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11 de maio de 2021

A proprietária, na qualidade de arrendadora de aeronave, não pode ser responsabilizada civilmente pelos danos causados por acidente aéreo, quando há o rompimento do nexo de causalidade, afastando-se o dever de indenizar.

 REsp 1.414.803-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021.

Acidente aéreo. Colisão de aeronaves durante voo. Arrendador. Responsabilidade civil. Ausência de nexo causal. Conduta que não influenciou imediata ou diretamente para a ocorrência do evento danoso. Afastamento do dever de indenizar.


A proprietária, na qualidade de arrendadora de aeronave, não pode ser responsabilizada civilmente pelos danos causados por acidente aéreo, quando há o rompimento do nexo de causalidade, afastando-se o dever de indenizar.


A controvérsia dos autos está em definir se a proprietária, na qualidade de arrendadora de determinado avião, pode ser responsabilizada pelos danos advindos de acidente aéreo, com diversas mortes, em que houve a colisão de aeronaves por conduta culposa do piloto de outra aeronave.

O transporte aéreo pode ser dividido em doméstico - regido pelo Código Brasileiro da Aeronáutica, que é aquele em que o ponto de partida, intermediário e o destino estão situados em território nacional (art. 215) - e em internacional - regulado pela Convenção de Montreal, em que o ponto de partida e ponto de destino estejam situados em território de dois Estados signatários da Convenção ou que haja escala prevista no território de qualquer outro Estado, mesmo que este não seja signatário da convenção (art. 1º, nº 2).

Com relação ao transporte aéreo internacional, estabeleceu o STF que as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor, sendo aplicável o limite indenizatório estabelecido pelos normativos internacionais subscritos pelo Brasil, em relação às condenações por dano material.

Definiu-se, ademais, que as disposições previstas nos aludidos acordos internacionais incidem exclusivamente nos contratos de transporte aéreo internacional de pessoas, bagagens ou carga. Assim, não alcançam o transporte nacional de pessoas, que está excluído da abrangência do art. 22 da Convenção de Varsóvia. Por fim, esclareceu que a limitação indenizatória abarca apenas a reparação por danos materiais, e não morais.

No que toca à legislação pátria, o Codex, na seção do transporte de pessoas, fixou no art. 734 a responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, pois se está diante de obrigação de resultado, salvo motivo de força maior, vedando qualquer cláusula excludente da responsabilidade.


Já o art. 927, parágrafo único, do Código Civil prevê cláusula geral de responsabilidade objetiva quando a atividade normalmente desenvolvida pelo causador do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem, como sói o transporte aéreo.

Somado a isso, ao menos no âmbito interno, incide o regime da responsabilidade objetiva do Código consumerista fundada na teoria do risco do empreendimento (CDC, arst. 6°, VI, 12, 14 e 17).

No entanto, só há falar em responsabilidade civil se houver uma relação de causa e efeito entre a conduta e o dano, se a causa for abstratamente idônea e adequada à produção do resultado, não bastando ser antecedente.

Ao contrário do que ocorre na teoria da equivalência das condições (teoria da conditio sine qua non) em que toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano pode ser considerada capaz de gerar o dano, na causalidade adequada, a ideia fundamental é a que só há uma relação de causalidade entre fato e dano quando o ato praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida.


Na aferição do nexo de causalidade, "a doutrina majoritária de Direito Civil adota a teoria da causalidade adequada ou do dano direto e imediato, de maneira que somente se considera existente o nexo causal quando o dano é efeito necessário e adequado de uma causa (ação ou omissão). Essa teoria foi acolhida pelo Código Civil de 1916 (art. 1.060) e pelo Código Civil de 2002 (art. 403)".

Assim, sem que ocorra efetivamente uma relação de causalidade entre fato e dano, não sendo o ato praticado pelo agente minimamente suficiente para provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida, conforme a teoria da causalidade adequada, a proprietária e arrendadora da aeronave não pode ser responsabilizada civilmente pelos danos causados, haja vista o rompimento do nexo de causalidade, afastando-se o dever de indenizar.

8 de maio de 2021

Filigrana doutrinária: Responsabilidade civil por ato ilícito

 O ato ilícito, por força de expressa disposição legal, gera a obrigação de reparar o dano. Existem atos ilícitos que se limitam a produzir efeitos no âmbito civil e outros que, pela sua gravidade, ofendem a incolumidade pública, acarretando ofensa no âmbito penal, nada impedindo, entretanto, que um único ato ilícito atinja as duas esferas de responsabilidade, tanto civil quanto penal. É dessa hipótese que trata a presente exceção. A sentença penal condenatória tem como efeito tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime. Por esse efeito, que Celso Delmanto nomina de 'extrapenal genérico', uma vez transitada em julgado a sentença penal, torna certa a responsabilidade de indenizar o dano no cível, gerando um título executivo judicial, conforme previsto no art. 584, II, do Código de Processo Civil. [...] Nesses casos, não interessará para a exclusão da impenhorabilidade do bem de família legal que a sua aquisição tenha sido com origem criminosa, ou que o crime praticado tenha expressão econômica, tal qual exigido na hipótese anterior, mas bastará que o devedor tenha sido condenado penalmente ao ressarcimento ou indenização dos danos causados pelo crime. 

SANTOS, Marcione Pereira. Bem de Família: Voluntário e Legal. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 251-252 

DANOS MATERIAIS. PERDA DE PRAZO. EMBARGOS MONITÓRIOS. DESÍDIA DO ADVOGADO. REVELIA. INDENIZAÇÃO.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.637.375 - SP (2016/0034091-5) 

RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA 

 RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS MATERIAIS. PERDA DE PRAZO. EMBARGOS MONITÓRIOS. DESÍDIA DO ADVOGADO. ART. 535 DO CPC/1973. VIOLAÇÃO. INEXISTÊNCIA. REPARAÇÃO CIVIL. SÚMULAS NºS 283 E 284/STF. REVELIA. INDENIZAÇÃO. SÚMULA Nº 7/STJ. 

1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 

2. Cinge-se a controvérsia dos autos (i) a definir se houve julgamento extra petita decorrente da condenação pela perda de uma chance e (iii) a verificar a existência de dano decorrente da perda de prazo para oposição de defesa em ação monitória. 

3. O princípio da congruência ou da adstrição determina que o magistrado deve decidir a lide dentro dos limites fixados pelas partes (arts. 128 e 460 do CPC/1973). 

4. Os pedidos formulados devem ser examinados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância aos brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito). 

5. Na hipótese, a causa de pedir está fundada na oposição intempestiva dos embargos monitórios e na ausência de informações acerca da revelia decretada nos autos, enquanto o pedido é de indenização por danos materiais. 

6. Inexiste o alegado julgamento extra petita, pois o autor postulou indenização por danos materiais e as instâncias ordinárias condenaram o réu em conformidade com o pedido ao fundamento da perda de uma chance, apenas concedendo a reparação em menor extensão. 

7. O recurso não ataca os fundamentos do acórdão recorrido, motivo pelo qual incidem, por analogia, as Súmulas nºs 283 e 284/STF. 

8. Rever as conclusões da Corte local, inclusive aquelas referentes aos efeitos da revelia na ação monitória, demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório carreado aos autos, procedimento que atrai o óbice da Súmula nº 7/STJ. 

9. Recurso especial não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Terceira Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator. 

Brasília (DF), 17 de novembro de 2020(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por HENRIQUE FERNANDES DANTAS, com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição Federal, contra o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado: 

"APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. MANDATO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS PELA DESÍDIA DO ADVOGADO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CABIMENTO. SENTENÇA "EXTRA PETITA". NÃO CONFIGURAÇÃO. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE DO PROCESSO. NECESSIDADE. PRELIMINAR REJEITADA. Adota-se, na espécie, o princípio constitucional e processual da máxima efetividade do processo. Assim, não se reconhece a alardeada mácula de ser "extra petita" a r. sentença. Apenas, numa ponderação de interesses lesados em conflito, com suporte na fungibilidade de meios, o MM. Juiz entendeu como aplicável, à espécie, a teoria da perda de uma chance. MANDATO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. PERDA DO PRAZO PARA OPOR DEFESA (EMBARGOS MONITÓRIOS). TEORIA DA PERDA DA CHANCE. VIABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. Imperiosa a utilização do critério da seriedade e realidade das chances perdidas. No caso em apreço, houve a perda do prazo para a oposição de defesa (no caso, embargos monitórios), tendo a mandante recebido o decreto de revelia, sem qualquer informação do causídico a este respeito. Inafastável, pois, o dever de indenizar. PROCESSUAL CIVIL. MANDATO. RATEIO IGUALITÁRIO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. ALTERAÇÃO. DESCABIMENTO. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. RECURSO IMPROVIDO. Ao efetuar a distribuição do ônus sucumbencial, o Magistrdo considerou o princípio da causalidade, visto que o réu deu causa ao ajuizamento desta demanda, sopesando tudo com a evidente reciprocidade da sucumbência. Assim, correta a aplicação do comando inserto no art. 21, "caput", do CPC" (fl. 220 e-STJ). 

Os embargos de declaração opostos (fls. 234-238 e-STJ) foram rejeitados (fls. 240-246 e-STJ). 

Nas presentes razões (fls. 248-263 e-STJ), o recorrente aponta violação dos arts. 128, 319, 460 e 535, I e II, do Código de Processo Civil de 1973 e 944 do Código Civil de 2002. 

Sustenta a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional, visto que os declaratórios apresentados na origem foram rejeitados sem a apreciação dos pontos indicados como omissos. 

Defende que houve julgamento extra petita, pois as instâncias ordinárias não poderiam acolher a tese de responsabilização por perda de uma chance sem o requerimento expresso na petição inicial. Nesse aspecto, argumenta que 

"(...) Conforme consignado na petição inicial, o pedido da Recorrida era para que o recorrente fosse responsabilizado a pagar o valor da condenação no processo movido pela empresa Excubia. Na r. decisão de fls. 41, o I. Magistrado determinou a modificação do pedido inicial, pois o caso era sobre a 'perda da chance' e não sobre fatos de responsabilidade da própria Recorrida. Contudo, a própria Recorrida reiterou sua petição inicial em fls. 43, argumentando que seu pedido era para responsabilizar o advogado por uma dívida que ela não pagou. Ocorre que a condenação na r. sentença é pela 'perda da chance', o que não está inserido nos pedidos da apelada" (fls. 259-260 e-STJ). 

Argui a existência de error in judicando, visto que a decretação da revelia não significa a procedência automática do pedido. 

Assevera, ainda, que a atuação do advogado não gerou dano à recorrida, porque "a decisão que reconheceu a dívida foi independente da revelia" (fl. 262 e-STJ). 

Após as contrarrazões (fls. 269-280 e-STJ), a Presidência da Seção de Direito Privado do Tribunal de origem inadmitiu o presente apelo (fls. 281-282 e-STJ), sobrevindo o agravo em recurso especial (fls. 284-296 e-STJ). 

Diante das peculiaridades da causa, o agravo foi provido para determinar a subida do recurso especial com vista à melhor análise da controvérsia (fls. 329-330 e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). A irresignação não merece prosperar. 

Cinge-se a controvérsia (i) a verificar a existência de negativa de prestação jurisdicional, (ii) a definir se houve julgamento extra petita na hipótese de condenação pela perda da chance e (iii) a verificar a existência de dano decorrente da perda de prazo para oposição de defesa em ação monitória. 

1. Do histórico da demanda 

Na origem, SOFTCONTROL ENGENHARIA E INSTALAÇÕES LTDA. (ora recorrida) ajuizou ação de reparação por danos materiais contra HENRIQUE FERNANDES DANTAS (ora recorrente) postulando o pagamento da quantia de R$ 35.587,37 (trinta e cinco mil quinhentos e oitenta e sete reais e trinta e sete centavos) pela perda de prazo para apresentar embargos monitórios (fls. 1-8 e-STJ). 

O magistrado de piso julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o ora recorrente ao pagamento de indenização no valor de R$ 7.880,00 (sete mil oitocentos e oitenta reais) (fls. 178-182 e-STJ). 

O Tribunal de origem deu provimento à apelação interposta (fls. 189-200 e-STJ), conforme se extrai da fundamentação a seguir transcrita: 

"(...) 1.- Da nulidade da sentença ('extra petita') Sem razão o recorrente. Adentrando-se as razões recursais propriamente ditas, também não comporta acolhida o pleito que inquina a r. sentença com a eiva de ser extra petita, visto que, em rigor, a acionante pretendia a reparação do dano sofrido pela desídia de seu patrono e o douto Magistrado, fazendo um juízo de ponderação, constatou a ocorrência dos prefalados danos, sem, contudo, poder imputá-los integralmente ao réu, razão pela qual, em sintonia com moderno processo civil, de forma implícita, valendo-se do princípio da fungibilidade de meios, vislumbrou, na espécie, o cabimento da teoria da perda de uma chance. E mais, ao fazê-lo, concedeu muito menos do que a autora postulava. Nos exatos contornos que apontam ter sido lesada a acionante pelo desleixo do réu, importa o reconhecimento de que a melhor solução é o acolhimento ao pleito da autora nos termos fundamentos no r. decisum. Aplicável, na espécie, o princípio da máxima efetividade dos atos processuais. (...) Logo, não se vislumbra nulidade da sentença. 2.- Do mérito recursal Toda a controvérsia existente, a esta altura, apresenta-se sob a ótica da teoria da perda da chance, cuja aplicação foi acolhida pelo MM. Juiz. Em verdade, houve a perda do prazo para a oposição dos embargos monitórios, e tal fato não foi negado, mas, ao contrário, candidamente admitido pelo réu com justificativas insubsistentes. (...) Assim, no caso em testilha, mostra--se plenamente aplicável a 'teoria da perda de uma chance', porquanto inafastável o reconhecimento da presença de danos perpetrados à autora em decorrência da desídia do réu. Se apresentados os embargos monitórios em tempo hábil, a mandante poderia ter algum proveito, ainda que parcial ou ínfimo, pela aplicação do direito material. O advogado recebeu procuração para defender os interesses de sua constituinte, mas deixou de diligenciar em tempo a realização de atos necessários em prol da outorgante. É induvidoso o fato de que o advogado-réu, aqui apelante, recebeu a outorga do mandato em tempo hábil para a presentar a adequada defesa da mandante, mas, depois, em inaceitável desídia, incorreu na perda do prazo para a oferta de sua defesa: manejo dos embargos monitórios. Certo que a procuração outorgada aos integrantes da sociedade não foi objeto de renúncia. (...) Essa regra sufraga o direito do advogado em não continuar patrocinando os interesses do cliente, disciplinando também a forma pela qual deverá proceder para não provocar incidentes ou prejuízos ao mandante. (...) A responsabilidade, assim, é calcada no elemento subjetivo dolo ou culpa sendo esta última alicerçada no princípio da previsibilidade. (...) Dos autos resta patente, pois, a omissão do réu. As consequências advieram, emanando decreto de revelia. Previsível, pois, tais consequências. (...) Decerto, sob qualquer ângulo que se analise, resulta evidenciada a conduta negligente do advogado, tipificando-se o ato ilícito a ele imputável (art. 186 do CC/2002 e art. 32 da Lei nº 8.906/94)" (fls. 223-230 e-STJ - grifou-se). Os embargos de declaração opostos (fls. 234-238 e-STJ) foram rejeitados (fls. 240-246 e-STJ). Feitos esses esclarecimentos, passa-se à análise do apelo especial. 

2. Da negativa de prestação jurisdicional 

No tocante à alegada violação do art. 535 do CPC/19973, agiu corretamente o Tribunal de origem ao rejeitar os embargos de declaração diante da inexistência de omissão, obscuridade, contradição ou erro material no acórdão recorrido, ficando patente, em verdade, o intuito infringente da irresignação, que objetivava a reforma do julgado por via inadequada. Ademais, não significa omissão o fato de o aresto impugnado adotar fundamento diverso daquele suscitado pelas partes. Dessa forma, não há falar em negativa de prestação jurisdicional. Nesse sentido: 

"PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. PRECATÓRIO. ACORDO HOMOLOGADO PELO JUIZ DA CENTRAL DE CONCILIAÇÃO (CEPREC). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73. NÃO OCORRÊNCIA. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. I - Não havendo, no acórdão recorrido, omissão, obscuridade ou contradição, não fica caracterizada ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973. (...) III - Agravo interno improvido." (AgInt no REsp 1.659.253/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 27/11/2017 - grifou-se) 

3. Da inexistência de julgamento extra petita 

O recorrente aduz a ocorrência de julgamento extra petita, visto que as instâncias ordinárias não poderiam acolher a tese de responsabilização por perda de uma chance sem o requerimento expresso na petição inicial. 

Pela aplicação do princípio da congruência ou da adstrição, cabe ao magistrado decidir a lide dentro dos limites fixados pelas partes, conforme estabelecem os arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil de 1973. 

Com efeito, a decisão judicial deve se limitar, como regra geral, ao pedido formulado pelo autor na petição inicial, e, se tal comando não for observado, a sentença será ultra, extra ou infra (ou citra) petita, ou seja, terá julgado além, fora ou menos do que o postulado. 

Eis, nesse sentido, o seguinte julgado: 

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO ULTRA PETITA. AFASTAMENTO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. JULGAMENTO CONDIZENTE COM A PRETENSÃO FORMULADA NA PEÇA DE INGRESSO. DECISÃO MANTIDA. 1. De acordo com o princípio da congruência, o provimento judicial deve se ater ao que foi delimitado na petição inicial, não sendo possível condenação em quantidade ou objeto diverso do pedido. 2. No caso, está correto o acórdão recorrido, que reformou em parte a sentença, para adequar a condenação ao que se pediu na inicial. 3. Agravo interno desprovido." (AgInt no REsp 1.309.315/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 3/5/2018, DJe 11/5/2018 - grifou-se) 

Na hipótese, a petição inicial apresenta o seguinte teor, ora transcrita na parte que interessa: 

"(...) A empresa Requerente exercia serviços na cidade de São Paulo, onde sofreu uma ação monitória, processo 0141408-68.2003.8.26.0100 da 9ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo / SP (DOC.3), contratando para representa-la, o advogado Henrique Fernandes Dantas OAB/SP 171463 (Requerido). A Requerente foi citada em 06/04/2004 (DOC.4), sendo feita a juntada da citação nos autos em 15/04/2004. Ocorre que o Requerido apresentou intempestivamente os embargos monitórios somente em 04/05/2004 (DOC.6). (...) Como resultado da negligência do Requerido, não houve oportunidade da Requerente se defender, sendo considerada a sua revelia. A Requerente sofreu uma condenação ao pagamento de mais de vinte e sete mil reais, conforme abaixo: (...) O Requerido deveria ter alertado da perda do prazo processual na época (04/05/2004), orientando a Requerente a fazer algum tipo de acordo para pagamento, pois processualmente já havia perdido a ação por revelia, e a demora geraria problemas futuros. Porém, em vez disso, obrigou a Requerente a efetuar gastos em recursos inócuos por muitos anos, gastos estes com valores superiores ao devido na época (04/05/2004). (...) Ora, O Requerido como lhe incumbia, em momento algum informou a Requerente sobre o evidente risco do insucesso assumido pela continuidade na tentativa de discutir a perda processual, usando outros argumentos protelatórios, que só deram mais prejuízos à Requerente e ao Poder Judiciário. O Requerido agiu por conta própria na condução do procedimento, como profissional do direito que é, utilizando-se de tese manifestamente improcedente, diante da perda de prazo processual ocasionado por sua negligência, agindo em desacordo com a ética e o direito. (...) Requerido ocultou a situação da Requerente, fazendo-a arcar com gastos em recursos ineficazes, ampliando o seu prejuízo. O Requerido não orientou a Requerente quanto às possíveis posturas a serem adotadas diante da perda de prazo processual dos embargos monitórios (em 04/05/2004), o que tornou o processo a partir de seu início um prejuízo consumado e irreversível à Requerente. Destarte, resta patente, que o Requerido não agiu com a perícia que dele se esperava no desempenho de sua função, contribuindo de forma decisiva para a declaração da revelia da Requerente, mesmo considerando, que a obrigação por ele assumida perante esta era de meio e não de resultado. No caso, o Requerido não agiu com a diligência que se lhe impunha, dando andamento a demanda temerária que não possibilitava qualquer chance de sucesso, diante de sua negligência por perda de prazo processual. É dever do advogado, aconselhar o cliente a respeito da probabilidade de êxito na demanda, e na viabilidade da propositura de acordo para encerrar a ação. Vale dizer, é função do causídico, de acordo com o seu conhecimento técnico, esclarecer o mandante sobre o risco e a probabilidade de sucesso na causa. Ao invés do Requerido em 04/05/2004 reconhecer a sua falha, sustentou sua tese até o final ampliando os danos à Requerente. Além disso, não noticiou os fatos à Requerente, nem lhe propôs qualquer orientação legal, visando com isso minimizar os inevitáveis prejuízos. (...) REQUERIMENTO: A imposição das multas e indenização do art. 18 do CPC podem ser determinadas de ofício, por todas as razões expostas. Requer que o Requerido seja citado por AR, para, querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia e confissão. Requer que a presente ação seja julgada TOTALMENTE PROCEDENTE, condenando-se o Requerido ao pagamento de: R$ 35.587,37 (trinta e cinco mil, quinhentos e oitenta e sete reais e trinta e sete centavos), valor este devidamente acrescido de correção monetária pelo índice do TJSP e com a inclusão de juros desde a citação, honorários advocatícios, custas processuais, e, demais cominações de estilo, até a data do efetivo pagamento. Em suma, em razão da imperícia do Requerido na perda de prazo processual, ficou caracterizado o dano pela incidência ao longo do tempo, de atualização monetária, juros e multa, mais custas processuais envolvidas, sobre o valor de condenação não combatida pela ocorrência da revelia decretada" (fls. 1-8 e-STJ - grifou-se). 

Conforme se observa do trecho supratranscrito, a autora - Excubia Serviços Gerais S/C Ltda. - fez pedido de indenização por danos materiais no valor de R$ 35.587,37 (trinta e cinco mil quinhentos e oitenta e sete reais e trinta e sete centavos), correspondente à quantia atualizada cobrada na Ação Monitória nº 0141408-68.2003.8.26.0100, que tramitou na 9ª Vara Cível - Foro Central Cível - da Comarca de São Paulo. 

Como causa de pedir, a demandante destaca a oposição intempestiva dos embargos monitórios e a ausência de informações quanto à revelia decretada nos autos, levando ao andamento de demanda temerária e impossibilitando, inclusive, a viabilidade de acordo judicial para pôr fim ao processo. 

Dessa forma, por mais que a ora recorrida não tenha falado expressamente acerca da perda de uma chance, a situação fática narrada leva o julgador a compreender que o dano decorreu de uma atuação que poderia ter sido evitada se o advogado tivesse sido diligente na atuação do processo. 

Diante disso, é nítido que a causa de pedir, no caso, faz referência à perda da chance de sair vencedor na ação monitória ou, pelo menos, de reduzir os efeitos de eventual procedência dos pedidos autorais. A conduta de não observar o prazo para apresentar defesa em autos judiciais equivale à perda da chance de obter uma situação mais favorável na demanda judicial. 

É o que se extrai de precedente desta Corte Superior em caso análogo de responsabilização de profissionais da advocacia: 

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. TEMPESTIVIDADE DO RECURSO COMPROVADA. DECISÃO AGRAVADA RECONSIDERADA. MÉRITO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL E MORAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE ADVOGADO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. INAPLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE PROBABILIDADE DE SUCESSO EM APELAÇÃO NÃO INTERPOSTA. ACÓRDÃO RECORRIDO MANTIDO. AGRAVO INTERNO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. Pretensão de indenização fundada em perda de uma chance, sob a alegação de que os advogados do escritório modelo da instituição recorrida, deixando de interpor recurso de apelação, acarretaram ao autor perda do direito de receber parcelas retroativas de benefício previdenciário. 2. A chamada teoria da perda da chance, de inspiração francesa e citada em matéria de responsabilidade civil, aplica-se aos casos em que o dano seja real, atual e certo, dentro de um juízo de probabilidade, e não de mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no âmbito da responsabilidade civil, em regra, não é indenizável (REsp 1.104.665/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, DJe de 4.8.2009). 3. Segundo a jurisprudência desta Corte, "em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da 'perda de uma chance' devem ser solucionadas a partir de detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico" (REsp 993.936/RJ, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe de 23.4.2012). 4. O direito à indenização, nessas circunstâncias, somente existiria diante de situação de real e séria possibilidade de êxito do recurso que os recorridos deixaram de interpor no âmbito da ação previdenciária - o que não é o caso dos autos -, tendo em vista que, conforme anotado pelas instâncias ordinárias, não haveria prova da incapacidade do autor no período pleiteado, requisito imprescindível à obtenção do benefício previdenciário pretendido. 5. Agravo interno provido para, reconsiderando a decisão agravada, conhecer do agravo a fim de negar provimento ao recurso especial." (AgInt no AREsp 1333056/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 03/02/2020) 

Ademais, a postulação na demanda é de indenização por danos materiais, tanto que o autor esclareceu, como exige a legislação processual civil, a extensão da lesão provocada pelo advogado e o valor do ressarcimento pretendido. Em outras palavras, o autor pediu a reparação patrimonial e a sentença, mantida pelo acórdão recorrido, concedeu a pretensão (indenização por lesão material), porém em valor menor (R$ 7.880,00 - sete mil oitocentos e oitenta reais). 

Nesse aspecto, ainda cabe ressaltar que os pedidos formulados devem ser examinados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância aos brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito). A propósito: 

"RECURSO ESPECIAL. CONTRATO. COMPRA E VENDA DE LINHA DE MONTAGEM INDUSTRIAL. SÓCIOS. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. JULGAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. VALOR FIXADO. RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NA VIA ESPECIAL. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais proposta por 3 (três) empresas integrantes de um mesmo grupo e seus sócios contra outra empresa, fundada em suposto inadimplemento contratual. 2. A legitimidade ativa constitui requisito de natureza processual que se relaciona à admissibilidade do provimento jurisdicional pretendido. A propósito, o que se examina é se a parte autora possui alguma relação jurídica no tocante ao réu que envolva o direito material deduzido. 3. A pessoa jurídica não se confunde com a pessoa dos seus sócios e tem patrimônio distinto. Todavia, essa disciplina não afasta, por si só, a legitimidade dos sócios para pleitearem indenização por danos morais, caso se sintam atingidos diretamente por eventual conduta que lhes causem dor, vexame, sofrimento ou humilhação, que transborde a órbita da sociedade empresária. 4. O acolhimento da pretensão recursal quanto à alegação de ilegitimidade da empresa SETMA demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que se mostra inviável ante a natureza excepcional da via eleita, a teor do enunciado da Súmula nº 7/STJ. 5. Não há falar em julgamento extra petita quando o órgão julgador não afronta os limites objetivos da pretensão inicial, tampouco concede providência jurisdicional diversa da requerida, respeitando o princípio da congruência. Ademais, os pedidos formulados devem ser examinados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância aos brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito). 6. A reforma do julgado, no tocante à conclusão das instâncias de cognição plena pela existência de dano moral indenizável na hipótese vertente, demandaria o reexame do contexto fático-probatório, procedimento vedado na estreita via do recurso especial, a teor da Súmula nº 7/STJ. 7. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais apenas quando irrisório ou abusivo, circunstâncias inexistentes no presente caso, em que o valor total foi arbitrado em R$ 436.087, 50 (quatrocentos e trinta e seis mil oitenta e sete reais e cinquenta centavos) para as 3 (três) empresas e seus 2 (dois) sócios. 8. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido". (REsp 1.605.466/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/8/2016, DJe 28/10/2016) 

Também não há falar em julgamento extra petita "quando o Juiz examina o pedido e aplica o direito com fundamentos diversos dos fornecidos na petição inicial ou mesmo na apelação, desde que baseados em fatos ligados à causa de pedir" (REsp 1.087.783/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 1º/9/2009, DJe 10/12/2009 - grifou-se). 

A Quarta Turma, julgando caso análogo ao dos presentes autos, concluiu que "o pedido realizado pelos autores foi não só de lucros cessantes - este negado pela Corte de origem -, mas também de perdas e danos em geral, não havendo, portanto, falar em julgamento extra petita, relativamente à indenização por perda de chance" (AgInt no Recurso Especial nº 1.260.150-PR, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 25/06/2019, DJe 28/06/2019). 

A partir desse entendimento, havendo pedido de indenização por perdas e danos em geral, pode o juiz reconhecer a aplicação da perda de uma chance sem que isso implique em julgamento fora da pretensão autoral, como igualmente ocorreu na hipótese dos autos. 

Diferentemente é o caso do Recurso Especial nº 1.190.180-RS, no qual a Quarta Turma deste Tribunal assentou a ocorrência de julgamento extra petita na hipótese em que o autor formula indenização por danos materiais e a sentença, ao aplicar a teoria da perda de uma chance, condena o réu a pagar a reparação por danos morais. Por oportuno, transcreve-se a ementa do referido julgado: 

"RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO. 1. A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. 2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa. 3. Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da "perda de uma chance", condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais. 4. Recurso especial conhecido em parte e provido". (REsp 1.190.180/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 16/11/2010, DJe 22/11/2010 - grifou-se) 

Assim, no caso dos autos, diante de todas essas considerações, inexiste o alegado julgamento extra petita, pois o autor postulou indenização por danos materiais e as instâncias ordinárias condenaram o réu em conformidade com o pedido, apenas concedendo a reparação em menor extensão. 

4. Da alegada inexistência do dano 

No tocante à alegação de que inexiste o dano, o recorrente limita-se a alegar que "a atuação do advogado recorrente não gerou qualquer dano à Recorrida. Isto porque, a decisão que reconheceu a dívida foi independente da revelia" (fl. 262 e-STJ). 

As razões recursais não impugnam o argumento de que a defesa não foi apresentada em tempo hábil e de que houve conduta negligente do advogado. Ao contrário, somente afirma que a sua atuação não gerou danos à recorrida porque a decisão proferida na referida demanda judicial foi independente da revelia. 

Assim, a insurgência trazida no presente recurso não ataca os fundamentos do acórdão recorrido, motivo porque incidem, por analogia, as Súmulas nºs 283 e 284/STF. Para o conhecimento da matéria nesta Corte Superior, não basta apenas alegar a inexistência de dano, mas demonstrar os motivos pelos quais a tese sustentada merece acolhimento, conforme o princípio da dialeticidade. Nesse sentido: 

"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DA PRESIDÊNCIA. ÓBICE DAS SÚMULAS 283 E 284 DO STF. MANUTENÇÃO. 1. Ofende o princípio da dialeticidade o recurso que não impugna especificamente os fundamentos do aresto impugnado. 2. A admissibilidade do recurso especial reclama a indicação clara dos dispositivos tidos por violados, bem como a exposição das razões pelas quais o acórdão teria afrontado cada um, não sendo suficiente a mera alegação genérica. 3. Agravo interno a que se nega provimento". (AgInt no AREsp 1.540.345/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/2/2020, DJe 27/2/2020) 

"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. FUNDAMENTOS AUTÔNOMOS DO ACÓRDÃO. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. AUSÊNCIA. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC" (Enunciado Administrativo n. 3/STJ). 2. Pelo princípio da dialeticidade, impõe-se à parte recorrente o ônus de motivar seu recurso, expondo as razões hábeis a ensejar a reforma da decisão, sendo inconsistente o recurso que não ataca concretamente os fundamentos utilizados no acórdão recorrido. 3. Incidem as Súmulas 283 e 284 do STF, em aplicação analógica, quando não impugnado fundamento autônomo e suficiente à manutenção do aresto recorrido, sendo considerada deficiente a fundamentação do recurso. 4. Agravo desprovido". (AgInt no RMS 58.200/BA, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/10/2018, DJe 28/11/2018) 

Além do mais, cumpre ressaltar que a jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento no sentido de que a reparação de danos decorrentes da perda de chance exige a demonstração dos elementos ensejadores do dever de reparar, além da necessidade de comprovar que a chance perdida é séria e real. Confira-se: 

"RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS. REALITY SHOW. FASE SEMIFINAL. CONTAGEM DOS PONTOS. ERRO. ELIMINAÇÃO. ATO ILÍCITO. INDENIZAÇÃO. DANO MATERIAL. PERDA DE UMA CHANCE. CABIMENTO. DANOS MORAIS DEMONSTRADOS. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a discutir o cabimento de indenização por perda de uma chance na hipótese em que participante de reality show é eliminado da competição por equívoco cometido pelos organizadores na contagem de pontos. 3. A teoria da perda de uma chance tem por objetivo reparar o dano decorrente da lesão de uma legítima expectativa que não se concretizou porque determinado fato interrompeu o curso normal dos eventos e impediu a realização do resultado final esperado pelo indivíduo. 4. A reparação das chances perdidas tem fundamento nos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002 e é reforçada pelo princípio da reparação integral dos danos, consagrado no art. 944 do CC/2002. 5. Deve ficar demonstrado que a chance perdida é séria e real, não sendo suficiente a mera esperança ou expectativa da ocorrência do resultado para que o dano seja indenizado. 6. Na presente hipótese, o Tribunal de origem demonstrou que ficaram configurados os requisitos para reparação por perda de uma chance, tendo em vista (i) a comprovação de erro na contagem de pontos na rodada semifinal da competição, o que tornou a eliminação do autor indevida, e (ii) a violação das regras da competição que asseguravam a oportunidade de disputar rodada de desempate. 7. O acolhimento da pretensão recursal, no sentido de afastar a indenização por danos morais ou de reduzir o valor arbitrado, demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos (Súmula nº 7/STJ). 8. O montante arbitrado a título de indenização por danos morais (R$ 25.000,00 - vinte e cinco mil reais) encontra-se em conformidade com os parâmetros adotados por esta Corte, não se mostrando excessivo diante das particularidades do caso concreto. 9. Recursos especiais não providos". (REsp 1.757.936/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/8/2019, DJe 28/8/2019) 

Segundo o aresto recorrido, "é inafastável o reconhecimento da presença de danos perpetrados à autora em decorrência da desídia do réu. Se apresentados os embargos monitórios em tempo hábil, a mandante poderia ter algum proveito, ainda que parcial ou ínfimo, pela aplicação do direito material" (fls. 225-226 e-STJ). Em seguida, conclui que "sob qualquer ângulo que se analise, resulta evidenciada a conduta negligente do advogado, tipificando-se o ato ilícito a ele imputável" (fl. 230 e-STJ). 

Dessa forma, as conclusões da Corte local acerca do mérito da demanda, inclusive quantos aos efeitos da revelia na ação monitória, decorreram inquestionavelmente da análise do conjunto fático-probatório. Portanto, o acolhimento da pretensão recursal, nos termos em que posta, demandaria o reexame de matéria fática e das demais provas constantes dos autos, o que é inviável em recurso especial, consoante o óbice da Súmula nº 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial". A propósito: 

"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. O STJ possui entendimento no sentido de que em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da 'perda de uma chance' devem ser solucionadas a partir de detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do postulante, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Precedentes. 2. O acolhimento da pretensão recursal, a fim de reconhecer a inexistência do dever de indenizar, exigiria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, atraindo o óbice da Súmula 7 do STJ. (...) 4. Agravo interno não provido". (AgInt no AREsp 1.488.134/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 3/9/2019, DJe 10/9/2019) 

5. Do dispositivo 

Ante o exposto, nego provimento ao recurso especial. 

É o voto. 

24 de abril de 2021

ESTABELECIMENTO COMERCIAL; FURTO DE AUTOMÓVEL; RESPONSABILIDADE OBJETIVA; SUMULA 130, DO S.T.J.; DANO MATERIAL E DANO MORAL CARACTERIZADOS; INDENIZAÇÃO

PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CONSELHO RECURSAL SEGUNDA TURMA RECURSAL CÍVEL RECURSO Nº: 0246746-36.2020.8.19.0001 Recorrente: HAVAN LOJAS DE DEPARTAMENTOS LTDA. Recorridos: GABRIEL OLIVEIRA CARVALHO e ROSANA ALICE ESSABBÁ SOARES DE SOUSA CARVALHO Origem: 2º Juizado Especial Cível - Castelo - Foro Central - RJ. Juiz Relator: Mauro Nicolau Junior V O T O Pretende a empresa ré a reforma da sentença que a condenou ao pagamento de indenização por danos morais e materiais resultantes de furto do veiculo dos autores ocorrido no interior do estacionamento de uma de suas lojas. Sustenta a inexistência de provas quanto aos bens que a parte autora afirma que se encontravam no interior do veículo e, ainda, ausência de sua responsabilidade indenizatória. No que diz respeito a responsabilidade indenizatória da empresa recorrente não merece prosperar sua tese de exclusão visto que responde ela objetivamente pelos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, portanto, não há se falar em culpa na ocorrência do fato. Os estacionamentos dos supermercados e estabelecimentos em geral destinam-se a propiciar aos consumidores maior comodidade e com isso atrair mais clientes. Dessa forma o furto de veículos de propriedade dos consumidores no interior do estacionamento oferecido por lojas, supermercados, shopping centers etc., caracteriza defeito na prestação do serviço, ensejando o dever de indenizar eventuais danos suportados. Nesse sentido vem entendendo o Egrégio Tribunal de Justiça deste Estado. "RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR. Furto de Veículo em Área do Estacionamento do Supermercado. Acidente de Consumo. Fato do Serviço. Responsabilidade Objetiva. Prova dos Danos. Súmula 130 do Superior Tribunal de Justiça: "A empresa responde, perante o cliente, pela reparação do dano ou furto de veículo ocorrido em seu estabelecimento." Responde o fornecedor, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, entendendo-se como tal, em face da abrangência do conceito legal, toda a atividade por ele realizada no propósito de tornar o seu negócio viável e atraente, aí incluídos o estacionamento, as instalações confortáveis e outras facilidades colocadas à disposição da sua clientela.O dano moral está ínsito na própria ofensa, de tal modo que, provado o fato danoso, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum.Se a indenização pelo dano moral não pode ser fonte de lucro, também não pode servir de estímulo à violação de direitos personalíssimos de outrem.Sentença que bem mensurou os danos sofridos pela vítima, pelo que deve ser integralmente confirmada. Desprovimento dos recursos." APELACAO 2009.001.17665 - DES. SERGIO CAVALIERI FILHO - Julgamento: 13/05/2009 - DECIMA TERCEIRA CAMARA CIVEL "RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO DE VEÍCULO EM ESTACIONAMENTO DE SUPERMERCADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. Teoria do Risco. O supermercado Réu responde pelos prejuízos acarretados por furto de veículo ocorrido no pátio de estacionamento instalado em sua dependências e gratuito para os clientes, em razão de falhas no seu sistema de segurança, independentemente de culpa, sendo desinfluente a circunstância de o local ser administrado por empresa 'terceirizada'. Inteligência do verbete 94 da súmula do TJRJ e o verbete 130 da súmula do Superior Tribunal de Justiça. Dano material comprovado nos autos, não havendo impugnação consistente ao valor pedido na inicial e fixado pelo Juízo na sentença. Danos morais arbitrados em valor módico. Correto os valores fixados a título de danos materiais e morais, restando atendidos os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo adequados e suficientes à espécie.NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO". APELACAO 2009.001.17953 - DES. LEILA ALBUQUERQUE - Julgamento: 14/04/2009 - DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL Dispõe o Enunciado 130 do Superior Tribunal de Justiça que "a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento." No que tange aos danos morais, por toda a narrativa trazida aos autos, verifica-se que os fatos causaram aborrecimentos e transtornos que exorbitaram aos parâmetros da normalidade, mormente por estarem os autores retornando de viagem e, provavelmente, portando suas malas e bagagens, a sensação de impotência, frustração e perda, em não encontrarem o veiculo onde haviam deixado e com a segurança oferecida pela ré, devendo, contudo serem fixados de maneira a atender seu caráter punitivo e pedagógico, tendo por base os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sob pena de vir a causar enriquecimento sem causa o que foi feito com maestria pela magistrada sentenciante. No que diz respeito ao pleito de indenização por danos materiais, da mesma forma, não merece retificação a sentença na medida em que a despeito de efetivamente não ter a parte autora demonstrado e comprovado que no interior do veiculo havia malas e bagagens cuja indenização pleiteiam, é de se notar a extrema dificuldade de trazerem aos autos essas provas até porque se efetivamente o furto ocorreu os itens de sua propriedade já não mais se encontravam no carro. A ré, por sua vez, dispunha de todo seu aparato de segurança, principalmente imagens do circuito de segurança que em momento algum se interessou em trazer aos autos a fim de comprovar o fato impeditivo do direito dos autores, tal como afirmado na peça de resistência. Se por um lado não se pode exigir que qualquer pessoa produza provas contra seus interesses, por outro não há como se ignorar que em tendo a ré condições de demonstrar a veracidade do quanto alegado mas se recusando (ou não se interessando em fazê-lo) deve arcar com as consequências de sua opção processual devendo, assim, ser mantida a condenação em indenização pelos danos materiais dos produtos que foram comprovadamente adquiridos pelos autores. Por esses motivos o VOTO é no sentido de ser conhecido o recurso e no mérito a ele SER NEGADO PROVIMENTO para manter a sentença tal como proferida condenando-se a recorrente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação. Rio de Janeiro, 18 de março de 2021. MAURO NICOLAU JUNIOR Juiz de Direito RESULTADO DO JULGAMENTO. I - Os magistrados componentes da 2ª Turma Recursal deliberaram por conhecer do recurso e no mérito lhe NEGAR provimento nos termos do voto do juiz relator. II - Furto de veiculo ocorrido no interior de estacionamento de estabelecimento comercial. III - Responsabilidade objetiva da empresa pelos danos experimentados por seus clientes. IV - Dano moral caracterizado por conta da sensação de perda, impotência e frustração em encontrar seu veiculo invadido e sem os pertences nele deixados. V - Ainda que não deferida a inversão do ônus da prova, incumbe ao fornecedor a comprovação quanto a inexistência de falha em seus serviços o que, no caso, poderia ter sido feito perfeitamente com a juntada do circuito de imagens de seus instrumentos e câmeras de segurança, o que preferiu não fazer devendo, assim, arcar com as consequências de sua opção processual. VI - Danos morais e materiais configurados. Sentença mantida. Processo 0246746-36.2020.8.19.0001 Pág. 1



0246746-36.2020.8.19.0001 - RECURSO INOMINADO

CAPITAL 2a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CIVEIS

Juiz(a) MAURO NICOLAU JUNIOR - Julg: 19/03/2021 - Data de Publicação: 22/03/2021

10 de abril de 2021

RESPONSABILIDADE CIVIL (PERDA DE UMA CHANCE): O termo inicial da prescrição da pretensão de obter o ressarcimento pela perda de uma chance decorrente da ausência de apresentação de agravo de instrumento é a data do conhecimento do dano

Fonte: Dizer o Direito

Referência: https://dizerodireitodotnet.files.wordpress.com/2021/04/info-689-stj.pdf

Exemplo hipotético: João contratou Marcelo para ajuizar uma ação ordinária contra o plano de saúde. Foi ajuizada a ação, mas o juiz negou o pedido de tutela provisória de urgência. Marcelo, sem uma razão justificável, deixou de interpor agravo de instrumento. Em 06/06/2016, transcorreu in albis o prazo recursal. O processo continuou tramitando, no entanto, Marcelo sempre se mostrava negligente e sem compromisso para com seu cliente. Assim, em 07/07/2017, João revogou os poderes conferidos a Marcelo e contratou outro advogado para acompanhar o processo. O termo inicial do prazo prescricional para a ação de indenização pela perda de uma chance é 07/07/2017. 

No caso, não é razoável considerar como marco inicial da prescrição a data limite para a interposição do agravo de instrumento, haja vista inexistirem elementos nos autos - ou a comprovação por parte do causídico - de que o cliente tenha sido cientificado da perda de prazo para apresentar o recurso cabível. Portanto, o prazo prescricional não pode ter início no momento da lesão ao direito da parte (dia em que o advogado perdeu o prazo), mas sim na data do conhecimento do dano, aplicando-se excepcionalmente a actio nata em sua vertente subjetiva. 

STJ. 3ª Turma. REsp 1.622.450/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/03/2021 (Info 689). 

O que é a teoria da perda de uma chance? 

Trata-se de teoria inspirada na doutrina francesa (perte d’une chance). Na Inglaterra é chamada de lossof-a-chance. Segundo esta teoria, se alguém, praticando um ato ilícito, faz com que outra pessoa perca uma oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, esta conduta enseja indenização pelos danos causados. Em outras palavras, o autor do ato ilícito, com a sua conduta, faz com que a vítima perca a oportunidade de obter uma situação futura melhor. Com base nesta teoria, indeniza-se não o dano causado, mas sim a chance perdida. 

A teoria da perda de uma chance é adotada no Brasil? 

SIM, esta teoria é aplicada pelo STJ, que exige, no entanto, que o dano seja REAL, ATUAL e CERTO, dentro de um juízo de probabilidade, e não mera possibilidade, porquanto o dano potencial ou incerto, no espectro da responsabilidade civil, em regra não é indenizável (REsp 1.104.665-RS, Rel. Min. Massami Uyeda, julgado em 9/6/2009). Em outros julgados, fala-se que a chance perdida deve ser REAL e SÉRIA, que proporcione ao lesado efetivas condições pessoais de concorrer à situação futura esperada (AgRg no REsp 1220911/RS, Segunda Turma, julgado em 17/03/2011). 

O dano resultante da aplicação da teoria da perda de uma chance pode ser classificado como dano emergente ou como lucros cessantes? 

Trata-se de uma terceira categoria. Com efeito, a teoria da perda de uma chance visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa, que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. (REsp 1190180/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/11/2010) 

Enunciado da V Jornada de Direito Civil do CJF: 

Enunciado 444, CJF: “A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. A chance deve ser séria e real, não ficando adstrita a percentuais apriorísticos”. 

Como o tema já foi cobrado em provas: 

 (Promotor de Justiça - MPE-SC - 2014) A responsabilidade civil pela perda de chance não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial. (certo) 

 (Juiz de Direito Substituto - TJDFT - CESPE - 2014) A perda de uma chance, caracterizada pela violação direta ao bem juridicamente protegido, qual seja, a chance concreta, real, com alto grau de probabilidade de gerar um benefício ou de evitar um prejuízo, consubstancia modalidade autônoma de indenização. (certo) 

 (Procurador do Trabalho MPT 2020 banca própria) Segundo a teoria da perda de uma chance, fica obrigado a indenizar aquele que obsta a probabilidade real de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo, desde que a perda da oportunidade de ganho ou de evitar um prejuízo sob o aspecto do dano material seja séria e real, devendo haver prova do nexo causal entre o ato do ofensor e a perda de uma chance. Seu fundamento legal encontra-se no artigo 402 do Código Civil. (certo) 

 (Procurador do Trabalho MPT 2020 banca própria) Caracterizada a perda de uma chance, a compensação devida à vítima deverá corresponder à integralidade do lucro perdido ou do prejuízo sofrido. (errado) 

Feita esta breve revisão sobre o tema, imagine a seguinte situação hipotética: 

João contratou Marcelo para ajuizar uma ação ordinária contra o plano de saúde. Foi ajuizada a ação, mas o juiz negou o pedido de tutela provisória de urgência. Contra essa decisão interlocutória caberia a interposição de agravo de instrumento (art. 1.015, I, do CPC). Ocorre que Marcelo, sem uma razão justificável, deixou de interpor o recurso. Em 06/06/2016, transcorreu in albis o prazo recursal. O processo continuou tramitando, no entanto, Marcelo sempre se mostrava negligente e sem compromisso para com seu cliente. Assim, em 07/07/2017, João revogou os poderes conferidos a Marcelo e contratou outro advogado para acompanhar o processo. 

Ação de indenização 

João descobriu que Marcelo perdeu o prazo para interpor o recurso. Diante disso, ele deseja ingressar com ação contra seu antigo advogado pedindo o pagamento de indenização pela perda de uma chance. Surgiram, no entanto, dúvidas a respeito da prescrição. 

Qual é o prazo prescricional, neste caso? 

10 anos, nos termos do art. 205 do Código Civil: 

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. 

Consoante a orientação desta Corte, nas ações de indenização do mandante contra o mandatário, incide o prazo prescricional de dez anos previsto no artigo 205 do CC. STJ. 3ª Turma. AgRg no REsp 1.460.668/DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/10/2015. 

Nas controvérsias relacionadas à responsabilidade contratual, aplica-se a regra geral (art. 205 CC/02) que prevê dez anos de prazo prescricional e, quando se tratar de responsabilidade extracontratual, aplica-se o disposto no art. 206, § 3º, V, do CC/02, com prazo de três anos. Para o efeito da incidência do prazo prescricional, o termo “reparação civil” não abrange a composição da toda e qualquer consequência negativa, patrimonial ou extrapatrimonial, do descumprimento de um dever jurídico, mas, de modo geral, designa indenização por perdas e danos, estando associada às hipóteses de responsabilidade civil, ou seja, tem por antecedente o ato ilícito. Por observância à lógica e à coerência, o mesmo prazo prescricional de dez anos deve ser aplicado a todas as pretensões do credor nas hipóteses de inadimplemento contratual, incluindo o da reparação de perdas e danos por ele causados. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.280.825/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/6/2018. 

O termo inicial do prazo será 07/06/2016, um dia depois de esgotado o prazo para o recurso, ou seja, data em que ocorreu o dano? 

NÃO. 

Em regra, o termo inicial da prescrição é data da violação do direito (teoria da actio nata) 

Na legislação civil brasileira, prevalece a noção clássica de que o termo inicial da prescrição se dá com o próprio nascimento da ação (actio nata), sendo este determinado pela violação de um direito atual, suscetível de ser reclamado em juízo. Tanto é assim que o Código Civil de 2002, em seu art. 189, dispõe expressamente que “violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.” Sob essa ótica, o prazo prescricional é contado, em regra, a partir do momento em que configurada lesão ao direito subjetivo, sendo desinfluente para tanto ter ou não seu titular conhecimento pleno do ocorrido ou da extensão dos danos (art. 189 do CC/2002). 

Exceções 

Tal regra, contudo, é mitigada em duas situações: 

a) nas hipóteses em que a própria legislação vigente estabeleça que o cômputo do lapso prescricional se dê a partir de termo inicial distinto (como ocorre, por exemplo, nas ações que se originam de fato que deva ser apurado no juízo criminal - art. 200 do Código Civil) e 

b) nas excepcionalíssimas situações em que, pela própria natureza das coisas, seria impossível ao autor pleitear a reparação do dano considerando que ele ainda não sabe que ocorreu. Ex: uma pessoa que se submete a transfusão de sangue, vindo a descobrir, anos mais tarde, ter sido naquela oportunidade contaminada pelo vírus HIV. 

A primeira exceção mencionada não apresenta grandes dificuldades de aplicação, pois a regra jurídica explicita o diferenciado termo inicial do prazo prescricional. Por sua vez, a segunda deve ser admitida com mais cautela e vem sendo solucionada na jurisprudência do STJ a partir da aplicação pontual da chamada teoria da actio nata em seu viés subjetivo, que, em síntese, confere ao conhecimento da lesão pelo titular do direito subjetivo violado a natureza de pressuposto indispensável ao início do prazo de prescrição. Nesse sentido: 

Aplicação excepcional da teoria da “actio nata” em seu viés subjetivo, segundo a qual, antes do conhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo pelo seu titular, não se pode considerar iniciado o cômputo do prazo prescricional. STJ. 3ª Turma. REsp 1605483/MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23/02/2021. 

(...) 13. Pelo viés objetivo da teoria da actio nata, a prescrição começa a correr com a violação do direito, assim que a prestação se tornar exigível. 14. Por outro lado, segundo a vertente subjetiva da actio nata, a contagem do prazo prescricional exige a efetiva inércia do titular do direito, a qual somente se verifica diante da inexistência de óbices ao exercício da pretensão e a partir do momento em que o titular tem ciência inequívoca do dano, de sua extensão, e da autoria da lesão. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1736091/PE, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 14/05/2019. 

No caso concreto, deve-se aplicar a segunda exceção: teoria da actio nata em seu viés subjetivo 

No caso, não é razoável considerar como marco inicial da prescrição a data limite para a interposição do agravo de instrumento, haja vista inexistirem elementos nos autos - ou a comprovação por parte do causídico - de que o cliente tenha sido cientificado da perda de prazo para apresentar o recurso cabível. A relação entre advogado e cliente se baseia na confiança recíproca e na legítima expectativa de que o profissional defenderá com zelo o mandato que lhe foi outorgado, conforme o art. 16 do Código de Ética e Disciplina da OAB, motivo pelo qual não se pode exigir do outorgante (cliente) o conhecimento de eventual erro ou da negligência do patrono (outorgado) durante a tramitação do processo. Como a relação contratual entre as partes se encerrou em 07/07/2017, é possível concluir que apenas neste momento o cliente lesionado teve (ou poderia ter tido) ciência da atuação negligente do advogado anterior. Tal conclusão se deve pelo fato de que o novo patrono, nomeado com base na confiança, deve ter tido a devida diligência que se espera do profissional da advocacia e, com isso, levado ao conhecimento do cliente as condições do processo e outras eventuais circunstâncias. Portanto, na hipótese, o prazo prescricional não pode ter início no momento da lesão ao direito da parte (dia em que o advogado perdeu o prazo), mas sim na data do conhecimento do dano, aplicando-se excepcionalmente a actio nata em sua vertente subjetiva. 

Nesse sentido confira esse trecho da ementa: 

(...) 3. O prazo prescricional é contado, em regra, a partir do momento em que configurada lesão ao direito subjetivo, sendo desinfluente para tanto ter ou não seu titular conhecimento pleno do ocorrido ou da extensão dos danos (art. 189 do CC/2002). 4. O termo inicial do prazo prescricional, em situações específicas, pode ser deslocado para o momento de conhecimento da lesão ao seu direito, aplicando-se excepcionalmente a actio nata em seu viés subjetivo. 5. Na hipótese, não é razoável considerar como marco inicial da prescrição a data limite para a interposição do agravo de instrumento, visto inexistirem elementos nos autos - ou a comprovação do advogado - evidenciando que o cliente tenha sido cientificado da perda de prazo para apresentar o recurso cabível. STJ. 3ª Turma. REsp 1622450/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/03/2021. 

Em suma: O termo inicial da prescrição da pretensão de obter o ressarcimento pela perda de uma chance decorrente da ausência de apresentação de agravo de instrumento é a data do conhecimento do dano. STJ. 3ª Turma. REsp 1.622.450/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 16/03/2021 (Info 689). 

Se não tivesse havido rompimento do contrato de prestação de serviços advocatícios, qual seria o termo inicial do prazo prescricional? 

Caso não tivesse ocorrido o rompimento do contrato de prestação de serviços advocatícios durante o transcurso da demanda judicial, os danos resultantes de má atuação de advogado apenas teriam se consolidado definitivamente com o trânsito em julgado, momento em que o prazo prescricional para obter o ressarcimento começaria a fluir: 

A prescrição da ação para reparação por danos causados por advogado, em patrocínio judicial, flui do trânsito em julgado do provimento jurisdicional resultante do erro profissional apontado. STJ. 3ª Turma. REsp 645.662/SP, Rel. Min. Humberto Gomes De Barros, julgado em 28/6/2007.

6 de abril de 2021

Empresa tem de indenizar família de motorista assassinado durante o trabalho

 As empresas têm responsabilidade civil objetiva por danos morais resultantes de assalto a empregado que exerça atividade de alto risco, como bancários e motoristas de carga e de transporte coletivo. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou uma transportadora de Jaboatão dos Guarapes (PE) a indenizar em R$ 150 mil a família de um motorista vítima de latrocínio (roubo seguido de morte) cometido durante entrega de carga.

O assalto ocorreu quando o empregado se afastou do veículo para falar ao celular, único objeto roubado na ação. Para o colegiado, porém, o fato de a carga não ter sido a intenção dos criminosos não afasta a responsabilidade da empresa.

O latrocínio ocorreu em junho de 2017, durante o expediente do motorista. Ele havia estacionado o veículo próximo do endereço do cliente e foi à esquina para atender uma ligação no seu telefone celular. Nesse momento, dois assaltantes o abordaram e, diante de sua reação, um deles atingiu-o com um tiro.

Na ação trabalhista, o filho do motorista alegou que a atividade era exercida sem segurança e, em razão dos danos psicológicos causados à família, pediu indenização. O juízo da 4ª Vara do Trabalho de Jaboatão dos Guararapes deferiu a reparação no valor de R$ 150 mil. Nos termos da sentença, segundo o magistrado, o dever de indenizar decorre do nexo entre a atividade, considerada de risco, e o dano, independentemente de culpa da empresa.

O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE), contudo, afastou a indenização por entender que o latrocínio não estava relacionado à carga transportada.

Na corte superior, foi restabelecido por unanimidade o entendimento de primeira instância. O relator do recurso de revista do filho do empregado, ministro Mauricio Godinho Delgado, explicou que a jurisprudência do TST estabelece a responsabilidade civil objetiva da empresa pelos danos morais resultantes de assalto em atividades de alto risco

"A responsabilidade não decorre da natureza da carga ou do bem objeto do assalto. Ela está atrelada, em verdade, ao risco inerente à própria atividade de motorista de transporte de cargas, que foi vítima de crime no exercício de suas funções", explicou o ministro. Com informações da assessoria do TST.

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RR 1110-07.2017.5.06.0144

Fonte: ConJur