2 de maio de 2021

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO A TERCEIRO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEU PODER. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO COM BASE NO ART. 1.015, VI, DO CPC/15. POSSIBILIDADE. IRRELEVÂNCIA DO MEIO UTILIZADO PARA SE BUSCAR A EXIBIÇÃO. PREPONDERÂNCIA DO CONTEÚDO DECISÓRIO. MODALIDADE DE INCIDENTE, AÇÃO INCIDENTAL OU MERO REQUERIMENTO

RECURSO ESPECIAL Nº 1.798.939 - SP (2018/0125600-8) 

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 

CIVIL E CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO A TERCEIRO PARA APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEU PODER. RECORRIBILIDADE IMEDIATA POR AGRAVO DE INSTRUMENTO COM BASE NO ART. 1.015, VI, DO CPC/15. POSSIBILIDADE. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO QUE TEM POR FINALIDADE PERMITIR QUE A PARTE SE DESINCUMBA DO ÔNUS PROBATÓRIO. INCLUSÃO NO PROCESSO JUDICIAL DE DOCUMENTOS EM PODER DA OUTRA PARTE OU DE TERCEIRO QUE PERMITE O CUMPRIMENTO DO ENCARGO. HIPÓTESE DE CABIMENTO QUE ABRANGE A DECISÃO QUE RESOLVE A EXIBIÇÃO NA MODALIDADE DE INCIDENTE, AÇÃO INCIDENTAL OU MERO REQUERIMENTO NO PRÓPRIO PROCESSO. IRRELEVÂNCIA DO MEIO UTILIZADO PARA SE BUSCAR A EXIBIÇÃO. PREPONDERÂNCIA DO CONTEÚDO DECISÓRIO. 

1- Ação proposta em 12/05/2014. Recurso especial interposto em 26/07/2017 e atribuído à Relatora em 06/06/2018. 

2- O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que indeferiu a expedição de ofício para agente financeiro que é terceiro, a partir do qual se buscava a apresentação de documentos comprobatórios de vínculo entre os autores e o sistema financeiro de habitação e os riscos cobertos pela apólice de seguro, versa sobre exibição de documento e, assim, se é cabível agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, VI, do CPC/15. 

3- O art. 1.015 do CPC/15, que regula o cabimento do recurso de agravo de instrumento em suas hipóteses típicas, é bastante amplo e dotado de diversos conceitos jurídicos indeterminados, de modo que o Superior Tribunal de Justiça ainda será frequentemente instado a se pronunciar sobre cada uma das hipóteses de cabimento listadas no referido dispositivo legal. 

4- A regra do art. 1.015, VI, do CPC/15, tem por finalidade permitir que a parte a quem a lei ou o juiz atribuiu o ônus de provar possa dele se desincumbir integralmente, inclusive mediante a inclusão, no processo judicial, de documentos ou de coisas que sirvam de elementos de convicção sobre o referido fato probandi e que não possam ser voluntariamente por ela apresentados. 

5- Partindo dessa premissa, a referida hipótese de cabimento abrange a decisão que resolve o incidente processual de exibição instaurado em face de parte, a decisão que resolve a ação incidental de exibição instaurada em face de terceiro e, ainda, a decisão interlocutória que versou sobre a exibição ou a posse de documento ou coisa, ainda que fora do modelo procedimental delineado pelos arts. 396 e 404 do CPC/15, ou seja, deferindo ou indeferindo a exibição por simples requerimento de expedição de ofício feito pela parte no próprio processo, sem a instauração de incidente processual ou de ação incidental. 

6- Hipótese em que o requerimento da seguradora era a expedição de ofício para agente financeiro, que é terceiro, para que ele apresente documentos comprobatórios do vínculo dos autores com o sistema financeiro de habitação e dos riscos cobertos pela apólice que poderiam, em tese, acarretar a exclusão do dever de indenizar ou a atribuição do dever de indenizar a outra seguradora, e que foi liminarmente indeferido pelo magistrado de 1º grau em decisão interlocutória que versou sobre a exibição do documento. 7- Recurso especial conhecido e provido. 

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. 

Brasília (DF), 12 de novembro de 2019(Data do Julgamento) 

RELATÓRIO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por SUL AMERICA COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS, com base na alínea “a” do permissivo constitucional, em face de acórdão do TJ/SP que, por unanimidade, conheceu em parte do agravo de instrumento interposto pela recorrente e, nessa extensão, negou-lhe provimento. 

Recurso especial interposto e m: 26/07/2017. Atribuído ao gabinete e m: 06/06/2018. 

Ação: de reparação de danos, em que os recorridos pleiteiam indenização securitária em decorrência de danos ocorridos em imóveis ao fundamento de vício de construção. 

Decisão interlocutória: indeferiu requerimento formulado pela recorrente, a fim de que fosse expedido ofício ao agente financeiro Caixa Econômica Federal para que fornecesse documentos comprobatórios da existência de vínculo entre os recorridos e o sistema financeiro da habitação e os riscos cobertos pela apólice (fls. 125/131, e-STJ). 

Acórdão: por unanimidade, conheceu em parte do agravo de instrumento interposto pela recorrente e, nessa extensão, negou-lhe provimento, nos termos da seguinte ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO INTERPOSTO CONTRA DOIS TÓPICOS DA DECISÃO – INDEFERIMENTO DE EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO À CEF – DECISÃO IRRECORRÍVEL – RECURSO NÃO CONHECIDO NESTA PARTE – INVERSÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO, EM FAVOR DOS MUTUÁRIOS DO SFH – ÔNUS PROBATÓRIO CARREADO À SEGURADORA – ADMISSIBILIDADE. A decisão que indefere expedição de ofício à CEF não desafia agravo de instrumento, por não se tratar de incidente de exibição de documento ou coisa – Em ação de indenização securitária, a decisão que inverte o ônus probatório em desfavor da seguradora, com base no CDC e no CPC, não comporta reforma – Precedentes. - Decisão mantida – NÃO CONHECERAM DE PARTE DO RECURSO E NEGARAM PROVIMENTO NA PARTE CONHECIDA. (fls. 269/275, e-STJ). 

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados por unanimidade (fls. 316/318, e-STJ). 

Recurso especial: alega-se violação ao art. 1.015, VI, do CPC/15, ao fundamento de que a decisão interlocutória que indeferiu a expedição de ofício ao agente financeiro Caixa Econômica Federal, que não é parte do processo, versa sobre exibição de documento (fls. 278/286, e-STJ). 

É o relatório. 

VOTO 

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal é definir se a decisão interlocutória que indeferiu a expedição de ofício para agente financeiro que é terceiro, a partir do qual se buscava a apresentação de documentos comprobatórios de vínculo entre os autores e o sistema financeiro de habitação e os riscos cobertos pela apólice de seguro, versa sobre exibição de documento e, assim, se é cabível agravo de instrumento com fundamento no art. 1.015, VI, do CPC/15. 

1. DA IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE A EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO AO AGENTE FINANCEIRO QUE É TERCEIRO ESTRANHO À LIDE. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 1.015, VI, DO CPC/15. 

Em primeiro lugar, anote-se que a hipótese em exame diz respeito a um simples requerimento de expedição de ofício formulado pela recorrente, por meio do qual se pretende que um terceiro, o agente financeiro Caixa Econômica Federal, apresente em juízo determinados documentos que permitiriam comprovar a existência de vínculo entre os recorridos e o sistema financeiro da habitação e os riscos cobertos pela apólice de seguro. 

Na hipótese, não houve a instauração de um incidente processual ou uma ação incidental de exibição ou posse de documento ou coisa, nos moldes delineados nos arts. 396 a 404 do CPC/15, que, como se sabe, exigem rito e procedimento próprios (com intimação da parte ou citação do terceiro, amplo contraditório, exame das escusas de exibir ofertadas pela parte ou terceiro, produção de provas sobre a obrigação de exibir ou sobre a posse do documento ou coisa e decisão final). 

A questão vertida no recurso especial consiste em definir se o art. 1.015, VI, do CPC/15, diria respeito somente às decisões interlocutórias proferidas no incidente processual e na ação incidental a que se referem os arts. 396 e 404 do CPC/15 ou se a hipótese de recorribilidade acima mencionada seria mais ampla, abrangendo quaisquer decisões que digam respeito à exibição ou posse de documento ou coisa.

Para melhor exame da questão, confira-se o conteúdo do dispositivo legal alegadamente violado: 

Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...) VI – exibição ou posse de documento ou coisa; 

De início, é preciso relembrar, uma vez mais e a exemplo do que já se destacou em diversas outras oportunidades (como, por exemplo, no julgamento do REsp 1.752.049/PR, 3ª Turma, DJe 15/03/2019 e do REsp 1.729.110/CE, 3ª Turma, DJe 04/04/2019), que o art. 1.015 do CPC/15, que regula o cabimento do recurso de agravo de instrumento, em suas hipóteses típicas, é bastante amplo e dotado de diversos conceitos jurídicos indeterminados, de modo que esta Corte será frequentemente instada a se pronunciar sobre cada uma das hipóteses de cabimento listadas no referido dispositivo legal. 

O debate sobre o sentido que deve ser dado ao art. 1.015, VI, do CPC/15, também se insere nesse contexto, exigindo-se a indispensável conformação entre o texto de lei e o seu respectivo conteúdo normativo, a fim de que se possa dizer, exatamente, o significado de “decisão interlocutória que versa sobre exibição ou posse de documento ou coisa”. 

Nesse sentido, não há dúvida de que a decisão que resolve o incidente processual de exibição instaurado em face de parte e a decisão que resolve a ação incidental de exibição instaurada em face de terceiro estão abrangidas pela hipótese de cabimento do art. 1.015, VI, do CPC/15. 

Contudo, não se identifica na doutrina quem tenha examinado a hipótese em que a decisão interlocutória versou sobre a exibição ou a posse de documento ou coisa fora do modelo procedimental delineado pelos arts. 396 e 404 do CPC/15, ou seja, deferindo ou indeferindo a exibição por simples requerimento de expedição de ofício feito pela parte no próprio processo, sem a instauração de incidente processual ou de ação incidental, o que, aliás, ocorre muito frequentemente na praxe forense. 

Com efeito, a pretensão do réu que requer a expedição de ofício para agente financeiro, que é terceiro, para que ele apresente documentos comprobatórios do vínculo dos autores com o sistema financeiro de habitação e dos riscos cobertos pela apólice, reveste-se de típica natureza de exibição de um documento que se encontra em poder de quem não é parte. 

A esse respeito, confira-se a lição de Elaine Harzheim Macedo: 

O direito pátrio sempre reconheceu que a pretensão à exibição possa ser deduzida contra terceiro. Aqui, é preciso fixar um denominador comum: o terceiro aqui referido não é o terceiro juridicamente interessado e que interveio no processo, como é o caso do assistente, do denunciado à lide ou do chamado no processo. O terceiro passível de sofrer uma exibitória é uma pessoa, natural ou jurídica, estranha ao processo em curso, mas que devido a certas circunstâncias é a detentora do documento ou coisa a ser exibido como meio de prova. (MACEDO, Elaine Harzheim. Exibitória de documento ou coisa no novo CPC: arts. 396 a 404 in Coleção Grandes Temas do Novo CPC, vol. 5: direito probatório. Coord.: Fredie Didier Jr. et. al. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2018. p. 921). 

Na hipótese, pleiteou-se que o agente financeiro Caixa Econômica Federal, que não é parte, exibisse determinados documentos que, em sintonia com a tese de defesa deduzida pela recorrente, poderiam, em tese, acarretar a exclusão do dever de indenizar ou a atribuição de eventual dever de reparar danos a outra seguradora. 

Nesse contexto, pouco importa, para fins de cabimento do recurso de agravo de instrumento com base no art. 1.015, VI, do CPC/15, que a decisão que indeferiu o pedido de exibição tenha se dado na resolução de um incidente processual, de uma ação incidental ou de um mero requerimento formulado no próprio processo. 

Com efeito, o veículo processual é irrelevante face ao conteúdo decisório que efetivamente versou sobre a exibição de documento em posse de terceiro, ainda que não tenha sido observado o procedimento previsto no CPC/15 porque o julgador, liminarmente, indeferiu o pedido de cunho exibitório formulado pela recorrente de forma expedita. 

Em sentido semelhante, lecionam Teresa Arruda Alvim, Maria Lúcia Lins Conceição, Leonardo Ferres da Silva Ribeiro e Rogério Licastro Torres de Mello: 

7. Exibição ou posse de documento ou coisa – inciso VI. A decisão que determina que certo documento seja entregue, ou seja, exibido, quer em relação à própria parte, quer em relação a terceiro, é agravável de instrumento, bem como a decisão que indefere pedido neste sentido. (ARRUDA ALVIM, Teresa; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 1.616). 

Também em sentido análogo, ensina Daniel Amorim Assumpção Neves: 

8. Decisão que versar sobre exibição e posse de documento ou coisa. O inciso VI do art. 1.015 prevê a recorribilidade por agravo de instrumento da decisão interlocutória que versa sobre exibição ou posse de documento ou coisa. Nesse caso, tanto a decisão de indeferimento, como de deferimento do pedido, bem como a determinação de exibição de ofício, devem ser consideradas. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 4ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 1.819). 

Em suma, a regra do art. 1.015, VI, do CPC/15, tem por finalidade permitir que a parte a quem a lei ou o juiz atribuiu o ônus de provar possa dele se desincumbir integralmente, inclusive mediante a inclusão, no processo judicial, de documentos ou de coisas que sirvam de elementos de convicção sobre o referido fato probandi e que não possam ser voluntariamente por ela apresentados. 

Essa finalidade apenas será perfeitamente atingida se se compreender que a decisão interlocutória que versa sobre a exibição do documento possa ocorrer em um incidente processual, em uma ação incidental ou, ainda, em mero requerimento formulado no bojo do próprio processo. 

Conclui-se, pois, que o acórdão recorrido violou o art. 1.015, VI, do CPC/15. 

2. CONCLUSÕES. 

Forte nessas razões, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, determinando o retorno do processo ao TJ/SP para que, afastado o óbice do cabimento, examine a alegação de plausibilidade do requerimento exibitório formulado. 

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