção à impenhorabilidade não pode ser presumida, pois impossível a interpretação extensiva do dispositivo em comento. 

15. Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para afastar, na hipótese, a aplicação da exceção contida no art. 3º, VI, da Lei 8.009/90. 

16. Por fim, deixa-se de aplicar o disposto no art. 85, § 11, do CPC/2015 ante a ausência de prévia fixação ao pagamento de honorários sucumbenciais. 

Filigrana doutrinária: Impenhorabilidade do Bem de Família e sentença penal condenatória - Cândido Rangel Dinamarco

“essas exceções significam que a Lei do Bem de Família teve a intenção de balancear valores, privilegiando o valor moradia, mas ressalvando que o bem de família será penhorável em benefício dos credores por alimentos, ou por verbas devidas aos trabalhadores da própria residência, ou por garantia real constituída pelo devedor residente no imóvel etc" 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. 4. 2. ed. São Paulo: Malheiros, p. 358. 

AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. CAUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.873.203 - SP (2020/0106938-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. CAUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. 

1. Ação de execução de título executivo extrajudicial – contrato de locação. 

2. Ação ajuizada em 05/08/2019. Recurso especial concluso ao gabinete em 16/07/2020. Julgamento: CPC/2015. 

3. O propósito recursal é definir se imóvel – alegadamente bem de família – oferecido como caução imobiliária em contrato de locação pode ser objeto de penhora. 

4. Em se tratando de caução, em contratos de locação, não há que se falar na possibilidade de penhora do imóvel residencial familiar. 

5. Recurso especial conhecido e provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 24 de novembro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI: Cuida-se de recurso especial interposto por JOAO VICENTE FERREIRA, fundamentado nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo TJ/SP. 

Recurso especial interposto em: 21/01/2020. Concluso ao Gabinete em: 16/07/2020. 

Ação: de execução de título executivo extrajudicial – contrato de locação -, ajuizada por LEVIAN-PARTICIPACOES E EMPREENDIMENTOS LTDA e PENTAR ADMINISTRADORA E INCORPORADORA LTDA, em desfavor do locatário e de JOAO VICENTE FERREIRA (ora recorrente), este último como caucionante da relação locatícia. 

O recorrente, por sua vez, apresentou exceção de pré-executividade, sustentando, dentre outros pontos, a impenhorabilidade do bem de família oferecido em caução. 

Decisão interlocutória: rejeitou a exceção de pré-executividade apresentada pelo recorrente (e-STJ fls. 20-21). 

Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL – LOCAÇÃO – Executado João prestou garantia de caução de imóvel em contrato de locação – Caução do bem imóvel no contrato de locação (artigo 37, inciso I, da Lei número 8.245/91) configura hipoteca, que é hipótese de exceção à regra de impenhorabilidade, nos termos do artigo 3º, inciso V, da Lei número 8.009/90 – Eventuais atos expropriatórios contra o Executado João são restritos ao objeto da garantia – Cabível a manutenção do Executado João no polo passivo da execução originária (presente a legitimidade processual), para garantir a manifestação acerca dos atos praticados em relação ao imóvel caucionado – Decisão agravada rejeitou a exceção de pré-executividade – RECURSO DO EXECUTADO JOÃO IMPROVIDO (e-STJ fl. 47). 

Embargos de declaração: opostos pelo recorrente, foram rejeitados (e-STJ fls. 67-69). 

Recurso especial: alega violação dos arts. 1º e 3º da Lei 8.009/90, bem como dissídio jurisprudencial. Sustenta que: 

i) tendo em vista que a garantia prestada foi a de caução imobiliária, o imóvel objeto desta garantia, por ser bem de família, não pode ser objeto de penhora; 

ii) o imóvel penhorado serve de residência para o recorrente e sua família; 

iii) o rol do art. 3º da Lei 8.009/90 – que prevê as exceções à regra geral da impenhorabilidade do bem de família - é taxativo e não prevê a hipótese da caução imobiliária; e 

iv) a fiança locatícia – uma das exceções previstas à regra geral da impenhorabilidade do bem de família – difere-se da caução imobiliária, sendo vedada a interpretação extensiva do art. 3º, VII, da Lei 8.009/90 (e-STJ fls. 72-86). 

Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/SP admitiu o recurso especial interposto por JOAO VICENTE FERREIRA, determinando a remessa dos autos a esta Corte Superior (e-STJ fls. 173-176). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (RELATOR): O propósito recursal é definir se imóvel – alegadamente bem de família – oferecido como caução imobiliária em contrato de locação pode ser objeto de penhora. 

Aplicação do Código de Processo Civil de 2015 – Enunciado Administrativo n. 3/STJ. 

1. DA PENHORA DE BEM DE FAMÍLIA OFERECIDO COMO CAUÇÃO IMOBILIÁRIA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO (art. 3º da Lei 8.009/90; e dissídio jurisprudencial) 

1. Nos termos do art. 37 da Lei 8.245/91, no contrato de locação de imóveis urbanos podem ser exigidos pelo locador certas modalidades de garantia, podendo-se citar, dentre elas, a caução (inciso I) e a fiança (inciso II). 

2. Em paralelo, mister destacar, também, que a Lei 8.245/91 inseriu o inciso VII ao art. 3º da Lei 8.009/90, que dispõe acerca de exceções à regra geral da impenhorabilidade do bem de família, fazendo constar que a penhora do bem de família será autorizada quando se tratar de obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. 

3. A referida exceção agregou-se às outras hipóteses previstas na lei (art. 3º), em que se admite – por exceção à regra geral - a penhora do bem de família, quais sejam: i) execução movida pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou aquisição do imóvel; ii) pelo credor da pensão alimentícia; iii) para cobrança de impostos, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; iv) para a execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou entidade familiar; e v) por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória. 

4. Como se sabe, as hipóteses de exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família, previstas na Lei 8.009/90, são taxativas, não comportando interpretação extensiva. 

5. Dentre elas, como se infere, não consta a hipótese da caução imobiliária oferecida em contrato de locação, razão pela qual inviável que se admita a penhora ao bem de família do recorrente. 

6. De fato, considerando que a possibilidade de expropriação do imóvel residencial é exceção à garantia da impenhorabilidade, a interpretação às ressalvas legais deve ser restritiva, sobretudo na hipótese sob exame, em que o legislador optou, expressamente, pela espécie (fiança), e não pelo gênero (caução), não deixando, por conseguinte, margem a dúvidas (REsp 866.027/SP, 5ª Turma, DJ 29/10/2007). 

7. No mesmo sentido, citam-se: 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. CAUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. NORMA COGENTE. IMPROVIMENTO. 1. Esta Corte possui firme entendimento de que em se tratando de caução, em contratos de locação, não há que se falar na possibilidade de penhora do imóvel residencial familiar. 2. Agravo Regimental improvido (AgRg no REsp 1.334.693/SP, 3ª Turma, DJe 01/08/2013). 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. LOCAÇÃO. CAUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. NORMA COGENTE. 1. Esta Corte possui firme entendimento de que em se tratando de caução, em contratos de locação, não há que se falar na possibilidade de penhora do imóvel residencial familiar. 2. Ressalta-se que a indicação do imóvel como garantia não implica em renúncia ao benefício da impenhorabilidade do bem de família, em razão da natureza de norma cogente, prevista na Lei n.º 8.009/90. 3. Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1.108.749/SP, 6ª Turma, DJe 31/08/2009). 

8. Por oportuno, convém salientar que o TJ/SP reconheceu a possibilidade de penhora do imóvel oferecido como caução pelo recorrente sob o argumento de que “descabida a alegação de impenhorabilidade do bem de família, pois a caução do bem imóvel no contrato de locação (artigo 37, inciso I, da Lei número 8.245/91) configura hipoteca, que é hipótese de exceção à regra de impenhorabilidade, nos termos do artigo 3º, inciso V, da Lei número 8.009/90” (e-STJ fl. 49) (grifo acrescentado). 

9. Entretanto, sequer poder-se-ia entender que a caução imobiliária prestada configuraria hipoteca - hipótese em que o benefício da impenhorabilidade não seria oponível -, uma vez que, como mesmo perfilhado pela jurisprudência desta Corte Superior, a penhorabilidade excepcional do bem de família, de que cogita o art. 3º, V, da Lei 8.009/90, só incide em caso de hipoteca dada em garantia de dívida própria, e não de dívida de terceiro (AgInt no AREsp 1.551.138/SP, 4ª Turma, DJe 13/03/2020; e AgRg no REsp 1.543.221/PR, 3ª Turma, DJe 09/12/2015). 

10. O acórdão recorrido, portanto, merece reforma. Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial interposto por JOAO VICENTE FERREIRA e, nessa extensão, DOU-LHE PROVIMENTO, a fim de reconhecer a impenhorabilidade de bem de família oferecido como caução em contrato de locação. 

Dado o provimento do recurso especial, bem como a ausência de fixação de verba honorária na origem, não há que se falar na majoração dos honorários recursais estabelecida pelo art. 85, § 11, do CPC/2015.