23 de abril de 2021

NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.704.520 - MT (2017/0271924-6) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS. 

1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra Documento: 1731786 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/12/2018 Página 1 de 10 Superior Tribunal de Justiça decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 

2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as “situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação”. 

3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo. 

4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos. 

5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo. 

6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 

7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 

8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 9- Recurso especial conhecido e provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Og Fernandes conhecendo do recurso especial e negando-lhe provimento, no que foi acompanhado pelo voto do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, e os votos dos Srs. Ministros Benedito Gonçalves e Raul Araújo acompanhando o voto da Sra. Ministra Relatora, , por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. 

Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Felix Fischer votaram com a Sra. Ministra Relatora. Vencidos os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Francisco Falcão e Herman Benjamin. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Felix Fischer, Maria Thereza de Assis Moura e Luis Felipe Salomão. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Laurita Vaz. 

Brasília (DF), 05 de dezembro de 2018(Data do Julgamento).


RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): 

Cuida-se de recurso especial interposto por QUIM COMÉRCIO DE VESTUÁRIO INFANTIL LTDA. – ME com base nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra o acórdão do TJ/MT que, por unanimidade, negou provimento ao seu agravo interno, mantendo a decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento por ela interposto. 

Recurso especial interposto e m: 07/02/2017. 

Atribuído ao gabinete e m: 05/12/2017. 

Ação: de rescisão contratual cumulada com reparação de por danos patrimoniais e morais, ajuizada pela recorrente em face de SHIRASE FRANQUIAS E REPRESENTAÇÕES LTDA., na qual alega a existência de descumprimento de contrato de franquia celebrado com cláusula de eleição de foro e de danos de natureza material e extrapatrimonial. 

Decisão interlocutória: acolheu a exceção de incompetência ofertada pela recorrida e determinou a remessa do processo à comarca do Rio de Janeiro/RJ, por entender inexistente a alegada nulidade da cláusula de eleição de foro prevista no instrumento contratual celebrado entre as partes (fl. 63/65, e-STJ). 

Acórdão do TJ/MT: por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, mantendo a decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento interposto pela recorrente, nos termos da seguinte ementa (fls. 581/589, e-STJ): 

RECURSO DE AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – DECISÃO QUE DECLINOU DA COMPETÊNCIA – AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO – ROL TAXATIVO – ART. 1.015, CPC/15 – INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO INCISO III – IMPOSSIBILIDADE – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO. Não é cabível o recurso de agravo de instrumento fora das hipóteses taxativas previstas nos incisos I a IX, do art. 1.015, do CPC/15, não sendo possível qualquer interpretação extensiva. Da decisão que reconhece ou rejeita a incompetência do juízo, consoante o caso dos autos, não cabe recurso de agravo de instrumento, posto que não se enquadra em nenhuma das hipóteses do artigo epigrafado, não havendo que se falar em contrariedade ao princípio do acesso ao Poder Judiciário, descrito no art. 5º, inc. XXXV, da CF, uma vez que a parte terá a oportunidade de ver a questão apreciada no momento processual oportuno, nos termos do art. 1009, §§1º e 2º, do CPC/15. 

Recurso especial: alega-se contrariedade ao art. 1.015, III, do CPC/15, e 932, III, ambos do CPC/15, bem como dissídio jurisprudencial com acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Paraná (fls. 606/627, e-STJ), ao fundamento de que a questão relacionada à competência não pode aguardar o reexame apenas no momento em que for julgada a apelação, pois a tramitação do processo em juízo incompetente geraria danos à atividade judiciária e prejuízo às partes. 

Juízo de admissibilidade do TJ/MT: por entender estarem presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso especial e por verificar a presença de múltiplos recursos envolvendo a mesma questão jurídica, selecionou o presente recurso especial como representativo de controvérsia para o fim de que fosse ele afetado e processado sob o rito dos recursos repetitivos (arts. 1.036 e seguintes do CPC/15) (fls. 681/682, e-STJ). 

Ministério Público Federal: em atenção à decisão de fl. 693/694 (e-STJ), da lavra do Presidente da Comissão Gestora de Precedentes, Min. Paulo de Tarso Sanseverino, opinou pela rejeição do recurso especial como representativo da controvérsia, ao fundamento de que não haveria multiplicidade de recursos versando sobre a mesma controvérsia (fls. 696/701, e-STJ). 

Juízo preliminar de admissibilidade no STJ: por entender que estavam presentes os requisitos formais previstos no art. 256 do RISTJ, determinou-se a distribuição deste recurso por prevenção ao REsp 1.696.396/MT (fls. 703/706, e-STJ). 

Acórdão de afetação do STJ: por unanimidade, determinou-se a afetação do processo ao rito dos recursos repetitivos, sem suspensão do processamento dos recursos de agravo de instrumento que versavam sobre idêntica matéria e que tramitam em todo o território nacional, nos termos da seguinte ementa (fls. 716/738, e-STJ): 

PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SELEÇÃO. AFETAÇÃO. RITO. ARTS. 1.036 E SS. DO CPC/15. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTROVÉRSIA. NATUREZA. ROL DO ART. 1.015 DO CPC/15. 1. Delimitação da controvérsia: definir a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC. 2. Afetação do recurso especial ao rito do art. 1.036 e ss. do CPC/2015. 

Pedido de ingresso de Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO: a referida entidade requereu o ingresso neste recurso especial como amicus curiae (fls. 749/752, e-STJ), ao fundamento de que possui interesse institucional e capacidade para contribuir com o debate e a formação do convencimento desta Corte acerca da questão afetada, tendo sido monocraticamente deferido o ingresso por meio da decisão de fls. 1.001/1.003 (e-STJ) e ofertada a manifestação às fls. 930/946 (e-STJ), opinando, em síntese, pela possibilidade de interpretação extensiva das hipóteses contidas no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/15. 

Manifestação da União: cientificada acerca da presente questão repetitiva por ocasião do acórdão que afetou este recurso como representativo da controvérsia, a União ofertou manifestação às fls. 795/806 (e-STJ) em que se pronuncia, em síntese, pela possibilidade de interpretação extensiva das hipóteses contidas no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/15. 

Manifestação da Defensoria Pública da União: cientificada acerca da presente questão repetitiva por ocasião do acórdão que afetou este recurso como representativo da controvérsia, a Defensoria Pública da União ofertou manifestação às fls. 980/996 (e-STJ), em que se posiciona, em síntese, pela possibilidade de interpretação extensiva das hipóteses contidas no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/15. 

Manifestação do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP: cientificado acerca da presente questão repetitiva por ocasião do acórdão que afetou este recurso como representativo da controvérsia, o Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP – ofertou manifestação às fls. 821/876 (e-STJ), em que apresenta os argumentos favoráveis e os contrários à interpretação extensiva das hipóteses de cabimento taxativamente arroladas no rol do art. 1.015 do CPC/15. 

Ministério Público Federal: igualmente opinou pela possibilidade de interpretação extensiva das hipóteses contidas no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/15 (fls. 971/978, e-STJ). 

Pedido de ingresso de Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização – CNSEG: a referida entidade requereu o ingresso neste recurso especial como amicus curiae (fls. 878/928, e-STJ), ao fundamento de que possui interesse consubstanciado no fato de que o setor por ela representado enfrentaria inúmeras demandas sobre a questão em debate, tendo sido indeferido o ingresso por meio da decisão unipessoal de fls. 1.008/1.010 (e-STJ), contra a qual foi interposto agravo interno (fls. 1.036/1.048, e-STJ) que será examinado conjuntamente com o próprio recurso especial. 

Pedido de ingresso de Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo – ANNEP: a referida entidade requereu o ingresso como amicus curiae (fls. 948/967, e-STJ), ao fundamento de que possui interesse institucional e capacidade para contribuir com o debate e a formação do convencimento desta Corte acerca da questão afetada, tendo sido monocraticamente deferido o ingresso por meio da decisão de fls. 998/1.000 (e-STJ) e ofertada a manifestação escrita às fls. 1.057/1.082 (e-STJ), em que apresenta os argumentos favoráveis e os contrários à interpretação restritiva, extensiva e analógica das hipóteses de cabimento taxativamente arroladas no rol do art. 1.015 do CPC/15, bem como os argumentos favoráveis e contrários à interpretação no sentido de que o referido rol é exemplificativo. 

Manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB: cientificado acerca da presente questão repetitiva por ocasião do acórdão que afetou este recurso como representativo da controvérsia e tendo lhe sido concedido prazo adicional para manifestação, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB – não ofertou manifestação tempestivamente. 

É o relatório.


VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal. 

1) QUESTÃO DE ORDEM PRELIMINAR 

Trago à deliberação deste órgão colegiado uma questão preliminar relacionada à admissibilidade, como amicus curiae, da CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS DE SEGUROS GERAIS, PREVIDÊNCIA PRIVADA E VIDA, SAÚDE SUPLEMENTAR E CAPITALIZAÇÃO – CNSEG. 

Por intermédio da petição de fls. 878/928 (e-STJ), a agravante pleiteou o seu ingresso como amicus curiae neste recurso especial, ao fundamento de que a definição da natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC impactaria diretamente nos setores econômicos por ela representados, na medida em que as empresas desses segmentos enfrentariam inúmeras demandas em que questões relacionadas à competência se fariam presentes. 

O pedido foi indeferido, conforme decisão de fls. 1.008/1.010 (e-STJ), ao fundamento de que não há pertinência temática entre o segmento representado pela requerente e o objeto da presente controvérsia, não possuindo a referida entidade interesse institucional e a aptidão para contribuir, do ponto de vista técnico-jurídico, com a resolução da questão de direito que é objeto da presente afetação. A referida decisão foi publicada no DJe de 04/06/2018. 

Ato contínuo, o processo foi incluído na pauta de julgamentos desta Corte Especial, conforme se depreende da certidão de fl. 657 (e-STJ), lavrada em 11/06/2018.

Após a inclusão em pauta, sobreveio agravo interno interposto em 15/06/2018 em face da decisão unipessoal que indeferiu o seu pedido de ingresso como amicus curiae (fls. 1.036/1.048, e-STJ), dando-se vista aos agravados, na forma legal, em 20/06/2018 (fl. 1.050, e-STJ), de modo que é correto afirmar que, neste momento, ainda está em curso o prazo para resposta ao referido agravo interno. 

Considerando que o hipotético acolhimento da pretensão da agravante implicaria, em tese, em lhe facultar a realização de sustentação oral (pois a agravante, de forma açodada, já apresentou manifestação sobre o mérito juntamente com o seu pedido de ingresso), é preciso deliberar previamente sobre a questão. 

O propósito da presente questão de ordem, pois, consiste em definir: (i) se é possível julgar o agravo interno interposto, independentemente de sua inclusão em pauta e quando ainda está em curso o prazo para responder ao referido recurso; (ii) se é cabível o agravo interno contra a decisão unipessoal que indefere o ingresso do amicus curiae; (iii) se porventura superada a questão relacionada ao cabimento do agravo interno, se, na hipótese, deve ser deferido o ingresso da agravante, como amicus curiae ou como assistente simples. 

A) POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO DO AGRAVO INTERNO INTERPOSTO PELA AGRAVANTE. 

Inicialmente, é preciso examinar se é possível prosseguir no julgamento do presente agravo interno e, consequentemente, no julgamento do próprio recurso especial representativo da controvérsia, uma vez que o agravo interno especificamente não foi incluído em pauta e ainda está em curso o prazo para que os agravados respondam ao referido recurso. 

Em relação ao primeiro aspecto, é preciso relembrar desde logo que a inclusão em pauta do recurso especial ocorreu em 11/06/2018 – isto é, antes da interposição do agravo interno, que apenas foi aviado em 15/06/2018, inviabilizando, por completo, a sua tempestiva inclusão em pauta, seja de forma prévia ou conjunta, com o recurso especial que já havia sido pautado anteriormente. 

O valor jurídico subjacente à regra que determina a inclusão do feito em pauta com determinada antecedência é, evidentemente, permitir que a parte tenha prévia ciência da data em que o processo será julgado e, assim, possa encaminhar os seus memoriais e acompanhar presencialmente a sessão de julgamento. 

Na hipótese, não há dúvidas de que a agravante tinha plena ciência da inclusão em pauta deste recurso especial representativo de controvérsia (e, consequentemente, do seu agravo interno), sobretudo porque, somente após a inclusão ocorrida em 11/06/2018, é que a agravante interpôs o referido agravo interno e, além disso, juntou o substabelecimento de fls. 1.055/1.056 (e-STJ) em 25/06/2018.

De outro lado, o fato de ainda não ter escoado o prazo para responder ao agravo interno configura-se, na específica hipótese em exame, mera irregularidade que não resulta em nulidade, especialmente em virtude do singular papel exercido pelo amicus curiae na formação dos precedentes (cuja intervenção não é em favor deste ou daquele, mas, sim, em prol do esclarecimento da matéria controvertida, de modo a democratizar o debate e legitimar a decisão a ser proferida), de modo que não há que se falar propriamente em conflito de interesses com os demais amici curiae ou com as partes. 

B) DA ADMISSIBILIDADE DO AGRAVO INTERNO. 

Superada a questão relacionada a possibilidade de julgamento do agravo interno, passa-se então ao exame de admissibilidade do referido recurso. 

Nesse particular, não se olvida que há precedentes do Supremo Tribunal Federal em processos de natureza objetiva, especialmente em Ações Diretas de Inconstitucionalidade, no sentido de que o pretenso amicus curiae teria legitimidade para recorrer da decisão que o inadmite. A esse respeito: EDcl na ADI 3615/PB, Pleno, DJe 25/04/2008 e EDcl na ADI 3105, Pleno, DJe 23/02/2007. 

Todavia, esse entendimento é fruto de construção jurisprudencial consolidada na ausência de regra jurídica específica que disciplinasse a recorribilidade pelo amicus curiae, lacuna legislativa que veio a ser amplamente sanada pelo CPC/15: 

Art. 138. O juiz ou o relator, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia, poderá, por decisão irrecorrível, de ofício ou a requerimento das partes ou de quem pretenda manifestar-se, solicitar ou admitir a participação de pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada, no prazo de 15 (quinze) dias de sua intimação. §1o A intervenção de que trata o caput não implica alteração de competência nem autoriza a interposição de recursos, ressalvadas a oposição de embargos de declaração e a hipótese do §3o . §2o Caberá ao juiz ou ao relator, na decisão que solicitar ou admitir a intervenção, definir os poderes do amicus curiae. §3o O amicus curiae pode recorrer da decisão que julgar o incidente de resolução de demandas repetitivas. 

A leitura do art. 138 do CPC/15, não deixa dúvida de que a decisão unipessoal que verse sobre a admissibilidade do amicus curiae não é impugnável por agravo interno, seja porque o caput expressamente a coloca como uma decisão irrecorrível, seja porque o §1º expressamente diz que a intervenção não autoriza a interposição de recursos, ressalvada a oposição de embargos de declaração ou a interposição de recurso contra a decisão que julgar o IRDR. Esse entendimento, aliás, encontra sólido respaldo em respeitada doutrina: 

Concretizada uma das hipóteses demarcadas pelos limites objetivos de cabimento da intervenção, na forma do art. 138, caput, do CPC, poderá o juiz ou o relator admitir, de ofício ou mediante requerimento, o ingresso do amicus curiae no feito. Trata-se de uma faculdade do magistrado a admissão do terceiro, sendo que do deferimento ou do indeferimento da decisão não cabe qualquer recurso das partes ou do próprio terceiro. (OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de Direito processual civil: vol. 1, parte geral. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2015. p. 437). (...) 

A decisão sobre a intervenção do amicus curiae, admitindo-a ou não a admitindo, é irrecorrível (art. 138, caput, CPC) (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1. 17ª edição. Bahia: Jus Podivm, 2015, p. 524). 

(...) Infelizmente, excepcionada a intervenção no caso do incidente de resolução de demandas repetitivas e os embargos declaratórios, o Código vetou linearmente a utilização de recursos pelo amigo da corte. Deveria ter possibilitado a intervenção de recurso nas situações relativas ao indeferimento do pedido de participação do amigo da corte, como vinha sendo reconhecido pela jurisprudência pátria. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Forense, 2015. p. 447/448). 

Por tais razões, é imperioso que se reconheça o manifesto descabimento do agravo interno. 

C) EXAME DOS PRESSUPOSTOS PARA DEFERIMENTO DO INGRESSO DA AGRAVANTE COMO AMICUS CURIAE OU COMO ASSISTENTE SIMPLES. 

Ainda que se admitisse como cabível o recurso interposto, fato é que, pelo mérito, a pretensão de ingresso como amicus curiae não merece ser acolhida, pois ausentes os pressupostos que a autorizariam. 

De início, destaque-se que a agravante representa os setores econômicos de seguros, resseguros, previdência privada e vida, saúde suplementar e capitalização. 

Dito isso, relembre-se a fundamentação expendida na decisão unipessoal agravada (fls. 1.008.1.010, e-STJ): 

Salta aos olhos, de plano, a absoluta impertinência temática do pedido formulado pela requerente, na medida em que as atividades desenvolvidas pela requerente - seguros, resseguros, previdência privada e vida, saúde complementar e capitalização - não se relacionam com o objeto da afetação - definir a natureza jurídica de um determinado instituto e a recorribilidade imediata, ou não, das decisões interlocutórias. A esse respeito, registre-se que o fato de a tese firmada a partir do julgamento deste recurso representativo de controvérsia impactar indiretamente nas atividades dos representados pela requerente é um corolário lógico e uma consequência óbvia do sistema de julgamento de processos repetitivos nesta Corte. Por esse motivo, admitir a pretensão da requerente abriria a possibilidade, por exemplo, de permitir o ingresso como amicus curiae de quaisquer entidades cujos representados fossem apenas indiretamente atingidos pela tese firmada, o que representaria evidente descaminho do instituto de seu leito natural. Anote-se que a contribuição que se espera de quem pretenda ser amicus curiae na questão em exame é técnico-jurídica, indissociavelmente vinculada aos seus interesses institucionais e aptos, assim, a demonstrar a existência da "representatividade adequada" referida no art. 138, caput, do CPC/15, o que, na lição de Cássio Scarpinella Bueno, significa dizer que a entidade "mostre satisfatoriamente a razão de sua intervenção e de que maneira seu "interesse institucional" - que é o traço distintivo desta modalidade interventiva, que não se confunde com o "interesse jurídico" das demais modalidades interventivas - relaciona-se com o processo" (BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC – Lei nº 13.105, de 16-3-2015. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 161). Sublinhe-se, finalmente, que é claramente atécnico, além de inoportuno, apresentar desde logo a manifestação quanto ao mérito da controvérsia quando ainda sequer houve a admissibilidade da entidade como amicus curiae, o que sugere uma tentativa da requerente de ver os seus argumentos serem examinados nesta Corte a qualquer custo. 

Afirma-se no agravo interno, inicialmente, que é irrelevante a relação entre os objetivos institucionais da entidade e o conteúdo da norma processual em questão, de modo que a presença da agravante se justificaria porque seria ela capaz de retratar os reflexos práticos da controvérsia. 

Nesse sentido, diz a agravante que o seu setor econômico seria diretamente impactado pela decisão a ser tomada e que os seus representados seriam aqueles que debateriam diretamente a matéria nas lides processuais, não sendo suficiente para a adequada legitimação que apenas “entidades acadêmicas que estudam o direito processual” sejam admitidas. 

A esse respeito, anote-se em primeiro lugar que, diferentemente do que se alega, não há que se falar em déficit de representatividade no presente recurso especial repetitivo. 

Isso porque, a despeito de as “entidades acadêmicas que estudam o direito processual” serem formadas fundamentalmente por advogados e por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, garantindo a diversidade de manifestações e de posicionamentos acerca da controvérsia, também foram convidados a participar, como amici curiae, a Advocacia-Geral da União, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública da União, justamente para que outros setores potencialmente impactados e que se valem, diariamente, do Poder Judiciário, pudessem ser devidamente representados. 

O fato de as empresas do setor representado pela agravante serem reflexamente impactadas pela decisão a ser tomada neste recurso especial, repise-se, é uma consequência lógica do sistema de julgamento de processos repetitivos. 

Todos os segmentos econômicos e empresariais serão impactados, em maior ou menor escala, de modo que admitir que exista legitimidade da agravante para participar da formação do precedente equivaleria a dizer, em última análise, que todos os segmentos econômicos e empresariais deveriam ser convidados ou admitidos a participar como amici curiae, prejudicando substancialmente a essência e a razão de ser deste instituto, que é preservar a representação da sociedade. 

Para melhor compreensão, tome-se por exemplo o fato de que existe uma quantia substancial de negócios jurídicos que são celebrados mediante contrato que contém uma cláusula de eleição de foro – fixando, pois, uma regra de competência. 

Não seria minimamente razoável, lógico ou plausível que, em um recurso repetitivo que verse sobre o cabimento do agravo de instrumento sobre competência, admita-se a manifestação das associações representativas dos segmentos de automóveis, alimentos, químicos, farmacêuticos, cosméticos, metais, máquinas, agronegócios, tecnologia, eletrônicos, confecções, mobiliário, mercado financeiro, construção civil, transportes e telecomunicações, apenas porque tais setores da economia, que se valem de contratos com cláusula de eleição de foro, serão indiretamente atingidos pela definição acerca do cabimento de um determinado recurso nos processos que a envolvem. 

De outro lado, é preciso diferenciar o interesse institucional, essencial a quem pretenda intervir como amicus curiae em processo alheio com o fim de esclarecer as questões relacionadas a matéria controvertida, do interesse jurídico, que nutre quem somente pretenda ver um determinado posicionamento ser vencedor. 

Na hipótese em exame, registre-se que a própria agravante confessa expressamente que “busca por meio da atuação como amicus curiae tutelar os interesses de suas associadas” (fl. 1.044, e-STJ), divorciando-se, assim, do objetivo precípuo dessa singular espécie de intervenção de terceiro e atestando a inexistência de interesse institucional da agravante. 

Ademais, destaque-se que o fato de a agravante ter realizado eventos relacionados ao tema – com a presença de respeitados juristas e referências acerca do direito processual – não a qualifica como amicus curiae, especialmente porque este fato, na realidade, apenas demonstra que, a exemplo do que fizeram outros setores econômicos, a agravante apenas promoveu a atualização acerca dos impactos que o novo CPC causou nas atividades empresariais dos seus representados, o que, aliás, comprova a sua manifesta inaptidão técnica para contribuir com o debate acerca da matéria, que não se relaciona, nem remotamente, com a eventual capacidade técnica dos patronos que a representam em juízo. 

Finalmente, registre-se o absoluto descabimento do pedido subsidiário de que seja a agravante admitida como assistente simples. 

Em primeiro lugar, a agravante não indica a que parte deste litígio pretenderia assistir, invoca, em suas razões, matéria relacionada aos recursos cabíveis no âmbito do IRDR, tema absolutamente estranho ao objeto desta controvérsia, e suscita questão que não foi objeto sequer da decisão unipessoal impugnada, motivo pelo qual é manifestamente deficiente a fundamentação recursal nesse particular. 

Em segundo lugar, anote-se que a regra prevista no art. 119, caput, do CPC é de clareza meridiana quanto à hipótese de admissibilidade do assistente simples, definindo que "o terceiro juridicamente interessado em que a sentença seja favorável a uma delas poderá intervir no processo para assisti-la". 

O interesse jurídico, como evidentemente se depreende do referido dispositivo legal, diz respeito à relação jurídica de direito material subjacente, de modo que o terceiro apenas poderá ingressar como assistente quando pretender que a controvérsia de mérito seja decidida em favor desta ou daquela parte, porque esta decisão influenciará na relação mantida com algum deles. 

A doutrina, aliás, indica a hipótese em exame como situação em que não há interesse jurídico na causa: "Há interesses que não são tidos como jurídicos, a ponto de justificar o ingresso de terceiro em processo alheio. É, por exemplo, o do jurista em ação entre A e B, em que se discute tese que aquele sustenta". (ARRUDA ALVIM, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 242). 

A menção ao termo “sentença” no art. 119, caput, do CPC, deve ser lida, pois, como interesse na “decisão de mérito”, inexistindo no direito processual brasileiro, a toda evidência, a assistência assentada em interesse jurídico em que uma decisão interlocutória, que resolva questão meramente incidental, seja proferida em favor desta ou daquela parte. 

Sublinhe-se, ademais, que a seleção de recursos como representativos de controvérsia também tem como efeito promover o deslocamento do eixo de concentração da controvérsia, que deixa o campo da subjetividade e transcende para o interesse da coletividade. 

Assim, é correto afirmar que descabe, no âmbito de recursos especiais representativos de controvérsia, quaisquer modalidades de intervenções de terceiros, exceto aquela prevista no sistema como meio de contribuição da sociedade para o exame da matéria e de legitimação democrática da decisão a ser tomada – o ingresso como amicus curiae, figura que não se amolda à agravante. 

Forte nessas razões, VOTO pelo prosseguimento do julgamento do agravo interno e, superada a questão, NÃO CONHEÇO do agravo interno interposto pela CNSEG.


2) HISTÓRICO DA RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS POR MEIO DO RECURSO DE AGRAVO. 

A recorribilidade de decisões sobre questões incidentes e que não diziam respeito diretamente ao mérito da controvérsia remontam, ao menos, ao direito português do Século XII, ocasião em que, conforme lição de José Carlos Barbosa Moreira, as partes dirigiam petições ao Rei, chamadas de querimas ou querimônias, em que buscavam a concessão de uma “carta de justiça”, subordinada ao exame de veracidade da alegação do requerente. Posteriormente, essa espécie de petição passou a ser examinada pelo Rei em conjunto com a resposta do juiz prolator da decisão, quando passou a se chamar “carta testemunhável” ou “instrumento de agravo”. (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil – Vol. 5 – Arts. 476 a 565. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 482/483). 

Nas subsequentes legislações sobre processo – Ordenações Manuelinas e Filipinas, Regulamento 737 de 1850, Decreto 763 de 1890 e os códigos de processo estaduais que vigoraram entre a Constituição de 1891 e a de 1937 – diversas foram as formas de disciplinar a recorribilidade das interlocutórias, com variações acerca do cabimento (ora mais amplo, ora mais restrito) e da própria modalidade recursal adequada (agravo de petição, agravo no auto do processo, agravo ordinário, agravo por instrumento, etc.).Retomada a competência exclusiva da União para legislar sobre direito processual, sobreveio então o CPC/39, constando da exposição de motivos elaborada por Francisco Campos, especialmente no que diz respeito à seara recursal: 

Aqui devem ser feitas algumas distinções que não são necessárias quando a decisão diz respeito à simples determinação dos fatos. A primeira distinção é entre as falhas de processo que afetam materialmente os direitos das partes, isto é, que pela sua natureza hajam influído realmente no julgamento proferido, e aquelas que são de uma natureza menos importante ou puramente técnica, as quais, ainda que admitidas como erros, não dão motivos razoáveis para se acreditar que tenham impedido a parte agravada de apresentar inteiramente o seu interesse ou que tenham influído sobre o juiz, ou o juri, no proferir suas decisões. Manifestamente, nos argumentos em favor da permissão de uma reforma da decisão, no caso de erros da primeira categoria, são mais fortes que no caso dos da segunda. Permitir os recursos em todos os casos em que se alegue estar errado o julgamento com relação à aplicação de regras, sejam ou não tais erros de natureza a se supôr que tenham afetado o julgamento, acarretará males desproporcionados aos benefícios que se podem verificar em casos relativamente raros. Abre a porta ao uso do direito de recorrer simplesmente com propósitos protelatórios, e aumenta as despesas do pleito, o que tudo trabalha em desfavor da parte fraca. 

Como se percebe da exposição de motivos, a preocupação precípua naquele momento histórico foi de permitir a recorribilidade imediata das decisões que pudessem comprometer a higidez do pronunciamento de mérito e, a partir dessa premissa, optou-se por eleger um rol pretensamente exaustivo de situações que seriam capazes de atingir o direito das partes e de influir no julgamento da controvérsia, elencando-se, no art. 842 do CPC/39 e também na legislação extravagante, hipóteses de cabimento do agravo na modalidade instrumental. 

Ademais, o CPC/39 também instituiu, em elenco que pretendeu ser taxativo, as hipóteses de cabimento do agravo de petição (admissível quando não se tratasse de hipótese de agravo de instrumento e houvesse decisão terminativa sem resolução de mérito, na forma do art. 846) e do agravo no auto do processo (que cabia apenas em hipóteses específicas, conforme art. 851, I a IV, e que seria examinado como preliminar de apelação). 

O sistema recursal existente no CPC/39, todavia, era claramente imperfeito e inadequado, motivo pelo qual foi objeto de severas críticas da doutrina. 

De um lado, uma parcela considerável de decisões se enquadrava em mais de uma espécie recursal ou, ao revés, não se enquadrava em nenhuma modalidade recursal existente, gerando fundada dúvida acerca da existência e de um meio apropriado de impugnação, o que explica, inclusive, a existência do art. 810 no CPC/39, uma regra legal de fungibilidade por intermédio da qual seria admissível um recurso pelo outro quando ausente má-fé ou erro grosseiro. 

De outro lado, verificou-se também que uma série de questões que poderiam causar prejuízos às partes ou comprometer o adequado exame de mérito da controvérsia não seriam recorríveis de imediato, na medida em que não se enquadravam nas hipóteses de cabimento do agravo de petição ou do agravo de instrumento, ficando relegadas somente ao agravo no auto do processo ou, até mesmo, à própria irrecorribilidade. A esse respeito, leciona Teresa Arruda Alvim, em obra de referência escrita na vigência do CPC/73: 

Como se viu na exposição precedente, no Código de Processo Civil revogado, o recurso de agravo de instrumento ou no auto do processo tinha cabimento desde que houvesse previsão expressa a respeito. Inúmeras outras decisões, que podiam ter como efeito dano irreparável, ou de dificílima reparação, ao direito das partes ou influenciar o teor da sentença final, ficavam, teoricamente, imunes a ataques recursais. Foi precisamente esta circunstância que fez com que os advogados acabassem por se valer de outros meios, que não recursais, com o fito de tentar modificar estas decisões. Estes sucedâneos recursais eram o pedido de reconsideração, a correição parcial ou a reclamação, o conflito de competência, a ação rescisória e o mandado de segurança (ALVIM, Teresa Arruda. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 81). 

Justamente diante da malsucedida experiência havida com o sistema recursal existente no CPC/39, especialmente no que tange à recorribilidade imediata das decisões interlocutórias, é que Alfredo Buzaid propôs, por ocasião da elaboração do projeto de lei que resultou no CPC/73, um modelo de impugnação substancialmente distinto daquele existente no sistema anterior. Consta da exposição de motivos: 

15. Outro ponto é o da irrecorribilidade, em separado, das decisões interlocutórias. A aplicação deste princípio entre nós provou que os litigantes, impacientes de qualquer demora no julgamento do recurso, acabaram por engendrar esdrúxulas formas de impugnação. Podem ser lembradas, a título de exemplo, a correição parcial e o mandado de segurança. Não sendo possível modificar a natureza das coisas, o projeto preferiu admitir agravo de instrumento de todas as decisões interlocutórias. (...) Era indispensável apontar essa ausência de unidade, especialmente porque várias leis extravagantes serão atingidas pela reforma do Código, devendo submeter-se às normas que regem o novo sistema de recursos. Não se justificava que, tratando-se de ações, gozassem de um tratamento especial, com recursos próprios, diferentes daqueles aplicados às ações em geral. Na tarefa de uniformizar a teoria geral dos recursos, foi preciso não só refundi-los, atendendo a razões práticas, mas até suprimir alguns, cuja manutenção não mais se explica à luz da ciência. O projeto aboliu os agravos de petição e no auto do processo. (...) 

31. Convém, ainda, tecer alguns comentários sobre a nomenclatura do Código vigente. Os recursos de agravo de instrumento e no auto do processo (arts. 842 e 851) se fundam num critério meramente casuístico, que não exaure a totalidade dos casos que se apresentam na vida cotidiana dos tribunais. Daí a razão por que o dinamismo da vida judiciária teve de suprir as lacunas da ordem jurídica positiva, concedendo dois sucedâneos de recurso, a saber, a correição parcial e o mandado de segurança. A experiência demonstrou que esses dois remédios foram úteis corrigindo injustiças ou ilegalidades flagrantes, mas representavam uma grave deformação no sistema, pelo uso de expedientes estranhos ao quadro de recursos. 

O CPC/73, em sua versão originária, tipificou a hipótese de cabimento do recurso para as interlocutórias por exclusão – se não se tratasse de despacho (irrecorrível) ou de sentença (recorrível por apelação), cabível seria o agravo de instrumento, facultando-se à parte escolher se o referido recurso tramitaria de imediato ou se ficaria retido nos autos para julgamento como preliminar da apelação – algo semelhante ao agravo no auto do processo previsto no CPC/39. 

A estrutura procedimental desenhada pelo legislador de 1973, todavia, revelou-se inadequada. O fato de o agravo ainda ser interposto em 1º grau, com a formação do instrumento sob a responsabilidade do ofício judicial, aliado aos fatos de o contraditório se estabelecer também em 1º grau, de haver a possibilidade de retratação do juízo e de existir a concessão de efeito suspensivo apenas nas hipóteses taxativamente arroladas no art. 558 (prisão de depositário infiel, adjudicação, remição de bens e levantamento de dinheiro sem caução), deu significativa sobrevida ao mandado de segurança contra ato judicial, embora, desta feita, dirigido à concessão de efeito suspensivo ao recurso fora das hipóteses legais ou no lapso temporal entre a interposição do recurso e o seu efetivo exame em 2º grau de jurisdição. 

Diante disso, houve a reforma do texto legal empreendida no ano de 1995, essencialmente sobre os pontos acima apontados. O agravo passou a ser interposto em 2º grau, com a formação do instrumento sob a responsabilidade da parte; o contraditório igualmente passou a acontecer em 2º grau, tornando cada vez menos relevante a possibilidade de retratação; finalmente, acrescentou-se a possibilidade de concessão do efeito suspensivo em quaisquer outros casos de que pudesse resultar lesão grave ou de difícil reparação, desde que relevante a fundamentação. 

Praticamente 10 (dez) anos depois, sobreveio uma nova reforma legal acerca da dinâmica do agravo de instrumento, com a modificação da hipótese de cabimento do referido recurso (art. 522 do CPC/73), tornando regra a modalidade retida e excepcional a modalidade instrumental, que seria cabível somente quando a decisão impugnada fosse suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação. 

A esse respeito, consta da justificativa do Projeto de Lei nº 4.727-A de 2004, que deu origem à Lei nº 11.187/2005, que, “sob a perspectiva das diretrizes estabelecidas para a reforma da Justiça, faz-se necessária a alteração do sistema processual brasileiro com o escopo de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, sem, contudo, ferir o direito ao contraditório e à ampla defesa”. 

Realizada essa contextualização histórica inicial, examinar-se-á adiante a disciplina que o CPC/15 destinou às hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento, bem como a controvérsia doutrinária e jurisprudencial que se instalou sobre a natureza jurídica do rol previsto no art. 1.015 do novo diploma legal. 

3) DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ACERCA DA NATUREZA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/15. 

O dispositivo legal sobre o qual paira a presente controvérsia se encontra assim redigido: 

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: 

I – tutelas provisórias; 

II – mérito do processo; 

III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem; 

IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica; 

V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; 

VI – exibição ou posse de documento ou coisa; 

VII – exclusão de litisconsorte; 

VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; 

IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; 

X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; 

XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, §1º; 

XII - (VETADO); 

XIII – outros casos expressamente referidos em lei. 

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. 

O que se pretendeu com a nova disciplina acerca do cabimento do agravo de instrumento consta, sinteticamente, da exposição de motivos da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto que se tornou o PLS/166/2010: 

Bastante simplificado foi o sistema recursal. Essa simplificação, todavia, em momento algum significou restrição ao direito de defesa. Em vez disso deu, de acordo com o objetivo tratado no item seguinte, maior rendimento a cada processo individualmente considerado. Desapareceu o agravo retido, tendo, correlatamente, sido alterado o regime das preclusões. Todas as decisões anteriores à sentença podem ser impugnadas na apelação. Ressalte-se que, na verdade, o que se modificou, nesse particular, foi exclusivamente o momento da impugnação, pois essas decisões, de que se recorria, no sistema anterior, por meio de agravo retido, só eram mesmo alteradas ou mantidas quando o agravo era julgado, como preliminar de apelação. Com o novo regime, o momento de julgamento será o mesmo; não o da impugnação. O agravo de instrumento ficou mantido para as hipóteses de concessão, ou não, de tutela de urgência; para as interlocutórias de mérito, para as interlocutórias proferidas na execução (e no cumprimento de sentença) e para todos os demais casos a respeito dos quais houver previsão legal expressa. 

Como se verifica, previa-se, no anteprojeto de 2009, a possibilidade de recorrer de imediato somente das seguintes interlocutórias: (i) tutelas provisórias; (ii) interlocutórias de mérito; (iii) proferidas na execução ou no cumprimento de sentença; (iv) demais casos previstos expressamente em lei, inclusive e especialmente no próprio CPC, que continha, nessa versão, diversas outras hipóteses de cabimento em seu próprio corpo. 

Anote-se que, na manifestação ofertada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, existe um valioso histórico acerca da tramitação legislativa do PLS 166/2010 (fls. 428/447, e-STJ), por meio do qual se verifica que, especialmente na Câmara dos Deputados (quando o projeto foi renumerado para PLC 8.046/2010), houve sucessivas tentativas de alargar substancialmente o conteúdo ou, até mesmo, modificar a natureza do rol de cabimento do recurso de agravo de instrumento, tendo o relator-geral na Câmara, em dado momento, consolidado uma redação que expressamente previa o cabimento imediato do agravo de instrumento em face das decisões que versavam sobre competência e também quando havia o indeferimento de prova pericial. 

Devolvido o projeto ao Senado Federal, foi elaborado o Parecer nº 956 de 2014, de relatoria do Senador Vital do Rêgo, em que se consignou expressamente que: 

O projeto de Novo Código de Processo Civil segue o caminho da simplificação recursal e do desestímulo ao destaque de questões incidentais para discussões em vias recursais antes da sentença, especialmente quando, ao final do procedimento, esses temas poderão ser discutidos em recurso de apelação. Por essa razão, no PLS, não se exacerbou na previsão de hipóteses de cabimento de agravo de instrumento. Essa espécie recursal ficou restrita a situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação. Nesse sentido, o PLS flexibilizou o regime de preclusão quanto às decisões interlocutórias para permitir, se necessário for, a sua impugnação em futuro recurso posterior a sentença. Uma das espinhas dorsais do sistema recursal do projeto de Novo Código é o prestígio ao recurso único. Acontece que, no SCD (leia-se, PLC 8.046/2010), essa diretriz foi parcialmente arranhada, com o acréscimo de diversas hipóteses novas de agravo de instrumento, o que merece ser rejeitado na presente etapa legislativa. 

Emblemática, nesse sentido, foi a rejeição à Emenda nº 92, proposta pelo Senador Aloysio Nunes Ferreira, em que o relator do Parecer nº 956/2010 afirmou, textualmente, que: 

O objetivo desses ajustes seria afastar o regime da taxatividade das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, a fim de garantir que qualquer decisão interlocutória desafie esse recurso. Alega-se que há várias hipóteses de decisões interlocutórias que não foram contempladas e que mereciam ser impugnáveis desde logo, a exemplo da decisão sobre “a obrigação de depósito dos honorários periciais, ou seja, da decisão que determina quem deve custear a prova”. Outro caso que merecia ser recorrível é a decisão sobre “pedido ligado ao estabelecimento da ordem cronológica de prolação de decisões judiciais. Óbice regimental opõe-se à supracitada emenda. A taxatividade das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento foi aprovada pelo Senado Federal na forma do art. 969 do PLS. A Câmara dos Deputados apenas acresceu novas hipóteses e ajustou a redação de outras previstas pelo Senado Federal, mediante ajustes constantes do art. 1.028 do SCD. Suprimir a taxatividade do cabimento do agravo de instrumento é incorrer em inovação legislativa não autorizada nessa etapa derradeira do processo legislativo. 

A despeito de ter havido, ao que tudo indica, uma consciente e política opção do legislador pela taxatividade das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita à ação de inventário, estabeleceu-se, na doutrina e na jurisprudência, uma séria e indissolúvel controvérsia acerca da possibilidade de recorrer, desde logo, de decisões interlocutórias não previstas no rol do art. 1.015 do CPC e que pode ser sintetizada nas seguintes posições: (i) o rol é absolutamente taxativo e deve ser interpretado restritivamente; (ii) o rol é taxativo, mas comporta interpretações extensivas ou analogia; (iii) o rol é exemplificativo.

A) O ROL DO ART. 1.015 DO CPC É ABSOLUTAMENTE TAXATIVO E DEVE SER INTERPRETADO RESTRITIVAMENTE. 

A corrente doutrinária que sustenta ser impossível qualquer espécie de extensão das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento previstas no CPC está fundada, essencialmente, no fato de que teria havido uma consciente opção legislativa pela enumeração taxativa das hipóteses, bem como no fato de que as partes não poderiam ser surpreendidas por não terem recorrido de imediato ao confiar na taxatividade do rol do art. 1.015. A esse respeito, confira-se: 

"2. Decisões interlocutórias agraváveis (rol fechado). O Código claramente pretendeu estabelecer rol fechado para as hipóteses passíveis de justificar a interposição do agravo de instrumento. O ideal subjacente à lista dos casos de agravo de instrumento foi a diminuição na utilização de tal via recursal, como pretendido desafogo ao Poder Judiciário. Voltou-se ao regime do CPC de 1939 (art. 842), historicamente reconhecido como desastroso (por isso alterado no CPC de 1973), na medida em que o legislador não consegue represar a realidade em seus esquemas formais. Como o rol apresentado pelo art. 1.015 é manifestamente insuficiente, não prevendo, para ficarmos apenas em um exemplo, agravo de instrumento contra decisão versando sobre competência, não tardaram entendimentos a propugnar uma interpretação ampliativa do rol estipulado. (...) Nada obstante, considerado o direito posto, não se pode ampliar o rol do art. 1.015, sob pena inclusive de comprometer todo o sistema preclusivo eleito pelo Código". (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. p. 1070). 

Com variações argumentativas, mas fundamentalmente no mesmo sentido, há trabalhos de muito fôlego e consistência de juristas como José Henrique Mouta Araújo (A recorribilidade das interlocutórias no novo CPC: variações sobre o tema in Revista de Processo nº 251, São Paulo: RT, jan. 2016, p. 207/228), Heitor Vitor Mendonça Sica (Recorribilidade das interlocutórias e sistemas de preclusões no novo CPC – primeiras impressões in Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil nº 65, Porto Alegre: Magister, mar./abr. 2015, p. 22/66) e Rodrigo Frantz Becker (O rol taxativo (?) das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento in Publicações da Escola da AGU nº 04, Brasília: EAGU, out./dez. 2017, p. 237/252), dentre outros. 

De outro lado, anote-se que a tese da absoluta taxatividade do rol do art. 1.015 do CPC recebeu o amparo desta Corte em recente julgado, oportunidade em que se consignou que “considera-se que a interpretação do art. 1.015 do Novo CPC deve ser restritiva, para entender que não é possível o alargamento das hipóteses para contemplar situações não previstas taxativamente na lista estabelecida para o cabimento do Agravo de Instrumento”, uma vez que “as decisões relativas à competência, temática discutida nos presentes autos, bem como discussões em torno da produção probatória, estão fora do rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015”. (REsp 1.700.308/PB, 2ª Turma, DJe 23/05/2018). 

B) O ROL DO ART. 1.015 DO CPC É TAXATIVO, MAS ADMITE INTERPRETAÇÕES EXTENSIVAS OU ANALÓGICAS. 

Uma parcela considerável da doutrina, por sua vez, tem sustentado que, a despeito de o rol do art. 1.015 do CPC ser mesmo taxativo, nada impede que as hipóteses nele contidas sejam objeto de interpretação extensiva ou analógica. 

Essa corrente, reconhecendo também a insuficiência do rol para adequadamente tutelar as diversas questões que o fenômeno jurídico apresenta na realidade, propõe que cada um dos incisos do art. 1.015 seja interpretado de forma não literal, de modo a acomodar situações semelhantes ou próximas àquelas expressamente mencionadas no respectivo inciso. Confira-se: 

As hipóteses de agravo de instrumento estão previstas em rol taxativo. A taxatividade não é, porém, incompatível com a interpretação extensiva. Embora taxativas as hipóteses de decisões agraváveis, é possível interpretação extensiva de cada um de seus tipos. Tradicionalmente, a interpretação pode ser literal, mas há, de igual modo, as interpretações corretivas e outras formas de reinterpretação substitutiva. A interpretação literal consiste numa das fases (a primeira, cronologicamente) da interpretação sistemática. O enunciado normativo é, num primeiro momento, interpretado em seu sentido literal para, então, ser examinado crítica e sistematicamente, a fim de se averiguar se a interpretação literal está de acordo com o sistema em que inserido. Havendo divergência entre o sentido literal e o genético, teleológico ou sistemático, adota-se uma das interpretações corretivas, entre as quais se destaca a extensiva, que é um modo de interpretação que amplia o sentido da norma para além do contido em sua letra. Assim, “se a mensagem normativa contém denotações e conotações limitadas, o trabalho do intérprete será o de torná-las vagas e ambíguas (ou mais vagas e ambíguas do que são em geral, em face da imprecisão da língua natural de que se vale o legislador). (...) A interpretação extensiva opera por comparações ou isonomizações, não por encaixes ou subsunções. As hipóteses de agravo e instrumento são taxativas e estão previstas no art. 1.015 do CPC. Se não se adotar a interpretação extensiva, corre-se o risco de se ressuscitar o uso anômalo e excessivo do mandado de segurança contra ato judicial, o que é muito pior, inclusive em termos de política judiciária. É verdade que interpretar o texto normativo com a finalidade de evitar o uso anômalo e excessivo do mandado de segurança pode consistir num consequencialismo. Como se sabe, o consequencialismo constitui um método de interpretação em que, diante de várias interpretações possíveis, o intérprete deve optar por aquela que conduza a resultados econômicos, sociais ou políticos mais aceitáveis, mais adequados e menos problemáticos. Busca-se, assim, uma melhor integração entre a norma e a realidade. É um método de interpretação que pode servir para confirmar a interpretação extensiva ora proposta. Adotada a interpretação literal, não se admitindo o agravo de instrumento contra decisão que trate de competência, nem contra decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual (para dar dois exemplos, explicados no exame do inciso III do art. 1.015 do CPC), haverá o uso anômalo e excessivo do mandado de segurança, cujo prazo é bem mais elástico que o do agravo de instrumento. Se, diversamente, se adota a interpretação extensiva para permitir o agravo de instrumento, haverá menos problemas no âmbito dos tribunais, não os congestionando com mandados de segurança contra atos judiciais. (DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. 15ª ed. Salvador: Juspodivm, 2018. p. 248/251). 

A tese segundo a qual o rol, embora taxativo, comporta interpretação extensiva ou analogia tem sido acolhida por parcela bastante significativa da doutrina, com destaque para Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello (Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1.614), Cássio Scarpinella Bueno (Manual de direito processual civil: inteiramente estruturado à luz do novo CPC – Lei nº 13.105, de 16-3-2015. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 622), Clayton Maranhão (Agravo de instrumento no Código de Processo Civil de 2015: entre a taxatividade do rol e um indesejado retorno do mandado de segurança contra ato judicial in Revista de Processo nº 256, São Paulo: RT, jun. 2016, p. 147/168), Felippe Borring Rocha e Fernando Gama de Miranda Netto (A recorribilidade das decisões interlocutórias sobre direito probatório in Revista Brasileira de Direito Processual nº 101, Belo Horizonte: Fórum, jan./mar. 2018, p. 99/123) e Christian Garcia Vieira (A inviável taxatividade quanto ao cabimento do agravo – críticas ao art. 1.015, CPC/15 in Questões relevantes sobre recursos, ações de impugnação e mecanismos de uniformização de jurisprudência: em homenagem à Professora Teresa Arruda Alvim. São Paulo: RT, 2017. p. 197/202). 

No mesmo sentido, há recentes julgados desta Corte: REsp 1.695.936/MG, 2ª Turma, DJe 19/12/2017 (que aponta ser cabível o recurso da decisão que afasta o reconhecimento de prescrição e decadência), REsp 1.694.667/PR, 2ª Turma, DJe 18/12/2017 (que sinaliza a possibilidade de recorrer desde logo na hipótese de indeferimento de pedido de concessão de efeito suspensivo a embargos à execução) e, finalmente, REsp 1.679.909/RS, 4ª Turma, DJe 01/02/2018 (por meio do qual se admitiu o processamento de agravo de instrumento contra decisão que versava sobre competência, ao fundamento de que se trataria de hipótese similar àquela que rejeita a alegação de convenção de arbitragem). 

Aliás, esse foi o entendimento defendido pela maioria das entidades que ingressaram nesse recurso como amici curiae, como a Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO, a União e a Defensoria Pública da União, assim como, no mesmo sentido, opinou o Ministério Público Federal. 

C) O ROL DO ART. 1.015 É EXEMPLIFICATIVO, ADMITINDO-SE O RECURSO FORA DAS HIPÓTESES DE CABIMENTO PREVISTAS NO DISPOSITIVO. 

Finalmente, outra parte da doutrina defende que não há que se falar em rol taxativo combinado com interpretação restritiva, nem tampouco em rol taxativo combinado com interpretação extensiva ou analógica, mas, sim, em um rol puramente exemplificativo, de modo que, em determinadas situações, a recorribilidade da interlocutória deve ser imediata, ainda que a matéria não conste expressamente do rol ou que não seja possível dele extrair a questão por meio de interpretação extensiva ou analógica. 

Nesse sentido, sustenta William Santos Ferreira que a recorribilidade imediata das decisões interlocutórias deve ser examinada sob a ótica da existência de interesse recursal e da eventual inutilidade futura da impugnação diferida por meio de apelação em determinadas situações. Diz ele: 

O interesse recursal é representação da utilidade + necessidade, em que, na lição de Barbosa Moreira, “o recorrente possa esperar, da interposição do recurso, a consecução de um resultado a que corresponda situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que a emergente da decisão recorrida” (utilidade) e ainda “que seja necessário usar o recurso para alcançar tal vantagem” (necessário). O processualista ainda destaca que na utilidade para sua compreensão deve se empregar uma ótica prospectiva e não retrospectiva “a ênfase incidirá mais sobre o que possível ao recorrente esperar que se decida, no novo julgamento, do que sobre o teor daquilo que se decidiu, no julgamento impugnado... daí preferirmos aludir à utilidade, como outros aludem, como fórmula afim, ao proveito e ao benefício que a futura decisão seja capaz de proporcionar ao recorrente”. (...) No sistema processual civil brasileiro, do CPC/2015, optou-se pela recorribilidade integral das interlocutórias, somente variando o recurso, agravo de instrumento ou, residualmente, apelação. Logo, algo que não pode ser esquecido é que para todo recurso impõe-se interesse recursal, sendo este não apenas um requisito do recurso sem o qual não é admissível, mas também é um direito do recorrente em relação ao Estado, uma vez identificada recorribilidade em lei, deve ser assegurada a utilidade do julgamento do recurso, inclusive em estrita observância do inc. XXXV do art. 5º, da CF/1988. Se não há identificação literal das hipóteses legalmente previstas para agravo de instrumento, em primeiro momento, se defenderia a apelação, contudo se o seu julgamento futuro será inútil por impossibilidade de resultado prático pleno (ex. dano irreparável ou de difícil reparação), como no caso de uma perícia inadmitida, em que o prédio que seria objeto da perícia diante de uma desapropriação será rapidamente demolido, desaparecendo a utilidade de julgamento futuro da apelação, não é possível defender-se o cabimento da apelação, porque a lei não pode prever recurso inútil, logo é caso de cabimento do agravo de instrumento. Em outras palavras, há uma taxatividade fraca, decorrente da própria definição de recorribilidade geral das interlocutórias, mas ainda taxatividade, porque o agravante tem o ônus de demonstrar que é necessário o agravo de instrumento em razão da inutilidade de interposição e julgamento futuros de apelação. (FERREIRA, William Santos. Cabimento do agravo de instrumento e a ótica prospectiva da utilidade – O direito ao interesse na recorribilidade de decisões interlocutórias in Revista de Processo nº 263, São Paulo: RT, jan. 2017, p. 193/203). 

Na mesma linha de raciocínio, leciona José Rogério Cruz e Tucci que há situações que, a despeito de não catalogadas no rol do art. 1.015 do CPC/15, necessitam obrigatoriamente ser examinadas de imediato, especialmente as questões de ordem pública, as nulidades absolutas e aquelas que conduzem à extinção do processo, sob pena de ofensa ao princípio da razoável duração do processo e ao devido processo legal. (TUCCI, José Rogério Cruz e. Ampliação do cabimento do recurso de agravo de instrumento in Portal Consultor Jurídico, 18/07/2017. Acesso realizado em 07/06/2018). 

Ademais, Gabriel Araújo Gonzalez, em recente monografia, leciona que a mens legis subjacente à adoção de um rol fechado de cabimento do recurso de agravo está vinculada ao fato de que vislumbrou o legislador certas situações em que a apelação foi reconhecida como um recurso inapto para adequadamente tutelar o direito violado, mas que, a despeito disso, a enunciação de hipóteses no art. 1.015 do CPC/15 contrariou essa mesma premissa fundamental ao deixar de fora outras tantas situações em que a recorribilidade diferida seria igualmente inapta para tutelar adequadamente esse direito (GONZALEZ, Gabriel Araújo. A recorribilidade das decisões interlocutórias no Código de Processo Civil de 2015. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 364/375). 

Em síntese, são essas as conflitantes posições doutrinárias e aparentemente indissolúveis divergências jurisprudenciais que se pretende pacificar a partir do presente recurso e que serão mais bem discutidas adiante, tendo como base o estudo da vasta doutrina que se propôs a examinar o tema e dos julgados proferidos acerca do assunto, e que permitem, desde logo, extrair algumas conclusões preliminares: 

(i) A controvérsia limita-se, essencialmente, à recorribilidade das interlocutórias na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceto o processo de inventário, em virtude do que dispõe o art. 1.015, parágrafo único, do CPC, que prevê ampla recorribilidade das interlocutórias na fase de liquidação ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário. 

(ii) A majoritária doutrina se posicionou no sentido de que o legislador foi infeliz ao adotar um rol pretensamente exaustivo das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento na fase de conhecimento do procedimento comum, retornando, ao menos em parte, ao criticado modelo recursal do CPC/39. 

(iii) O rol do art. 1.015 do CPC, como aprovado e em vigor, é insuficiente, pois deixa de abarcar uma série de questões urgentes e que demandariam reexame imediato pelo Tribunal. 

(iv) Deve haver uma via processual sempre aberta para que tais questões sejam desde logo reexaminadas quando a sua apreciação diferida puder causar prejuízo às partes decorrente da inutilidade futura da impugnação apenas no recurso de apelação. 

(v) O mandado de segurança, tão frequentemente utilizado na vigência do CPC/39 como sucedâneo recursal e que foi paulatinamente reduzido pelo CPC/73, não é o meio processual mais adequado para que se provoque o reexame da questão ventilada em decisão interlocutória pelo Tribunal. 

(vi) Qualquer que seja a interpretação a ser dada por esta Corte, haverá benefícios e prejuízos, aspectos positivos e negativos, tratando-se de uma verdadeira “escolha de Sofia”. 

(vii) Se, porventura, o posicionamento desta Corte se firmar no sentido de que também é cabível o agravo de instrumento fora das hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC, será preciso promover a modulação dos efeitos da presente decisão ou estabelecer uma regra de transição, a fim de proteger às partes que, confiando na absoluta taxatividade do rol e na interpretação restritiva das hipóteses de cabimento do agravo, deixaram de impugnar decisões interlocutórias não compreendidas no art. 1.015 do CPC. 

Estabelecidas essas premissas metodológicas fundamentais, passa-se ao exame mais detalhado do objeto da controvérsia.

4) EXAME DA NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC A PARTIR DO MODELO CONSTITUCIONAL DE PROCESSO E DAS NORMAS FUNDAMENTAIS PREVISTAS NO CPC/15. 

Em primeiro lugar, é preciso destacar que a regra do art. 1.015 do CPC não é – e nem pode ser interpretada como – uma ilha oceânica, isolada e distanciada de seu sistema jurídico, que deve ser compreendido como “sendo uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Lei Maior” (FREITAS, Juarez. Interpretação sistemática do direito em face das antinomias normativas, axiológicas e principiológicas. 1994. 234 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 

Por se tratar de ramo do direito público, o direito processual deve sempre ser lido e interpretado à luz do texto constitucional. A Constituição Federal, pois, não pode estar em outros locais senão na base e simultaneamente no vértice do sistema processual, devendo todas as regras pertencentes a esse sistema serem interpretadas tendo-a como fundamento de validade e, ao mesmo tempo, como fonte normativa maior a que se deve respeito. 

Dessa forma, andou bem o legislador ao inserir, no Capítulo I do Título Único do Livro I do CPC/15, um conjunto de diretivas denominado “Normas Fundamentais do Processo Civil”, pois, a despeito de ser dispensável para a adequada compreensão do sistema processual, o capítulo possui uma função eminentemente pedagógica: quer se lembrar, a todo momento, que quaisquer pessoas que se relacionem com o processo civil deverão interpretá-lo tendo como base e também como ápice as suas normas fundamentais. 

Além da mencionada função educacional, as metanormas do processo civil também cumprem um outro papel de igual relevância, pois permitem que esta Corte possa exercer amplo controle acerca da mais adequada interpretação que se deva conferir aos dispositivos legais de índole processual existentes no sistema, tratando-se a hipótese em tela um emblemático exemplo dessa obrigatoriedade. 

Nesse contexto, a exposição de motivos do anteprojeto do CPC e os inúmeros posicionamentos manifestados pelos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal durante a tramitação do projeto de lei, revelam que pretendeu o legislador restringir a utilização do recurso de agravo de instrumento, conclusão da qual não se pode se afastar. 

Assim, a partir dessa consciente escolha político-legislativa, adotou o legislador a técnica de enumerar as questões que, a seu ver, demandariam imediato reexame pelo Tribunal – tendo como base as “situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação” (Parecer nº 956 de 2014, de relatoria do Senador Vital do Rego), deixando todas as demais questões que, em sua avaliação, seriam suscetíveis de rediscussão futura verdadeiramente imunes à preclusão por um determinado lapso temporal, retirando-as desse estado de letargia no momento da apelação ou de suas contrarrazões. 

Ocorre que o estudo da história do direito também revela que um rol que pretende ser taxativo raramente enuncia todas as hipóteses vinculadas a sua razão de existir, pois a realidade normalmente supera a ficção e a concretude torna letra morta o exercício de abstração inicialmente realizado pelo legislador. 

Assim ocorreu com o CPC/39, que foi duramente criticado pela doutrina nesse particular durante toda a sua vigência porque, não raro, surgiam hipóteses imprevistas e, pela lei, irrecorríveis de imediato, causando sérios prejuízos às partes e demandando dos especialistas a criação de uma anomalia – o mandado de segurança contra ato judicial – que, a depender do que se decidir neste recurso, poderá ser firmemente reavivada. 

Assim também ocorreu, mais recentemente e inclusive com a aquiescência desta Corte, em questões de natureza tributária (REsp nº 1.013.060/RJ, 2ª Turma, DJe 08/06/2012 e AgRg no REsp 1.260.079/SP, 1ª Turma, DJe 04/05/2012) e até mesmo na seara penal (REsp nº 1.078.175/RO, 6ª Turma, Dje 26/04/2013; REsp nº 1.628.262/RS, 6ª Turma, DJe 19/12/2016 e REsp nº 1.575.297/SC, 6ª Turma, DJe 15/05/2017), matérias em que a incidência do princípio da tipicidade é muito mais marcante do que se verifica na esfera cível. 

E causa até mesmo certa perplexidade que, mais de 50 (cinquenta) anos depois, ainda se esteja discutindo episodicamente a incapacidade – não do legislador, mas da própria humanidade – de prever o futuro. Embora pareça não adiantar, a frase de Joseph Conrad nunca fez tanto sentido como neste julgamento: “A realidade, como sempre, suplanta a ficção”. 

É tarefa desta Corte, pois, conferir à regra do art. 1.015 do CPC a interpretação que melhor se coaduna com a sua razão de existir e com as normas fundamentais insculpidas pelo próprio CPC. 

Nesse contexto, e como mencionado anteriormente, houve uma escolha político-legislativa ao limitar o cabimento do agravo de instrumento, adotando-se como critério, para a enunciação abstrata das hipóteses desde logo recorríveis, aquelas “situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação” (Parecer nº 956 de 2014, de relatoria do Senador Vital do Rego). 

É possível extrair desse critério que o recurso será cabível em situações de urgência, devendo ser este o elemento que deverá nortear quaisquer interpretações relacionadas ao cabimento do recurso de agravo de instrumento fora das hipóteses arroladas no art. 1.015 do CPC. 

Trata-se, aliás, de premissa alinhada com os demais ordenamentos jurídicos contemporâneos. 

Segundo leciona Teresa Arruda Alvim, assim ocorre nos Estados Unidos da América, em que, a despeito de não haver recurso imediato das interlocutórias, aceita-se com tranquilidade que se impugne as questões incidentes desde logo quando “o julgamento do recurso seja materialmente determinante para a causa” ou quando “a espera da decisão final puder causar dano irreparável às partes”. 

De igual modo, ensina ela, ocorre na França, em que se admite o recurso imediato das interlocutórias, ainda que excepcional, quando houver risco de dano irreparável, assim como na Alemanha, em que também se aceita o recurso das interlocutórias na hipótese de ilegalidade evidente. 

E assim igualmente se desenvolve o processo na Argentina, que, a despeito de impedir os recursos das interlocutórias em execução e no juízo sumaríssimo, admite-os, excepcionalmente, quando “concorrerem circunstâncias processuais que excedam a sequência natural e ordinária do procedimento” ou quando a decisão “causar gravame irreparável”. Daí porque conclui: 

Pode-se dizer, de todo modo, que mesmo nos sistemas que tenham reduzido ao mínimo a possibilidade de se impugnarem as decisões interlocutórias, reserva-se, ainda que de modo excepcional, a possibilidade de se pedir a revisão de decisões interlocutórias flagrantemente erradas ou que causem dano irreparável à parte. (ALVIM, Teresa Arruda. Os agravos no CPC brasileiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 88). 

Do estudo da história do direito processual brasileiro e de como a questão é tratada no direito comparado, pode-se afirmar, com segurança, que a urgência que justifica o manejo imediato de uma impugnação em face de questão incidente está fundamentalmente assentada na inutilidade do julgamento diferido se a impugnação for ofertada apenas conjuntamente ao recurso contra o mérito, ao final do processo. 

Esse pilar deve ser examinado, ainda, em conformidade com a mais contemporânea concepção do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que, embora inicialmente concebido como o mero exercício do direito de ação, passou a incorporar também o direito à tutela jurisdicional e de efetivo acesso à justiça, de modo a “alcançar também a plena atuação das faculdades oriundas do processo e a obtenção de uma decisão aderente ao direito material, desde que utilizada a forma adequada para obtê-la”. (OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de Direito processual civil: vol. 1, parte geral. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2015. p. 85). 

A questão é mais bem explicitada por Fredie Didier Jr.: 

Instaurado o processo (após o exercício do direito de ação), surgem novas situações jurídicas (situações jurídicas processuais). Algumas dessas situações jurídicas compõem o conteúdo do direito de ação. O direito à tutela jurisdicional, o direito a um procedimento adequado, o direito a técnicas processuais adequadas para efetivar o direito afirmado, o direito à prova e o direito de recorrer são corolários do exercício do direito de ação. Todos são situações jurídicas que compõem o conteúdo eficacial do direito de ação. (DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Vol. 1. 17ª edição. Bahia: Jus Podivm, 2015, p. 285). 

Diversos são os exemplos de situações urgentes não contempladas pelo legislador e que, se examinadas apenas por ocasião do recurso de apelação, tornariam a tutela jurisdicional sobre a questão incidente tardia e, consequentemente, inútil, sendo emblemática a situação que envolve a decisão que porventura indeferir o pedido de decretação de segredo de justiça.  

Imagine-se que a parte, para deduzir a sua pretensão em juízo, necessite que certos fatos relacionados a sua intimidade tenham de ser expostos na ação judicial. É imprescindível, nesse contexto, que seja deferido o segredo de justiça (art. 189, III, do CPC), pois a publicização de tais fatos impedirá o restabelecimento do status quo ante, tratando-se de medida absolutamente irreversível do ponto de vista fático. 

Ocorre que, se porventura o requerimento de segredo for indeferido, ter-se-ia, pela letra do art. 1.015 do CPC, uma decisão irrecorrível de imediato e que apenas seria impugnável em preliminar de apelação, momento em que a prestação jurisdicional sobre a questão incidente, tardia, seria inútil, pois todos os detalhes da intimidade do jurisdicionado teriam sido devassados pela publicidade. 

Nessa hipótese, não se pode imaginar outra saída senão permitir a impugnação imediata da decisão interlocutória que indefere o pedido de segredo de justiça, sob pena de absoluta inutilidade de a questão controvertida ser examinada apenas por ocasião do julgamento do recurso de apelação. 

Anote-se, por oportuno, que a situação acima mencionada é igualmente emblemática porque demonstra que nem mesmo a tese defendida por parcela considerável da doutrina, no sentido de que o rol do art. 1.015 do CPC admitiria interpretações extensivas ou analógicas, revela-se suficiente para suplantar a realidade, na medida em que não se vislumbra, respeitosamente, nenhuma hipótese de cabimento do agravo que possa, em tese, abarcar a hipótese de segredo de justiça. 

Não se pretende e nem será possível exaurir os exemplos, porque eventual pretensão nesse sentido seria de impossível realização, como é igualmente impossível enunciar, de antemão, as hipóteses em que o reexame da interlocutória será urgente. 

O que se quer dizer é que, sob a ótica da utilidade do julgamento do recurso diferido, revela-se inconcebível, a partir do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que apenas algumas poucas hipóteses taxativamente arroladas pelo legislador sejam objeto de imediato enfrentamento. 

Destaque-se, novamente, a lição de William Santos Ferreira acerca do tema: 

Uma questão pode ser lançada: se algumas hipóteses de inutilidade de apelação, com cabimento de agravo de instrumento, foram destacadas pelo legislador, será que outras não poderiam ter sido excluídas pelo legislador? Aqui reside a chave mestra da nova sistemática recursal de decisões proferidas em primeira instância: a resposta é: se o legislador desejasse estabelecer o não cabimento de agravo de interlocutórias não expressas além dos incs. I a XI, não deveria ter estabelecido a recorribilidade geral das interlocutórias, pois assim tendo feito, não pode prever um recurso, que seria o de apelação, cujo regime jurídico levará a falta de interesse recursal. Seria como se o sistema fosse concebido para prever um “recurso que não é recurso” ou um “recurso inútil” que é uma contradição de termos (contradictio in terminis). (FERREIRA, William Santos. Cabimento do agravo de instrumento e a ótica prospectiva da utilidade – O direito ao interesse na recorribilidade de decisões interlocutórias in Revista de Processo nº 263, São Paulo: RT, jan. 2017, p. 193/203). 

De outro lado, a questão da urgência e da inutilidade futura do julgamento diferido do recurso de apelação deve ser examinada também sob a perspectiva de que o processo não pode e não deve ser um instrumento de retrocesso na pacificação dos conflitos. 

Está na raiz etimológica de “processo”, derivada do latim “procedere”, que se trata de palavra ligada a ideia de percurso e que significa caminhar para frente ou marchar para a frente. Se processo fosse marcha à ré, não se trataria de processo, mas de retrocesso e essa constatação, apesar de parecer pueril, está intimamente ligada à ideia de urgência no reexame de determinadas questões. 

De fato, justamente para evitar as idas e as vindas, as evoluções e as involuções, bem como para que o veículo da tutela jurisdicional seja o processo e não o retrocesso, há que se ter em mente que questões que, se porventura modificadas, impliquem regresso para o refazimento de uma parcela significativa de atos processuais deverão ser igualmente examináveis desde logo, porque, nessa perspectiva, o reexame apenas futuro, somente por ocasião do julgamento do recurso de apelação ou até mesmo do recurso especial, seria infrutífero. 

Dito de outra maneira: se o pronunciamento jurisdicional se exaurir de plano, gerando uma situação jurídica de difícil ou de impossível restabelecimento futuro, é imprescindível que seja a matéria reexaminada imediatamente. 

O exemplo mais evidente dessa circunstância nociva é, sem dúvida, a questão relacionada à competência, pois não é crível, nem tampouco razoável, que o processo tramite perante um juízo incompetente por um longo período e, somente por ocasião do julgamento da apelação (ou, até mesmo, de recurso especial nesta Corte) seja reconhecida a incompetência e determinado o retorno ao juízo competente para os fins do § 4º do art. 64 do CPC/15. 

Ainda que se admita que a nulidade decorrente do reconhecimento superveniente da incompetência não demandará, obrigatoriamente, o refazimento de todos os atos processuais já realizados, inclusive porque o sistema de nulidades previsto nos arts. 276 a 283 do CPC/15 claramente privilegia o máximo aproveitamento dos atos processuais praticados, não se pode olvidar que haverá, sim, um enorme desperdício de atividade jurisdicional em processo que tramita perante juízo incompetente e que precisará ser refeito, ainda que parcialmente, em maior ou menor escala a depender de se tratar de incompetência absoluta ou relativa e dos atos processuais que eventualmente possam ser aproveitados. 

De igual modo, não se pode negar que haverá um significativo desperdício de tempo para a solução da controvérsia pelo mérito, acarretando prejuízos aos jurisdicionados e ao próprio sistema de justiça civil, motivo pelo qual a doutrina, majoritariamente, reconhece que a inexistência de impugnação imediata em questão relacionada à competência é nefasta ao sistema processual, de modo que a matéria deve obrigatoriamente ser desde logo reexaminada pelo Tribunal. 

Todavia, uma parcela significativa da doutrina, capitaneada por Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha e que fora, inclusive, adotada em recente julgado desta Corte (REsp 1.679.909/RS, 4ª Turma, DJe 01/02/2018), vislumbra o cabimento do agravo de instrumento para discutir competência a partir da interpretação do art. 1.015, III, do CPC, que trata da hipótese de “rejeição da alegação de convenção de arbitragem”, ao fundamento de que ambas as situações seriam muito semelhantes em relação a sua finalidade – afastar da causa o juízo incompetente. 

Respeitado esse entendimento, não se pode concordar com essa premissa, pois a hipótese tipificada trata de discussão relacionada a abdicação da jurisdição estatal para que a controvérsia seja conhecida pela jurisdição arbitral, situação que é ontologicamente diferente da competência, em que é disciplinada a organização interna da própria jurisdição estatal. 

Por esses motivos, é mais adequado reconhecer o cabimento do agravo de instrumento sobre controvérsia acerca da competência tendo como base as normas fundamentais do próprio CPC/15, especialmente a urgência de reexame da questão sob pena de inutilidade dos atos processuais já praticados. 

De igual modo, deve-se admitir o reexame imediato da decisão interlocutória que verse, por exemplo, sobre a estrutura procedimental que deverá ser observada no processo, seja nas hipóteses em que a lei prevê um determinado procedimento especial em virtude das especificidades do direito material (de que são exemplos a ação de exigir contas, as ações possessórias, a ação de dissolução parcial de sociedade, a ação de divisão ou de demarcação de terras particulares e a ação monitória, dentre outros), seja nas hipóteses em que as próprias partes celebrarem negócio jurídico processual (art. 190, caput, do CPC) acerca do procedimento a ser observado no litígio que as envolve. 

Em ambas as hipóteses, não é razoável aguardar o exaurimento do trâmite processual desenvolvido por um procedimento diverso daquele que a lei ou as partes entenderam como apropriado para, somente na apelação ou até mesmo no recurso especial, reconhecer que o procedimento adequado não foi seguido e que, portanto, será preciso invalidar parte significativa dos atos praticados para amoldá-los à estrutura procedimental prevista em lei ou desenvolvida pelas próprias partes por meio de negócio jurídico processual.


5) A DEFINIÇÃO DO ART. 1.015 DO CPC COMO UM ROL DE TAXATIVIDADE MITIGADA E A PREVENÇÃO DE POTENCIAIS PROBLEMAS DECORRENTES DESSA CONCLUSÃO. 

Como se percebe, o entendimento aqui exposto pretende, inicialmente, afastar a taxatividade decorrente da interpretação restritiva do rol previsto no art. 1.015 do CPC, porque é incapaz de tutelar adequadamente todas as questões em que pronunciamentos judiciais poderão causar sérios prejuízos e que, por isso, deverão ser imediatamente reexaminadas pelo 2º grau de jurisdição. 

De igual modo, deve ser afastada a possibilidade de interpretação extensiva ou analógica das hipóteses listadas no art. 1.015 do CPC, pois, além de não haver parâmetro minimamente seguro e isonômico quanto aos limites que deverão ser observados na interpretação de cada conceito, texto ou palavra, o uso dessas técnicas hermenêuticas também não será suficiente para abarcar todas as situações em que a questão deverá ser reexaminada de imediato – o exemplo do indeferimento do segredo de justiça é a prova cabal desse fato. 

Finalmente, também não deve ser acolhido o entendimento de que o rol do art. 1.015 do CPC é meramente exemplificativo, pois essa interpretação conduziria à repristinação do art. 522, caput, do CPC/73, contrariando frontalmente o desejo manifestado pelo legislador de restringir o cabimento do recurso, o que não se pode admitir. 

A tese que se propõe consiste em, a partir de um requisito objetivo – a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação –, possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do art. 1.015 do CPC, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito urgência, independentemente do uso da interpretação extensiva ou analógica dos incisos do art. 1.015 do CPC, porque, como demonstrado, nem mesmo essas técnicas hermenêuticas são suficientes para abarcar todas as situações. 

Não há que se falar, destaque-se, em desrespeito a consciente escolha político-legislativa de restringir o cabimento do agravo de instrumento, mas, sim, de interpretar o dispositivo em conformidade com a vontade do legislador e que é subjacente à norma jurídica, qual seja, o recurso de agravo de instrumento é sempre cabível para as “situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação”, nos termos do Parecer nº 956 de 2014, de relatoria do Senador Vital do Rego. 

Em última análise, trata-se de reconhecer que o rol do art. 1.015 do CPC possui uma singular espécie de taxatividade mitigada por uma cláusula adicional de cabimento, sem a qual haveria desrespeito às normas fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes ou ao próprio processo. 

A tese jurídica que se propõe, assim como aquela que sustenta que o rol do art. 1.015 do CPC, embora taxativo, admite interpretação extensiva ou analógica, demandam ainda o obrigatório enfrentamento de algumas questões que impactarão diretamente nas atividades jurisdicionais e dos jurisdicionados. 

A) PRECLUSÃO, RECORRIBILIDADE IMEDIATA E A NECESSIDADE DE CRIAÇÃO DE UMA REGRA DE TRANSIÇÃO QUE MODULE OS EFEITOS DA TESE JURÍDICA FIXADA NESTA CORTE. 

Há uma reiterada preocupação acerca do alargamento das hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento em virtude de sua correlação intrínseca com o regime de preclusões diferidas instituído pelo CPC/15. 

Esse temor, que em princípio se mostra justificável, pode ser assim sintetizado: 

Ora bem, quando ampliadas as hipóteses de recorribilidade para situação não antecipadas pelo legislador, há um importante efeito colateral: erigem-se a latere do ordenamento jurídico novas hipóteses de preclusão imediata. Como anteposto, o sistema preclusivo erigido pelo Código está estritamente vinculado às hipóteses de cabimento do agravo. A ampliação das situações de cabimento pode acarretar maior extensão da ocorrência da preclusão imediata, como se depreende do art. 1.009, §1º e §2º, do CPC. Pelo Código, somente não precluem – até o momento da interposição da apelação ou da apresentação das contrarrazões respectivas – as questões não suscitáveis de imediato por agravo de instrumento. Assim, a ampliação jurisprudencial dos temas passíveis de serem objeto de agravo pode trazer a reboque a expansão da ocorrência da preclusão imediata no processo, sobre temas sequer imaginados pelas partes, exatamente aqueles colhidos pela extensão. As partes confiando no sistema eleito não interporiam agravo de instrumento, sendo que posteriormente seriam surpreendidas pelo não conhecimento do tema em sede de apelação (art. 1.009, §§1º e §2º, sob o argumento de que deveriam ter recorrido imediatamente, pois a matéria estaria compreendida em uma interpretação extensiva do art. 1.015. O quadro gestado a partir disso seria de grave insegurança jurídica, em que a definição do sistema preclusivo vai depender de interpretações sobre o quanto pode ser esticado o rol do art. 1.015. (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, André Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar. Execução e recursos: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2017. p. 1071). 

Nesse particular, há que se destacar que o fenômeno preclusivo está historicamente ligado a ideia de que o sistema processual faculta às partes a prática de determinados atos processuais em um certo lapso temporal, findo o qual a parte não mais poderá praticá-lo, de modo que a questão decidida e que se relaciona àquele ato processual não mais poderá ser revisitada, nem mesmo pelo próprio juiz. 

A esse respeito, leciona Eduardo Juan Couture: 

As partes estão frequentemente ligadas a ônus processuais, que são situações jurídicas que exigem que o litigante realize determinados atos, sob a ameaça de o processo continuar independentemente disso. O tribunal coopera na condução do julgamento declarando, por decisão própria e nos termos da lei, os prazos para a realização dos atos processuais. A própria estrutura do julgamento contribui, por outro lado, para o fato de que, uma vez esgotados os prazos concedidos para a realização dos atos, se considere vencida a possibilidade de realizá-los (preclusão), passando para os atos subsequentes. (...) O princípio da preclusão está representado pelo fato de que as diversas etapas do processo se desenvolvem de forma sucessiva, mediante o fechamento definitivo de cada uma delas, impedindo-se o regresso a etapas e momentos processuais já extintos ou consumados. (COUTURE, Juan Eduardo. Fundamentos del derecho procesal civil. 4ª ed. Montevideo: BdeF, 2010. p. 142 e 159). 

Daí porque a preclusão, em sua concepção clássica, opera-se em três diferentes dimensões, como bem destaca Humberto Theodoro Junior, apoiando-se nas lições de José Frederico Marques, em artigo em que examina o tema sob a ótica do CPC/73: 

a) “Preclusão temporal é a perda de uma faculdade processual oriunda de seu não-exercício no prazo ou termo fixados pela lei processual”. Os exemplos típicos dessa modalidade são os que se passam quando o réu não apresenta a contestação no prazo previsto em lei, e quando a parte vencida não recorre em tempo hábil da decisão que lhe é adversa. (...) b) “Preclusão lógica é a que decorre da incompatibilidade da prática de um ato processual com outro já praticado”. São exemplos dessa modalidade preclusiva: a purga da mora que preclui o direito processual do réu de contestar a ação de despejo por falta de pagamento; o manejo da declinatoria fori, perante o juiz da causa, que preclui o direito de excepcioná-lo por suspeição. c) Preclusão consumativa ocorre “quando a faculdade processual já foi exercida validamente”. Funda-se ela, segundo Frederico Marques, “na regra do non bis in idem”. No direito positivo brasileiro atual, essa modalidade preclusiva encontra exemplos no art. 471, in verbis: “nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão”, bem como no art. 117, que prevê a extinção do direito de suscitar conflito de competência para a parte que antes tiver oferecido exceção de incompetência. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. A preclusão no processo civil in Revista dos Tribunais nº 784, São Paulo: RT, fev. 2001, p. 15). 

Não há dúvida de que o novo CPC modificou substancialmente o regime de preclusões do processo. Pelo novo regime, apenas precluem as decisões que possuam o conteúdo descrito nas hipóteses previstas no art. 1.015 do CPC e que não tenham sido impugnadas por agravo de instrumento, ficando todas as demais questões imunizadas pelo sistema até momento futuro – prolação da sentença – ocasião em que as questões, até então imunes, deverão ser impugnadas pela parte no recurso de apelação ou em suas contrarrazões, sob pena de, a partir desse momento, tornarem-se indiscutíveis. 

Diante desse cenário, faz sentido a preocupação externada pela doutrina, no sentido de que o alargamento das hipóteses de cabimento do agravo pela via da interpretação extensiva ou analógica implicaria significativo rompimento com o modelo de preclusões inaugurado pelo CPC/15, com potenciais e nefastos prejuízos às partes, pois, se porventura fosse adotada essa interpretação, a conclusão seria de que o agravo de instrumento era interponível desde logo até mesmo para as hipóteses não literalmente previstas no rol do art. 1.015, de modo que o jurisdicionado que, confiando na taxatividade restritiva e literal do referido rol, não impugnou a decisão cujo conteúdo seria dedutível por extensão ou analogia teria sido atingido pela preclusão temporal. 

Esse problema, todavia, sequer se verifica se for adotada a tese jurídica que se propõe: taxatividade mitigada pelo requisito da urgência. 

De fato, admitindo-se a possibilidade de impugnar decisões de natureza interlocutória não previstas no rol do art. 1.015, em caráter excepcional, tendo como requisito objetivo a urgência decorrente da inutilidade futura do julgamento diferido da apelação, evidentemente não haverá que se falar em preclusão de qualquer espécie. 

Não haverá preclusão temporal porque o momento legalmente previsto para a impugnação das interlocutórias – apelação ou contrarrazões – terá sido respeitado. A tese jurídica proposta não visa dilatar o prazo, mas, ao revés, antecipá-lo, colocando-se, em situação excepcional, a possibilidade de reexame de certas interlocutórias em momento anterior àquele definido pela lei como termo final para a impugnação. 

Também não haverá preclusão lógica, na medida em que, nos termos da lei, a decisão interlocutória fora da lista do art. 1.015, em tese não impugnável de imediato, está momentaneamente imune. Nessa perspectiva, somente por intermédio de uma conduta ativa da parte – ato comissivo – é que se poderá, eventualmente e se preenchido o seu requisito, desestabilizar a questão, retirando-a do estado de espera que a própria lei a colocou e permitindo que seja examinada imediatamente. 

Igualmente, não há que se falar em preclusão consumativa, porque apenas haverá o efetivo rompimento do estado de inércia da questão incidente se, além da tentativa da parte prejudicada, houver também juízo positivo de admissibilidade do recurso de agravo de instrumento, isto é, se o Tribunal reputar presente o requisito específico fixado neste recurso especial repetitivo, confirmando que a questão realmente exige reexame imediato. 

Dito de outra maneira, o cabimento do agravo de instrumento na hipótese de haver urgência no reexame da questão em decorrência da inutilidade do julgamento diferido do recurso de apelação está sujeito a um duplo juízo de conformidade: um, da parte, que interporá o recurso com a demonstração de seu cabimento excepcional; outro, do Tribunal, que reconhecerá a necessidade de reexame com o juízo positivo de admissibilidade. Somente nessa hipótese a questão, quando decidida, estará acobertada pela preclusão. 

Significa dizer que, quando ausentes quaisquer dos requisitos acima mencionados, estará mantido o estado de imunização e de inércia da questão incidente, possibilitando que seja ela examinada, sem preclusão, no momento do julgamento do recurso de apelação. 

De outro lado, conclui-se que a adoção da tese jurídica de que o rol do art. 1.015 do CPC possui taxatividade mitigada é mais benéfica ao jurisdicionado e ao sistema recursal do que àquela consubstanciada na criação de extensões ou de analogias que, como demonstrado, não raro se afastam do rigor técnico e científico que podem desvirtuar a essência de institutos que sequer se assemelham. 

B) DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. 

Para proporcionar a necessária segurança jurídica, não há objeção ou dificuldade em se criar, para a situação em exame, um regime de transição que module os efeitos da decisão desta Corte, caso seja adotada a tese jurídica da taxatividade mitigada. 

Isso porque o art. 23 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB, introduzido pela Lei nº 13.655/2018, expressamente prevê que “a decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais”. 

Adotado o regime de transição, a modulação será feita com a aplicação da tese somente às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do acórdão que a fixar. 

C) DESCABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. 

Admitindo-se que seja possível impugnar de imediato certas interlocutórias não listadas no art. 1.015 do CPC, fato é que ainda é preciso examinar uma derradeira questão, que diz respeito à via processual adequada para que a parte busque a tutela jurisdicional imediata – se por meio de agravo de instrumento ou de mandado de segurança contra ato judicial. 

Desde o rol pretensamente taxativo previsto no CPC/39 e que foi, relembre-se, severamente criticado por tornar irrecorríveis decisões interlocutórias de grande relevância, tem-se discutido, nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial, acerca do cabimento do mandado de segurança contra ato judicial, a ponto de, em 1963, ter sido editada a Súmula 267/STF, segundo a qual “não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição” e que, lida a contrario sensu, significa dizer que cabe mandado de segurança contra ato judicial irrecorrível. 

Por ocasião da entrada em vigor do CPC/73, havia a expectativa de que, enfim, o uso do mandado de segurança contra ato judicial seria minimizado, quiçá dizimado, porque todas as interlocutórias seriam recorríveis pelo agravo de instrumento. 

Ledo engano, todavia, porque o fato de o agravo, na versão originária de Buzaid, ainda ser interposto em 1º grau, com a formação do instrumento sob a responsabilidade do ofício, com contraditório e possibilidade de retratação em 1º grau, e com limitadas hipóteses de concessão de efeito suspensivo, fez ressurgir o mandado de segurança contra ato judicial, embora, reconheça-se, agora vocacionado para fim distinto – pretendia-se tão somente conceder efeito suspensivo ao recurso fora das hipóteses legais ou no interregno entre a interposição e o exame em 2º grau de jurisdição. 

Com as reformas realizadas ao longo dos tempos no regime do agravo de instrumento, todas ainda na vigência do CPC/73, percebeu-se que, de fato, o novo perfil estrutural do agravo, especialmente após a reforma de 2005, acarretou uma significativa redução de uso do mandado de segurança. 

Destaca Teresa Arruda Alvim, citando emblemático ensaio de Heitor Vitor Mendonça Sica, que a trajetória do agravo pode ser comparada à de Prometeu. Diz ela que "Prometeu, um titã, muito amigo de Zeus, o deus dos deuses, justamente por causa dessa proximidade, aproveitou-se ardilosamente de uma distração do “chefe” e roubou, do Monte Olimpo, residência dos deuses, a chama (fogo da sabedoria) que os tornava deuses. Zeus descobriu e condenou Prometeu a ficar preso a uma montanha, acorrentado, por correntes feitas pelo ferreiro Hefesto, por 30 mil anos. Durante a noite, uma águia lhe comeria o fígado, que, ao longo do dia, se reconstituiria. O ciclo destrutivo se reiniciava quando anoitecia, e se repetia indefinidamente". (ALVIM, Teresa Arruda. Um agravo e dois sérios problemas para o legislador brasileiro in Portal Consultor Jurídico, 14/06/2018. Acesso realizado em 15/06/2018). 

Se isso é verdade, não é menos verdade que a trajetória do mandado de segurança contra ato judicial assemelha-se a de Fênix, um pássaro, também da mitologia grega, único da espécie e que, após viver 300 anos, deixava se arder em um braseiro entrando em autocombustão para, em sequência, renascer das próprias cinzas. 

Isso porque o legislador brasileiro, ao enunciar as hipóteses de cabimento do agravo no CPC/15, propositalmente quis ou involuntariamente conseguiu reacender, vivamente, as polêmicas e as discussões acerca do cabimento do mandado de segurança contra ato judicial como sucedâneo do recurso de agravo, tendo se posicionado acerca da viabilidade da impetração, apenas nos últimos anos, juristas de grande gabarito, como Eduardo Talamini, Clayton Maranhão, Rodrigo Frantz Becker, Heitor Vitor Mendonça Sica, Fernando da Fonseca Gajardoni, Luiz Dellore, André Vasconcelos Roque, Zulmar Oliveira Jr., Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres Ribeiro, Rogério Licastro Torres de Mello e José Henrique Mouta Araújo, dentre tantos outros. 

Contudo, é preciso, uma vez mais, tentar abater definitivamente a Fênix que insiste em pousar no processo civil de tempos em tempos e que mais traz malefícios do que benefícios. 

Como se sabe, o mandado de segurança contra ato judicial é uma verdadeira anomalia no sistema processual, pois, dentre seus diversos aspectos negativos: (i) implica na inauguração de uma nova relação jurídico processual e em notificação à autoridade coatora para prestação de informações; (ii) usualmente possui regras de competência próprias nos Tribunais, de modo que, em regra, não será julgado pelo mesmo órgão fracionário a quem competirá julgar os recursos tirados do mesmo processo; (iii) admite sustentação oral por ocasião da sessão de julgamento; (iv) possui prazo para impetração substancialmente dilatado; (v) se porventura for denegada a segurança, a decisão será impugnável por espécie recursal de efeito devolutivo amplo. 

Trata-se, a toda evidência, de técnica de correção da decisão judicial extremamente contraproducente e que não se coaduna com as normas fundamentais do processo civil, especialmente quando se verifica que há, no sistema processual, meio disponível e mais eficiente para que se promova o reexame e a eventual correção da decisão judicial nessas excepcionais situações: o próprio agravo de instrumento. 

6) RESOLUÇÃO DA HIPÓTESE EM EXAME. CABIMENTO DO AGRAVO EM QUE SE DISCUTE COMPETÊNCIA. 

Na hipótese em exame, o recurso especial aviado por QUIM COMÉRCIO DE VESTUÁRIO INFANTIL LTDA. – ME volta-se contra acórdão do Tribunal de Justiça do Mato Grosso que desproveu o agravo interno por ela interposto em face de decisão unipessoal que não conheceu do agravo de instrumento, no qual se pretendia discutir a competência do juízo em que tramita o processo, ao fundamento de que a matéria em referência não se enquadrava no rol taxativo do art. 1.015 do CPC/15. 

Nesse aspecto – competência – é induvidoso, diante de tudo que se expôs e em sintonia com a tese jurídica que se pretende fixar, que o agravo de instrumento deve ser conhecido e regularmente processado pelo TJ/MT. 

Isso porque a correta fixação da competência jurisdicional é medida que se impõe desde logo, sob pena de ser infrutífero o exame tardio da questão controvertida, especialmente quando reconhecida a incompetência do juízo, discussão que se trava a partir da alegação de nulidade da cláusula de eleição de foro inserida em contrato de franquia de adesão. 

Assim, o recurso deve ser conhecido e provido para determinar ao TJ/MT que, observado o preenchimento dos demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência. 

7) CONCLUSÃO. 

Forte nessas razões, CONHEÇO o recurso especial repetitivo, a fim de: 

(i) Fixar a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação. 

(ii) Modular os efeitos da tese jurídica: A tese jurídica somente se aplicará às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão. 

(iii) Dar provimento ao recurso especial e determinar ao TJ/MT que, observado o preenchimento dos demais pressupostos de admissibilidade do recurso, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento.

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