RECURSO ESPECIAL Nº 1.929.230 - MT (2020/0165756-0)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
RECORRIDO : ERALDO EDGAR DE LIMA
ADVOGADO : JOSÉ CARLOS MARQUES - MT011737
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE. FASE DE
CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. REQUERIMENTO DE MEDIDAS
COERCITIVAS. SUSPENSÃO DE CNH E APREENSÃO DE
PASSAPORTE. POSSIBILIDADE. ART. 139, IV, DO CPC/2015. MEDIDAS
EXECUTIVAS ATÍPICAS. APLICAÇÃO EM PROCESSOS DE
IMPROBIDADE. OBSERVÂNCIA DE PARÂMETROS. ANÁLISE DOS
FATOS DA CAUSA.
HISTÓRICO DA DEMANDA
1. Trata-se, na origem, de cumprimento de sentença que condenou o recorrido
por improbidade administrativa consistente na contratação direta de serviços
gráficos para a confecção de 60 mil cartilhas informativas do SUS, sem prévio
procedimento licitatório.
2. De acordo com o acórdão recorrido, tentou-se executar a multa imposta na
sentença condenatória transitada em julgado, mas, "após várias diligências ao
longo de cinco anos, não foi possível recolher o montante referente a sanção
pecuniária, o que resultou no pedido manejado pelo Ministério Público de
apreensão de carteira de habilitação e passaporte, com o escopo de
compelir o Agravado de arcar com o valor do débito." (fl. 80, e-STJ,
destaque acrescentado).
3. Entendeu o Tribunal de origem que a medida requerida "atenta contra os
princípios da proporcionalidade e razoabilidade [...] não encontra guarida no
princípio da responsabilidade patrimonial, que tem por escopo garantir que o
cumprimento da obrigação não ultrapasse bens outros que não o patrimônio do
devedor." (fl. 79, e-STJ ).
FUNDAMENTAÇÃO ESTRITAMENTE JURÍDICA E
INFRACONSTITUCIONAL
4. O Tribunal de origem adota o entendimento de que a apreensão do passaporte
e a suspensão da CNH do devedor são meios executivos que não encontram
suporte no art. 139, IV, do CPC/2015. Esse preceito, segundo a doutrina
especializada, consagra as chamadas medidas executivas atípicas, ao estabelecer
que o juiz pode "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais
ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial,
inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária."
5. No acórdão recorrido se afirma que o referido artigo 139, IV, do CPC/2015
contraria o princípio da menor onerosidade e "não encontra guarida no princípio
da responsabilidade patrimonial" (fl. 82, e-STJ). Também se afirma que "não há
demonstração efetiva nos autos de que a suspensão da CNH e retenção do
passaporte do Agravado possa viabilizar a efetiva satisfação do crédito." (fl. 82,
e-STJ). Ocorre que esse não é um juízo fático, pois o Tribunal de origem deixa
claro que não adiantaria demonstrar que as medidas seriam eficazes, uma vez
que, em sua ótica, "se executadas, seriam aplicadas apenas com a função de punir o executado e não como meio de prover a tutela jurisdicional" (fl. 82,
e-STJ). Essa perspectiva fica ainda mais clara na conclusão do acórdão
recorrido: "Nesse contexto, inexistindo previsão legal expressa para adoção
das medidas requeridas, forçosa é a manutenção da decisão agravada, que
indeferiu o pedido de suspensão da CNH e bloqueio do passaporte do agravado."
(fl. 83, e-STJ, destaque acrescentado).
6. Trata-se, portanto, de saber se as instâncias ordinárias negaram ou não
vigência ao artigo 139, IV, do CPC/2015. 7. Também se aduz no aresto que a imposição das medidas atípicas "implicaria
em violação de direitos constitucionalmente garantidos, conforme preceitua o art.
5º, XV, CF, além de se afigurarem desarrazoados e desproporcionais ao direito
perseguido." (fl. 82, e-STJ).
8. O que há nesse raciocínio é, ainda, interpretação do artigo 139, IV. O que o
Tribunal de origem proclama é a compreensão de que o preceito não poderia ser
entendido de determinada forma em decorrência da ordem constitucional, ou seja,
há a ideia de ofensa reflexa à Constituição.
10. Por isso, no STF, embora a matéria esteja sob apreciação na ADI 5.941
(ainda não decidida), não se está conhecendo dos Recursos Extraordinários
com o fundamento de que se trata de controvérsia infraconstitucional. Nesse sentido, as seguintes decisões monocráticas: RE 1.221.543, Relator Min.
Alexandre de Moraes, DJe 7.8.2019; RE 1.282.533/PR, Rel. Min. Roberto
Barroso, DJe 25.8.2020; RE 1.287.895, Relator Min. Marco Aurélio, DJe
21.9.2020; RE 1.291.832, Relator Min. Ricardo Lewandowski, DJe 1.3.2021.
JURISPRUDÊNCIA DO STJ
11. Há no Superior Tribunal de Justiça julgados favoráveis à possibilidade da
adoção das chamadas medidas atípicas no âmbito da execução, desde que
preenchidos certos requisitos. Nesse sentido: "O propósito recursal é definir se a
suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do
devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas
pelo juiz condutor do processo executivo [...] O Código de Processo Civil de
2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra
segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas,
coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto
prestação pecuniária (art. 139, IV)." (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy
Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019). Na mesma esteira: AgInt no REsp
1.837.309/SP, Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe
13.2.2020; REsp 1.894.170/RS, Relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma,
DJe 12.11.2020.
12. Há, também, decisão da Primeira Turma que indefere as medidas atípicas,
mas mediante expressa referência aos fatos da causa. Afirmou-se no
julgado: "O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento
interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro
Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do
executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e
de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator,
deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. Ao que se dessume
do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto
econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que
o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu
aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso,
rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de
Foz do Iguaçu Ltda. - EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164)."
(HC 45.3870/PR, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe
15.8.2019).
RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE DAS MEDIDAS
ATÍPICAS EM PROCESSOS DE IMPROBIDADE
13. Além de fazer referência aos fatos da causa – coisa que o Tribunal de origem
não fez, pois considerou não razoáveis e desproporcionais as medidas em abstrato
–, essa última decisão, da Primeira Turma, foi proferida em Execução Fiscal.
Aqui, diversamente, trata-se de cumprimento de sentença proferida em Ação por
Improbidade Administrativa, demanda que busca reprimir o enriquecimento
ilícito, as lesões ao erário e a ofensa aos princípios da Administração Pública.
14. Inadmissíveis manobras para escapar da execução das sanções pecuniárias
impostas pelo Estado, sob pena de as condutas contrárias à moralidade
administrativa ficarem sem resposta. Ora, se o entendimento desta Corte – conforme a jurisprudência supradestacada – é o de que são cabíveis medidas
executivas atípicas para a satisfação de obrigações de cunho estritamente
patrimonial, com muito mais razão elas devem ser admitidas em casos em que o
cumprimento da sentença se dá para tutelar a moralidade e o patrimônio público.
Superada a questão da impossibilidade de adoção de medidas executivas atípicas
de cunho não patrimonial pela jurisprudência desta Corte (premissa equivocada
do acórdão recorrido), não há como não considerar o interesse público, na
satisfação da obrigação, importante componente para definir o cabimento (ou
não) delas à luz do caso concreto.
15. Não ocorre, portanto – ao menos do modo abstrato como analisado o caso na
origem –, ofensa à proporcionalidade ou à razoabilidade pela adoção de medidas
não patrimoniais para o cumprimento da sentença.
PARÂMETROS
16. Os parâmetros construídos pela Terceira Turma para a aplicação das
medidas executivas atípicas encontram largo amparo na doutrina e se revelam
adequados também ao cumprimento de sentença proferida em Ação por
Improbidade.
17. Conforme tem preconizado a Terceira Turma, "A adoção de meios
executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de
que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de
modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às
especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório
substancial e do postulado da proporcionalidade." (REsp 1.788.950/MT, Rel.
Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019).
18. Consigne-se que a observância da proporcionalidade não deve ser feita
em abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente
declarem inconstitucional o artigo 139, IV, do CPC/2015. Não sendo o
caso, as balizas da proporcionalidade devem ser observadas com referência ao
caso concreto, nas hipóteses em que as medidas atípicas se revelem
excessivamente gravosas e causem, por exemplo, prejuízo ao exercício da
profissão. CONCLUSÃO
19. Recurso Especial parcialmente provido para determinar a devolução dos
autos à origem, a fim de que o requerimento de adoção de medidas atípicas, feito
com fundamento no artigo 139, IV, do CPC, seja analisado de acordo com o caso
concreto, mediante a observância dos parâmetros acima delineados.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: ""A Turma, por
unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a).
Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques,
Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator."
Brasília, 04 de maio de 2021(data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator RECURSO ESPECIAL Nº 1.929.230 - MT (2020/0165756-0)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
RECORRIDO : ERALDO EDGAR DE LIMA
ADVOGADO : JOSÉ CARLOS MARQUES - MT011737
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se
de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição da
República, contra acórdão assim ementado:
RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA – PEDIDO DE SUSPENSÃO E RETENÇÃO DE
PASSAPORTE – DESCABIMENTO – RESTRIÇÃO INDEVIDA – RECURSO DESPROVIDO.
1 – A pretensão do Ministério Público de suspensão da CNH da
ora recorrente, atenta contra os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e
não se mostra efetiva para o alcance do pretendido.
2 – A medida pretendida pelo Recorrente não encontra guarida no
princípio da responsabilidade patrimonial, que tem por escopo garantir que o
cumprimento da obrigação não ultrapasse bens outros que não o patrimônio do
devedor.
Aponta-se no Recurso Especial ofensa ao art. 139, IV, do Código de Processo
Civil.
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento da irresignação.
É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.929.230 - MT (2020/0165756-0)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos
foram recebidos neste Gabinete em 24 de março de 2021.
1. Histórico da demanda
Trata-se, na origem, de cumprimento de sentença que condenou o recorrido
por improbidade administrativa consistente na contratação direta de serviços gráficos para a
confecção de 60 mil cartilhas informativas do SUS, sem prévio procedimento licitatório.
De acordo com o acórdão recorrido, tentou-se executar a multa imposta na
sentença condenatória transitada em julgado, mas, "após várias diligências ao longo de cinco
anos, não foi possível recolher o montante referente a sanção pecuniária, o que resultou no
pedido manejado pelo Ministério Pública de apreensão de carteira de habilitação e passaporte,
com o escopo de compelir o Agravado de arcar com o valor do débito." (fl. 80, e-STJ).
Entendeu o Tribunal de origem que a medida requerida "atenta contra os
princípios da proporcionalidade e razoabilidade [...] não encontra guarida no princípio da
responsabilidade patrimonial, que tem por escopo garantir que o cumprimento da obrigação
não ultrapasse bens outros que não o patrimônio do devedor." (fl. 79, e-STJ).
2. Conhecimento do Recurso Especial
No acórdão recorrido se transcreve o artigo 139, IV, do CPC/2015 – o
fundamento das chamadas medidas executivas atípicas – e se conclui: "a medida pretendida
pelo Recorrente não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial, que tem
por escopo garantir que o cumprimento da obrigação não ultrapasse bens outros que não o
patrimônio do devedor." (fl. 82, e-STJ).
Afirma-se, ainda, que "a execução se rege pelo princípio da menor onerosidade
do devedor, não se mostrando adequado, no cumprimento de sentença, impor ao devedor
restrições pessoais [...]" (fl. 82, e-STJ). Até aqui, o que faz o Tribunal de origem é uma interpretação sistemática do
CPC/2015 para concluir que a apreensão do passaporte e a suspensão da CNH não
encontrariam suporte no citado art. 139, IV, que autoriza o juiz a "determinar todas as medidas
indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o
cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação
pecuniária."
É verdade que no aresto se apresenta, também, o argumento de que a
imposição das medidas "implicaria em violação de direitos constitucionalmente garantidos,
conforme preceitua o art. 5º, XV, CF, além de se afigurarem desarrazoados e
desproporcionais ao direito perseguido." (fl. 82, e-STJ).
Mas o que há nesse raciocínio é, ainda, uma interpretação do artigo 139, IV,
do CPC, consoante a qual o preceito não poderia ser entendido de determinada forma em
decorrência da ordem constitucional, ou seja, há a ideia de ofensa reflexa à Constituição.
Por isso, no STF, embora a matéria esteja sob apreciação na ADI 5.941 (ainda
não decidida), não se está conhecendo dos Recursos Extraordinários com o fundamento de
que se trata de controvérsia infraconstitucional. Nesse sentido, as decisões monocráticas nos
seguintes feitos: RE 1.221.543, Relator Min. Alexandre de Moraes, DJe 7.8.2019; RE
1.282.533/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 25.8.2020; RE 1.287.895, Relator Min.
Marco Aurélio, DJe 21.9.2020; RE 1.291.832, Relator Min. Ricardo Lewandowski, DJe
1.3.2021.
Por fim, é verdade que no acórdão recorrido se diz que "não há demonstração
efetiva nos autos de que a suspensão da CNH e retenção do passaporte do Agravado possa
viabilizar a efetiva satisfação do crédito." (fl. 82, e-STJ).
Ocorre que esse não é um juízo fático, pois o Tribunal de origem deixa claro
que não adiantaria demonstrar que as medidas seriam eficazes, pois, em sua ótica, "se
executadas, seriam aplicadas apenas com a função de punir o executado e não como meio de
prover a tutela jurisdicional." (fl. 82, e-STJ).
Essa perspectiva fica ainda mais clara na conclusão do acórdão recorrido:
"Nesse contexto, inexistindo previsão legal expressa para adoção das medidas requeridas, forçosa é a manutenção da decisão agravada, que indeferiu o pedido de
suspensão da CNH e bloqueio do passaporte do agravado." (fl. 83, e-STJ, destaquei).
Trata-se, portanto, de saber se as instâncias ordinárias negaram ou não vigência
ao artigo 139, IV, do CPC/2015.
3. Jurisprudência do STJ
Há no Superior Tribunal de Justiça julgados favoráveis à possibilidade da
adoção das chamadas medidas atípicas no âmbito da execução, desde que preenchidos certos
requisitos. Nesse sentido:
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL. CHEQUES. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO
CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. MEDIDAS EXECUTIVAS
ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. DELINEAMENTO
DE DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA SUA APLICAÇÃO.
[...]
2. O propósito recursal é definir se a suspensão da carteira
nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de
pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do
processo executivo.
[...]
4. O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior
celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao
juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou
sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial,
inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV).
5. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela,
todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de qualquer
medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos.
6. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de
processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma
circunstância poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo
possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam
direitos individuais de forma razoável. Precedente específico.
7. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que,
verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio
expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de
decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese
concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da
proporcionalidade.
8. Situação concreta em que o Tribunal a quo indeferiu o pedido
do recorrente de adoção de medidas executivas atípicas sob o fundamento de que não há sinais de que o devedor esteja ocultando patrimônio, mas sim de que não
possui, de fato, bens aptos a serem expropriados.
9. Como essa circunstância se coaduna com o entendimento
propugnado neste julgamento, é de rigor - à vista da impossibilidade de esta Corte
revolver o conteúdo fático-probatório dos autos - a manutenção do aresto
combatido.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E
NÃO PROVIDO.
(REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira
Turma, DJe 26.4.2019)
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
PROCESSUAL CIVIL. CPC/15. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA.
MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC.
SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH)
E APREENSÃO DE PASSAPORTE. DIRETRIZES FIXADAS PELA 3ª
TURMA NO JULGAMENTO DO REsp 1.788.950/MT. INEXISTÊNCIA DE
BENS PASSÍVEIS DE EXPROPRIAÇÃO RECONHECIDA PELAS
INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REVISÃO. VEDAÇÃO. SÚMULA 7/STJ.
DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
(AgInt no REsp 1.837.309/SP, Relator Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, Terceira Turma, DJe 13.2.2020).
Recentemente, a Terceira Turma reiterou essa orientação:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL.
DÉBITOS LOCATÍCIOS. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139,
IV, DO CPC/15. CABIMENTO. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A
SEREM OBSERVADAS PARA A SUA APLICAÇÃO.
[...]
7. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que,
verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio
expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de
decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese
concreta, com observância do
contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade.
8. Situação concreta em que o Tribunal a quo demonstra que há
sinais de que o devedor esteja ocultando patrimônio.
9. Dada as peculiaridades do caso concreto, e tendo em vista que
i) há a existência de indícios de que o recorrente possua patrimônio apto a
cumprir com a obrigação a ele imposta; ii) a decisão foi devidamente
fundamentada com base nas especificidades constatadas; iii) a medida atípica
está sendo utilizada de forma subsidiária, dada a menção de que foram
promovidas diligências à exaustão para a satisfação do crédito; e iv) observou-se
o contraditório e o postulado da proporcionalidade; o acórdão recorrido não
merece reforma. 10. Recurso especial conhecido e não provido.
(REsp 1.894.170/RS, Relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira
Turma, DJe 12.11.2020)
Há, também, decisão da Primeira Turma que indefere as medidas atípicas, mas
mediante expressa referência aos fatos da causa.
Confira-se a ementa do julgado:
CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. DIREITOS E
GARANTIAS FUNDAMENTAIS. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO
FISCAL. DIREITO DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É
DEMANDADA NO PRESENTE HABEAS CORPUS, COM PEDIDO DE
MEDIDA LIMINAR. ACÓRDÃO DO TC/PR CONDENATÓRIO AO ORA
PACIENTE À PENALIDADE DE REPARAÇÃO DE DANO AO
ERÁRIO, SUBMETIDO À EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA PELA
FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, NO VALOR DE R$
24 MIL. MEDIDAS CONSTRICTIVAS DETERMINADAS PELA CORTE
ARAUCARIANA PARA GARANTIR O DÉBITO, EM ORDEM A
INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE MAUS
PAGADORES, APREENDER PASSAPORTE E SUSPENDER
CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. CONTEXTO ECONÔMICO QUE
PRESTIGIA USOS E COSTUMES DE MERCADO NAS EXECUÇÕES
COMUNS, NORTEANDO A SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS COM ALTO
RISCO DE INADIMPLEMENTO. RECONHECIMENTO DE QUE NÃO SE
APLICA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS A LÓGICA DE MERCADO,
SOBRETUDO PORQUE O PODER PÚBLICO JÁ É DOTADO, PELA LEI
6.830/1980, DE ALTÍSSIMOS PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS, QUE NÃO
JUSTIFICAM O EMPREGO DE ADICIONAIS MEDIDAS AFLITIVAS
FRENTE À PESSOA DO EXECUTADO. ADEMAIS, CONSTATA-SE A
DESPROPORÇÃO DO ATO APONTADO COMO COATOR, POIS O
EXECUTIVO FISCAL JÁ CONTA COM A PENHORA DE 30% DOS
VENCIMENTOS DO RÉU. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA
ORDEM. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE MODO A
DETERMINAR, COMO FORMA DE PRESERVAR O DIREITO
FUNDAMENTAL DE IR E VIR DO PACIENTE, A EXCLUSÃO DAS
MEDIDAS ATÍPICAS CONSTANTES DO ARESTO DO TJ/PR,
APONTADO COMO COATOR, QUAIS SEJAM, (I) A SUSPENSÃO DA
CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, (II) A APREENSÃO DO
PASSAPORTE, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR DEFERIDA.
1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo,
Execução Fiscal adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do
Paraná que responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com
débitos trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como
forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a
consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53.
2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do
juízo, tais como as consultas Bacenjud, Renajud, pesquisa on-line de bens
imóveis, disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado
determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na Companhia
de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção imediata em folha de
pagamento.
3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido
de expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de
passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana
deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda
de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela
Municipalidade exequente, consistentes em suspensão de Carteira Nacional de
Habilitação e apreensão de passaporte.
4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no
Executivo Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento
de dívida, tendo-se, como referência analítica, direitos e garantias fundamentais do
cidadão, especialmente o de direito de ir e vir.
5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar
todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias
necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas
ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art. 139, IV do
Código Fux.
6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que
dão conta da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no
curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte, suspender a
Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do devedor no cadastro
de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o executado a efetuar o
pagamento, por intermédio do constrangimento de certos direitos do devedor.
7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são
assim tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do
exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário
enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato atentatório à
dignidade da Justiça.
8. De fato, essas medidas constrictivas atípicas se situam na
eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito
disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados,
é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o
crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a
alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento
imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo
próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a
altos juros.
9. Julgadores que promovem a determinação para que, na
hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão,
como se tem visto na limitação do uso de passaporte e da licença para dirigir,
querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de
risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas
normas regulatórias próprias, como força centrífuga à autoridade estatal, consoante estudou o Professor JOSÉ EDUARDO FARIA na obra O Direito na
Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 64/85.
10. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de
adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas
aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa
modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida mundivisão
acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora ela [a visão de
mundo] não seja única, não se podendo dizer paradigmática.
11. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não
está alheia ao controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior,
consoante se verifica dos seguintes arestos: o habeas corpus é instrumento de
previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de
utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que
se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. O
acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que
pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o
habeas corpus via processual adequada para essa análise (RHC 97.876/SP, Rel.
Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.8.2018; AgInt no AREsp.
1.233.016/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4.2018).
12. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros
rumos quando medidas aflitivas pessoais atípicas são colocadas em vigência
nesse procedimento de satisfação de créditos fiscais. Inegavelmente, o Executivo
Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade,
mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem
incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito.
13. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal,
de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é
superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente
especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores
altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do
procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis.
Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui privilégios ex ante, a
execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (art. 16, § 1o. da
LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum.
Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de
inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental.
14. Não se esqueça, ademais, que, muito embora cuide o presente
caso de direito regressivo exercido pela Municipalidade em Execução Fiscal
(caráter não tributário da dívida), sempre é útil registrar que o crédito tributário
é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso,
atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados
bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário
tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III
da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor
podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida
(art. 185-A do Código Tributário Nacional). São providências que não encontram
paralelo nas execuções comuns.
15. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas
atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no Executivo Fiscal. A aplicação delas,
nesse contexto, resulta em excessos.
16. Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de
severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em
Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo
para pagamento de tributos (Súmula 323/STF).
17. Na espécie, consoante relata o ato apontado como
coator, trata-se de Execução Fiscal manejada pela Fazenda do Município de
Foz do Iguaçu/PR em desfavor do ora Paciente, então Prefeito da urbe
paranaense, a partir da qual visa à satisfação de crédito como direito de
regresso, uma vez que a Municipalidade fora condenada à restituição de dano ao
Erário como sanção aplicada pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná
(débitos trabalhistas com origem em contratação ilegal de funcionários
terceirizados, contratações essas ordenadas pelo então Alcaide, ora Paciente). O
caderno aponta que o valor histórico do crédito vindicado é de R$ 24.645,53 (fls.
114).
18. O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de
Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão
de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do
nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de
dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como
ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal.
19. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida
é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão
anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas
adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual
aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na
Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de
sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu
Ltda. - EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164).
20. Submeteu-se o réu à notória restrição constitucional do direito
de ir e vir num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada,
pelo que se dessume da espécie.
21. Assinale-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus itens
1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem
direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições
legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país,
inclusive do próprio.
22. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas
Corpus sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de
locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode se
valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao Pacto de
São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a existência de
diversos meios de deslocamento não retira o fato de que deve ser
amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação pela forma que
melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo essencial das liberdades
individuais, tal como é o direito e ir e vir.
23. Cumpre registrar que a opinião do douto parecer do Ministério Público Federal é por conceder-se o remédio constitucional, sob a
premissa de que, apresentada a questão com tais contornos, estritamente
atrelada ao arcabouço probatório encartado nos autos, não há outra possibilidade
senão reconhecer que, não sendo a medida restritiva adequada e necessária,
ainda que sob o escudo da busca pela efetivação da legítima Execução
Fiscal promovida originariamente, a sua efetivação tornou-se contrária à
ordem jurídica, porquanto adentrou demasiadamente na esfera pessoal, e não
patrimonial, do executado/impetrante, configurando, certamente, ato punitivo,
não constritivo, atentando, portanto, contra a sua liberdade de ir e vir (fls.
262/264). O Paciente está a merecer, em confirmação da medida liminar, a
tutela da liberdade de ir a vir pelo remédio de Habeas Corpus.
24. Parecer do MPF pela concessão da medida. Habeas Corpus
concedido em favor do Paciente, confirmando-se a medida liminar anteriormente
concedida, apta a determinar sejam excluídas as medidas atípicas constantes
do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de
Habilitação, apreensão do passaporte).
(HC 45.3870/PR, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho,
Primeira Turma, DJe 15.8.2019)
4. Razoabilidade e proporcionalidade das medidas atípicas nos processos
de improbidade
Além de fazer referência aos fatos da causa – coisa que o Tribunal de origem
não fez, pois considerou não razoáveis e desproporcionais as medidas em abstrato –, essa
última decisão, da Primeira Turma, foi proferida em Execução Fiscal.
Diversamente, no caso dos autos, trata-se de cumprimento de sentença
proferida em Ação por Improbidade Administrativa, demanda que busca reprimir o
enriquecimento ilícito, as lesões ao erário e a ofensa aos princípios da Administração Pública.
Não se podem admitir neste processo manobras para escapar da execução das
sanções pecuniárias impostas pelo Estado, sob pena de as condutas contrárias à moralidade
administrativa ficarem sem resposta.
Ora, se o entendimento desta Corte – conforme a jurisprudência
supradestacada – é o de que são cabíveis medidas executivas atípicas para a satisfação de
obrigações de cunho estritamente patrimonial, com muito mais razão elas devem ser admitidas
em casos em que o cumprimento da sentença se dá para tutelar a moralidade e o patrimônio
público. Superada a questão da impossibilidade de adoção de medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial pela jurisprudência desta Corte (premissa equivocada do acórdão
recorrido), não há como não considerar o interesse público, na satisfação da obrigação,
importante componente para definir o cabimento (ou não) delas à luz do caso concreto.
Não há, portanto – ao menos do modo abstrato como analisado o caso na
origem –, ofensa à proporcionalidade ou à razoabilidade pela adoção de medidas não
patrimoniais para o cumprimento da sentença.
5. Parâmetros
Os parâmetros construídos pela Terceira Turma encontram largo amparo na
doutrina e se revelam adequados também ao cumprimento de sentença proferida em Ação por
Improbidade.
Conforme tem preconizado a Terceira Turma, "A adoção de meios executivos
atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua
patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de
decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com
observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade." (REsp
1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019).
Consigne-se que a observância da proporcionalidade não deve ser feita em
abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente declarem inconstitucional o
artigo 139, IV, do CPC/2015. Não sendo o caso, as balizas da proporcionalidade devem ser
observadas com referência ao caso concreto, nas hipóteses em que as medidas atípicas se
revelem excessivamente gravosas e causem, por exemplo, prejuízo ao exercício da profissão.
6. Conclusão
Ante o exposto, dou parcial provimento ao Recurso Especial para determinar a
devolução dos autos à origem, a fim de que o requerimento de adoção de medidas atípicas,
feito com fundamento no artigo 139, IV, do CPC, seja analisado de acordo com o caso
concreto, mediante a observância dos parâmetros jurisprudenciais acima estabelecidos.
É como voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2020/0165756-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.929.230 / MT
Números Origem: 1010211-37.2019.8.11.0000 10102113720198110000 158781020108110041
PAUTA: 27/04/2021 JULGADO: 27/04/2021
Relator
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MARIO LUIZ BONSAGLIA
Secretária
Bela. VALÉRIA RODRIGUES SOARES
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
RECORRIDO : ERALDO EDGAR DE LIMA
ADVOGADO : JOSÉ CARLOS MARQUES - MT011737
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos
Administrativos - Improbidade Administrativa
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2020/0165756-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.929.230 / MT
Números Origem: 1010211-37.2019.8.11.0000 10102113720198110000 158781020108110041
PAUTA: 27/04/2021 JULGADO: 04/05/2021
Relator
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MARIO LUIZ BONSAGLIA
Secretária
Bela. VALÉRIA RODRIGUES SOARES
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
RECORRIDO : ERALDO EDGAR DE LIMA
ADVOGADO : JOSÉ CARLOS MARQUES - MT011737
ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos
Administrativos - Improbidade Administrativa
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto
do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."
Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e
Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.