RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 56.941 - DF (2018/0059318-1)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO DE ATO JUDICIAL,
DESTINADO A BEM INSTRUIR PEDIDO DE HABILITAÇÃO EM PROCESSO DE INVENTÁRIO,
QUE DETERMINA A AVERBAÇÃO DE SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM AÇÃO
NEGATÓRIA DE MATERNIDADE, TRANSITADA EM JULGADO. CONSEQUÊNCIA LEGAL
OBRIGATÓRIA, EFETIVADA, ORDINARIAMENTE, DE OFÍCIO. PROVIDÊNCIA QUE NÃO SE
CONFUNDE COM O DIREITO PERSONALÍSSIMO ALI DISCUTIDO; QUE DISPENSA
AJUIZAMENTO DE AÇÃO PARA ESSE FIM; E QUE NÃO SE SUBMETE A QUALQUER PRAZO
DECADENCIAL/PRESCRICIONAL. RECONHECIMENTO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE
DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.
1. A controvérsia posta no presente recurso ordinário centra-se em saber se a decisão que
autoriza a expedição de mandado de averbação de sentença de procedência, exarada em
ação negatória de maternidade e transitada em julgado em 1992, a fim de instruir pedido de
habilitação nos autos de inventário, ofende direito líquido e certo do impetrante - o qual teve
desconstituído, em face da aludida sentença, seu estado de filiação materna.
2. A averbação de sentença transitada em julgado, a qual declara ou reconhece determinado
estado de filiação - como se dá nas ações negatórias de maternidade/paternidade, em caso
de procedência -, constitui consequência legal obrigatória, destinada a conferir publicidade e
segurança jurídica ao desfecho que restou declarado e reconhecido judicialmente, o que se
dá, ordinariamente, de ofício.
2.1 Não existe nenhuma faculdade conferida às partes envolvidas a respeito de proceder ou
não à referida averbação, como se tal providência constituísse, em si, um direito
personalíssimo destas. Não há, pois, como confundir o exercício do direito subjetivo de ação
de caráter personalíssimo, como o é a pretensão de desconstituir estado de filiação, cuja
prerrogativa é exclusiva das pessoas insertas nesse vínculo jurídico (pai/mãe e filho), com o
ato acessório da averbação da sentença de procedência transitada em julgado, que se
afigura como mera consequência legal obrigatória.
3. Na eventualidade de tal proceder não ser observado - o que, na hipótese dos autos,
deu-se em virtude de declarada falha do serviço judiciário (houve expedição, mas não houve
o encaminhamento do mandado de averbação ao Oficio do Registro Civil das Pessoas
Naturais) - não se impõe à parte interessada o manejo de específica ação para esse
propósito. A providência de averbação da sentença, por essa razão, não se submete a
qualquer prazo, seja ele decadencial ou prescricional.
4. Mostra-se descabido discutir a legitimidade dos herdeiros para promover a averbação da
sentença, pois, além dessa providência não se confundir com o direito personalíssimo
discutido na ação negatória de maternidade, revela-se inquestionável o interesse jurídico do
espólio, representado pela inventariante, acerca da higidez do processo de inventário,
sobretudo na qualificação daqueles que ingressam com pedido de habilitação, cujo registro
de assentamento civil deve, necessariamente, corresponder com a realidade atual dos fatos, em atenção ao princípio da veracidade, que rege o registro público.
5. A estreita via do mandado de segurança não comporta o conhecimento de matéria
concernente ao suposto estabelecimento de maternidade sócio-afetivo, que, por si, não
dispensaria exauriente instrução probatória, mostrando-se, de igual modo, de todo
impertinente qualquer consideração, a esse propósito, quanto aos efeitos e abrangência da
coisa julgada exarada na ação negatória de maternidade.
6. A norma processual que regulamenta as hipóteses em que o processo tramita sob sigilo é
expressa em autorizar que terceiros que ostentem comprovado interesse jurídico tenham
acesso ao dispositivo da sentença, extraindo-se a correspondente certidão. Salientese, a
esse propósito, que o fato de o processo tramitar em segredo de justiça é circunstância
absolutamente indiferente à natural repercussão dos efeitos da coisa julgada.
7. Recurso ordinário improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar
provimento ao recurso ordinário, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro (Presidente), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso
Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 19 de maio de 2020 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
A. M. V. C. interpõe recurso ordinário, com fulcro no art. 105, II, b, da
Constituição Federal e 1.027, II, do Código de Processo Civil/2015, em contrariedade ao
acórdão proferido pela Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e
dos Territórios que denegou a ordem impetrada em mandado de segurança (e-STJ, fls.
622-634).
Extrai-se dos autos que, no bojo da ação de inventário dos bens deixados
por J. V. dos S. (Processo n. 2011.01.1.071188-4, em tramitação perante o Juízo da 1ª
Vara de Órfãos e Sucessões da Circunscrição Judiciária de Brasília/DF), A. M. V. C.
requereu sua habilitação no processo de inventário (e-STJ, fl. 91-118), utilizando certidão
de nascimento sem a alteração de sua filiação materna, advinda da sentença de
procedência transitada em julgado (em 1992 - e-STJ, fl. 75), exarada em ação negatória de
maternidade que lhe foi promovida por J. V. dos S.
Por tal razão, o Juízo em que se processa o inventário de J. V. dos S.
determinou que a inventariante instruísse os autos com a certidão de nascimento de A. M.
V. C., devidamente averbada, para excluir o nome de J. V. dos S. de seu registro.
Para dar cumprimento ao decisum, a inventariante requereu ao Juízo de
Direito da 3ª Vara de Família da Circunscrição Especial de Brasília/DF (perante o qual
tramitou a referida ação negatória de maternidade - Processo n. 02257819/85 - e cuja r.
Serventia não encaminhou, na oportunidade, o mandado de averbação então expedido - e-STJ, fl. 150), a expedição de novo mandado de averbação da sentença transitada em
julgado em 1992.
Em atendimento ao requerimento, o Juízo de Direito da 3ª Vara de Família da
Circunscrição Especial de Brasília/DF proferiu "despacho para que fosse expedido novo
mandado de averbação, determinando à Secretaria do Juízo que sanasse o lapso
anteriormente cometido ainda em 1992 e o encaminhasse ao Cartório de Registro Civil,
dando, assim, integral cumprimento à sentença transitada em julgada" (e-STJ, fl. 151).
Em contrariedade a essa decisão, A. M. V. C. impetrou mandado de
segurança.
A impetração do mandamus encontra-se fundado no argumento de que,
embora tenha transitada em julgado a sentença que julgou procedente a ação negatória de
maternidade promovida por J. V. dos S. contra o impetrante, não houve, na oportunidade,
averbação da sentença. Defendeu o impetrante, assim, que, com o falecimento de J.V.S.,
a averbação da sentença não mais poderá ser levada a efeito, porquanto constituiria direito
personalíssimo da falecida. Sustentou, assim, que os herdeiros não possuem legitimidade
para a "execução" do julgado, havendo - caso assim não se reconheça -, inclusive, o
transcurso de prazo decadencial para tanto.
Aduziu que, "em se tratando de retificação de registro tendo como causa a
alegação de falsidade documental, o prazo prescricional aplicável, no Código Civil anterior
seria, por analogia, o de 4 (quatro) anos, referente à negação de filiação, a teor do art. 178,
§ 9°, VI, do Código Civil de 1916" (e-STJ, fl. 31). E concluiu, no ponto que, "não tendo
retirado o mandado de averbação e levado ao registro competente para a pretendida
retificação, a titular do título executivo judicial decaiu do direito de fazê-lo" (e-STJ, fl. 33).
Teceu considerações quanto ao desejo de J. V. dos S. de não proceder à
averbação e, portanto, não desconstituir a maternidade, além de evidências acerca da
constituição da maternidade sócio-afetiva. No ponto, afirma ser irrevogável o estado de
filiação, que se estende ao caso da adoção, independentemente de como haja sido
originada (no caso, adoção à brasileira).
Asseverou que, em se tratando de processo sob segredo de justiça, não
poderia ter sido dado vista dos autos da ação negatória de maternidade, ou de qualquer
peça ali contida a terceiros, o que teria o condão de violar sua intimidade.
Como assinalado, a Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios denegou a ordem impetrada no mandado de segurança, nos
termos da seguinte ementa (e-STJ, fl. 623):
"MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO NEGATÓRIA DE MATERNIDADE.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. SENTENÇA TRANSITADA EM
JULGADO. AUSÊNCIA DE AVERBAÇÃO NO REGISTRO CIVIL DE
PESSOAS NATURAIS. REQUERIMENTO DE AVERBAÇÃO PELA
INVENTARIANTE. POSSIBILIDADE. DEFERIMENTO. AUSÊNCIA DE
DIREITO LÍQUIDO. 1. Diante de sentença desconstitutiva da maternidade transitada em
julgado, a averbação no cartório do registro civil de pessoas naturais
é consectário lógico da decisão que se tornou imutável, podendo ser
providenciada até de ofício, ou a requerimento do inventariante, no
interesse dos herdeiros do -- falecido.
2. Frente ao direito potestativo, eventual prazo não estaria fixado na
lei para a propositura da ação, mas para o exercício do direito, de
modo que a extinção da ação seria mera consequência da extinção do
direito. Contudo, ante a sentença transitada em julgado, não há falar
em extinção do direito potestativo exercido.
3. A pretensão de obstar a averbação da sentença transitada em
julgado não constitui direito líquido e certo, o que torna inviável a ação
mandamental.
4. Ordem denegada".
Irresignado, A. M. V. C. interpõe o presente recurso ordinário (e-STJ, fl. 642-
662), sob o argumento, em síntese, de que se operou a decadência do direito de executar
a sentença proferida. Afirma, no ponto, que, "no caso concreto, a Sentença (proferida nos
Autos nº 2257819/85) transitou em julgado em 1992, pelo que há de ser reconhecida a
prescrição quadrienal para a desconstituição do registro de nascimento, assentado em
1974, certo ainda que o reinício de contagem do prazo prescricional, para que terceiros
contestassem a validade da permanência do registro em sua forma originalmente
assentada esvaiu-se, também, e isso em 1996" (e-STJ, fl. 648).
Defende, ainda, que, "com o falecimento da genitora, não há ninguém com
legitimidade para postular a realização do ato de averbação, exceto o próprio filho, Adson,
o único detentor de poderes para providenciar a execução do julgado" (e-STJ, fl. 648).
Afirma ser "verdade que [a sentença] 'determinou' a supressão do nome da autora do
assento do registro de nascimento do Recorrente... porém, NÃO determinou a expedição
de mandado de averbação para o Cartório" (e-STJ, fl. 649).
Aduz que, "em que pese existir sentença transitada em julgado no que tange
à maternidade "biológica" do Recorrente, remanesceu a maternidade "jurídica", decorrente
da prevalência do registro civil, mantido pela Sra. Josina" (e-STJ, fl. 650). Anota, no ponto,
que "o 'decisum' tomou em conta apenas o entendimento de não ser exclusivo da parte o
direito de averbação da sentença da Contestação de Maternidade, sobrepondo a coisa
julgada ao direito personalíssimo da maternidade" (e-STJ, fl. 654).
Salienta, que, em se tratando de direito personalíssimo, somente a falecida
Josina poderia dar cumprimento a sentença. Ressalta, assim, que "a inventariante não pode exercer, nem reivindicar direitos personalíssimos da "de cujus", nem ainda peticionar
pela prestação jurisdicional administrativa ou contenciosa, menos ainda requerer a
execução de sentença relativa a estado da pessoa". Anota, assim, ter havido manifesta
violação ao art. 155, parte final, do CPC, na medida em que aqueles autos tramitavam em
segredo de justiça, no caso, indiscutivelmente violado.
A parte adversa não apresentou contrarrazões (e-STJ, fl. 666).
O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo conhecimento e não
provimento do presente recurso ordinário em mandado de segurança (e-STJ, fls. 681-
684).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE (RELATOR):
A controvérsia posta no presente recurso ordinário centra-se em saber se a
a decisão que autoriza a expedição de mandado de averbação de sentença de
procedência, exarada em ação negatória de maternidade e transitada em julgado em 1992,
a fim de instruir pedido de habilitação nos autos de inventário, ofende direito líquido e certo
do impetrante - o qual teve desconstituído, em face da aludida sentença, seu estado de
filiação materna.
Para a adequada compreensão da questão, relevante bem pontuar as
circunstâncias e os fatos processuais que deram origem à subjacente impetração.
No ano de 1985, J. V. dos S., em contraposição à ação de alimentos que lhe
fora ajuizada, promoveu "ação de contestação de maternidade" contra A. M. V. C. , em que
aduziu - pelo que se afere da sentença contida às fls. 64-71 (e-STJ) - "falsidade quanto ao
registro de nascimento do autor,' asseverando [...] não [ser] sua mãe e que seu assistente
também não [era] seu pai, ignorando como tal documento fora produzido, requerendo
perícia" (e-STJ, fl. 64-65).
Registre-se que, ao final, a ação negatória de maternidade, nos lindes em
que proposta, foi julgada procedente para "declarar que a autora não é mãe do requerido,
determinando a supressão de seu nome do assento de registro de nascimento, bem como
a alteração do nome do requerido, na forma referenciada" (eSTJ, fl. 70-71).
Oportuno destacar, nesse ínterim, o seguinte trecho da sentença, a bem
evidenciar a extensão da matéria então decidida (e-STJ, fls. 64-71):
"No caso em exame, bem de ver que a ação de contestação de
maternidade, tem por escopo a declaração da inexistência de
relação jurídica de cunho obrigacional e a falsidade de
documento - art. 4º, itens I e II, do aludido diploma legal.
[...]
A prova colhida, seja a testemunhal, quer a pericial, convergem pare
uma única e inafastável conclusão: a autora não é mãe do requerido.
Já restara no curso da instrução anterior, que o então assistente do
requerido tampouco é seu pai.
Colho-se, neste particular, do depoimento de MARIA DE FÁTIMA PAULINA, com riqueza de detalhes, todo o histórico do requerido,
desde o momento de sua concepção, relatado, segundo essa
testemunha, pela verdadeira mãe, de quem era grande amiga, e onde
é mencionado o seu possível genitor. E, se alguma dúvida ainda
pudesse subsistir, a farsa é desmantelada com a perícia, consistente
no exame nas Impressões Digitais de DNA, tido como infalível,
mormente quando afirma, com 100% (cem por cento) de certeza que a
autora não é mãe do requerido.
[...]
Logo, o registro de nascimento do requerido, embora
totalmente falso, não pode subsistir, ao menos no tocante à
parte em que menciona a autora com componente da
descendência do requerido. Por conseqüência, não poderá o
requerido continuar a ostentar o apelido de família "V." que lhe
empresta a autora.
O requerido passará a anotar o nome de A. M. R. C., devendo
ser suprimido do seu assento de registro de nascimento o
nome da autora e o apelido de família"V.".
Tenho para mim que configurados, em tese, os delitos de
falsidade e o uso de documento falso, praticados pelo seu
então assistente. Por isso, determino que, após o trânsito em
julgado desta sentença, se extraiam peças dos autos para
serem encaminhadas ao Excelentíssimo Senhor Doutor
Procurador-Geral de Justiça.
Isto posto, julgo procedente a ação, para declarar que a autora
não é mãe do requerido, determinando a supressão de seu
nome do assento de registro de nascimento, bem como a
alteração do nome do requerido, na forma referenciada. Declaro, outrossim, extinto o processo respeitante à ação de
alimentos, com fundamento no art. 267, item IV, do Código de
Processo Civil, determinando se proceda ao arquivamento dos autos,
após a baixa na distribuição".
A aludida sentença transitou em julgado em junho de 1992, conforme dá
conta a certidão constante de fl. 75 (e-STJ).
Em que pese a expedição de mandado de averbação (e-STJ, fl. 76),
determinado pelo Juízo de Direito da 3ª Vara de Família da Circunscrição Especial de
Brasília/DF, a r. Serventia, por equívoco, não o encaminhou ao 1º Oficio do Registro Civil
das Pessoas Naturais e Jurídicas de Brasília-DF.
Em 2011, a Sra. J. V. dos S. faleceu, a ensejar a abertura de ação de
inventário dos bens por ela deixados (Processo n° 2011.01.1.071188-4), em tramitação
perante o Juízo de Direito da 1ª Vara de Órfãos e Sucessões da Circunscrição Judiciária
de Brasília/DF.
Ante a ausência de averbação da sentença de procedência, exarada na ação negatória de maternidade, A. M. V. C. requereu sua habilitação no processo de inventário
(e-STJ, fl. 91-118), utilizando certidão de nascimento sem a alteração de sua filiação
materna.
Por tal razão, o Juízo em que se processa o inventário de J. V. dos S
determinou que a inventariante instruísse os autos com a certidão de nascimento de A. M.
V. C., devidamente averbada, para excluir o nome de J. V. dos S. de seu registro, nos
seguintes termos (e-STJ, fl. 78):
"DESPACHO.
Pelo que consta dos autos, em 24/09/1990, foi proferida sentença
declarando que a falecida J. V. dos S. não seria mãe de A. M. V. C.,
determinando, inclusive, a supressão de seu nome do assento de
registro de nascimento de Adson.
Todavia, ao que tudo indica, tal decisório não chegou a ser averbado
como se pode verificar da certidão de nascimento juntada à fl. 390.
Nada obstante, salvo melhor juízo. a sentença continua válida e
passível dessa averbação.
Assim, para que não haja qualquer vício futuro ensejador de eventuais
nulidades, bem como para dirimir definitivamente a questão, determino
que a inventariante instrua os autos com a certidão de nascimento de
Adson Marcelo devidamente averbada para fins de excluir o nome de
JOSINA VIEIRA DOS SANTOS de seu registro.
Prazo de 30 (trinta) dias.
Publique-se. Intime-se".
Para dar cumprimento ao decisum, a inventariante requereu ao Juízo de
Direito da 3ª Vara de Família da Circunscrição Especial de Brasília/DF, perante o qual
tramitou a referida ação negatória de maternidade - Processo n. 02257819/85, a expedição
de novo mandado de averbação da sentença transitada em julgado em 1992, o que foi
deferido.
Esta decisão, portanto, é objeto da subjacente impetração.
Os fatos processuais acima referidos constaram expressamente das
informações prestadas pela autoridade reputada coatora, nos seguintes termos: (e-STJ,
fls. 150-151):
"O acórdão transitou em julgado em 11.06.1992 (fl. 505), sendo
os autos encaminhados a esta Vara em 15.06.1992. Saliento que
à fl. 507 dos autos, consta mandado de averbação expedido em
22.03.1993, pelo então Juiz Dr. José Jacinto Costa Carvalho,
dando cumprimento à determinação constante na sentença. Foi
determinado o arquivamento dos autos, e expedido o respectivo ofício de baixa em 19.12.2001 (fl. 516), sem que,
contudo, fosse encaminhado pelo Cartório o mandado de
averbação assinado pelo titular da Vara à época, o hoje Dês.
J.J. Costa Carvalho. Às fls.518/519, foi requerida por Iracema Vieira de Menezes dos
Santos, inventariante da Sra. Josina nos autos do processo n°
2011.01.1.071188-4, em tramitação na 1ª Vara de Órfãos e
Sucessões, expedição de novo mandado de averbação, tendo em
vista não ter havido o encaminhamento do mandado anteriormente
expedido à fl. 507.
À fl. 546, proferi despacho para que fosse expedido novo
mandado de averbação, determinando à Secretaria deste Juízo
que sanasse o lapso anteriormente cometido ainda em 1992 e o
encaminhasse ao Cartório de Registro Civil, dando assim
integral cumprimento à sentença transitada em julgada e
confirmada pelo Tribunal".
Pois bem. Assim delimitados os fatos processuais que deram origem à
subjacente impetração, passa-se, propriamente, a enfrentar os argumentos expendidos.
Em suas razões recursais, o recorrente busca demonstrar que a expedição
de mandado de averbação de sentença de procedência, exarada em ação negatória de
maternidade e transitada em julgado em 1992, ofende direito líquido e certo, sob a
alegação de que tal providência, por consubstanciar verdadeiro exercício de um direito
personalíssimo, somente poderia ser levada a efeito pela promovente da ação, a Sra.. J. V.
dos S., ou por ele próprio, na qualidade de demandado.
O argumento é meramente retórico, e como tal, não procede.
De plano, revela-se de suma importância deixar assente que a averbação de
sentença transitada em julgado, a qual declara ou reconhece determinado estado de
filiação - como se dá nas ações negatórias de maternidade/paternidade, em caso de
procedência -, constitui consequência legal obrigatória, destinada a conferir
publicidade e segurança jurídica ao desfecho que restou declarado e reconhecido
judicialmente.
O art. 10, inciso II, do Código Civil é absolutamente claro ao assim dispor:
"Art. 10. Far-se-á a averbação de registro público:
[...]
II - dos atos judiciais e extrajudiciais que declararem ou reconhecerem
a filiação".
A averbação constitui ato acessório destinado a modificar o teor constante do registro, em virtude de determinação judicial, conferindo-lhe, em atenção ao princípio da
veracidade, publicidade e segurança jurídica.
Uma vez proposta a ação com o aludido conteúdo (de declarar ou
reconhecer estado de filiação diverso do constante no registro no assento civil da pessoa
natural), a sentença de procedência daí advinda, transitada em julgado, deverá ser, por
expressa determinação legal, necessariamente averbada.
Não existe, assim, nenhuma faculdade conferida às partes envolvidas a
respeito de proceder ou não à referida averbação, como se tal providência constituísse,
em si, um direito personalíssimo destas.
Não há, pois, como confundir o exercício do direito subjetivo de ação de
caráter personalíssimo, como o é a pretensão de desconstituir estado de filiação, cuja
prerrogativa é exclusiva das pessoas insertas nesse vínculo jurídico (pai/mãe e filho), com
o ato acessório da averbação da sentença de procedência transitada em julgado, que se
afigura como mera consequência legal obrigatória.
Mostra-se, nesse contexto, sem nenhum respaldo legal a argumentação
expendida pelo recorrente/impetrante, ao cogitar que a Sra. J. V. dos S., por deliberação de
sua própria vontade, não quis levar à efeito a averbação da sentença transitada em
julgado.
Veja-se, a esse propósito, que o comando da sentença foi absolutamente
claro em declarar que a Sra. J. V. dos S. não é mãe do então requerido, A. M. V. C,
determinando-se a supressão de sue nome do assento de registro de nascimento, como a
alteração de seu nome, expedindo-se, para tanto, de ofício, o competente mandado de
averbação, o qual, por equívoco, da r. Serventia não foi devidamente encaminhado ao
Oficio do Registro Civil das Pessoas Naturais pertinente.
Tal providência, como se vê, por se tratar de consequência legal obrigatória
da decisão judicial (transitada em julgado) que declara estado de filiação diverso do
constante no registro, é determinada, de ofício, pelo próprio Juízo, e, não necessariamente,
levada a efeito pelas partes envolvidas no litígio.
O fato de a demandante não ter promovido tal averbação, que nem sequer
lhe incumbia, não denota, a toda evidência, suposta intenção de não desconstituir o vínculo
de filiação, como sugere o recorrente. Ao contrário. O simples ajuizamento da ação com esse propósito, tendo o trânsito em julgado da sentença de procedência ali proferida
(1992) ocorrido ainda em vida da demandante, é circunstância mais do que suficiente para
evidenciar, sem nenhuma margem de dúvidas, a intenção da Sra. J. V. dos S. de
desconstituir o vínculo de filiação constante do registro do recorrente.
Tampouco se poderia cogitar que a averbação, após a morte da Sra. J. V.
dos S., pudesse ficar a cargo apenas do demandado, que justamente se posicionou contra
tal pretensão.
O registro público, norteado que é pelo princípio da veracidade, há de refletir,
necessariamente, a verdade real existente no plano dos fatos - inclusive a advinda da
modificação da situação jurídica que não mais corresponda à realidade dos fatos
perpetrada por averbações e retificações do registro civil, inerente à dinâmica da vida em
sociedade.
Não por outra razão, dispõe o art. 1.604 do Código Civil: "Ninguém pode
vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro
ou falsidade do registro".
Não se antevê, assim, qualquer ilegalidade na providência determinada pelo
Juízo perante o qual tramita o inventário dos bens deixado pela Sra. J. V. dos S., a fim de
viabilizar a apresentação de documento do pretenso habilitante que efetivamente espelhe a
realidade atual dos fatos, no tocante ao seu estado de filiação. Para tanto, indispensável a
averbação da sentença negatória de maternidade, cuja determinação judicial, de igual
modo, não importa violação a qualquer direito líquido e certo do impetrante.
Reconhecido, nesses termos, que o ato acessório de averbação de
sentença proferida em ação negatória de maternidade não consubstancia, em si, um
direito subjetivo autônomo das partes litigantes, tampouco se confunde com o direito
personalíssimo ali discutido, ressai, in totum, esvaziado os argumentos expendidos pelo
recorrente quanto à alegada ausência de legitimidade dos herdeiros para proceder à
averbação ou quanto à fluência do prazo decadencial/prescricional para esse propósito.
Isso porque o ato acessório de averbação da sentença, que se apresenta
como consectário legal obrigatório, deve ocorrer, em regra, de modo oficioso.
Na eventualidade de tal proceder não ser observado - o que, na hipótese dos
autos, deu-se em virtude de declarada falha do serviço judiciário (houve expedição, mas não houve o encaminhamento do mandado de averbação ao Oficio do Registro Civil das
Pessoas Naturais) - não se impõe à parte interessada o manejo de específica ação para
esse propósito. A providência de averbação da sentença, por essa razão, não se submete
a qualquer prazo, seja ele decadencial ou prescricional.
No tocante à dispensabilidade de manejo de ação, para se promover a
alteração do estado de filiação no registro decorrente de sentença transitada em julgado,
cita-se o seguinte julgado desta Terceira Turma do STJ:
"Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação de investigação
de paternidade c/c petição de herança e anulação de partilha.
Decadência. Prescrição. Anulação da paternidade constante do
registro civil. Decorrência lógica e jurídica da eventual procedência do
pedido de reconhecimento da nova paternidade. Citação do pai
registral. Litisconsórcio passivo necessário. - Não se extingue o direito ao reconhecimento do estado de filiação
exercido com fundamento em falso registro. - Na petição de herança e anulação de partilha o prazo prescricional é
de vinte anos, porque ainda na vigência do CC/16. - O cancelamento da paternidade constante do registro civil é
decorrência lógica e jurídica da eventual procedência do
pedido de reconhecimento da nova paternidade, o que torna
dispensável o prévio ajuizamento de ação com tal finalidade. - Não se pode prescindir da citação daquele que figura como pai na
certidão de nascimento do investigante para integrar a relação
processual na condição de litisconsórcio passivo necessário.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.
(REsp 693.230/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 11/04/2006, DJ 02/05/2006, p. 307)".
Tampouco há que se discutir a legitimidade dos herdeiros para promover a
averbação da sentença, pois, além dessa providência não se confundir com o direito
personalíssimo discutido na ação negatória de maternidade, revela-se inquestionável o
interesse jurídico do espólio, representado pela inventariante, acerca da higidez do
processo de inventário, sobretudo na qualificação daqueles que ingressam com pedido de
habilitação, cujo registro de assentamento civil deve, necessariamente, corresponder com
a realidade atual dos fatos.
No ponto, como bem ponderado pelo Ministério Público Federal em seu
parecer (e-STJ, fls. 681-684), se aos herdeiros é dada a possibilidade de prosseguir - nunca iniciar - ação destinada a desconstituir estado de filiação intentada por seu genitor,
com esteio no parágrafo único do art. 1.606 do Código Civil, dúvidas não pairam quanto à possibilidade de os herdeiros apenas efetivarem o comando sentencial cujo transito em
julgado, no caso, deu-se quando a promovente ainda vivia.
Sem nenhum substrato legal, como se constata, a tese vertida pelo
recorrente.
Na subjacente impetração, de forma periférica, o insurgente chega a tecer
considerações quanto ao estabelecimento de maternidade sócio-afetiva com a Sra. J. V.
dos S., o que obstaria, segundo defendido, a averbação da sentença.
A inadequação da via mandamental, a esse propósito, é manifesta.
A discussão envolta no presente mandamus restringe-se, unicamente, a
analisar a alegada violação de direito líquido e certo do impetrante, em razão da averbação
de sentença transitada em julgado exarada em ação negatória de maternidade, levada a
efeito pelos herdeiros, que ora se afasta peremptoriamente.
Nessa medida, ressai evidenciado que a estreita via do mandado de
segurança não comporta o conhecimento de matéria concernente ao suposto
estabelecimento de maternidade sócio-afetivo, que, por si, não dispensaria exauriente
instrução probatória, mostrando-se, de igual modo, de todo impertinente qualquer
consideração, a esse propósito, quanto aos efeitos e abrangência da coisa julgada
exarada na ação negatória de maternidade.
Por fim, o recorrente sustenta violação à direito de personalidade, ao
argumento de que, considerando-se que o processo tramitou em segredo de justiça, não
se poderia dar acesso a terceiros, no caso, os herdeiros, quanto aos termos da sentença,
a fim de viabilizar a correlata averbação.
A prevalecer a tese do recorrente, nos processos que tramitam em segredo
de justiça, notadamente àqueles atinentes ao estado de pessoas, os efeitos da coisa
julgada ficariam adstritos ao alvedrio das partes, do que não se cogita, a toda evidência.
A norma processual que regulamenta as hipóteses em que o processo
tramita sob sigilo é expressa em autorizar que terceiros que ostentem comprovado
interesse jurídico ter acesso a dispositivo da sentença, extraindo-se a correspondente
certidão.
É o que se extrai do teor do art. 189 do CPC, in verbis:
Dispõe o art. 189 do novo CPC que os atos processuais são
públicos, todavia tramitam em segredo de justiça os processos:
I – em que o exija o interesse público ou social;
II – que versem sobre casamento, separação de corpos,
divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda
de crianças e adolescentes;
III – em que constem dados protegidos pelo direito
constitucional à intimidade;
IV – que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de
carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem
seja comprovada perante o juízo.
§ 1o O direito de consultar os autos de processo que tramite em
segredo de justiça e de pedir certidões de seus atos é restrito às
partes e aos seus procuradores.
§ 2o O terceiro que demonstrar interesse jurídico pode
requerer ao juiz certidão do dispositivo da sentença, bem
como de inventário e de partilha resultantes de divórcio ou
separação.
Como já assentado, é inquestionável o interesse jurídico dos herdeiros em
ter acesso ao que restou definitivamente decidido nos autos da ação negatória de
maternidade, a fim de preservar a higidez do processo de inventário da Sra. J. V. dos S.,
notadamente quanto à correta identificação daqueles que pretendem habilitar-se naquele
feito.
Saliente-se, a esse propósito, que o fato de o processo tramitar em segredo
de justiça é circunstância absolutamente indiferente à natural repercussão dos efeitos da
coisa julgada.
A coisa julgada, de assento constitucional (e legal), erigida à garantia
fundamental do indivíduo, assume papel essencial à estabilização dos conflitos, em
obséquio à segurança jurídica que legitimamente se espera da prestação jurisdicional.
Uma vez decorrido o devido processo legal, com o exaurimento de todos os recursos
cabíveis, a solução judicial do conflito de interesses, em substituição às partes litigantes,
por meio da edição de uma norma jurídica concreta, reveste-se necessariamente de
imutabilidade e de definitividade.
Assim, a coisa julgada, a um só tempo, não apenas impede que a mesma
controvérsia, nos limites em que deduzida e contraposta, relativa às mesmas partes,
seja novamente objeto de ação e, principalmente, de outra decisão de mérito (função
negativa), como também promove o respeito e a proteção ao que restou decidido em sentença transitada em julgado (função positiva), erga omnes.
Conclui-se, do exposto, que, da decisão que determinou a averbação da
sentença de procedência transitada em julgado, exarada em ação negatória de
maternidade, não decorreu nenhuma violação a direito líquido e certo do impetrante, ora
recorrente, razão pela qual deve remanescer incólume.
Em arremate, na esteira dos fundamentos acima delineados, nego
provimento ao presente recurso ordinário.
É o voto.