10 de abril de 2021

REsp 1.910.317-PE: Aplicação da técnica de ampliação do colegiado ao julgamento não unânime de embargos de declaração em Apelação

RECURSO ESPECIAL Nº 1.910.317 - PE (2019/0154983-0) 

RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA

4ª TURMA; UNÂNIME


PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VOTO DIVERGENTE. APTIDÃO. MODIFICAÇÃO DO RESULTADO UNÂNIME. RECURSO DE APELAÇÃO. ART. 942 DO CPC/2015. CABIMENTO. RECURSO PROVIDO. 

1. Deve ser aplicada a técnica de julgamento ampliado nos embargos de declaração toda vez que o voto divergente possua aptidão para alterar o resultado unânime do acórdão de apelação. 

2. Recurso especial provido para determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que seja dada continuidade ao julgamento não unânime dos embargos de declaração, aplicando-se a técnica prevista do art. 942 do CPC/2015. 


ACÓRDÃO 

A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão (Presidente), Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Marco Buzzi. Dr(a). MARCOS SOARES DA SILVA JÚNIOR, pela parte RECORRENTE: MANOEL LOURENCO DA SILVA NETO E OUTROS Dr(a). PAULO RODOLFO DE RANGEL MOREIRA NETO, pela parte RECORRIDA: WILMA LUNDGREN WERNER E OUTRO. 

Brasília-DF, 02 de março de 2021 (Data do Julgamento)


RELATÓRIO 

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto contra acórdão do TJPE, assim ementado (e-STJ fl. 1.189): 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. MODO DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. FRAÇÃO DE ÁREA RURAL. POSSE POR MERA DETENÇÃO. PERMISSÃO DO PROPRIETÁRIO. POSSE PRECÁRIA. IMPROCEDÊNCIA. 

- No caso em exame, é firme a prova no sentido da improcedência da ação por não restar comprovado o animus domini dos usucapientes, em virtude destes exercerem a posse por atos de mera detenção, como arrendatários. 

- A usucapião extraordinária eximiu o pretendente à aquisição originária de demonstrar boa -fé ou apresentar título, no entanto, manteve a exigência de advir à pretensão de posse justa. 

Os primeiros embargos de declaração foram rejeitados (e-STJ fls. 1.240/1.243), bem como os segundos (e-STJ fls. 1.282/1.299). 

Os terceiros foram parcialmente providos. Em relação a não atribuição de efeitos modificativos, a decisão foi por maioria, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 1.396): 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL - TERCEIROS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - TODAS AS TESES REITERADAS NOS SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO FORAM APRECIADAS CORREÇÃO EX OFFICIO DE MERO ERRO MATERIAL QUE EM NADA ALTERA O JULGADO ANTERIOR - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO, SEM ATRIBUIÇÃO DE EFEITOS MODIFICATIVOS - DECISÃO POR MAIORIA. 

Os quartos aclaratórios foram rejeitados (e-STJ fls. 1.418/1.430). As razões do recurso especial (e-STJ fls. 1.436/1.463), fundamentadas no art. 105, III, alínea "a", da CF, versam sobre ofensa aos seguintes dispositivos legais: 

(i) art. 942 do CPC/2015, porque não teria sido aplicada a técnica de julgamento dos embargos de declaração. Informa que "o recurso de apelação fora julgado procedente à unanimidade dos votos, entretanto, após oposição de embargos declaratórios, o desembargador relator reconhecera a premissa equivocada exarada em primeiro julgamento de apelação e modificara seu voto para negar provimento ao recurso de apelação. Logo, se o voto do relator modificou-se, o julgamento da apelação se deu por maioria, nos termos do voto do revisor" (e-STJ fl. 1.461). Complementa que "não importa se a divergência fora exarada em sede de julgamento de, embargos declaratórios. O que se discute é a modificação do voto do relator para negar provimento ao recurso de apelação, portanto, a técnica de julgamento prevista no caput do art. 942/CPC deveria ter sido aplicada" (e-STJ fl. 1.461), e 

(ii) arts. 117 e 489, § 1º, IV, do CPC/2015, tendo em vista as partes terem sido "tratadas como litisconsorte unitário, atribuindo-se a todas partes o mesmo direito, contudo apesar de se tratar de uma ação de usucapião, a ação contém 5 (cinco) partes distintas e 5 (cinco) terrenos distintos, de maneira, que cada parte representa um litisconsorte facultativo simples, em que a entrega da tutela jurisdicional poderá se dar de modo diferente para cada umas das partes, dependendo das respectivas provas e situações jurídicas" (e-STJ fl. 1.449). Sustenta que, "do cotejo analítico entre o voto vencido do relator e o voto vencedor do revisor, infere-se que o voto vencedor encontra-se eivado de vícios inerentes à contrariedade de preceitos infraconstitucionais processuais. Perceba-se a dicotomia pertinente à entrega da tutela jurisdicional que poderá se dar de modo diferente para cada umas das partes, em função da qualidade de litisconsorte facultativo e simples. De um lado, o voto do relator individualiza a prestação jurisdicional. Do outro lado, o voto do revisor generaliza" (e-STJ fl. 1.457). 

Contrarrazões apresentadas às fls. 1.472/1.480 (e-STJ). 

É o relatório.


VOTO 

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA (Relator): Trata-se originariamente de ação de usucapião extraordinária ajuizada pelos recorrentes contra WILMA LUNDEGREN WERNER (e-STJ fls. 5/16). 

O Juízo de primeira instância admitiu a empresa NOVA AURORA EMPREENDIMENTOS LTDA como assistente litisconsorcial e julgou procedente a ação (e-STJ fls. 1.095/1.102). 

Interposta apelação pelos réus, o recurso foi, por unanimidade, provido "para reformar a sentença vergastada, no sentido de julgar improcedente a demanda" (e-STJ fl. 1.195). 

Após rejeição de dois embargos de declaração dos recorrentes (e-STJ fls. 1.240/1.243 e 1.282/1.299), os terceiros foram acolhidos, sendo que, "por unanimidade de votos, reconheceu-se a existência de erro material e por maioria de votos, negou-se o efeito infringencial, nos termos do voto do Revisor" (e-STJ fl. 1.396). O voto divergente foi no sentido de manutenção da sentença pelos seguintes fundamentos (e-STJ fls. 1.384/1.385 - grifei): 

Suprida a omissão, a partir da análise detida das provas, conclui-se pela inexistência de relação de arrendamento entre os autores e a parte ré, já que esta não se desincumbiu de comprovar o fato extintivo alegado. Deste modo, o suprimento do ponto omisso leva a modificar-se a conclusão do julgado, atribuindo-se efeitos infringentes aos embargos de declaração, que surge como consequência necessária. [...]. Bem por isso, acolho os embargos declaratórios e atribuo efeitos infringentes, para corrigir premissa equivocada no julgamento e, em sucessivo, sanando a omissão apontada nos dois primeiros incidentes aclaratórios, negar provimento à apelação interposta pela Sra. Wilma Lundegren Werner. Por conseguinte, mantenho a sentença de primeiro grau, com os acréscimos dos fundamentos ora lançados. 

Opostos novos embargos de declaração pelos recorrentes, buscando a aplicação da técnica de julgamento ampliado, a Corte de origem rejeitou o pedido (e-STJ fl. 1.429): 

Ocorre que, não há que se cogitar a incidência, à hipótese, do artigo artigo 942 do CPC/15. Este rege o julgamento ampliado do colegiado em caso de divergência apenas no julgamento dos recursos de apelação, ação rescisória e agravo de instrumento. 

A controvérsia principal diz respeito à possibilidade de aplicação da técnica de julgamento ampliado nos embargos de declaração, tendo em vista ter o voto divergente concedido efeito infringente aos embargos para reformar o decidido unanimemente no recurso de apelação. 

Segundo depreende-se do disposto no art. 942 do CPC/2015: 

Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. 

Portanto, diversamente dos embargos infringentes, previsto no art. 530 do CPC/1973 – recurso cabível quando acórdão não unânime julgar a apelação e reformar a sentença de mérito –, na técnica de julgamento ampliado não há necessidade de alteração do resultado da decisão de primeira instância, mas apenas que haja divergência no julgamento do recurso de apelação. 

Assim, o requisito de modificação da sentença pelo Tribunal ficou previsto apenas para as hipóteses de ação rescisória e agravo de instrumento (art. 942, § 3º, I e II): 

§ 3º A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em: 

I - ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno; 

II - agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito. 

Ademais, apesar de o art. 942 do CPC/2015 não mencionar a possibilidade de a divergência ocorrer apenas em sede de embargos de declaração, deve ser considerado seu efeito integrativo, de modo que há a complementação e incorporação dos fundamentos e do resultado no acórdão embargado. 

Nesse sentido, as ponderações do professor Alexandre Freitas Câmara: 

Será caso de ampliar o colegiado quando houver divergência no julgamento de embargos de declaração contra acórdão proferido em apelação (já que a decisão dos embargos de declaração se integra ao julgamento embargado, e na hipótese da apelação qualquer divergência acarreta a ampliação do órgão julgador). (Revista de Processo. Vol. 282. Ano 43. p. 251-266. São Paulo: Ed. RT, agosto 2018. p. 264). 

Em tal contexto, quando há aptidão dos embargos de declaração para influenciar o julgamento que os precedeu, modificando-lhes a conclusão unânime, devem ser convocados outros julgadores, na forma do art. 942 do CPC/2015. 

Nessa perspectiva, adoto o entendimento majoritário da Terceira Turma, segundo o qual, deve ser aplicada a técnica de julgamento ampliado nos embargos de declaração, toda vez que o voto divergente possua capacidade de alterar o resultado unânime do acórdão de apelação. Confiram-se: 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO. APELAÇÃO PROVIDA POR UNANIMIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS POR MAIORIA. VOTO VENCIDO QUE ALTERA O RESULTADO INICIAL DA APELAÇÃO PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO. NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DA MAIORIA QUALIFICADA. EFEITO INTEGRATIVO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 

1. A controvérsia recursal cinge-se a definir se a técnica de julgamento ampliado prevista no art. 942 do CPC/2015 aplica-se quando os embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação são julgados por maioria, possuindo o voto vencido o condão de alterar o resultado inicial da apelação. 

2. A técnica de julgamento ampliado possui a finalidade de formação de uma maioria qualificada, pressupondo, na apelação, tão somente o julgamento não unânime e a aptidão do voto vencido de alterar a conclusão inicial. 

3. O procedimento do art. 942 do CPC/2015 aplica-se nos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente a alterar o resultado primitivo da apelação, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo), em razão do efeito integrativo deste recurso. 

4. Recurso especial provido. (REsp 1786158/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/08/2020, DJe 01/09/2020 - grifei.) 


RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E ESTÉTICO. AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA SEGUNDA INSTÂNCIA. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. NULIDADE NÃO CARACTERIZADA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. TÉCNICA DE JULGAMENTO AMPLIADO. APELAÇÃO PROVIDA POR UNANIMIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS POR MAIORIA. VOTO VENCIDO QUE ALTERA O RESULTADO INICIAL DA APELAÇÃO PARA NEGAR-LHE PROVIMENTO. NECESSIDADE DE FORMAÇÃO DA MAIORIA QUALIFICADA. EFEITO INTEGRATIVO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. 

1. A controvérsia recursal cinge-se a decidir sobre: i) a nulidade do julgamento da apelação por ausência de intimação prévia do Ministério Público; ii) a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional; e iii) a necessidade de ampliação do quórum do órgão julgador (art. 942 do CPC/2015) quando os embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação são julgados por maioria, possuindo o voto vencido o condão de alterar o resultado inicial da apelação. [...] 

4. A técnica de julgamento ampliado possui a finalidade de formação de uma maioria qualificada, pressupondo, na apelação, tão somente o julgamento não unânime e a aptidão do voto vencido de alterar a conclusão inicial. 

5. O procedimento do art. 942 do CPC/2015 aplica-se nos embargos de declaração opostos ao acórdão de apelação quando o voto vencido nascido apenas nos embargos for suficiente a alterar o resultado primitivo da apelação, independentemente do desfecho não unânime dos declaratórios (se rejeitados ou se acolhidos, com ou sem efeito modificativo), em razão do efeito integrativo deste recurso. 

6. Recurso especial parcialmente provido. 

(REsp 1833497/TO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/08/2020, DJe 01/09/2020.) 


No caso dos autos, o voto divergente nos embargos de declaração, ao modificar seu entendimento anterior para negar provimento ao recurso dos réus, mantendo consequentemente o disposto na sentença, alterou o resultado do julgamento da apelação, o qual deixou de ser unânime. 

Dessa forma, o Tribunal de origem, ao não convocar outros desembargadores para prosseguimento da sessão de julgamento dos embargos de declaração, violou o disposto no art. 942 do CPC/2015. 

Prejudicadas as demais teses. 

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para determinar o retorno dos autos à Corte de origem, a fim de que prossiga no julgamento não unânime dos embargos de declaração como entender de direito, aplicando a técnica prevista no art. 942 do CPC/2015. 

É como voto.

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