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19 de novembro de 2021

Mesmo que o juiz reconheça a prescrição das penas pela prática do ato de improbidade, a ação poderá continuar para analisar o pedido de ressarcimento ao erário, não sendo necessária uma ação autônoma apenas para discutir isso

 Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/11/info-710-stj-2.pdf 


IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Mesmo que o juiz reconheça a prescrição das penas pela prática do ato de improbidade, a ação poderá continuar para analisar o pedido de ressarcimento ao erário, não sendo necessária uma ação autônoma apenas para discutir isso 

Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92. STJ. 1ª Seção. REsp 1.899.455-AC, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 22/09/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1089) (Info 710). 

Prescrição 

Se um direito é violado, o titular deste direito passa a ter a pretensão de buscar judicialmente a reparação do dano (de forma específica ou pelo equivalente em dinheiro). Essa pretensão, contudo, deve ser exercida dentro de um prazo previsto na lei. Esgotado esse prazo, extingue-se a pretensão. A extinção dessa pretensão pelo decurso do prazo é chamada de prescrição. Isso está previsto no art. 189 do Código Civil, valendo, como regra geral: 

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206. 

A prescrição tem como fundamentos a pacificação social e a segurança jurídica. Se não existisse prazo para o titular do direito exercer a sua pretensão, todas as relações jurídicas seriam sempre marcadas pela incerteza e instabilidade, considerando que um fato ocorrido há anos ou mesmo décadas poderia ser questionado. A prescrição está presente nos diversos ramos do Direito, inclusive no Direito Administrativo. 

Prescrição e atos de improbidade administrativa 

Os atos de improbidade administrativa, assim como ocorre com as infrações penais, também estão sujeitos a prazos prescricionais. Logo, caso o Ministério Público demore muito tempo para ajuizar a ação de improbidade administrativa contra o responsável pelo ato ímprobo, haverá a prescrição e a consequente perda da pretensão punitiva. 

Qual é o prazo prescricional para a propositura de ações de improbidade administrativa? 

8 anos. É o que prevê o art. art. 23 da Lei nº 8.429/92: 

Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. (Redação dada pela Lei nº 14.230/2021) 

Exceção: ressarcimento ao erário em casos de atos de improbidade praticados dolosamente 

A Lei nº 8.429/92 prevê, em seu art. 12, uma lista de penas aplicáveis ao condenado por ato de improbidade administrativa. São elas: 

• perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; 

• perda da função pública; 

• suspensão dos direitos políticos; 

• pagamento de multa civil; e 

• proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios; 

O art. 12 afirma, ainda, que, além das penas acima listadas, o responsável pelo ato de improbidade deverá ser condenado a fazer o ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo. Aí é que entra o ponto excepcional: enquanto as penas acima listadas estão sujeitas à prescrição, o ressarcimento integral do dano é imprescritível, se o ato de improbidade praticado foi doloso. Foi o que decidiu o STF: Tese fixada pelo STF O STF fixou a seguinte tese para fins de repercussão geral: 

São imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa. STF. Plenário. RE 852475/SP, Rel. orig. Min. Alexandre de Moraes, Rel. para acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 08/08/2018 (Info 910). 

O fundamento para isso está no § 5º do art. 37 da CF/88: 

Art. 37 (...) § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. 

Em sua primeira parte, o dispositivo prevê que: - a lei deverá estabelecer os prazos de prescrição para ilícitos - praticados por qualquer pessoa (servidor ou não) - que gerem prejuízo ao erário. 

Na segunda parte, o constituinte disse o seguinte: não se aplica o que eu falei antes para as ações de ressarcimento. O que isso quer dizer? Que a lei não poderá estabelecer prazos de prescrição para tais ações, sendo elas, portanto, imprescritíveis. Assim, o texto constitucional é expresso ao prever a ressalva da imprescritibilidade da ação de ressarcimento ao erário. Vale ressaltar que, segundo a interpretação do STF, a imprescritibilidade só vale para os atos dolosos de improbidade. Assim, podemos fazer a seguinte distinção: 

Ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrentes de ilícito civil é PRESCRITÍVEL (STF RE 669069/MG). 

Ação de ressarcimento decorrente de ato de improbidade administrativa praticado com CULPA é PRESCRITÍVEL (devem ser propostas no prazo do art. 23 da LIA). 

Ação de ressarcimento decorrente de ato de improbidade administrativa praticado com DOLO é IMPRESCRITÍVEL (§ 5º do art. 37 da CF/88). 

Feita essa revisão, imagine agora a seguinte situação hipotética: 

O Ministério Público ajuizou ação de improbidade contra João, ex-prefeito, imputando-lhe a prática do ato tipificado no art. 9º, I, da Lei nº 8.429/92: 

Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público; (...) 

O juiz constatou que já havia se passado o prazo prescricional e, em razão disso, proferiu sentença extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, II, do CPC: 

Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (...) II - decidir, de ofício ou a requerimento, sobre a ocorrência de decadência ou prescrição; 

O magistrado afirmou, na decisão, que eventual ressarcimento ao erário deveria ser postulado em ação autônoma. 

Agiu corretamente o juiz?

 NÃO. A Lei nº 8.429/92 autoriza que o autor da ação de improbidade requeira ao juiz a aplicação das sanções previstas no art. 12 e, de forma cumulativa, o ressarcimento integral dos danos causados ao erário. Nesse sentido: 

Mostra-se lícita a cumulação de pedidos de natureza condenatória, declaratória e constitutiva nesta ação, quando sustentada nas disposições da Lei nº 8.429/92. STJ. 2ª Turma. REsp 1.660.381/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 26/11/2018. 

Partindo de tais premissas, o STJ construiu jurisprudência no sentido de que “a declaração da prescrição das sanções aplicáveis aos atos de improbidade administrativa não impede o prosseguimento da demanda quanto à pretensão de ressarcimento dos danos causados ao erário” (STJ. 1ª Turma. REsp 1.331.203/DF, Rel. Min. Ari Pargendler, DJe de 11/04/2013). No mesmo talante: 

É prescindível a propositura de ação autônoma para pleitear ressarcimento ao erário, mesmo que já estejam prescritas as penas referentes à prática de atos de improbidade. STJ. 2ª Turma. REsp 1.732.285/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 21/11/2018. 

É plenamente cabível a ação civil pública por improbidade administrativa, para fins exclusivos de ressarcimento ao erário, mesmo nos casos em que se reconhece a prescrição da ação quanto às outras sanções previstas na Lei nº 8.429/92. STJ. 2ª Turma. REsp 1.304.930/AM, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 28/08/2013. 

Tese fixada: Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92. STJ. 1ª Seção. REsp 1.899.455-AC, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 22/09/2021 (Recurso Repetitivo – Tema 1089) (Info 710). 

13 de novembro de 2021

É viável o prosseguimento de ação de improbidade administrativa exclusivamente contra particular quando há pretensão de responsabilizar agentes públicos pelos mesmos fatos em outra demanda conexa

Processo

AREsp 1.402.806-TO, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 19/10/2021.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação de improbidade administrativa. Responsabilização de particular que figura isoladamente no polo passivo da demanda. Jurisprudência pacífica do STJ pela impossibilidade. Agente público acionado pelos mesmos fatos em demanda conexa. Distinção detectada. Viabilidade.

 

DESTAQUE

É viável o prosseguimento de ação de improbidade administrativa exclusivamente contra particular quando há pretensão de responsabilizar agentes públicos pelos mesmos fatos em outra demanda conexa.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Primeiramente, destaque-se que não se está a discutir a já conhecida e reverenciada compreensão desta Corte Superior de que é inviável o manejo da ação civil de improbidade exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda.

No caso, houve o ajuizamento de duas ações de improbidade, uma pelo Ministério Público Federal, outra pelo DNIT. Os agentes públicos envolvidos na idêntica trama factual narrada nas duas demandas foram excluídos da ação ajuizada pelo Parquet, que é a ora analisada, restando nesta apenas o particular acionado.

Em sua fundamentação, a Corte Regional aduziu que, "com o reconhecimento da litispendência e a extinção do feito originário contra os agentes públicos, a ação de improbidade foi mantida somente contra o particular, o que não pode ser admitido. Com efeito, inexistindo agentes públicos no polo passivo da ação de improbidade administrativa, destinatários do preceito legal que enumera os atos tidos como ímprobos, não há como prosperar a ação originária em que pretende o agravado a condenação do agravante pela prática de ato de improbidade administrativa".

O Tribunal Regional asseverou, portanto, que, muito embora houvesse ação conexa promovida contra os Agentes Públicos, a demanda apreciada contaria apenas com o particular no polo passivo, o que não poderia ser admitido em ações de improbidade.

Essa conclusão é dissonante de ilustrativos desta Corte Superior de que não é o caso de aplicar a jurisprudência do STJ, segundo a qual os particulares não podem ser responsabilizados com base na LIA sem que figure no polo passivo um agente público responsável pelo ato questionado, pois houve a devida pretensão de responsabilizar os agentes públicos em outra demanda conexa (REsp 1.732.762/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 17.12.2018).

Súmula 651 do STJ

 SÚMULA N. 651

Compete à autoridade administrativa aplicar a servidor público a pena de demissão em razão da prática de improbidade administrativa, independentemente de prévia condenação, por autoridade judicial, à perda da função pública (Primeira Seção. Aprovada em 21/10/2021)

Súmula 650 do STJ

 SÚMULA N. 650

A autoridade administrativa não dispõe de discricionariedade para aplicar ao servidor pena diversa de demissão quando caraterizadas as hipóteses previstas no art. 132 da Lei n. 8.112/1990. (Primeira Seção, julgado em 22/09/2021, DJe 27/09/2021)

9 de novembro de 2021

Súmula 651-STJ: Compete à autoridade administrativa aplicar a servidor público a pena de demissão em razão da prática de improbidade administrativa, independentemente de prévia condenação, por autoridade judicial, à perda da função pública

Fonte: dizer o Direito 

Referência: https://www.dizerodireito.com.br/2021/10/nova-sumula-651-do-stj-comentada.html


Súmula 651-STJ: Compete à autoridade administrativa aplicar a servidor público a pena de demissão em razão da prática de improbidade administrativa, independentemente de prévia condenação, por autoridade judicial, à perda da função pública.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 21/10/2021.

 

Imagine a seguinte situação hipotética:

João, servidor público federal, no exercício de suas funções, praticou ato de improbidade administrativa.

O Ministério Público, ajuizou ação de improbidade contra esse servidor.

Paralelamente a isso, a Administração Pública federal instaurou processo administrativo disciplinar.

Antes que a ação de improbidade fosse julgada, o PAD chegou ao fim e o servidor.

A autoridade administração aplicou, como sanção disciplinar, a demissão, nos termos do art. 127, III c/c art. 132, IV, da Lei nº 8.112/90:

Art. 127.  São penalidades disciplinares:

(...)

III - demissão;

 

Art. 132.  A demissão será aplicada nos seguintes casos:

(...)

IV - improbidade administrativa;

 

Inconformado, João impetrou mandado de segurança alegando que, em caso de ato de improbidade administrativa, a pena de demissão somente poderia ser aplicada pelo Poder Judiciário, em ação de improbidade, não podendo haver a demissão por meio de processo administrativo.

 

Essa tese do servidor não é acolhida pela jurisprudência?

NÃO.

Para o STJ, é possível a demissão de servidor por improbidade administrativa em processo administrativo disciplinar.

A pena de demissão não é exclusividade do Poder Judiciário, sendo dever da Administração apurar e, eventualmente, punir os servidores que vierem a cometer ilícitos de natureza disciplinar.

Além disso, vigora o princípio da independência das instâncias, conforme expressamente prevê o caput do art. 12 da Lei nº 8.429/90 (Lei de Improbidade Administrativa):

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

(...)

 

Esse é o entendimento consolidado há muitos anos do STJ:

(...) as sanções disciplinares previstas na Lei 8.112/90 são independentes em relação às penalidades previstas na LIA, daí porque não há necessidade de aguardar-se o trânsito em julgado da ação por improbidade administrativa para que seja editado o ato de demissão com base no art. 132, IV, do Estatuto do Servidor Público Federal. (...)

STJ. 1ª Seção. MS 15.848/DF, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 24/04/2013.

 

(...) 4. A própria LIA, no art. 12, caput, dispõe que “independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato”. Isso quer dizer que a norma não criou um único subsistema para o combate aos atos ímprobos, e sim mais um subsistema, compatível e coordenado com os demais. (...)

STJ. 1ª Seção. MS 16.418/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 08/08/2012.

 

(...) O processo administrativo disciplinar e a ação de improbidade, embora possam acarretar a perda do cargo público, possuem âmbitos de aplicação distintos, mormente a independência das esferas civil, administrativa e penal. Logo, não há óbice para que a autoridade administrativa apure a falta disciplinar do servidor público independentemente da apuração do fato no bojo da ação por improbidade administrativa. (...)

STJ. 1ª Seção. MS 15.951/DF, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 14/09/2011.

 

(...) 2. A apuração de falta disciplinar realizada no PAD não se confunde com a ação de improbidade administrativa, esta sabidamente processada perante o Poder Judiciário, a quem cabe a imposição das sanções previstas nos incisos do art. 12 da Lei n.º 8.429/92.

3. Há reconhecida independência das instâncias civil, penal e administrativa, que é afastada quando a esfera penal taxativamente afirmar que não houve o fato, e/ou, acaso existente, houver demonstrações inequívocas de que o agente não foi o seu causador. Este fundamento, inclusive, autoriza a conclusão no sentido de que as penalidades aplicadas em sede de processo administrativo disciplinar e no âmbito da improbidade administrativa, embora possam incidir na restrição de um mesmo direito, são distintas entre si, tendo em vista que se assentam em distintos planos. (...)

STJ. 2ª Turma. REsp 1364075/DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 24/11/2015.

9 de outubro de 2021

A decisão de recebimento da petição inicial da ação de improbidade não pode limitar-se ao fundamento de in dubio pro societate

Processo

REsp 1.570.000-RN, Rel. Min. Sérgio Kukina, Rel. Acd. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, por maioria, julgado em 28/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação de improbidade administrativa. Recebimento da petição inicial. In dubio pro societate. Fundamento único. Impossibilidade.

 

DESTAQUE

A decisão de recebimento da petição inicial da ação de improbidade não pode limitar-se ao fundamento de in dubio pro societate.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Em face dos princípios a que está submetida a administração pública (art. 37 da CF/1988) e a sua supremacia, sendo seus representantes os agentes públicos passíveis de serem alcançados pela lei de improbidade, o legislador quis impedir o ajuizamento de ações temerárias, evitando, com isso, além de eventuais perseguições políticas e o descrédito social de atos ou decisões político-administrativos legítimos, a punição de administradores ou de agentes públicos inexperientes, inábeis ou que fizeram uma má opção política na gerência da coisa pública ou na prática de atos administrativos, sem má-fé ou intenção de lesar o erário ou de enriquecimento.

Não se pode ignorar, porém, que, na fase preliminar, o magistrado atua em cognição sumária, não se aprofundando no exame de mérito da pretensão sancionatória, de sorte que, se os indícios apresentados forem suficientes à instauração de dúvida quanto à existência da prática de ato ímprobo, a inicial deve ser recebida, à luz do princípio in dubio pro societate.

Nesse contexto, o § 8º do art. 17 da Lei n. 8.429/1992 estabelece que, "recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita".

A decisão de recebimento da petição inicial, incluída a hipótese de rejeição, deve ser adequada e especificamente motivada pelo magistrado, com base na análise dos elementos indiciários apresentados, em cotejo com a causa de pedir delineada pelo Ministério Público. Essa postura é inclusive reforçada, atualmente, pelos arts. 489, § 3º, e 927 do CPC/2015.

Nessa linha, convém anotar que a decisão de recebimento da inicial da ação de improbidade não pode limitar-se à invocação do in dubio pro societate, devendo, antes, ao menos, tecer comentários sobre os elementos indiciários e a causa de pedir, ao mesmo tempo que, para a rejeição, deve bem delinear a situação fático-probatória que lastreia os motivos de convicção externados pelo órgão judicial.

Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/1992

Processo

REsp 1.899.455-AC, Rel. Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 22/09/2021. (Tema 1089)

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO

Tema

Improbidade administrativa. Sanções do art. 12 da Lei n. 8.429/1992. Prescrição. Pedido de ressarcimento dos danos causados ao erário. Prosseguimento da ação civil pública. Possibilidade. Tema 1089.

 

DESTAQUE

Na ação civil pública por ato de improbidade administrativa é possível o prosseguimento da demanda para pleitear o ressarcimento do dano ao erário, ainda que sejam declaradas prescritas as demais sanções previstas no art. 12 da Lei n. 8.429/1992.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Nos termos do art. 5º da Lei n. 8.429/1992, "ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano". Tal determinação é ressaltada nos incisos I, II e III do art. 12 da mesma Lei, de modo que o ressarcimento integral do dano, quando houver, sempre será imposto juntamente com alguma ou algumas das demais sanções previstas para os atos ímprobos.

Assim, por expressa determinação da Lei n. 8.429/1992, é lícito ao autor da ação cumular o pedido de ressarcimento integral dos danos causados ao erário com o de aplicação das demais sanções previstas no seu art. 12, pela prática de ato de improbidade administrativa.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de que "se mostra lícita a cumulação de pedidos de natureza condenatória, declaratória e constitutiva nesta ação, quando sustentada nas disposições da Lei n. 8.429/1992" (REsp 1.660.381/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 26/11/2018).

Partindo de tais premissas, o Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência no sentido de que "a declaração da prescrição das sanções aplicáveis aos atos de improbidade administrativa não impede o prosseguimento da demanda quanto à pretensão de ressarcimento dos danos causados ao erário" (REsp 1.331.203/DF, Rel. Ministro Ari Pargendler, Primeira Turma, DJe de 11/04/2013).

4 de setembro de 2021

É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada em ação de improbidade administrativa, inclusive nas demandas ajuizadas com esteio na prática de conduta prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.

Processo

REsp 1.862.792-PR, Rel. Min. Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF da 5ª Região), Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 25/08/2021. (Tema 1055)

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO

  • Paz, Justiça e Instituições Eficazes
Tema

Ação de improbidade administrativa. Indisponibilidade de bens. Inclusão do valor da multa civil no importe a ser bloqueado. Incidência nas ações ancoradas no art. 11 da Lei n. 8.429/1992. Possibilidade. Tema 1055.

 

DESTAQUE

É possível a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada em ação de improbidade administrativa, inclusive nas demandas ajuizadas com esteio na prática de conduta prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A questão submetida à análise é definir se é possível - ou não - a inclusão do valor de eventual multa civil na medida de indisponibilidade de bens decretada na ação de improbidade administrativa, inclusive naquelas demandas ajuizadas com esteio na prática de conduta prevista no art. 11 da Lei 8.429/1992, tipificador da ofensa aos princípios nucleares administrativos.

Quanto à primeira questão levantada, é preciso, para logo, assinalar que, ao que revelam os julgados desta Corte Superior alusivos ao tema, não há dissídio jurisprudencial entre os órgãos Fracionários especializados na temática, que apontam para a admissibilidade de inclusão da multa civil na indisponibilidade de bens na ação de improbidade.

Mesmo ao tempo do julgamento repetitivo acerca da dispensa de demonstração de dissipação patrimonial como requisito para a concessão da medida de indisponibilidade (REsp 1.366.721/BA), já havia pronunciamentos dos Julgadores desta Corte Superior acerca da inclusão da multa civil no importe a ser constrito na ação de improbidade. Essa posição se mostrou dominante, uníssona, pacífica e atual.

Assim, muito embora a premissa para o não cômputo do valor da multa civil, para certos ilustrativos de alguns Tribunais, como do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, concentre-se em alegada antecipação de pena, a interpretação que se deu neste colendo Superior Tribunal de Justiça é de que devem ser empreendidas providências para que o processo esteja assegurado quanto à eventual condenação futura, no que engloba a reprimenda pecuniária.

Essa concepção ficou bem revelada no entendimento que se formou acerca da solidariedade passiva nessa determinação constritiva, ou seja, se é certo que não é possível promover a totalidade do bloqueio sobre todos os acionados (uma supergarantia), lado outro qualquer réu está sujeito a experimentar sobre si a integralidade da medida, ainda que haja na demanda outros réus que não tenham suportado qualquer efeito da indisponibilidade. Isso porque o objetivo é, tão logo detectada a plausibilidade da pretensão, que se tenha a garantia nos autos: uma vez alcançada a integralidade da garantia sobre qualquer réu, nada mais há de ser indisponibilizado, até que se resolva a responsabilidade - se houver - de cada qual.

Em desdobramento, na segunda questão suscitada no aresto de afetação ao tema 1.055, busca-se saber se a medida constritiva também poderia incidir nos casos de ações ancoradas exclusivamente na potencial prática de atos tipificados como violadores a princípios administrativos (art. 11 da Lei n. 8.429/1992).

A pergunta se situa no fato de que, em casos tais, pode não ocorrer lesão alguma aos cofres públicos, nem mesmo proveito pessoal ilícito, isto é, a repercussão patrimonial do fato reputado ímprobo seria limitada ou inexistente.

Pela pesquisa de jurisprudência dos órgãos Fracionários desta Corte Superior, essa questão desdobrada da primeira não é causa suficiente para apartar a compreensão de que, igualmente, o valor da multa civil é passível de ser bloqueado, ainda que seja o único montante a gerar bloqueio nessas ações fundadas em ofensa a princípios nucleares administrativos.

Noutras palavras, ainda que inexistente prova de enriquecimento ilícito ou lesão ao patrimônio público, é possível a decretação da providência cautelar, notadamente pela possibilidade de ser cominada, na sentença condenatória, a pena pecuniária de multa civil como sanção autônoma, cabendo sua imposição, inclusive, em casos de prática de atos de improbidade que impliquem tão somente violação a princípios da Administração Pública.

Essa providência de inclusão da multa civil na medida constritiva em ações de improbidade administrativa exclusivamente amparadas no art. 11 da Lei n. 8.429/1992 não implica violação do art. 7º, caput e parágrafo único, da citada lei, pois destina-se, de todo modo, a assegurar a eficácia de eventual desfecho condenatório à sanção de multa civil.

18 de julho de 2021

RECURSO ESPECIAL Nº 1.929.230 - MT

RECURSO ESPECIAL Nº 1.929.230 - MT (2020/0165756-0) RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RECORRIDO : ERALDO EDGAR DE LIMA ADVOGADO : JOSÉ CARLOS MARQUES - MT011737 EMENTA ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. REQUERIMENTO DE MEDIDAS COERCITIVAS. SUSPENSÃO DE CNH E APREENSÃO DE PASSAPORTE. POSSIBILIDADE. ART. 139, IV, DO CPC/2015. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. APLICAÇÃO EM PROCESSOS DE IMPROBIDADE. OBSERVÂNCIA DE PARÂMETROS. ANÁLISE DOS FATOS DA CAUSA. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Trata-se, na origem, de cumprimento de sentença que condenou o recorrido por improbidade administrativa consistente na contratação direta de serviços gráficos para a confecção de 60 mil cartilhas informativas do SUS, sem prévio procedimento licitatório. 2. De acordo com o acórdão recorrido, tentou-se executar a multa imposta na sentença condenatória transitada em julgado, mas, "após várias diligências ao longo de cinco anos, não foi possível recolher o montante referente a sanção pecuniária, o que resultou no pedido manejado pelo Ministério Público de apreensão de carteira de habilitação e passaporte, com o escopo de compelir o Agravado de arcar com o valor do débito." (fl. 80, e-STJ, destaque acrescentado). 3. Entendeu o Tribunal de origem que a medida requerida "atenta contra os princípios da proporcionalidade e razoabilidade [...] não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial, que tem por escopo garantir que o cumprimento da obrigação não ultrapasse bens outros que não o patrimônio do devedor." (fl. 79, e-STJ ). FUNDAMENTAÇÃO ESTRITAMENTE JURÍDICA E INFRACONSTITUCIONAL 4. O Tribunal de origem adota o entendimento de que a apreensão do passaporte e a suspensão da CNH do devedor são meios executivos que não encontram suporte no art. 139, IV, do CPC/2015. Esse preceito, segundo a doutrina especializada, consagra as chamadas medidas executivas atípicas, ao estabelecer que o juiz pode "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária." 5. No acórdão recorrido se afirma que o referido artigo 139, IV, do CPC/2015 contraria o princípio da menor onerosidade e "não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial" (fl. 82, e-STJ). Também se afirma que "não há demonstração efetiva nos autos de que a suspensão da CNH e retenção do passaporte do Agravado possa viabilizar a efetiva satisfação do crédito." (fl. 82, e-STJ). Ocorre que esse não é um juízo fático, pois o Tribunal de origem deixa claro que não adiantaria demonstrar que as medidas seriam eficazes, uma vez que, em sua ótica, "se executadas, seriam aplicadas apenas com a função de punir o executado e não como meio de prover a tutela jurisdicional" (fl. 82, e-STJ). Essa perspectiva fica ainda mais clara na conclusão do acórdão recorrido: "Nesse contexto, inexistindo previsão legal expressa para adoção das medidas requeridas, forçosa é a manutenção da decisão agravada, que indeferiu o pedido de suspensão da CNH e bloqueio do passaporte do agravado." (fl. 83, e-STJ, destaque acrescentado). 6. Trata-se, portanto, de saber se as instâncias ordinárias negaram ou não vigência ao artigo 139, IV, do CPC/2015. 7. Também se aduz no aresto que a imposição das medidas atípicas "implicaria em violação de direitos constitucionalmente garantidos, conforme preceitua o art. 5º, XV, CF, além de se afigurarem desarrazoados e desproporcionais ao direito perseguido." (fl. 82, e-STJ). 8. O que há nesse raciocínio é, ainda, interpretação do artigo 139, IV. O que o Tribunal de origem proclama é a compreensão de que o preceito não poderia ser entendido de determinada forma em decorrência da ordem constitucional, ou seja, há a ideia de ofensa reflexa à Constituição. 10. Por isso, no STF, embora a matéria esteja sob apreciação na ADI 5.941 (ainda não decidida), não se está conhecendo dos Recursos Extraordinários com o fundamento de que se trata de controvérsia infraconstitucional. Nesse sentido, as seguintes decisões monocráticas: RE 1.221.543, Relator Min. Alexandre de Moraes, DJe 7.8.2019; RE 1.282.533/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 25.8.2020; RE 1.287.895, Relator Min. Marco Aurélio, DJe 21.9.2020; RE 1.291.832, Relator Min. Ricardo Lewandowski, DJe 1.3.2021. JURISPRUDÊNCIA DO STJ 11. Há no Superior Tribunal de Justiça julgados favoráveis à possibilidade da adoção das chamadas medidas atípicas no âmbito da execução, desde que preenchidos certos requisitos. Nesse sentido: "O propósito recursal é definir se a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo [...] O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV)." (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019). Na mesma esteira: AgInt no REsp 1.837.309/SP, Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 13.2.2020; REsp 1.894.170/RS, Relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 12.11.2020. 12. Há, também, decisão da Primeira Turma que indefere as medidas atípicas, mas mediante expressa referência aos fatos da causa. Afirmou-se no julgado: "O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda. - EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164)." (HC 45.3870/PR, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15.8.2019). RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE DAS MEDIDAS ATÍPICAS EM PROCESSOS DE IMPROBIDADE 13. Além de fazer referência aos fatos da causa – coisa que o Tribunal de origem não fez, pois considerou não razoáveis e desproporcionais as medidas em abstrato –, essa última decisão, da Primeira Turma, foi proferida em Execução Fiscal. Aqui, diversamente, trata-se de cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade Administrativa, demanda que busca reprimir o enriquecimento ilícito, as lesões ao erário e a ofensa aos princípios da Administração Pública. 14. Inadmissíveis manobras para escapar da execução das sanções pecuniárias impostas pelo Estado, sob pena de as condutas contrárias à moralidade administrativa ficarem sem resposta. Ora, se o entendimento desta Corte – conforme a jurisprudência supradestacada – é o de que são cabíveis medidas executivas atípicas para a satisfação de obrigações de cunho estritamente patrimonial, com muito mais razão elas devem ser admitidas em casos em que o cumprimento da sentença se dá para tutelar a moralidade e o patrimônio público. Superada a questão da impossibilidade de adoção de medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial pela jurisprudência desta Corte (premissa equivocada do acórdão recorrido), não há como não considerar o interesse público, na satisfação da obrigação, importante componente para definir o cabimento (ou não) delas à luz do caso concreto. 15. Não ocorre, portanto – ao menos do modo abstrato como analisado o caso na origem –, ofensa à proporcionalidade ou à razoabilidade pela adoção de medidas não patrimoniais para o cumprimento da sentença. PARÂMETROS 16. Os parâmetros construídos pela Terceira Turma para a aplicação das medidas executivas atípicas encontram largo amparo na doutrina e se revelam adequados também ao cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade. 17. Conforme tem preconizado a Terceira Turma, "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade." (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019). 18. Consigne-se que a observância da proporcionalidade não deve ser feita em abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente declarem inconstitucional o artigo 139, IV, do CPC/2015. Não sendo o caso, as balizas da proporcionalidade devem ser observadas com referência ao caso concreto, nas hipóteses em que as medidas atípicas se revelem excessivamente gravosas e causem, por exemplo, prejuízo ao exercício da profissão. CONCLUSÃO 19. Recurso Especial parcialmente provido para determinar a devolução dos autos à origem, a fim de que o requerimento de adoção de medidas atípicas, feito com fundamento no artigo 139, IV, do CPC, seja analisado de acordo com o caso concreto, mediante a observância dos parâmetros acima delineados. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: ""A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator." Brasília, 04 de maio de 2021(data do julgamento). MINISTRO HERMAN BENJAMIN Relator RECURSO ESPECIAL Nº 1.929.230 - MT (2020/0165756-0) RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RECORRIDO : ERALDO EDGAR DE LIMA ADVOGADO : JOSÉ CARLOS MARQUES - MT011737 RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição da República, contra acórdão assim ementado: RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – PEDIDO DE SUSPENSÃO E RETENÇÃO DE PASSAPORTE – DESCABIMENTO – RESTRIÇÃO INDEVIDA – RECURSO DESPROVIDO. 1 – A pretensão do Ministério Público de suspensão da CNH da ora recorrente, atenta contra os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e não se mostra efetiva para o alcance do pretendido. 2 – A medida pretendida pelo Recorrente não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial, que tem por escopo garantir que o cumprimento da obrigação não ultrapasse bens outros que não o patrimônio do devedor. Aponta-se no Recurso Especial ofensa ao art. 139, IV, do Código de Processo Civil. O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento da irresignação. É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 1.929.230 - MT (2020/0165756-0) VOTO O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator): Os autos foram recebidos neste Gabinete em 24 de março de 2021. 1. Histórico da demanda Trata-se, na origem, de cumprimento de sentença que condenou o recorrido por improbidade administrativa consistente na contratação direta de serviços gráficos para a confecção de 60 mil cartilhas informativas do SUS, sem prévio procedimento licitatório. De acordo com o acórdão recorrido, tentou-se executar a multa imposta na sentença condenatória transitada em julgado, mas, "após várias diligências ao longo de cinco anos, não foi possível recolher o montante referente a sanção pecuniária, o que resultou no pedido manejado pelo Ministério Pública de apreensão de carteira de habilitação e passaporte, com o escopo de compelir o Agravado de arcar com o valor do débito." (fl. 80, e-STJ). Entendeu o Tribunal de origem que a medida requerida "atenta contra os princípios da proporcionalidade e razoabilidade [...] não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial, que tem por escopo garantir que o cumprimento da obrigação não ultrapasse bens outros que não o patrimônio do devedor." (fl. 79, e-STJ). 2. Conhecimento do Recurso Especial No acórdão recorrido se transcreve o artigo 139, IV, do CPC/2015 – o fundamento das chamadas medidas executivas atípicas – e se conclui: "a medida pretendida pelo Recorrente não encontra guarida no princípio da responsabilidade patrimonial, que tem por escopo garantir que o cumprimento da obrigação não ultrapasse bens outros que não o patrimônio do devedor." (fl. 82, e-STJ). Afirma-se, ainda, que "a execução se rege pelo princípio da menor onerosidade do devedor, não se mostrando adequado, no cumprimento de sentença, impor ao devedor restrições pessoais [...]" (fl. 82, e-STJ). Até aqui, o que faz o Tribunal de origem é uma interpretação sistemática do CPC/2015 para concluir que a apreensão do passaporte e a suspensão da CNH não encontrariam suporte no citado art. 139, IV, que autoriza o juiz a "determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária." É verdade que no aresto se apresenta, também, o argumento de que a imposição das medidas "implicaria em violação de direitos constitucionalmente garantidos, conforme preceitua o art. 5º, XV, CF, além de se afigurarem desarrazoados e desproporcionais ao direito perseguido." (fl. 82, e-STJ). Mas o que há nesse raciocínio é, ainda, uma interpretação do artigo 139, IV, do CPC, consoante a qual o preceito não poderia ser entendido de determinada forma em decorrência da ordem constitucional, ou seja, há a ideia de ofensa reflexa à Constituição. Por isso, no STF, embora a matéria esteja sob apreciação na ADI 5.941 (ainda não decidida), não se está conhecendo dos Recursos Extraordinários com o fundamento de que se trata de controvérsia infraconstitucional. Nesse sentido, as decisões monocráticas nos seguintes feitos: RE 1.221.543, Relator Min. Alexandre de Moraes, DJe 7.8.2019; RE 1.282.533/PR, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 25.8.2020; RE 1.287.895, Relator Min. Marco Aurélio, DJe 21.9.2020; RE 1.291.832, Relator Min. Ricardo Lewandowski, DJe 1.3.2021. Por fim, é verdade que no acórdão recorrido se diz que "não há demonstração efetiva nos autos de que a suspensão da CNH e retenção do passaporte do Agravado possa viabilizar a efetiva satisfação do crédito." (fl. 82, e-STJ). Ocorre que esse não é um juízo fático, pois o Tribunal de origem deixa claro que não adiantaria demonstrar que as medidas seriam eficazes, pois, em sua ótica, "se executadas, seriam aplicadas apenas com a função de punir o executado e não como meio de prover a tutela jurisdicional." (fl. 82, e-STJ). Essa perspectiva fica ainda mais clara na conclusão do acórdão recorrido: "Nesse contexto, inexistindo previsão legal expressa para adoção das medidas requeridas, forçosa é a manutenção da decisão agravada, que indeferiu o pedido de suspensão da CNH e bloqueio do passaporte do agravado." (fl. 83, e-STJ, destaquei). Trata-se, portanto, de saber se as instâncias ordinárias negaram ou não vigência ao artigo 139, IV, do CPC/2015. 3. Jurisprudência do STJ Há no Superior Tribunal de Justiça julgados favoráveis à possibilidade da adoção das chamadas medidas atípicas no âmbito da execução, desde que preenchidos certos requisitos. Nesse sentido: RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. CHEQUES. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. DESCABIMENTO. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA SUA APLICAÇÃO. [...] 2. O propósito recursal é definir se a suspensão da carteira nacional de habilitação e a retenção do passaporte do devedor de obrigação de pagar quantia são medidas viáveis de serem adotadas pelo juiz condutor do processo executivo. [...] 4. O Código de Processo Civil de 2015, a fim de garantir maior celeridade e efetividade ao processo, positivou regra segundo a qual incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária (art. 139, IV). 5. A interpretação sistemática do ordenamento jurídico revela, todavia, que tal previsão legal não autoriza a adoção indiscriminada de qualquer medida executiva, independentemente de balizas ou meios de controle efetivos. 6. De acordo com o entendimento do STJ, as modernas regras de processo, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. Precedente específico. 7. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 8. Situação concreta em que o Tribunal a quo indeferiu o pedido do recorrente de adoção de medidas executivas atípicas sob o fundamento de que não há sinais de que o devedor esteja ocultando patrimônio, mas sim de que não possui, de fato, bens aptos a serem expropriados. 9. Como essa circunstância se coaduna com o entendimento propugnado neste julgamento, é de rigor - à vista da impossibilidade de esta Corte revolver o conteúdo fático-probatório dos autos - a manutenção do aresto combatido. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CPC/15. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC. SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO (CNH) E APREENSÃO DE PASSAPORTE. DIRETRIZES FIXADAS PELA 3ª TURMA NO JULGAMENTO DO REsp 1.788.950/MT. INEXISTÊNCIA DE BENS PASSÍVEIS DE EXPROPRIAÇÃO RECONHECIDA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. REVISÃO. VEDAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. (AgInt no REsp 1.837.309/SP, Relator Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 13.2.2020). Recentemente, a Terceira Turma reiterou essa orientação: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. DÉBITOS LOCATÍCIOS. MEDIDAS EXECUTIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV, DO CPC/15. CABIMENTO. DELINEAMENTO DE DIRETRIZES A SEREM OBSERVADAS PARA A SUA APLICAÇÃO. [...] 7. A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade. 8. Situação concreta em que o Tribunal a quo demonstra que há sinais de que o devedor esteja ocultando patrimônio. 9. Dada as peculiaridades do caso concreto, e tendo em vista que i) há a existência de indícios de que o recorrente possua patrimônio apto a cumprir com a obrigação a ele imposta; ii) a decisão foi devidamente fundamentada com base nas especificidades constatadas; iii) a medida atípica está sendo utilizada de forma subsidiária, dada a menção de que foram promovidas diligências à exaustão para a satisfação do crédito; e iv) observou-se o contraditório e o postulado da proporcionalidade; o acórdão recorrido não merece reforma. 10. Recurso especial conhecido e não provido. (REsp 1.894.170/RS, Relatora Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 12.11.2020) Há, também, decisão da Primeira Turma que indefere as medidas atípicas, mas mediante expressa referência aos fatos da causa. Confira-se a ementa do julgado: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DIREITO DE LOCOMOÇÃO, CUJA PROTEÇÃO É DEMANDADA NO PRESENTE HABEAS CORPUS, COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ACÓRDÃO DO TC/PR CONDENATÓRIO AO ORA PACIENTE À PENALIDADE DE REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO, SUBMETIDO À EXECUÇÃO FISCAL PROMOVIDA PELA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU/PR, NO VALOR DE R$ 24 MIL. MEDIDAS CONSTRICTIVAS DETERMINADAS PELA CORTE ARAUCARIANA PARA GARANTIR O DÉBITO, EM ORDEM A INSCREVER O NOME DO DEVEDOR EM CADASTRO DE MAUS PAGADORES, APREENDER PASSAPORTE E SUSPENDER CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. CONTEXTO ECONÔMICO QUE PRESTIGIA USOS E COSTUMES DE MERCADO NAS EXECUÇÕES COMUNS, NORTEANDO A SATISFAÇÃO DE CRÉDITOS COM ALTO RISCO DE INADIMPLEMENTO. RECONHECIMENTO DE QUE NÃO SE APLICA ÀS EXECUÇÕES FISCAIS A LÓGICA DE MERCADO, SOBRETUDO PORQUE O PODER PÚBLICO JÁ É DOTADO, PELA LEI 6.830/1980, DE ALTÍSSIMOS PRIVILÉGIOS PROCESSUAIS, QUE NÃO JUSTIFICAM O EMPREGO DE ADICIONAIS MEDIDAS AFLITIVAS FRENTE À PESSOA DO EXECUTADO. ADEMAIS, CONSTATA-SE A DESPROPORÇÃO DO ATO APONTADO COMO COATOR, POIS O EXECUTIVO FISCAL JÁ CONTA COM A PENHORA DE 30% DOS VENCIMENTOS DO RÉU. PARECER DO MPF PELA CONCESSÃO DA ORDEM. HABEAS CORPUS CONCEDIDO, DE MODO A DETERMINAR, COMO FORMA DE PRESERVAR O DIREITO FUNDAMENTAL DE IR E VIR DO PACIENTE, A EXCLUSÃO DAS MEDIDAS ATÍPICAS CONSTANTES DO ARESTO DO TJ/PR, APONTADO COMO COATOR, QUAIS SEJAM, (I) A SUSPENSÃO DA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO, (II) A APREENSÃO DO PASSAPORTE, CONFIRMANDO-SE A LIMINAR DEFERIDA. 1. O presente Habeas Corpus tem, como moto primitivo, Execução Fiscal adveniente de acórdão do Tribunal de Contas do Estado do Paraná que responsabilizou o Município de Foz do Iguaçu/PR a arcar com débitos trabalhistas decorrentes de terceirização ilícita de mão de obra. Como forma de regresso, o Município emitiu Certidão de Dívida Ativa, com a consequente inicialização de Execução Fiscal. À época da distribuição da execução (dezembro/2013), o valor do débito era de R$ 24.645,53. 2. Para além das diligências deferidas tendentes à garantia do juízo, tais como as consultas Bacenjud, Renajud, pesquisa on-line de bens imóveis, disponibilização de Declaração de Imposto de Renda, o Magistrado determinou a penhora de 30% do salário auferido pelo Paciente na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR, com retenção imediata em folha de pagamento. 3. O Magistrado de Primeiro Grau indeferiu, porém, o pedido de expedição de ofício aos órgãos de proteção ao crédito e suspensão de passaporte e de Carteira Nacional de Habilitação. Mas a Corte Araucariana deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pela Fazenda de Foz do Iguaçu/PR, para deferir as medidas atípicas requeridas pela Municipalidade exequente, consistentes em suspensão de Carteira Nacional de Habilitação e apreensão de passaporte. 4. A discussão lançada na espécie cinge-se à aplicação, no Executivo Fiscal, de medidas atípicas que obriguem o réu a efetuar o pagamento de dívida, tendo-se, como referência analítica, direitos e garantias fundamentais do cidadão, especialmente o de direito de ir e vir. 5. Inicialmente, não se duvida que incumbe ao juiz determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. É a dicção do art. 139, IV do Código Fux. 6. No afã de cumprir essa diretriz, são pródigas as notícias que dão conta da determinação praticada por Magistrados do País que optaram, no curso de processos de execução, por limitar o uso de passaporte, suspender a Carteira de Habilitação para dirigir e inscrever o nome do devedor no cadastro de inadimplentes. Tudo isso é feito para estimular o executado a efetuar o pagamento, por intermédio do constrangimento de certos direitos do devedor. 7. Não há dúvida de que, em muitos casos, as providências são assim tomadas não apenas para garantir a satisfação do direito creditício do exequente, mas também para salvaguardar o prestígio do Poder Judiciário enquanto autoridade estatal; afinal, decisão não cumprida é um ato atentatório à dignidade da Justiça. 8. De fato, essas medidas constrictivas atípicas se situam na eminente e importante esfera do mercado de crédito. O crédito disponibilizado ao consumidor, à exceção dos empréstimos consignados, é de parca proteção e elevado risco ao agente financeiro que concede o crédito, por não contar com garantia imediata, como sói acontecer com a alienação fiduciária. Diferentemente ocorre nos setores de financiamento imobiliário, de veículos e de patrulha agrícola mecanizada, por exemplo, cujo próprio bem adquirido é serviente a garantir o retorno do crédito concedido a altos juros. 9. Julgadores que promovem a determinação para que, na hipótese de execuções cíveis, se proceda à restrição de direitos do cidadão, como se tem visto na limitação do uso de passaporte e da licença para dirigir, querem sinalizar ao mercado e às agências internacionais de avaliação de risco que, no Brasil, prestigiam-se os usos e costumes de mercado, com suas normas regulatórias próprias, como força centrífuga à autoridade estatal, consoante estudou o Professor JOSÉ EDUARDO FARIA na obra O Direito na Economia Globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 64/85. 10. Noutras palavras, em virtude da falta de garantias de adimplemento, por ocasião da obtenção do crédito, são contrapostas as formas aflitivas pessoais de satisfação do débito em âmbito endoprocessual. Essa modalidade de condução da lide, que ressalta a efetividade, é válida mundivisão acerca do que é o processo judicial e o seu objetivo, embora ela [a visão de mundo] não seja única, não se podendo dizer paradigmática. 11. Porém, essa almejada efetividade da pretensão executiva não está alheia ao controle de legalidade, especialmente por esta Corte Superior, consoante se verifica dos seguintes arestos: o habeas corpus é instrumento de previsão constitucional vocacionado à tutela da liberdade de locomoção, de utilização excepcional, orientado para o enfrentamento das hipóteses em que se vislumbra manifesta ilegalidade ou abuso nas decisões judiciais. O acautelamento de passaporte é medida que limita a liberdade de locomoção, que pode, no caso concreto, significar constrangimento ilegal e arbitrário, sendo o habeas corpus via processual adequada para essa análise (RHC 97.876/SP, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 9.8.2018; AgInt no AREsp. 1.233.016/SP, Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 17.4.2018). 12. Tratando-se de Execução Fiscal, o raciocínio toma outros rumos quando medidas aflitivas pessoais atípicas são colocadas em vigência nesse procedimento de satisfação de créditos fiscais. Inegavelmente, o Executivo Fiscal é destinado a saldar créditos que são titularizados pela coletividade, mas que contam com a representação da autoridade do Estado, a quem incumbe a promoção das ações conducentes à obtenção do crédito. 13. Para tanto, o Poder Público se reveste da Execução Fiscal, de modo que já se tornou lugar comum afirmar que o Estado é superprivilegiado em sua condição de credor. Dispõe de varas comumente especializadas para condução de seus feitos, um corpo de Procuradores altamente devotado a essas causas, e possui lei própria regedora do procedimento (Lei 6.830/1980), com privilégios processuais irredarguíveis. Para se ter uma ideia do que o Poder Público já possui privilégios ex ante, a execução só é embargável mediante a plena garantia do juízo (art. 16, § 1o. da LEF), o que não encontra correspondente na execução que se pode dizer comum. Como se percebe, o crédito fiscal é altamente blindado dos riscos de inadimplemento, por sua própria conformação jusprocedimental. 14. Não se esqueça, ademais, que, muito embora cuide o presente caso de direito regressivo exercido pela Municipalidade em Execução Fiscal (caráter não tributário da dívida), sempre é útil registrar que o crédito tributário é privilegiado (art. 184 do Código Tributário Nacional), podendo, se o caso, atingir até mesmo bens gravados como impenhoráveis, por serem considerados bem de família (art. 3o., IV da Lei 8.009/1990). Além disso, o crédito tributário tem altíssima preferência para satisfação em procedimento falimentar (art. 83, III da Lei de Falências e Recuperações Judiciais - 11.101/2005). Bens do devedor podem ser declarados indisponíveis para assegurar o adimplemento da dívida (art. 185-A do Código Tributário Nacional). São providências que não encontram paralelo nas execuções comuns. 15. Nesse raciocínio, é de imediata conclusão que medidas atípicas aflitivas pessoais, tais como a suspensão de passaporte e da licença para dirigir, não se firmam placidamente no Executivo Fiscal. A aplicação delas, nesse contexto, resulta em excessos. 16. Excessos por parte da investida fiscal já foram objeto de severo controle pelo Poder Judiciário, tendo a Corte Suprema registrado em Súmula que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos (Súmula 323/STF). 17. Na espécie, consoante relata o ato apontado como coator, trata-se de Execução Fiscal manejada pela Fazenda do Município de Foz do Iguaçu/PR em desfavor do ora Paciente, então Prefeito da urbe paranaense, a partir da qual visa à satisfação de crédito como direito de regresso, uma vez que a Municipalidade fora condenada à restituição de dano ao Erário como sanção aplicada pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (débitos trabalhistas com origem em contratação ilegal de funcionários terceirizados, contratações essas ordenadas pelo então Alcaide, ora Paciente). O caderno aponta que o valor histórico do crédito vindicado é de R$ 24.645,53 (fls. 114). 18. O TJ/PR deu provimento a recurso de Agravo de Instrumento interposto pelo Município de Foz do Iguaçu/PR contra a decisão de Primeiro Grau que indeferiu o pedido de medidas aflitivas de inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes, de suspensão do direito de dirigir e de apreensão do passaporte. O acórdão do TJ/PR, ora apontado como ato coator, deferiu as indicadas medidas no curso da Execução Fiscal. 19. Ao que se dessume do enredo fático-processual, a medida é excessiva. Para além do contexto econômico de que se lançou mão anteriormente, o que, por si só, já justificaria o afastamento das medidas adotadas pelo Tribunal Araucariano, registre-se que o caderno processual aponta que há penhora de 30% dos vencimentos que o réu aufere na Companhia de Saneamento do Paraná-SANEPAR. Além disso, rendimentos de sócio-majoritário que o executado possui na Rádio Cultura de Foz do Iguaçu Ltda. - EPP também foram levados a bloqueio (fls. 163/164). 20. Submeteu-se o réu à notória restrição constitucional do direito de ir e vir num contexto de Execução Fiscal já razoavelmente assegurada, pelo que se dessume da espécie. 21. Assinale-se como de altíssima nomeada para o caso o art. 22 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao estabelecer, nos seus itens 1 e 2, que toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir conformidade com as disposições legais, bem como toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 22. Frequentemente, tem-se visto a rejeição à ordem de Habeas Corpus sob o argumento de que a limitação de CNH não obstaria o direito de locomoção, por existir outros meios de transporte de que o indivíduo pode se valer. É em virtude dessa linha de pensamento que a referência ao Pacto de São José da Costa Rica se mostra crucial, na medida em que a existência de diversos meios de deslocamento não retira o fato de que deve ser amplamente garantido ao cidadão exercer o direito de circulação pela forma que melhor lhe aprouver, pois assim se efetiva o núcleo essencial das liberdades individuais, tal como é o direito e ir e vir. 23. Cumpre registrar que a opinião do douto parecer do Ministério Público Federal é por conceder-se o remédio constitucional, sob a premissa de que, apresentada a questão com tais contornos, estritamente atrelada ao arcabouço probatório encartado nos autos, não há outra possibilidade senão reconhecer que, não sendo a medida restritiva adequada e necessária, ainda que sob o escudo da busca pela efetivação da legítima Execução Fiscal promovida originariamente, a sua efetivação tornou-se contrária à ordem jurídica, porquanto adentrou demasiadamente na esfera pessoal, e não patrimonial, do executado/impetrante, configurando, certamente, ato punitivo, não constritivo, atentando, portanto, contra a sua liberdade de ir e vir (fls. 262/264). O Paciente está a merecer, em confirmação da medida liminar, a tutela da liberdade de ir a vir pelo remédio de Habeas Corpus. 24. Parecer do MPF pela concessão da medida. Habeas Corpus concedido em favor do Paciente, confirmando-se a medida liminar anteriormente concedida, apta a determinar sejam excluídas as medidas atípicas constantes do aresto do TJ/PR apontado como coator (suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, apreensão do passaporte). (HC 45.3870/PR, Relator Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 15.8.2019) 4. Razoabilidade e proporcionalidade das medidas atípicas nos processos de improbidade Além de fazer referência aos fatos da causa – coisa que o Tribunal de origem não fez, pois considerou não razoáveis e desproporcionais as medidas em abstrato –, essa última decisão, da Primeira Turma, foi proferida em Execução Fiscal. Diversamente, no caso dos autos, trata-se de cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade Administrativa, demanda que busca reprimir o enriquecimento ilícito, as lesões ao erário e a ofensa aos princípios da Administração Pública. Não se podem admitir neste processo manobras para escapar da execução das sanções pecuniárias impostas pelo Estado, sob pena de as condutas contrárias à moralidade administrativa ficarem sem resposta. Ora, se o entendimento desta Corte – conforme a jurisprudência supradestacada – é o de que são cabíveis medidas executivas atípicas para a satisfação de obrigações de cunho estritamente patrimonial, com muito mais razão elas devem ser admitidas em casos em que o cumprimento da sentença se dá para tutelar a moralidade e o patrimônio público. Superada a questão da impossibilidade de adoção de medidas executivas atípicas de cunho não patrimonial pela jurisprudência desta Corte (premissa equivocada do acórdão recorrido), não há como não considerar o interesse público, na satisfação da obrigação, importante componente para definir o cabimento (ou não) delas à luz do caso concreto. Não há, portanto – ao menos do modo abstrato como analisado o caso na origem –, ofensa à proporcionalidade ou à razoabilidade pela adoção de medidas não patrimoniais para o cumprimento da sentença. 5. Parâmetros Os parâmetros construídos pela Terceira Turma encontram largo amparo na doutrina e se revelam adequados também ao cumprimento de sentença proferida em Ação por Improbidade. Conforme tem preconizado a Terceira Turma, "A adoção de meios executivos atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese concreta, com observância do contraditório substancial e do postulado da proporcionalidade." (REsp 1.788.950/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 26.4.2019). Consigne-se que a observância da proporcionalidade não deve ser feita em abstrato, a não ser que as instâncias ordinárias expressamente declarem inconstitucional o artigo 139, IV, do CPC/2015. Não sendo o caso, as balizas da proporcionalidade devem ser observadas com referência ao caso concreto, nas hipóteses em que as medidas atípicas se revelem excessivamente gravosas e causem, por exemplo, prejuízo ao exercício da profissão. 6. Conclusão Ante o exposto, dou parcial provimento ao Recurso Especial para determinar a devolução dos autos à origem, a fim de que o requerimento de adoção de medidas atípicas, feito com fundamento no artigo 139, IV, do CPC, seja analisado de acordo com o caso concreto, mediante a observância dos parâmetros jurisprudenciais acima estabelecidos. É como voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2020/0165756-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.929.230 / MT Números Origem: 1010211-37.2019.8.11.0000 10102113720198110000 158781020108110041 PAUTA: 27/04/2021 JULGADO: 27/04/2021 Relator Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. MARIO LUIZ BONSAGLIA Secretária Bela. VALÉRIA RODRIGUES SOARES AUTUAÇÃO RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RECORRIDO : ERALDO EDGAR DE LIMA ADVOGADO : JOSÉ CARLOS MARQUES - MT011737 ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos Administrativos - Improbidade Administrativa CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "Adiado por indicação do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." CERTIDÃO DE JULGAMENTO SEGUNDA TURMA Número Registro: 2020/0165756-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.929.230 / MT Números Origem: 1010211-37.2019.8.11.0000 10102113720198110000 158781020108110041 PAUTA: 27/04/2021 JULGADO: 04/05/2021 Relator Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. MARIO LUIZ BONSAGLIA Secretária Bela. VALÉRIA RODRIGUES SOARES AUTUAÇÃO RECORRENTE : MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO RECORRIDO : ERALDO EDGAR DE LIMA ADVOGADO : JOSÉ CARLOS MARQUES - MT011737 ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Atos Administrativos - Improbidade Administrativa CERTIDÃO Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: "A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator.