19 de abril de 2021

Impenhorabilidade do auxílio emergencial no Brasil e na Alemanha

Fonte: Antônio do Passo Cabral


Impenhorabilidade do auxílio emergencial no Brasil e na Alemanha


Como se sabe, a execução para pagamento de dívida pode entrar no patrimônio do executado, mesmo contra sua vontade, para satisfazer o crédito. Essa atividade encontra óbice nas hipóteses de impenhorabilidade, quando certos bens do patrimônio do executado não podem ser afetados e excutidos para o pagamento.


O CPC/15 regula os casos de impenhorabilidade no art.833, e sobretudo quando o devedor é uma pessoa natural, são hipóteses reconduzidas ao princípio da dignidade da pessoa humana (art.1º, III da Constituição da República), na ideia de preservação do seu mínimo existencial (fração essencial do patrimônio da pessoa para manter sua subsistência digna).


Em geral, essa mesma lógica é usada por muitos outros sistemas jurídicos para encontrar um equilíbrio entre a execução judicial dos créditos e a preservação de interesses do executado. 


Pois bem, nos dias de hoje, tornou-se atual o debate acerca da (im)possibilidade de penhorar valores recebidos pelo devedor a título de auxílio emergencial. E, como a pandemia de covid-19 é uma realidade mundial, a discussão não tem sido travada apenas no Brasil.


Recentemente, o Bundesgerichtshof (BGH), tribunal superior alemão similar ao STJ brasileiro, decidiu que o Corona-Soforthilfe, auxílio financeiro concedido pelo governo em razão a pandemia de covid-19, não pode ser penhorado, na forma do § 851, alínea 1 da ZPO, a ordenança processual alemã (a referência é: BGH, decisão de 10.3.2021 - VII ZB 24/20).


E como a questão está regulada no Brasil? A Lei 13.982, editada em abril de 2020, que instituiu o auxílio emergencial, nada mencionava sobre sua (im)penhorabilidade. O Conselho Nacional de Justiça editou então a Resolução 318, de 07/05/2020, a qual, em seu art.5º, trazia recomendação para que os magistrados não penhorassem tais verbas ou levantassem bloqueios de valores que tivessem sido comprovadamente recebidos a título de auxílio emergencial.


De fato, se o auxílio emergencial é concedido a pessoas em situação de extrema necessidade (art.2º da Lei 13.982/20), prejudicados pela pandemia e que não têm emprego formal, não são beneficiários da Previdência Social, não estão recebendo seguro-desemprego ou valores de programas de transferência de renda federal (com exceção do Bolsa Família), parece evidente concluir que o auxílio emergencial é uma verba de caráter alimentar, que atrairia a impenhorabilidade do art.833, IV do CPC/15.


Nesse sentido, foi a alteração legislativa que levou à inserção do §13 no art.2º da Lei 13.982/2020, incluído na lei do auxílio emergencial posteriormente à sua instituição (pela Lei 13.998/20), proibindo instituições financeiras de descontar ou compensar saldos negativos ou dívidas preexistentes do beneficiário.


Não obstante, uma rápida pesquisa na jurisprudência fará com que o leitor possa verificar que os tribunais brasileiros, em várias esferas, embora majoritariamente compreendendo a natureza alimentar do auxílio emergencial, ainda estão divergindo a respeito.


Pois bem, penso que, de regra, pela sua natureza alimentar, o auxílio emergencial deva ser considerado impenhorável (art.833, IV do CPC/15). Mas essa conclusão não será aplicável em todos os casos. 


Há exceção, também regulada no Código de Processo Civil. Trata-se dos casos de cobrança de alimentos (art.833 §2º do CPC/15), não se aplicando a impenhorabilidade no caso de execução de prestação alimentícia, independentemente de sua origem (no mesmo sentido, corretamente, TJ/DF 0714020-85.2020.8.07.0000, rel. Des.João Egmont).


Teria sido ideal, em termos de segurança jurídica, que os tribunais superiores brasileiros definissem a questão, como fez o BGH alemão. Mas nem o STJ nem o TST parecem ter se manifestado.


Em pouco tempo, espera-se que, com a cessação definitiva do pagamento do auxílio aos necessitados, a discussão não mais apareça no Judiciário. Mas até lá, outros muitos casos serão decididos sem que haja precedente a respeito para conduzir de maneira uniforme a jurisprudência dos juízos inferiores.

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