24 de abril de 2021

Lei Kandir: ICMS, fato gerador e transferência interestadual de mercadorias

 Lei Kandir: ICMS, fato gerador e transferência interestadual de mercadorias - ADC 49/RN 

 

Resumo:

São inconstitucionais o art. 11, § 3º, II; o trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” do art. 12, I; e o art. 13, § 4º, da Lei Kandir, uma vez que não configura fato gerador da incidência de ICMS o mero deslocamento de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular, independentemente de estarem localizados na mesma unidade federativa ou em estados-membros diferentes.

 

Acentua-se a demonstração da “existência de controvérsia judicial relevante” (Lei 9.868/1999, art. 14, III). Na presente ação declaratória de constitucionalidade, a controvérsia verificada está na divergência entre o Poder Judiciário e o Poder Legislativo. Diversas são as decisões proferidas, em tribunais superiores e em tribunais de justiça, contrárias ao estipulado na Lei Complementar (LC) 87/1996 (Lei Kandir), que preconiza a tributação na saída de mercadoria para outro estabelecimento, localizado em estado-membro distinto e pertencente ao mesmo titular.

No mérito, não prospera o pedido da declaração de constitucionalidade dos aludidos preceitos da LC 87/1996 (1). O princípio da supremacia da Constituição não se concilia com a ideia de supremacia da lei e do Parlamento que, sobrevalorizados, debilitam o valor efetivo da Constituição. Observada a prevalência do texto constitucional, a “circulação de mercadorias” que gera incidência do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) é a jurídica.

Assim, a circulação de mercadorias apta a desencadear a tributação pelo ICMS demanda a existência de negócio jurídico a envolver a transferência da propriedade da mercadoria. A transferência não pode ser apenas física e econômica, também deve ser jurídica. Em outras palavras, a hipótese de incidência do ICMS é a operação jurídica praticada por comerciante que acarrete circulação de mercadoria e transmissão de sua titularidade ao consumidor final. Logo, é irrelevante que os estabelecimentos do contribuinte estejam em estados federados diferentes. Por não gerar circulação jurídica, o simples deslocamento de mercadorias não gera obrigação tributária. Ainda que algumas transferências entre estabelecimentos de idêntica titularidade possam gerar reflexos tributários, é inconstitucional a interpretação de que a circulação meramente física ou econômica de mercadorias gera obrigação tributária. Portanto, houve excesso por parte do legislador ao elaborar os dispositivos aqui discutidos.

Ademais, jurisprudência nesse sentido foi reafirmada pelo Tribunal Pleno, recentemente, ao apreciar o Tema 1.099 da repercussão geral (2).

O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação declaratória de constitucionalidade, assentando a inconstitucionalidade do art. 11, § 3º, II; do art. 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e do art. 13, § 4º, da Lei Kandir.

(1) LC 87/1996: “Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: (...) § 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte: (...) II – é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular; (...) Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular; (...) Art. 13. A base de cálculo do imposto é: (...) § 4º Na saída de mercadoria para estabelecimento localizado em outro Estado, pertencente ao mesmo titular, a base de cálculo do imposto é: I – o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria; II – o custo da mercadoria produzida, assim entendida a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão-de-obra e acondicionamento; III – tratando-se de mercadorias não industrializadas, o seu preço corrente no mercado atacadista do estabelecimento remetente.”

(2) ARE 1.255.885/MS, relator min. Presidente (DJe de 15.9.2020).

ADC 49/RN, relator Min. Edson Fachin, julgamento virtual finalizado em 16.4.2021 (sexta-feira) às 23:59


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