9 de maio de 2021

CUMPRIMENTO DEFINITIVO DE SENTENÇA QUE RECONHECE A EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. INCIDÊNCIA DE MULTA. CRITÉRIOS. INTEMPESTIVIDADE. RESISTÊNCIA MEDIANTE IMPUGNAÇÃO. DEPÓSITO INTEGRAL NO PRAZO DE 15 DIAS ÚTEIS SEM RESISTÊNCIA DA PARTE EXECUTADA. NÃO APLICAÇÃO DA MULTA.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.834.337 - SP (2019/0066322-0) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL EM FASE DE CUMPRIMENTO DEFINITIVO DE SENTENÇA QUE RECONHECE A EXIGIBILIDADE DE OBRIGAÇÃO DE PAGAR QUANTIA CERTA. PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. INCIDÊNCIA DE MULTA. CRITÉRIOS. INTEMPESTIVIDADE. RESISTÊNCIA MEDIANTE IMPUGNAÇÃO. DEPÓSITO INTEGRAL NO PRAZO DE 15 DIAS ÚTEIS SEM RESISTÊNCIA DA PARTE EXECUTADA. NÃO APLICAÇÃO DA MULTA. 

1. Ação ajuizada em 2/5/17. Recurso especial interposto em 28/5/18. Autos conclusos ao gabinete em 28/6/19. Julgamento: CPC/15. 

2. O propósito recursal consiste em dizer da violação do art. 523, §1º, do CPC/15, acerca do critério de quando deve incidir, ou não, a multa de dez por cento sobre o débito, além de dez por cento de honorários advocatícios. 

3. São dois os critérios a dizer da incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC, a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença. 

4. Considerando o caráter coercitivo da multa, a desestimular comportamentos exclusivamente baseados na protelação da satisfação do débito perseguido, não há de se admitir sua aplicação para o devedor que efetivamente faz o depósito integral da quantia dentro do prazo legal e não apresenta impugnação ao cumprimento de sentença. 

5. Na hipótese dos autos, apesar de advertir sobre o pretendido efeito suspensivo e da garantia do juízo, é incontroverso que a executada realizou tempestivamente o depósito integral da quantia perseguida e não apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, fato que revela, indene de dúvidas, que houve verdadeiro pagamento do débito, inclusive com o respectivo levantamento pela exequente. Não incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC e correta extinção do processo, na forma do art. 924, II, do CPC. 

6. Recurso especial conhecido e não provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. 

Brasília (DF), 03 de dezembro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por NEUSA CARLOS PEREIRA, com fundamento, unicamente, na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/SP. 

Ação: de rescisão contratual, em fase de cumprimento definitivo de sentença, ajuizada pela recorrente, em face de S/A O ESTADO DE SÃO PAULO. 

Sentença: julgou extinta a fase de cumprimento de sentença, ante a satisfação da obrigação e levantamento da quantia pela credora, nos termos do art. 924, II, do CPC/15. 

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente, nos termos da seguinte ementa: 

*MULTA – Artigo 523, § 1º do CPC – Depósito judicial realizado após a intimação para pagamento – Embora o depósito tenha sido feito inicialmente a título de garantia, não foi ofertada a impugnação – Ausência de resistência à satisfação do crédito que impede a imposição da multa – Extinção da obrigação reconhecida - Recurso não provido* 

Recurso especial: alega violação do art. 523, §1º, do CPC/15, bem como dissídio jurisprudencial. Insurge-se contra a não incidência da multa de 10%, além de 10% de honorários advocatícios pelo não pagamento voluntário da dívida, pois o devedor apenas depositou o valor para garantia do juízo visando ao recebimento da execução no efeito suspensivo, não para o efetivo pagamento. 

Admissibilidade: o recurso não foi admitido pelo TJ/SP. Interposto agravo da decisão denegatória, determinei sua conversão em recurso especial. 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal consiste em dizer da violação do art. 523, §1º, do CPC/15, acerca do critério de quando deve incidir, ou não, a multa de dez por cento sobre o débito, além de dez por cento de honorários advocatícios. 

- Da moldura fática da hipótese dos autos 

O recorrido pediu o cumprimento de sentença, que havia devido trânsito em julgado em 9/3/17, cujo valor apurado total (com atualização, juros e verbas sucumbenciais) perfazia R$ 1.113.893,97. Em 11/5/17 foi publicado o despacho determinando o seu cumprimento, sob pena de multa, nos termos do art. 523, do CPC/15. 

Em 5/6/17, foi colacionado aos autos comprovante de depósito no valor preciso de R$ 1.113.893,97, em petição que mencionava garantir o juízo e evitar a incidência de multa. 

Transcorrido o prazo para impugnação, a recorrente-credora pugnou pela expedição de guia para levantamento do valor depositado que lhe foi deferido mediante alvará. A recorrente, todavia, pleiteou a diferença relativa a multa de 10% do débito e juros no valor de R$ 113.775,07 para abril de 2017. 

O juízo de primeiro grau de jurisdição julgou extinto o cumprimento de sentença, declarando satisfeitos os débitos perseguidos pela credora, na forma do art. 924, II, do CPC, pois não havia nenhuma diferença a ser recebida além dos valores depositados nos autos. Este raciocínio foi mantido pelo acórdão recorrido. 

A recorrente se insurge contra a solução dada à hipótese, sob o argumento de que “a recorrida apenas depositou o valor para garantia do juízo visando o recebimento da execução no efeito suspensivo, não para o efetivo pagamento” (e-STJ fl. 170). E conclui sua tese recursal no sentido de que “não houve o pagamento voluntário bem como não houve impugnação, assim, deverá a recorrida arcar com a multa e honorários sucumbenciais” (e-STJ fl. 171). 

- Da violação do art. 523, §1º, do CPC 

A redação do artigo apontado como violado pela recorrente tem o seguinte teor: 

Art. 523. No caso de condenação em quantia certa, ou já fixada em liquidação, e no caso de decisão sobre parcela incontroversa, o cumprimento definitivo da sentença far-se-á a requerimento do exequente, sendo o executado intimado para pagar o débito, no prazo de 15 (quinze) dias, acrescido de custas, se houver. § 1º Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de dez por cento e, também, de honorários de advogado de dez por cento. 

A questão jurídica pendente de apreciação por esta Corte diz respeito ao critério a dizer quando deve incidir, ou não, a multa de dez por cento sobre o débito, além de dez por cento de honorários advocatícios. 

Considerando a semelhança do disposto no CPC/15 com o art. 475-J, do CPC/73, é interessante observar a jurisprudência do STJ quanto ao discernimento na interpretação do que constitui “pagamento” ou “garantia do juízo”. A origem desse entendimento remonta a precedente da Quarta Turma, no REsp 1175763/RS, (DJe 05/10/2012), em interpretação do art. 475-J, do CPC/73, cuja ementa foi redigida nos seguintes termos: 

RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE ADIMPLEMENTO CONTRATUAL - FASE DE IMPUGNAÇÃO A CUMPRIMENTO DE SENTENÇA - ACÓRDÃO LOCAL DETERMINANDO A EXCLUSÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 475-J DO CPC. INSURGÊNCIA DO EXEQUENTE. 1. Não conhecimento do recurso especial no tocante à sua interposição pela alínea "c" do art. 105, III, da CF. Cotejo analítico não realizado, sendo insuficiente para satisfazer a exigência mera transcrição de ementas dos acórdãos apontados como paradigmas. 2. Violação ao art. 535 do CPC não configurada. Corte de origem que enfrentou todos os aspectos essenciais ao julgamento da lide, sobrevindo, contudo, conclusão diversa à almejada pela parte. 3. Afronta ao art. 475-J do CPC evidenciada. A atitude do devedor, que promove o mero depósito judicial do quantum exequendo, com finalidade de permitir a oposição de impugnação ao cumprimento de sentença, não perfaz adimplemento voluntário da obrigação, autorizando o cômputo da sanção de 10% sobre o saldo devedor. A satisfação da obrigação creditícia somente ocorre quando o valor a ela correspondente ingressa no campo de disponibilidade do exequente; permanecendo o valor em conta judicial, ou mesmo indisponível ao credor, por opção do devedor, por evidente, mantém-se o inadimplemento da prestação de pagar quantia certa. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido em parte. (REsp 1175763/RS, Quarta Turma, DJe 05/10/2012) 

Do inteiro teor se destaca a seguinte base fática: “In casu, é ponto incontroverso o fato de que a devedora procedeu ao depósito da quantia executada, com a observância do lapso de 15 dias previsto no art. 475-J, do CPC, porém, ressalvando de forma expressa que o ato restringia-se à garantia do juízo. Deste modo, considerando que o depósito deu-se a título de garantia do juízo, não há falar em isenção da devedora ao pagamento da multa de 10%, prevista no art. 475-J, do CPC”. 

No referido julgado, a parte executada efetivamente ofereceu impugnação ao cumprimento de sentença e, por esta razão, teve de arcar com a multa do art. 475-J, do código revogado. É importante acentuar este critério para afastar ambiguidades na interpretação dos precedentes desta Corte, sobretudo quando se pretende reiterar o entendimento jurisprudencial para sedimentar a interpretação também do CPC/15. 

Na sessão de julgamento do dia 12/11/19, no REsp 1803985/SE trouxe a este colegiado o debate sobre o Código de Processo Civil de 2015, ocasião em que se definiu a tese de que "a multa a que se refere o art. 523 será excluída apenas se o executado depositar voluntariamente a quantia devida em juízo, sem condicionar seu levantamento a qualquer discussão" (DJe 21/11/19). 

A hipótese aqui em julgamento revela situação fática relevante para esclarecer ainda mais precisamente o alcance do disposto no art. 523, §1º, do CPC/15. 

No particular, a executada diligenciou o depósito em conta judicial no valor exato do débito perseguido pela credora, entretanto, textualmente informou que “o depósito ora comprovado, que não é pagamento e sim garantia do Juízo, terá o condão, juntamente com as razões que serão apresentadas pelo Executado, de conferir efeito suspensivo à impugnação que será ofertada no prazo a que alude o artigo 525 do CPC”. 

Apesar de advertir sobre o pretendido efeito suspensivo e da garantia do juízo, é incontroverso que realizou o depósito integral da quantia perseguida dentro do prazo de 15 dias e não apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, fato que revela, indene de dúvidas, que o depósito importou verdadeiro pagamento do débito, inclusive com o respectivo levantamento pela exequente (e-STJ fl. 126). 

Nessa linha, são dois os critérios a dizer da incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC, a intempestividade do pagamento ou a resistência manifestada na fase de cumprimento de sentença. Estes dois critérios estão ligados ao antecedente fático da norma jurídica processual, pois negam ou o prazo de 15 dias úteis fixado no caput ou a ação voluntária de pagamento, abrindo margem à incidência do consequente sancionador. 

Considerando o caráter coercitivo da multa, a desestimular comportamentos exclusivamente baseados na protelação da satisfação do débito perseguido, não há de se admitir sua aplicação para o devedor que efetivamente faz o depósito integral da quantia dentro do prazo legal e não apresenta impugnação ao cumprimento de sentença. A propósito, considerando a natureza processual do prazo de 15 dias para pagamento, sua contagem deve ser feita em dias úteis, na forma do art. 219, do CPC/15 (REsp 1708348/RJ, Terceira Turma, DJe 01/08/2019). 

Desse modo, não basta a mera alegação de que o executado pondera se insurgir contra o cumprimento de sentença para automaticamente incidir a multa. É preciso haver efetiva resistência do devedor por meio do protocolo da peça de impugnação para, então, estar autorizada a incidência da multa do §1º, do art. 523. 

Na espécie, a recorrida não ofereceu resistência, realizando o pagamento voluntário e integral da quantia perseguida pela recorrente em cumprimento de sentença (R$ 1.113.893,97) com o seu respectivo levantamento, razão suficiente para afastar a incidência da multa prevista no art. 523, §1º, do CPC/15. Irrepreensível, portanto, o raciocínio decisório do TJ/SP, afinal “considerando o depósito efetuado e a ausência de resistência ao cumprimento de sentença, não se justifica a incidência da multa” (e-STJ fl. 164). 

Forte nessas razões, CONHEÇO e NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. 

Considerando que não houve fixação de sucumbência pelas instâncias ordinárias, não há majoração de honorários advocatícios recursais. 

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