"Na perspectiva de Niklas Luhmann, portanto, uma decisão jurídica não é apenas a decisão tomada por quem trabalha com o direito, nem são apenas as decisões do Judiciário ou do Governo. As decisões jurídicas são todas aquelas que são decididas a partir do código da diferença entre direito e não direito, independentemente do lugar onde elas acontecem. O endereço da decisão jurídica, portanto, não está marcado nas instituições legais, tampouco nas organizações que fazem parte do sistema jurídico (tribunais, advocacia, procuradorias, polícia etc.). As decisões jurídicas acontecem em qualquer lugar, em qualquer instância e em qualquer contexto de comunicação da sociedade que usa o código da diferença entre direito e não direito como estrutura de produção de sentido normativo. Até mesmo no âmbito da política, se um governo toma uma decisão não com base na diferença entre governo e oposição, mas com base na diferença entre direito e não direito, a decisão do governo já é uma decisão primariamente jurídica, e não política".
(BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco; SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Como os juízes decidem? Proximidades e divergências entre as teorias da decisão de Jürgen Habermas e Niklas Luhmann. In: Revista Sequência, vol. 59. dez. 2009, p. 72).
"Existem, portanto, decisões jurídicas que apenas reproduzem as operações anteriores do sistema, sem produzir nenhuma diferença, produzindo apenas redundância, confirmação de decisões pretéritas. Mas existem também decisões jurídicas que inovam as operações anteriores, que produzem diferença, produzem variações. As decisões reprodutoras são operações de comunicação jurídica, mas não são decisões no sentido que queremos destacar a partir da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann.Já as decisões que introduzem uma diferença nas operações do sistema, estas sim são decisões, porque não apenas decidiram entre esta ou aquela regra ou princípio, esta ou aquela solução, este ou aquele argumento. E também não se trata de decisões que decidem apenas entre manter a tradição jurisprudencial ou inová-la com um novo precedente diferente, inaugurando uma nova corrente jurisprudencial. A decisão jurídica é mesmo aquela que era impossível de ser decidida e, precisamente por ser impossível de ser decidida, teve que ser criada, inventada, decidida. E como tal também justificada.
A decisão está, portanto, na impossibilidade da decisão. Porque se a decisão fosse possível, já não seria uma decisão, seria apenas uma operação de reprodução da diferença já distinguida na história do sistema.Por isso, nem toda interlocutória, sentença ou acórdão é decisão no sentido que estamos desenvolvendo aqui. Do ponto de vista da doutrina e das autodescrições do sistema jurídico, todos esses atos são decisões. Naturalmente, o direito precisa de uma forma, precisa dar nome às coisas, até para poder reproduzir operações baseadas nas anteriores, como é o caso dos recursos às decisões e especialmente dos requisitos formais de admissibilidade. Mas do ponto de vista da observação de segunda ordem – que é o lugar do observador que trabalha com a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann –, pode-se ver que as formas dos atos jurídicos também fazem parte da estrutura do sistema jurídico, quer dizer, também são operações de comunicação que produzem diferenças orientadas à função do sistema para ele mesmo, que é a de reduzir complexidade para permitir ou ao menos facilitar a reprodução de si mesmo: a reprodução de suas operações.
(BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco; SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Como os juízes decidem? Proximidades e divergências entre as teorias da decisão de Jürgen Habermas e Niklas Luhmann. In: Revista Sequência, vol. 59. dez. 2009, p. 77-78)
Nesse contexto da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, então, podemos compreender de um modo diferente a pergunta acerca de como os juízes decidem. A decisão jurídica decide sempre em condições de incerteza e, ao mesmo tempo, pressionada pela regra do non liquet. Isso faz com que a decisão jurídica tenha que decidir inclusive quando não pode decidir.
Como então a decisão torna possível a sua própria impossibilidade? A resposta que Luhmann coloca a esse paradoxo é a metáfora do décimo segundo camelo (LUHMANN, 2004), quer dizer, a introdução de uma referência externa para completar a ausência da possibilidade da decisão. A introdução de um valor lógico do ambiente do sistema para completar a incompletude do teorema. Para isso servem os recursos argumentativos a valores exteriores ao sistema de referência.
Junto com Jacques Derrida, também podemos chamar esses recursos argumentativos externos ao sistema jurídico de “suplementos”.Nós encontramos “suplementos” não apenas nas formas gerais do conhecimento metafísico, mas também em todas as decisões jurídicas que recorrem a valores externos ao sistema do direito para fundamentar a sua legitimidade e a sua correção. Em outras palavras, nós encontramos “suplementos” em todas as decisões jurídicas que recorrem a valores.
(BAHIA, Alexandre Gustavo Melo Franco; SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Como os juízes decidem? Proximidades e divergências entre as teorias da decisão de Jürgen Habermas e Niklas Luhmann. In: Revista Sequência, vol. 59. dez. 2009, p. 82)
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